Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | OLIVEIRA ROCHA | ||
Descritores: | ABALROAÇÃO OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA CULPA ARMA DETENÇÃO CRIME DE PERIGO CONCURSO DE INFRACÇÕES CONCURSO APARENTE NON BIS IN IDEM | ||
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Nº do Documento: | SJ200606280020415 | ||
Data do Acordão: | 06/28/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE O RECURSO | ||
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Sumário : | I - O crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto no art. 146.°, n.º 2, do CP, é uma forma agravada, em que a qualificação decorre da verificação de um tipo de culpa agravado, definido pela orientação de um critério generalizador enunciado no n.° 1 do art. 131.º do mesmo Código, moldado pelos vários exemplos-padrão constantes das diversas als. do n.º 2 da mesma disposição legal. II - O critério generalizador está traduzido na cláusula geral com utilização de conceitos indeterminados - a especial censurabilidade ou perversidade do agente -; as circunstâncias relativas ao modo de execução do facto ou ao agente são susceptíveis de indiciar a especial censurabilidade ou perversidade e, assim, por esta mediação de referência, preencher e reduzir a indeterminação dos conceitos da cláusula geral. III - O que releva e está pressuposto na qualificação é sempre a manifestação de um especial e acentuado desvalor de atitude que se traduz na especial censurabilidade ou perversidade e que conforma o especial tipo de culpa no homicídio qualificado. IV - O bem jurídico protegido no Capítulo III do Título I do Livro II do CP, em que se integra o crime de ofensa à integridade física qualificada, é a integridade física da pessoa humana. V - Por sua vez, em matéria de armas, e atento o alarme social que as mesmas causam, o legislador optou por uma tutela antecipada dos bens jurídicos que estes objectos, com o seu enorme poder destrutivo, conseguem pôr em risco. VI - Desta forma, construiu o crime de detenção de arma proibida e o de detenção ilegal de arma como crimes de perigo abstracto, não fazendo depender o preenchimento do tipo da 67 verificação concreta do perigo, pois entende-se que a mera detenção da arma (fora de determinadas condições legais) põe já em risco a segurança da comunidade. VII - Desta forma, é possível a ocorrência de concurso efectivo entre o crime de ofensa à integridade física qualificada e o crime de detenção de arma proibida, não se verificando a dupla incriminação ou violação do princípio non bis in idem, pois que o crime de detenção de arma proibida consuma-se logo que o agente detém a arma, sendo que o seu uso, em momento posterior constitui, instrumentalmente, um elemento do tipo de culpa do crime de ofensa à integridade física qualificada. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - O tribunal colectivo do 1º Juízo Criminal de Évora ( proc. nº 355/04.8 ), julgando a acusação parcialmente procedente, condenou o arguido AA, solteiro, vendedor ambulante, nascido a 1 de Maio de 1972, em Sé, Évora, filho de BB e de CC, residente no Bairro...., nº ..., Évora, actualmente preso no EP de Évora, como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos arts. 143°, nº 1, e 146°, nos 1 e 2, do Código Penal, em conjugação com o art. 132°, nº 2, alínea g), do mesmo Código, na pena de um ( 1 ) ano de prisão. Mais o condenou a pagar ao demandante, a título de danos morais, a quantia de 500 €. O Magistrado do Ministério Público, não se conformando com esta decisão, interpôs da mesma recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Concluiu a respectiva motivação pela seguinte forma: O arguido AA foi condenado, no âmbito dos presentes autos, pela prática de um crime de ofensa à integridade fisica qualificada p.e p. pelos artigos 143º, nº 1 e 146º, nº 1 e 2, por referência ao art. 132º, nº 2, al. g), do CP, na pena de 1 ano de prisão; Foi, por seu turno, absolvido da prática de um crime de detenção de arma proibida p.e p. pelo art. 275º, nº 3, do CP, adequadamente conjugado com o art. 3º, al. f), do DL. nº 207 - A/75 de 17-5; Tal ficou a dever-se ao facto de o Tribunal " a quo " ter entendido existir uma situação de concurso ideal relativamente a essas duas infracções criminais; Ao contrário, verifica-se uma situação de concurso real de infracções; Efectivamente, não se verifica a aludida pelo colectivo, dupla incriminação, porquanto as circunstâncias enumeradas no art. 132º nº 2 do CP são meros índices reveladores da culpa do agente não integrando a tipicidade