Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ARMINDO MONTEIRO | ||
Descritores: | ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS ADMISSIBILIDADE DE RECURSO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL PENA ÚNICA PENA PARCELAR PENA DE PRISÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 10/12/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
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Sumário : | I - A competência do STJ em sede de recurso está especificamente elencada no art. 432.º do CPP, dispondo-se na al. c) do n.º 1, na redacção trazida pela Lei 48/2007, de 29-08, que se recorre para o STJ dos acórdão finais proferidos, além do mais pelo tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superiores a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de direito. II - Nestes termos, entende-se que na situação em que as penas parcelares de privação de liberdade são inferiores a 5 anos, mas a unitária excedente, a competência para o conhecimento do recurso (incluindo as penas parcelares) está atribuído ao STJ (cf., neste mesmo sentido, o Ac. de 18-11-2009, in CJ, ACSTJ, XVII, Tomo III, pág. 228). III - A medida concreta da pena, dentro da maior ou menor amplitude da moldura penal, é fortemente sensível à necessidade da pena e à importância dos bens jurídicos a proteger, tal como a consciência colectiva os apreende. IV - No caso concreto, ficou provado, para além do mais, o seguinte: - entre meados de Outubro de 2009 e Janeiro de 2010, diariamente, o arguido introduziu o pénis erecto na vagina, no ânus e, por vezes, também na boca de T, então com 13 anos; - todas essas relações foram consentidas pela menor; - num dos últimos encontros, já no início de Janeiro de 2010, com o consentimento da menor, o arguido filmou e gravou um vídeo com o seu telemóvel em que é visível como T mantinha consigo coito oral; - mais tarde, em Janeiro de 2010, uma colega da escola de T visionou o filme, gravando-o no seu próprio telemóvel, acabando por mostrá-lo a mais colegas de T, que a viram e identificaram na aludida prática sexual, facto que se tornou conhecido e comentado na própria escola; - o arguido tinha 21 anos à data dos factos; - a menor T já tinha completado 13 anos e havia mantido relações sexuais com dois menores. V - O crime de abuso sexual sobre crianças menores de 14 anos, p. e p. pelo art. 171.º, n.ºs 1 e 2, do CP, representa um atentado à autodeterminação sexual, que irradia do direito à disposição do corpo, presumindo o legislador, juris et de jure, que as crianças de idade inferior a 14 anos não possuem maturidade física e psíquica bastante para, sem prejuízo do seu desenvolvimento equilibrado e harmónico, suportarem tais actos. Mesmo que haja consentimento essa anuência é inválida, afirmação que sai reforçada no caso concreto em que o nível de maturidade e de desenvolvimento intelectual da menor é abaixo do esperado para a sua idade. VI - No crime de pornografia de menores, qualificado, p. e p. pelos arts. 176.º, n.ºs 1, al. b), e 6, e 177.º do CP, tutela-se, ainda, a autodeterminação sexual, em virtude de se entender que o desenvolvimento sexual da criança pode ser severamente prejudicado com a sua participação em manifestações pornográficas. VII - Para a determinação da pena conjunta importa avaliar os factos na sua globalidade, aferindo a conexão entre eles e entre estes e a personalidade do arguido, em ordem a interiorizar, por via da pena, a gravidade do resultado cometido e sem desprezar as profundas exigências de prevenção geral associados a este tipo de crimes. VIII - A suspensão da execução é de arredar, por o arguido não oferecer, pelas suas condições de vida, garantias de que a simples ameaça de execução da pena seja suficiente para o afastar do cometimento de novos crimes. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo , sob o n.º 4/105GBFAR , foi submetido a julgamento no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão , AA , vindo , a final a ser condenado como autor material de um crime de abuso sexual de crianças , p . e p . pelo art.º 171.º n.ºs 1 e 2 , do CP , em 4 anos e 6 meses de prisão e como autor material de um crime de pornografia de menores, p . e . p.pelos art.ºs 176 .º n.º 1 a ) e 177.º n.