criminal; Por outro lado, não existe identificação entre os bens jurídicos protegidos pelas mencionadas normas legais, sendo certo que o crime de detenção de arma proibida é um crime de perigo comum que visa proteger bens jurídicos de um número indeterminado de pessoas e o crime de ofensa à integridade fisica qualificada visa a protecção da integridade física de um único e determinado ofendido; O Tribunal " a quo " violou, assim, por erro de interpretação, o disposto nos arts. 30º, nº1 e 275º, nº 3 do CP e 3º, al. f), do DL. nº 207 - A/75, de 17-5; Atenta a elevada ilicitude dos factos, a culpa intensa do agente e as ponderosas exigências de prevenção geral positiva e especial de ressocialização, deve o arguido ser condenado na pena de 8 meses de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida; E, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão. Na resposta, o arguido pugnou pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir. II – Estão provados os seguintes factos: No dia 22 de Março de 2004, cerca das 10.20 horas, o arguido, que estava preso no Estabelecimento Prisional de Évora, encontrou-se no pátio dessa cadeia com DD, que, estando a cumprir pena num outro estabelecimento prisional, se encontrava em trânsito no estabelecimento de Évora. Por motivos concretamente não apurados, na proximidade das casas de banho, envolveram-se os dois à zaragata, tendo DD agarrado numa cadeira e, tendo parado momentaneamente, por ordem dos guardas, voltaram logo a seguir a envolver-se em confronto físico no pátio. O arguido, que tinha consigo um objecto em que parte em metal afiada, terminando em bico, com 8 cms., é o que resta de uma colher, garfo ou faca, e a outra parte é um pedaço de madeira, com 9 cms., enrolados com um pedaço de pano, aproveitou um momento em que o DD tropeçou e caiu para se lançar sobre ele, desferindo-lhe um golpe com o mencionado instrumento. Esse instrumento é apto a ser usado como instrumento de agressão, sendo susceptível de causar a morte ou lesões graves de qualquer pessoa contra quem venha a ser utilizado, não tendo qualquer aplicação definida, que não a de ser usado como instrumento de agressão. O arguido não tinha qualquer motivo legítimo para o ter consigo. Conhecia o arguido as características daquele objecto e sabia que lhe era proibido detê-lo ou utilizá-lo. Como consequência directa e necessária da agressão perpetrada pelo arguido com o mencionado objecto, DD, beneficiário nº ... da Segurança Social, sofreu lesões, designadamente ferida na região posterior do hemitorax esquerdo, com cerca de 1,5 cm, superficial, que foi suturada, não tendo atingido a cavidade torácica, as quais determinaram 10 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho. O ofendido foi assistido no Hospital do Espírito Santo de Évora. O arguido quis ferir o ofendido com o referido instrumento, querendo molestá-lo fisicamente, conforme molestou, e causar-lhe as lesões por ele sofridas. O arguido agiu deliberada e conscientemente, bem sabendo que lhe eram proibidas tais condutas e que as mesmas eram punidas por lei. O arguido AA é o mais novo de uma fratria de seis elementos, tendo nascido no contexto de um agregado familiar de baixos recursos sócio-culturais, que exerciam a actividade de vendedores ambulantes . O arguido ingressou tardiamente na escola, saindo após o limite de idade, sem completar o l° Ciclo do Ensino Básico. O arguido tem trabalhado, de forma descontínua, na construção civil e na venda ambulante. Iniciou o consumo de substâncias estupefacientes por volta dos 21 anos de idade. A primeira detenção ocorreu em 1994. Saiu em liberdade condicional decorridos cerca de dois anos, vindo a mesma a ser revogada. Beneficiou novamente de liberdade condicional em 2003, tendo voltado a incumprir. No período que antecedeu a sua actual prisão, o arguido encontrava-se em liberdade condicional, sujeito a regras de conduta, entre as quais estava contemplado sujeitar-se a tratamento no C.A.T. de Évora. De acordo com informações daquele Centro, o arguido fazia análises semanalmente, com resultados positivos, sistemáticos, para o consumo de cocaína. O seu quotidiano era passado sem qualquer ocupação estruturada, acompanhando familiares em deambulações pela cidade. Permanece no Estabelecimento prisional de Pinheiro da Cruz desde 30-06-2005, onde vem mantendo um comportamento ajustado às normas institucionais. No Estabelecimento Prisional Regional de Évora, registou irregularidades comportamentais, tendo cumprido uma punição. Frequenta, presentemente, o curso de “ Pintura da