º 6 , do CP , em 2 anos e 6 meses de prisão , e , em cúmulo jurídico , na pena de 5 anos e 6 meses de prisão . Inconformado com o teor da decisão recorrida , interpôs o arguido recurso para o STJ , em cujas conclusões faz menção do seguinte : As penas parcelares e única pecam por excessivas . O Colectivo não considerou como atenuante que confessou integralmente e sem reservas , com o que se violaram os art.ºs 40.º e 71 .º , do CP, tanto mais que se serviu para fundamentar o decidido . O arguido , segundo declarou em julgamento , nunca considerou que os factos que praticou fossem tão fortemente punidos . Não considerou suficientemente o relatório social e particularmente ser de etnia cigana , oriundo de meio familiar numeroso e de condição económica deficitária , tendo completado o quinto ano de escolaridade aos 16 anos , revelando dificuldade de aprendizagem . O arguido tornou –se toxicodependente de heroína aos 18 anos , iniciando , depois , no IDT do Sotavento de Olhão , um tratamento de recuperação com metadona O facto de ter , apenas , o 6.º ano de escolaridade , de baixo nível , devia funcionar como atenuante . Idem o facto de ter sido toxicodependente , devia ter interferido na medida da pena . O facto de se não ter considerado a sua condição pessoal traduz violação ao preceituado no art.º 71.º e 2 , do CP . Nestes termos deveria o arguido ser condenado pela prática do crime de abuso sexual em 3 anos e 6 meses de prisão e de pornografia em 2 anos de prisão , em cúmulo jurídico em 4 anos de prisão , suspensa na sua execução , sujeita a fiscalização e acompanhamento pelo Gabinete de Apoio ao Grupo de Ajuda e Toxicodependência O M.º P.º contramotivou pugnando pelo acerto da decisão . Neste STJ a Exm.º Procuradora Geral Adjunta suscitou a questão prévia da competência para conhecimento do recurso , por entender que , estando englobadas no concurso penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão , e estando a competência do STJ , nos termos do art.º 432.º n.º 2 c) , do CPP , limitada à aplicação de penas superiores a 5 anos , é a Relação o Tribunal competente . O Colectivo deu como provado que: O arguido AA nasceu no dia 19 de Fevereiro de 1988 . É oriundo de um agregado familiar numeroso de etnia cigana , em que predomina um sentimento solidário de entreajuda entre os seus membros. O arguido apenas concluiu o quinto ano de escolaridade, apesar de ter frequentado a escola até aos dezasseis anos de idade . Posteriormente passou a integrar uma acção formativa nas artes gráficas , da qual foi desvinculado , por falta de pontualidade e assiduidade . Nessa ocasião tornou-se toxicodependente de heroína . Dois anos depois , perante a sua acentuada agressividade verbal , quando contrariado , a sua família apercebeu-se da sua toxicodependência . Nessa sequência , o arguido iniciou um programa de tratamento à sua toxicodependência à base de metadona . Já em 2007 , o arguido viria a concluir o sexto ano de escolaridade , integrado no ensino recorrente . No plano da actividade laboral , o arguido não tem qualquer experiência , além de coadjuvar a sua família de forma inconstante , em actividades indiferenciadas ou sazonais como a apanha de frutos secos , caracóis e bivalves . No dia 25 de Outubro de 2007 , o arguido foi condenado por decisão transitada em julgado na pena de 1 ano e 2 meses de prisão , suspensa na sua execução pelo mesmo período , pela prática em 18 de Fevereiro de 2007 , de um crime de furto qualificado . Esta pena foi declarada extinta por decisão datada de 12 de Novembro de 2009 . O agregado familiar do arguido beneficia do rendimento social de inserção no montante de € 246 (duzentos e quarenta e seis euros ) . No início do mês de Outubro de 2009 , o arguido AA conseguiu obter o número de telemóvel de BB , através de uma pessoa amiga . A BB tinha , apenas , treze anos completos de idade , tendo nascido a 5 de Abril de 1996 . Durante cerca de uma semana , o arguido dirigiu-lhe mensagens de texto ( SMS ) para o telemóvel , no intuito de encetar contacto pessoal com a mesma . Após essa semana de comunicações do arguido , BB respondeu , mostrando interesse em conhecê-lo . O arguido tinha por hábito deslocar –se para a zona situada junto da porta de entrada da Escola EB2, 3 , Escola Dr. António Eusébio em Olhão , para se encontrar com amigos . Essa escola também era frequentada por BB . A partir do dia 24 de Outubro de 2009 , passaram a encontrar-se diariamente , após as aulas da BB , nas imediações da referida escola . Esses encontros decorriam nas escadas no pavilhão polidesportivo de Moncarapacho , num olival próximo da escola e , principalmente , numa casa devoluta conhecida por “ Casa do Dominguinhos “ . Desenvolveram , assim , uma relação íntima . Nesses encontros que tiveram lugar , diariamente , entre meados de Outubro de 2009 e Janeiro de 2010 , o arguido AA manteve com BB relações de cópula completa , coito oral e coito anal , sem usar qualquer preservativo . Assim chegados à referida casa devoluta , ambos despiam-se completamente e , numa das divisões da habitação , o arguido pedia à BB para penetrá-la com o seu pénis erecto na vagina , no ânus e , por vezes , também , na boca , ao que esta acedia , logrando assim concretizar os seus intentos , penetrando-a repetidamente , até ejacular . Todas essas relações foram consentidas pela menor . Num dos últimos encontros na mesma casa , já no início do mês de Janeiro de 2010 . com o consentimento da menor , o arguido filmou e gravou um vídeo com o seu telemóvel em que é visível como a BB mantinha consigo coito oral . A BB revela dificuldades ao nível da expressão verbal, orientação , concentração , assimilação e retenção da informação , apresentando um nível de maturidade e de desenvolvimento intelectual abaixo do esperado para a sua idade . O arguido agiu desde o início do relacionamento com o propósito de satisfazer os seus impulsos e desejos sexuais , dando execução à sua vontade inicial , utilizando para o efeito a menor , cuja idade bem conhecia durante um período prolongado , tendo-se aproveitado da sua inexperiência associada à idade e utilizando-a , inclusivamente , numa ocasião , para gravar um filme , propósitos que logrou alcançar . Agiu deliberada e conscientemente , bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei . Mais tarde , em Janeiro de 2010 , uma colega da escola da BB visionou o filme , gravando-o no seu próprio telemóvel , acabando por mostrá-lo a mais colegas da BB , que a viram e identificaram na aludida prática sexual , facto que se tornou conhecido e comentado na própria escola . O arguido admitiu em julgamento a veracidade do seu relacionamento sexual com a menor BB . Antes de iniciar o relacionamento com o arguido , BB já tinha tido relações sexuais com dois jovens . Colhidos os legais vistos, cumpre decidir considerando a questão prévia da competência deste STJ para a apreciação do recurso interposto pelo arguido, suscitada pela Exm.ª Procuradora Geral Adjunta neste STJ . O recurso respeita ao mérito da causa , à bondade da decisão que condenou o arguido em pena de prisão unitária , excedendo o limite mínimo a partir do qual é recorrível aquela decisão , mais de 5 anos de prisão , nos termos do art.º 432.º n.º 1 c) , do CPP , deixando em aberto o preceito a questão das penas parcelares , que deverão exceder 5 anos de prisão , na óptica daquela EXm.ª Magistrada . A competência do STJ em sede de recurso está especificamente elencada no art.º 432.º , do CPP e no caso que nos ocupa sempre que seja aplicada pena de prisão de mais de 5 anos , efectivamente aplicada e não aplicável , esta a inovação introduzida pela alteração CPP , trazida pela lei n.º 48/07 , de 29/8 , dispondo aquela al.c) , do n.º 1 , em conjugação com o corpo do art.º que se recorre para este STJ dos acórdãos finais proferidos , além do mais , pelo colectivo , que apliquem pena de prisão superior a 5 anos , visando exclusivamente o reexame da matéria de direito , o que está em consonância com a norma do art.º 434.º , do CPP . O arguido dirigiu , de forma expressa, o recurso , restrito à matéria de direito, considerando que a pena unitária é de 5 anos e 6 meses de prisão , directamente , ao STJ. As normas de competência são normas cogentes e de imperativa aplicação não podendo ficar na disponibilidade dos sujeitos processuais a opção do tribunal superior “ ad quem “ o recurso há –de ser dirigido. O elemento literal não deixa quaisquer dúvidas quanto à pena unitária , não versando a hipótese de as penas parcelares serem inferiores, mas uma interpretação restritiva , atalhando o pensamento do legislador , vedando esse reexame, além de não conter qualquer apoio na letra da lei ( art.