Construção Civil". Está inserido no Programa de Metadona. Tem antecedentes criminais pela prática de crimes de condução sem carta, coacção, furtos simples e qualificados, cometidos ente 1992 e 2004. Cumpriu já penas de prisão e beneficiou de liberdade condicional, por duas vezes, as quais vieram a ser revogadas por incumprimento dos deveres a que estava sujeito. Não se provaram os seguintes factos: O arguido pretendia falar com DD, que, estando a falar com outras pessoas, lhe disse para esperar. Houve uma troca de palavras desagradável e, a dado momento, o arguido começou a desafiar DD para andarem à pancada. O referido objecto apresenta a configuração de uma lâmina de faca. Decorridos cerca de 10 dias de tratamento, os pontos rebentaram devido a uma infecção que sobreveio em consequência do ferimento sofrido. Foi, então, necessário ser vacinado contra o tétano e prosseguir os tratamentos, os quais decorreram durante cerca de um mês e meio. III – O Direito. Como resulta da delimitação do objecto do recurso constante das conclusões da motivação, o Magistrado do Mº Pº não questiona o segmento decisório que condenou o arguido, como autor material pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos arts. 143º, nº 1 e 146º, nºs 1 e 2 do C.Penal, em conjugação com o art. 132º, nº 2, al. g), do mesmo diploma legal, na pena de um ano ( 1 ) de prisão. Como também não impugna o acórdão na parte em que considera ter o arguido cometido, igualmente, o crime de que vinha acusado – crime de detenção de arma proibida – p. e p. pelo art. 275º, nº 3, do mencionado Código, em conjugação com o art. 3º, al. f) do DL. nº 207-A/75, de 17 de Abril. Não está em causa a qualificação jurídica dos factos, aliás correctamente enquadrados. Deste modo, teremos de concluir que estas questões devem ser tidas como definitivamente assentes, o que não significa que não tenhamos de as retomar para encontrarmos a solução jurídica a dar ao caso em apreço. A discordância do Recorrente traduz-se no seguinte: no caso ajuizado, verifica-se uma situação de concurso real de infracções e não, como decidiu o Tribunal “ a quo “, que, reconhecendo embora a prática pelo arguido de dois crimes, a punição por ambos levaria, na prática, à dupla incriminação dos mesmos factos. Os factos só podem ser tidos em consideração para servirem de circunstância agravante ou para punição autónoma; nunca para os dois objectivos. É, pois, esta a questão nuclear do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça. O crime de ofensas à integridade física qualificadas, previsto no art. 146º, nº 2, do C. Penal, é uma forma agravada, em que a qualificação decorre da verificação de um tipo de culpa agravado, definido pela orientação de um critério generalizador enunciado no nº 1 do art. 131º do mesmo Código, moldado pelos vários exemplos- padrão constantes das diversas alíneas do nº 2 da mesma disposição legal. O critério generalizador está traduzido na cláusula geral com a utilização de conceitos indeterminados – a especial censurabilidade ou perversidade do agente; as circunstâncias relativas ao modo de execução do facto ou ao agente são susceptíveis de indiciar a especial censurabilidade ou perversidade e, assim, por esta medição de referência, preencher e reduzir a indeterminação dos conceitos da cláusula geral. Sendo elementos constitutivos do tipo de culpa a verificação de alguma das circunstâncias que definem os exemplos-padrão, não significa, por imediata consequência, a realização do tipo legal de culpa e a directa qualificação do crime, como, também por isso, a não verificação de qualquer dos modelos definidos do tipo de culpa não impede que existam outros elementos e situações que devam ser considerados no mesmo plano de valoração que está pressuposto no crime qualificado e na densificação dos conceitos bem marcados que a lei utiliza. Mas, seja medida pelas circunstâncias referidas nos exemplos-padrão, ou por outros elementos de idêntica dimensão quanto ao desvalor da conduta do agente, o que releva e está pressuposto na qualificação é sempre a manifestação de um especial e acentuado desvalor de atitude que se traduz na especial censurabilidade ou perversidade e que conforma o especial tipo de culpa no homicídio qualificado ( Ac. STJ de 136.2005, rec.1843/05). A qualificação enunciada no art. 132º do C. Penal supõe, pois, a imputação de um especial e qualificado tipo de culpa, reflectido, no plano da atitude do agente, por uma conduta em que se revelem « formas de realização do facto especialmente desvaliosas ( especial censurabilidade ), ou aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas » ( cfr. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, pags. 27 e 28). O art. 132º - refere, ainda, o mesmo Autor ( C.J., 1987, 4-51 e 52) – « prevê o caso do homicídio qualificado, isto é o caso em que o legislador entendeu agravar a moldura penal aplicável ao agente que mata dolosamente outrem. Seguiu-se aqui a orientação dos Códigos Penais alemão e suíço na configuração do tipos, abandonando-se o sistema do Código português anterior, em que os tipos de homicídio qualificado se espalhavam por uma descrição taxativa no art. 351º e ainda por tipos autónomos com um específico « nomen iuris » ( envenenamento: art. 353º, parricídio: art. 355º e infanticídio: art. 356º) O tipo do art.132º vigente consiste, afinal, em ser a morte causada em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente. Face à existência de tais circunstâncias, o agente deverá ser punido pelo art.132º e não pelo art.131º. No nº 2 do art. 132º é enumerado um conjunto de circunstâncias susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade referida. Tais circunstâncias não são taxativas nem implicam por si só a qualificação do crime; isto é, pode o juiz considerar como homicídio qualificado a conduta do agente que não se acompanhasse de qualquer das circunstâncias descritas, mas sim de outras, e pode, por outro lado, deixar de operar tal qualificação apesar da existência clara de uma ou mais dessas circunstâncias. Tais considerações indicam claramente o sentido em que deve ser decidida e discutida a questão de saber se as circunstâncias referidas no art. 132º são elementos do tipo ou antes elementos da culpa. Face ao seu funcionamento não automático e à sua não taxatividade ( sublinhado nosso), tais circunstâncias só podem ser compreendidas enquanto elementos da culpa, como aliás resultou da discussão da Comissão Revisora e foi expressamente defendido pelo Autor do projecto e por nós próprios…». Aqui chegados, cremos estarem reunidas as condições para uma abordagem da questão nuclear mencionada, sendo certo que, em face do que supra expendemos, não podemos deixar de concordar com as asserções que o Ex.mº Magistrado do Ministério Público expôs em fundamento da posição que tomou neste recurso. O bem jurídico protegido no Capítulo III do Código Penal, em que se integra o crime de ofensa à integridade física qualificada, é a integridade física da pessoa humana. Por sua vez, em matéria de armas, e atento o alarme social que as mesmas causam, o legislador optou por uma tutela antecipada dos bens jurídicos que estes objectos, com o seu enorme poder destrutivo, conseguem pôr em risco. Desta forma, construiu os tipos legais – referimo-nos ao crime de detenção de arma proibida e à detenção ilegal de arma – como crimes de perigo abstracto, não fazendo depender o preenchimento do tipo da verificação concreta do perigo, pois entende-se que a mera detenção da arma ( fora de determinadas condições legais) põe já em risco a segurança da comunidade ( v. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pag. 891, em anotação ao art. 275º do CP ). Desta forma, e revertendo ao caso dos autos, contrariamente ao decidido, e com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que não se verifica a dupla incriminação ou violação do princípio “ ne bis in idem “, pois que o crime de detenção de arma proibida consuma-se logo que o agente detém a arma, sendo que o seu uso, em momento posterior, como aqui sucedeu, constitui, instrumentalmente, um elemento do tipo de culpa do crime de ofensas corporais agravadas. Apurada a responsabilidade criminal do arguido, impõe-se escolher e determinar a medida da pena. As finalidades da punição são as previstas no art. 40º do C.Penal – de prevenção geral e especial, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena. Um dos princípios do Código reside, como se sabe, na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, como, desde logo, o pronuncia o art. 13º, ao dispor que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência. Este princípio da culpa significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas afirma-se também como limite máximo da mesma pena. ( v. Simas Santos e Leal Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, pags. 234 2 235). Uma vez que estamos perante um concurso efectivo de dois crimes – um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de detenção de arma proibida -, há que proceder à medida da pena, tendo em conta o preceituado no art. 77º do C.Penal, isto é, há que determinar a