º 9.º , do CC), desprezaria a razão lógica de que sendo a pena unitária a componente elaborada , ancorada , nos termos do art.º 77 .º n.º 1 , do CP , sobre as penas parcelares , mal se aceitaria que estas não comportassem reexame , além de que a solução oposta suprimiria o direito do condenado a ver apreciadas, sindicadas , numa jurisdição de recurso , em preterição de um direito fundamental de defesa , com consagração no art.º 32.º n.º 1 , da CRP , tais penas parcelares , criando-se uma desigualdade inaceitável com o regime de apreciação de recursos ante a Relação onde a questão sequer se coloca , particularmente numa esfera de reponderação em casos de menor merecimento penal devolvidos àquele Tribunal superior . Nestes termos se entende que , no caso vertente , em que as penas parcelares de privação de liberdade , são inferiores a 5 anos , mas a unitária excedente, sendo o recurso directo obrigatório , radica no STJ a competência para o conhecimento do recurso e das penas parcelares, como se decidiu no Ac. deste STJ , de 18.11.2009 , CJ ,Acs. STJ , XVII , TIII , 228 . O arguido discorda das penas parcelares e da pena de concurso aplicadas por as reputar excessivas , devendo reduzir-se em moldes de o arguido poder beneficiar da suspensão da sua execução, nos termos do art.º 50.º , do CP . A medida concreta das penas já é visível na maior ou menor amplitude da moldura penal , fortemente sensível à necessidade da pena , influenciada, também , pela importância dos bens jurídicos a proteger , tal como a consciência colectiva os apreende , sendo esta a fonte inspiradora do legislador . Donde a pena , em abstracto , se propor a protecção dos bens jurídicos em geral e a do agente do crime , em particular, reinserindo-o socialmente , nos termos do art.º 40.º n.º 1 , do CP ; aquela reconduz-se a uma teleologia de prevenção geral ; a pena pretende-se que sirva de exemplo para que outros não delinquam , com o que se assegura a crença do cidadão na validade eficácia da norma e atenua o sentimento de vingança que na sociedade se enxerta em caso de condenação discordante ; com a prevenção especial a pena propõe-se actuar sobre a pessoa do condenado em termos de o fidelizar , de futuro , ao direito , e de , pela observância do travejamento legal, se prevenir a sua reincidência . Mas quaisquer que sejam as necessidades de prevenção , nunca elas podem exceder a medida da culpa , que naquele sistema utilitarista da pena , construído à revelia de qualquer ideia de castigo , de retribuição pela pena do mal causado, concepção que se dissocia da reinante , de natureza mista , partilhando finalidades de prevenção e de retribuição , funciona como antagonista da culpa . Mas o art.º 40.º , citado, do CP , não pode compreender-se dissociadamente do preceito do art.º 71.º , do CP , porque se aquele repercute a filosofia inspiradora das penas em geral , este recolhe os critérios em que se deve fundar a pena em concreto , esta limitada , no seu topo , pela moldura da culpa concreta e dentro dessa moldura actuam as submolduras da prevenção, geral e especial , Há , sem dúvida , uma medida óptima , ideal , da pena ditada por razões de prevenção geral , mas por razões pessoais da vida do arguido , que o direito penal , dentro do princípio da menor compressão , deve afectar no mínimo , é possível baixar , até se situar num patamar abaixo do qual ela se não pode sediar sob pena de contrariar , intoleravelmente , aquelas expectativas comunitárias . O arguido foi comdenado pela prática de um crime de abuso sexual sobre criança de idade inferior a 14 anos , a BB , então com 13 anos , com quem manteve , diariamente , entre meados de Outubro de 2009 e Janeiro de 2010 , relações de cópula completa , coito oral e coito anal , sem usar qualquer preservativo . O arguido introduziu o seu pénis erecto na vagina , no ânus e , por vezes , também , na boca , até ejacular , actos sexuais de relevo , previstos no elenco do art.º 171 .º n.º 2 , do CP . Todas essas relações foram consentidas pela menor . O crime de abuso sexual sobre crianças menores de 14 anos representa um atentado à autodeterminação sexual , que irradia do direito à disposição do corpo , com plena consciência das consequências que derivam daquelas prática . O legislador parte da presunção “ juris et de jure “ que as crianças de idade inferior àquela idade de 14 anos , não possuem maturidade física e psíquica bastante para , sem prejuízo ao seu desenvolvimento equilibrado e harmónico, suportarem tais actos ; mesmo que haja consentimento essa anuência é inválida e titula violência insanável sobre elas , atenta a falta de vontade lúcida e esclarecida para , naturalmente , se auto determinarem . E essa incapacidade surge , aqui , algo afectada pelo facto de a A BB apresentar um nível de maturidade e de desenvolvimento intelectual abaixo do esperado para a sua idade . Mesmo sem coacção , em consideração da pouca idade da vítima, os actos sexuais de relevo podem, está demonstrado , prejudicar gravemente o desenvolvimento da sua personalidade –cfr. Prof . Figueiredo Dias , in Comentário Conimbricense do Código Penal , I , pág. 543 . Estamos em presença de crime de perigo abstracto em que , mesmo sem a possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento físico e psíquico do menor ou o correspondente dano vir ou não a ter lugar , sem que , com isto , a integração pela conduta do tipo objectivo de ilícito fique arredada –cfr.op ., loc . e autor citado . Mas o arguido além de ter praticado aqueles actos sexuais de relevo , num dos últimos encontros na “ Casa do Dominguinhos “ , já no início do mês de Janeiro de 2010 , com o consentimento da menor , filmou e gravou um vídeo com o seu telemóvel em que é visível como a BB mantinha consigo coito oral. Mais tarde , em Janeiro de 2010 , uma colega da escola da BB visionou o filme , gravando-o no seu próprio telemóvel , acabando por mostrá-lo a mais colegas da BB , que a viram e identificaram na aludida prática sexual , facto que se tornou conhecido e comentado na própria escola . E , por força deste factualismo –o arguido usou a menor em gravação pornográfica, difundindo o acto sexual -integrou-se a sua conduta no crime de pornografia de menores , qualificado , p. e p. pelos art.ºs 176.º n.ºs 1 b) e 6 , do art.º 177 .º , do CP . A lei não fornece o conceito de pornografia ; o Colectivo não discreteou sobre ele . A pornografia , em sentido clássico , tem o significado de acto sexual chocante , aberrante, praticado em condições profundamente dissociadas do que é usual e conhecido, sem que se confunda como o mero erotismo . Eliane Rober Moraes , docente de ética na PUC –S. Paulo , intentando traçar a distinção e sobrelevar na controvérsia , pondera que o erotismo só sugere ; a pornografia tudo mostra ; do âmbito da pornografia está excluída uma nudez não apelativa presente por ex.º nas obras de arte pictóricas , de escultura ou gravuras . O tipo legal visa a protecção , ainda que remotamente ,” demasiadamente longínqua “ , ( na expressão do Prof. Figueiredo Dias , in Comentário CCCP , ao art.º 172.º , do CP , nota 3 , a propósito da punição das conversas , espectáculos ou objectos pornográficos ) , da autodeterminação sexual , sem embargo de o desenvolvimento sexual da criança poder ser severa e directamente prejudicado com a sua participação em manifestações pornográficas , isto mesmo à margem de “ sacrifício na ara de uma qualquer moralidade sexual “ , autor citado , ainda , no CCCP , pág. 544 , moralidade à revelia da qual o legislador nacional , do CP , após 1995 , se dispôs a construir o direito penal sexual , um pouco de acordo com a filosofia stuartmilliana para o liberalismo económico de que em princípio tudo é permitido ; a proibição vem por excepção . As Nações Unidas definem pornografia infantil como sendo qualquer representação por qualquer meio de uma criança em actividades sexuais explícitas , reais ou simuladas ou qualquer representação das partes sexuais- art.º 2 .º , c) , do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças , Prostituição Infantil e Pornografia , de 2002, de onde resulta que o conceito de pornografia infantil é amplo e não deixou de servir de inspiração ao legislador de 2007-lei nº 58 /07 , de 4/9, ao introduzir o tipo em causa . Não há assim qualquer distinção entre objecto pornográfico e erótico-sensual . O conceito de pornografia surge , ainda assim , desinserido de qualquer referência à moral ou pudor públicos , em contrário do que sucedia com o definido no Dec.