medida concreta da pena para cada um dos crimes cometidos para, a partir das penas parcelares encontradas, construir a moldura do concurso e, dentro desta, encontrar a pena única concreta. Na determinação concreta da pena, conforme flui dos arts. 71º e 72º do C.Penal, o legislador português decidiu-se pela teoria da margem da liberdade, entendendo-se ser claro que, em absoluto, a medida da pena é uma certa; simplesmente, qual seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador que remeter-se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele “ Splielraum”, dentro do qual podem ser decisivas considerações derivadas da pura prevenção ( v. última ob. cit., pag. 236). Para a determinação da pena, o juiz deve ter em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. E entre todas essas circunstâncias deve considerar, nomeadamente, as referidas no nº 1 do art. 71º e as referidas, a título exemplificativo, no nº 2 do mesmo preceito legal. O arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, nº 1, e 146º, nºs 1 e 2, por referência ao art. 132º, nº 2, al. g), do C.Penal, na pena de um ( 1 ) ano de prisão. O crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 275º, nº 3 do C.Penal, conjugado com o art. 3º, al. f), do DL. nº 207-A/75, de 17.5, é punido com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias. Face à previsão, em alternativa, de uma pena privativa de liberdade e de uma pena não privativa de liberdade, cumpre fazer a operação prévia da escolha da pena. O art. 70º do C.Penal determina que deve dar-se preferência à pena não privativa de liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Assim, a escolha deverá ser feita à luz de um critério de conveniência e mediante um juízo de prognose favorável à opção pela pena não privativa de liberdade pela conclusão de que esta é susceptível de cumprir as finalidades da prevenção. No caso sub judice, o arguido negou ter agredido o ofendido com o objecto dos autos, negando, igualmente a sua posse. Os crimes revestem-se de grande ilicitude, atendendo ao local onde foram cometidos e aos meios usados. Os antecedentes criminais são muitíssimo desfavoráveis. Sopesando estes factores, deve ser afastada a aplicação da pena prevista em alternativa e fixa-se em seis meses de prisão a pena pela prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 275º, nº 3, do C.Penal, conjugado com o art. 3º, al. f), do DL. nº 207-A/75, de 17.5. Importa, agora, fixar a moldura do concurso, nos termos do art. 77º, nºs 1 e 2 do C.Penal. Dentro desta moldura, na determinação da pena única hão-de presidir os factos e a personalidade do agente. Pelo crime de ofensa à integridade física qualificada foi o arguido condenado na pena de um ( 1 ) ano de prisão. E pelo crime de detenção de arma proibida na pena de seis meses de prisão. Desta forma, a moldura do concurso variará entre o mínimo de 1 ano de prisão e o máximo de 18 meses de prisão. Considerando o dolo directo que caracterizou a actuação do arguido, os crimes praticados, a imporem algumas cautelas ao nível da prevenção especial, atentos os antecedentes criminais a fazer recear uma personalidade especialmente propensa à prática de crimes, e geral, considerando o alarme social que geram os tipos de crime em apreço, caracterizados por elevado grau de violência e, por outro lado, a circunstância de ter nascido no contexto de um agregado familiar de baixos recursos sócio-culturais, estar a frequentar o curso de “ Pintura da Construção Civil” e inserido no Programa de Metadona, fixa-se a pena única em 15 meses de prisão. A pena de prisão inferior a 3 anos deverá ser suspensa na sua execução se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior à infracção e às circunstâncias desta se puder concluir, mediante um juízo de prognose, que a simples censura do facto e a ameaça da sanção realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 50º, nº 1, do C.Penal. Face às circunstâncias do caso e aos antecedentes criminais serem muitíssimo desfavoráveis e não havendo razões de prevenção, geral ou especial, que justifiquem o não cumprimento da pena, tem de ser afastada a possibilidade da suspensão. IV – Face ao exposto, acorda-se, na procedência parcial do recurso, em revogar também parcialmente o acórdão recorrido, condenado o arguido AA, como autor material dos crimes de que vem acusado, na pena única de 15 meses de prisão, mantendo-o em tudo o mais. Fixa-se a taxa de justiça em 4 UCs. Honorários de tabela. Lisboa, 28 de Junho de 2006 Oliveira Rocha Carmona da Mota Pereira Madeira Simas Santos |