º _lei n.º 254/76 , de 7/4 , visando combater uma onda de divulgação de pornografia que se abateu sobre o país . Adquiriu-se , na punição transnacional da pornografia , a consciência de que a pornografia infantil é uma indústria milionária , dos mais crescentes na internet através de câmaras digitais e da webcames , tornando-se um negócio fácil e barato , tanto pela distribuição como aquisição pelos utentes da internet . E a prová-lo o facto de , sem se identificar o autor, a menor BB surgir na internet em posição de prática de coito oral com o arguido . Este agiu com dolo intenso , fazendo perdurar no tempo , por vários meses , a sua vontade criminosa de satisfazer a sua lascívia , com a menor , que , diga-se já, havia mantido relações de sexo com dois outros jovens, apresentando aquela algum défice ao nível de maturidade e de desenvolvimento intelectual abaixo do esperado para a sua idade, porventura a reclamar maior protecção e apoio. E denotando uma personalidade mal conformada , indiferente a bens ou valores jurídicos por cujo respeito se pugna , por ser frequente a sua ofensa ,o arguido não se limitou a abusar sexualmente da menor , porque veio a filmar e gravar a menor em prática de sexo oral consigo, exibiu a gravação a uma aluna da escola frequentada pela ofendida , que filmou o acto , sendo o facto comentado e difundido depois no meio escolar , densificando o dolo , a sua vontade criminosa. E nem se diga que o seu fraco aproveitamento escolar atenua a gravidade do facto , revelada numa culpa em grau muito intenso e num grau de ilicitude muito elevado porque dele partiu , com insistência, a ideia de se avistar com a menor , cuja idade não ignorava , a perduração dos actos sexuais no tempo , a forma multiforme por foram cometidos , os sentimentos manifestados , de profundo desprezo pela condição da ofendida e o grau de violação dos deveres que se lhe impunham , ofensa essa que produz repugnância e reprovação moral e ética no tecido social , sobretudo se não esquecer a elevada danosidade pessoal para a vítima pois que viu devassada a sua intimidade privada ante o meio escolar a partir da divulgação do filme retratando coito oral e , mais alargadamente , através da internet , degradando publicamente a sua imagem , aquele valor situado na esfera mais íntima , no ” campo da vida altamente pessoal “ , que em caso algum pode ser invadido , na terminologia do TC alemão , citado por Costa Andrade , in CCCP , comentário ao art.º 192 , do CP . Também a consciência diluída do desvalor do acto e da acção , pensando que não era tão gravemente punível o relacionamento sexual com a menor , irreleva porque o carácter proibitivo desse relacionamento é de conhecimento generalizado , e nessa medida esse amolecimento da consciência que veicula – já porém não ignora , quando comparativamente com as muito jovens da sua raça, a quem é defeso envolverem-se em relacionamento sexual antes do casamento , como se disse no acórdão recorrido -é –lhe censurável , nos termos do art.º 17.º n.º 1 , do CP , por derivar de uma sua atitude de franca contrariedade e indiferença perante valores de observância inabdicável ( cfr. Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário do Código Penal , pág. 120 ) , sedimentando uma culpa dolosa . O arguido já respondeu pela prática de crime de furto qualificado em pena cuja execução lhe foi suspensa e foi declarada extinta em Novembro de 2009 , não possui hábitos regulares de trabalho e foi consumidor de heroína, possuindo, pois , mau comportamento anterior , esta a resultante explícita da valoração global da sua pessoa e passado. O consumo de estupefacientes é contraordenação e a sucumbência a drogas culpa na formação da sua personalidade , pois que não podendo ignorar os efeitos maléficos sobre a sua pessoa , enquanto factor criminógenamente reconhecido , não a adaptou a padrões de comportamento pessoais não desviantes , logo não é razão para funcionamento como factor atenuativo , à face do art.º 71 .º n.º 2 e) , do CP . O arguido imputa à decisão recorrida a não ponderação da atenuante da confissão, mas sem razão , atendendo a que figura no acórdão recorrido , a fls . 368 , que “ a confissão do arguido , em julgamento , também deve merecer um tratamento favorável em termos penais , configurando um factor de atenuação …”. De todo o modo essa confissão , se se traduz na admissão dos factos , não se mostra , para relevar plenamente , acompanhada da assunção do desvalor ético do resultado global . A medida concreta da pena para o crime de abuso sexual sobre crianças há-de situar-se entre um limiar mínimo de 3 e máximo de 10 anos de prisão–art.º 171.º n.º 2 , do CP ; a de pornografia, por força da única qualificativa, a do n.º 6 do art.º 177.º , do CP, em conjugação com o art.º 176.º n.º 1 a) , do CP –de 18 meses a 10 anos de prisão- molduras penais suficientemente amplas para consentirem uma individualização ajustada da pena aos parâmetros de concretização a que , nessa missão de discricionaridade vinculada , o art.º 71.º do CP manda obedecer no n.º 1 -culpa e prevenção -, bem como às circunstâncias que não fazendo parte do tipo , depõem a favor ou contra o arguido –n.º2 . O dolo , já o dissemos , é muito intenso , como a ilicitude , atendendo ao modo de execução e ao desvalor do resultado; razões de prevenção geral para afirmação da força e eficácia da lei , dissuasão de potenciais delinquentes , pelo exemplo que a pena exerce sobre aqueles , são muito prementes pelo frequência da prática do crime de abuso sexual de criança e o sentimento de reprovação colectivo , a reclamarem uma intervenção firme dos órgãos aplicadores da lei , visível, ainda , a necessidade de educação do arguido para o direito , mais visível ainda porque não oferece condições pessoais para formulação , para o futuro , de um juízo de prognose favorável, pelo que se impõe prevenir a sua eventual reincidência pela via da pena, fazendo-o reflectir nas consequências do seu acto . De anotar , no entanto , que o arguido contava , apenas , com 21 anos na data da prática dos factos, completados havia 7 meses ; a menor havia mantido relações sexuais com dois menores e já havia completado 13 anos, não se demonstrando , por isso, que o arguido, face ao passado sexual da ofendida , tenha abusado da sua inexperiência , como se provou , não a forçando o arguido aos actos sexuais , de sua inteira aquiescência, prática próxima de cair no limiar da impunibilidade , escassos meses depois, perfeitos 14 anos, em razão do que valorando em seu favor a confissão dos factos e o demais circunstancialismo supracitado , se justifica que a pena pelo crime de abuso sexual seja reduzida a 3 anos e 6 meses de prisão . Há , no entanto , que deixar intocada a pena de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de pornografia infantil pelo notável arrojo , ousadia e inconsideração pela intimidade sexual da pessoa humana ao propor-se -se , pelo modo citado , desvendá-la , humilhando e achincalhando a pessoa da vítima, pena justa , proporcionada e necessária, não merecendo reparo , sem , com isso , assumir-se risco de cedência à “ histeria das massas “ , postura pugnando por uma punição severa , vendo no predador sexual “ um desequilíbrio cósmico “ , a presença do inumano no humano , “ um mal absoluto “ , uma “ dimensão de negação alucinatória da ordem natural das coisas “ , expressões com origem em Denis Sales , Le Delinquent Sexuel , citado nos Acs. deste STJ proferidos nos Rec.ºs 1526/04 e 2819/04 , para afirmar o trauma e o sofrimento que o abusador sexual causa e a repercussão negativa como a sociedade o encara . A pena unitária, também ela alvo de controvérsia, tem como limite mínimo 2 anos e 6 meses de prisão e máximo 6 anos de prisão –art.º77.º n.º 2 , do CP . A medida da pena conjunta obedece a um critério especial de formação , nela se levando em apreço os factos no seu conjunto e a personalidade do agente –art.º 77.º n.º 2 , do CP , obrigando a uma fundamentação especial na sentença . O legislador penal repudiou abertamente o sistema de acumulação material de penas , que , na sua pureza, não se mostra consagrado na generalidade das legislações , para adoptar um sistema de pena conjunta , erigido não de conformidade com o sistema de absorção pura por aplicação da pena concreta mais grave , nem de acordo com o princípio da exasperação ou agravação , que agrega a si a punição do concurso com a moldura do crime mais grave , agravada pelo concurso de crimes , mas antes de acordo com um sistema misto , pontificando a regra da acumulação , por força do qual se procede à definição da pena conjunta dentro de uma moldura cujo limite máximo resulta da soma das penas efectivamente aplicadas , emergindo a medida concreta da pena da imagem global do facto imputado e a personalidade do agente , sob a forma de cúmulo jurídico ( cfr. Profs . Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário do Código Penal , pág. 283 e Figueiredo Dias , in Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime , págs .277 a 284 ) , nos termos dos art.ºs 77.º n.ºs 1 e 2 , do CP . A formação da pena conjunta, enquanto operação prospectiva , é , assim , a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando ( cfr. Prof. Lobo Moutinho , in Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português , ed. Da Faculdade de Direito da UC , 2005 , 1324 ) . Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto , em caso de cúmulo jurídico de infracções , de concluir é que o agente é punido , de certo que pelos individualmente praticados , mas não como um mero somatório , em visão atomística , mas antes de forma mais elaborada , dando atenção àquele conjunto , numa dimensão penal nova fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado , no dizer do Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime , págs . 290 -292 ; cfr. , ainda , os Acs . deste STJ , in P.ºs n.º s 776/06 , de 19.4.06 e 474/06 , este daquela data , levando –se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção , tanto geral , como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente ( exigências de prevenção especial de socialização ) . Na avaliação dos factos , no seu conjunto , na sua globalidade , é fundamental determinar a conexão e o tipo de conexão entre eles ; na avaliação da sua personalidade é decisivo apurar se repercutem uma simples pluriocasionalidade ou se espelham uma tendência criminosa , uma “ carreira “ criminosa , caso em que a pluralidade exacerba a pena . O arguido sem denotar , ainda , uma carreira criminosa , mostra uma pluralidade criminosa algo preocupante , carecendo de , por via da pena , interiorizar os maus resultados do crime pela via da pena , postura a que decididamente não aderiu ao proclamar o convencimento de não ter cometido facto com a gravidade que o comum dos cidadãos reconhece, isto em nome de um ideário de socialização de que se mostra muito carente , sem desprezar as profundas exigências de prevenção geral , como factores de contenção de futuros impulsos criminosos . Condena-se , por isso , em cúmulo jurídico , na pena única de 4 ( quatro ) anos e 6 ( seis ) meses de prisão. A suspensão da sua execução é inteiramente de arredar porque a pedagogia correctiva de que o arguido se mostra carente passa , não por essa pena substitutiva , mas por efectiva privação de liberdade , só esta realizando os fins das penas , não oferecendo o arguido pelas sua condições de vida , presentes , pretéritas e concomitantes aos crimes , seja porque já se confrontou com o mundo do crime , seja porque não possui hábitos de trabalho nem mostras de os vir a ter , o que desempenha um factor importante de ressocialização, seja , ainda , porque já foi consumidor de estupefacientes , com o potencial criminógeno que isso representa , quaisquer garantias de que a simples ameaça de execução da pena é suficiente para o afastar do cometimento de novos crimes –art.º 50.º n.º 1 , do CP , e , deste modo , formular um juízo favorável da sua adequação futura às regras de convivência sociais, sem censura . Donde , provendo-se , em parte , ao recurso se altera a pena aplicada pela prática do crime de abuso sexual sobre crianças , indo fixada em 3 anos e 6 meses de prisão , mas deixando-se inalterada a cominada para o crime de pornografia infantil, de 2 anos e 6 meses , condenando –o , em cúmulo , na pena única de 4 ( quatro ) anos e 6 ( seis ) meses de prisão . Sem custas ( art.º 513.º n.º 1 , do CPP ) Lisboa, 12 de Outubro de 2011 Armindo Monteiro (Relator) Santos Cabral |