Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00008110 | ||
Relator: | CABRAL DE ANDRADE | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA CÁLCULO APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO JUROS DE MORA | ||
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Nº do Documento: | SJ199103140788792 | ||
Data do Acordão: | 03/14/1991 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 DEC VOT E 2 VOT VENC | ||
Referência de Publicação: | BMJ N405 ANO1991 PAG443 | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1291/88 | ||
Data: | 07/06/1989 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR RESP CIV. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 494 ARTIGO 496 N2 ARTIGO 506 N2 ARTIGO 805 N3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1978/04/06 IN BMJ N276 PAG244. ACÓRDÃO STJ DE 1980/02/05 IN BMJ N294 PAG298. ACÓRDÃO STJ DE 1984/03/27 IN BMJ N335 PAG279. ACÓRDÃO STJ DE 1986/07/01 IN BMJ N359 PAG672. ACÓRDÃO STJ PROC78613 DE 1990/04/26. | ||
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Sumário : | I - Na fixação do montante indemnizatório relativo aos danos patrimoniais decorrentes de responsabilidade civil por acidente de viação deve atender-se a desvalorização da moeda. II - A correcção monetaria decorrente do processo inflacionário é feita a partir da data do acidente, não podendo ir além da data do encerramento da discussão da causa em 1 instância. III - São de aplicação imediatas as normas, como a do artigo 805, n. 3, do Código Civil que, não sendo atributivas de direitos, respeitam ao modo da sua realização ou a garantir a sua efectivação. IV - Concorrendo no computo do montante indemnizatório a sua correcção decorrente da inflação e juros pela mora, estes apenas são devidos a contar da data de cessação daquela actualização, como forma de evitar a duplicação da actualização do capital com os juros. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A intentou no tribunal judicial da comarca de Vila Franca de Xira acção com processo sumario, nos termos do n. 2 do artigo 462 do Codigo de processo Civil, contra B, "Companhia de Seguros Mundial - Confiança E. P.", C e a "Companhia de Seguros Tranquilidade", pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe a importancia de 6619480 escudos e 20 centavos, acrescida dos juros legais contados desde a citação, e isto porque pretende ser indemnizado por perdas e danos por si sofridos em consequencia de um acidente de viação ocorrido no dia 6 de Novembro de 1980, cerca das 7 horas e 10 minutos, na Estrada Nacional n. 1, dentro da Vila de Castanheira do Ribatejo. Em fundamento da sua pretensão o autor alega que o acidente se deveu quer a culpa do reu C, que na ocasião, conduzia o seu veiculo ligeiro de passageiros com a matricula "EC-22-82", quer de D, empregado do reu B, que, na ocasião, tambem, conduzia o veiculo pesado de carga com a matricula "BZ-29-34", no interesse e sob a direcção efectiva do seu proprietario. Todos os reus, com excepção do C, contestaram a acção, negando a obrigação de indemnizarem o autor. Na sentença que, a final, foi proferida, o Excelentissimo Juiz da 1 instancia considerou que o acidente se deveu a culpas concorrentes dos motoristas dos veiculos nele intervenientes, na base de pugnação de culpas que, fixou - 10% para o C e 90% para o D. Desta decisão recorreram o autor e as res seguradoras, tendo a Relação alterado a pugnação de culpas decidida na 1 instancia, fixando, antes, 30% e 70% para os motoristas do carro ligeiro e pesado, respectivamente. Do acordão da Relação recorrem, agora, da revista, o autor e a re "Tranquilidade". Admitidos eles, foram produzidas alegações e contra-alegações. Ha, agora, que apreciar e decidir. E vamos começar pelo recurso da seguradora não so porque ele foi o primeiro a ser interposto, mas principalmente porque nele se discute o acidente e não apenas os seus efeitos, como sucede com a revista do autor. Vejamos, então. São as seguintes as conclusões que a recorrente "Tranquilidade" formulou, a tal respeito, na sua alegação: 1 - O segurado da Tranquilidade, condutor do "EC" circulava correctamente, na sua mão, a cerca de 0,5 m do eixo da via; 2 - nesta posição foi embatido pelo "BZ", que ilicitamente saiu da sua mão e invadiu a mão do "EC" cerca de meio metro; 3 - o embate deu-se de raspão e ocorreu totalmente na mão do "EC", a cerca de 0,5 m do eixo da via; 4 - a culpa do acidente pertenceu total e exclusivamente ao condutor do "BZ", pelo que este e o unico responsavel. Pois bem. Deu a Relação como provado, quanto ao modo como o acidente se deu, o seguinte: No dia 6 de Novembro de 1980, pelas 7 horas e 10 minutos, na estrada nacional n. 1, em Castanheira do Ribatejo, circulava no sentido sul-norte o veiculo pesado de mercadorias com a matricula "BZ-29-34", propriedade do reu B e conduzido por D, e em sentido norte-sul circulava o veiculo ligeiro de passageiros com a matricula "EC-22-82", propriedade do reu A e por ele conduzido. Naquela localidade, ao quilometro 27,7, os dois veiculos colidiram um com o outro, roçando-se, respectivamente, com o lado esquerdo de cada um deles. No local a estrada tinha, 8,50 m de largura. Ambos os veiculos circulavam afastados das respectivas bermas direitas. O carro ligeiro rodava a 0,50 m do centro da faixa de rodagem e a mais de 2 metros do limite direito da via, considerando o seu sentido de marcha. O carro pesado rodava tambem a cerca de 2 metros do limite direito da sua meia faixa de rodagem e ocupava, por outro lado, cerca de 0,50 m da meia faixa de rodagem contraria aquela em que circulava. Dai, o terem raspado um no outro, apos o que o condutor do carro pesado perdeu o controle da viatura, que seguia "apressada". Em consequencia desse descontrole, o carro pesado saiu da faixa de rodagem e invadiu a berma larga que a ladeia, no sentido em que seguia. Em seguida, foi embater numa vedação de arame ali existente, voltando, depois, a estrada e acabando por se imobilizar no sentido oposto aquele em que seguia. Neste descontrole atropelou o autor, que, naquele momento, caminhava sobre a berma invadida. O condutor do carro pesado, ao quilometro 27,7, deparou, em sentido contrario, com o carro ligeiro. Este, antes, ultrapassou um autocarro de passageiros. Na altura do acidente, chovia e o transito era intenso. Face a estes factos entendeu a Relação ter havido culpas concorrentes na produção do acidente, tendo graduado a do condutor do carro ligeiro em 30% e a do condutor do carro pesado em 70%. Ora bem. E jurisprudencia pacifica do Supremo Tribunal de Justiça que este tribunal so pode ocupar-se da culpa na produção do acidente, desde que se mostre que houve violação de qualquer norma legal ou regulamentar (entre outros, por exemplo, os acordãos de 7-11-1978, de 14-3-1979 e de 4-3-1980, no Boletim ns. 281, a paginas 291, 285, a paginas 273 e 295, a paginas 364, respectivamente). E sempre, e de qualquer maneira, o juizo de culpa a formular pelo Supremo, com base na violação de um comando legal, so pode ter por fundamento os factos fixados pelas instancias. Ora, a Relação tirou da materia de facto que teve como assente a conclusão de que ambos os condutores dos veiculos intervenientes no acidente desrespeitaram regras do direito estradal, contribuindo, assim, os dois, para o acidente de que nos ocupamos. A recorrente "Tranquilidade" defende, porem, como vimos, que ao seu segurado não pode ser atribuida qualquer culpa, por ele não ter praticado acção ou omissão que importe violação de disposição legal ou regulamentar. Considerou-se, porem, no acordão recorrido que o condutor do carro ligeiro desrespeitou o disposto no artigo 10 do Codigo da Estrada, efectuando uma manobra de ultrapassagem em condições irregulares, pois não se certificou se a podia levar a cabo sem perigo de colidir com outros veiculos. Estando, portanto, em causa saber se houve ou não violação de norma legal parece que nada obsta a que este Supremo Tribunal possa debruçar-se sobre a culpa daquele condutor. Vejamos, então: Sem quebra do respeito devido pela opinião expendida no acordão impugnado, diga-se desde ja, que entendemos que as coisas não podem ser vistas pela forma ali referida. Expliquemos porque. Estabelece o n. 2 do artigo 5 do Codigo da Estrada que o transito dos veiculos e feito pela direita das faixas de rodagem, podendo, no entanto, utilizar-se o lado esquerdo, para ultrapassar ou mudar de direcção. E dentro das regras gerais sobre o transito prescreve-se ainda naquele artigo 5 - na 2 parte do seu n. 5 - que os condutores, ao iniciarem qualquer manobra, devem previamente certificar-se de que a mesma não compromete a segurança do transito. Comando que relativamente a manobra de ultrapassagem, e reafirmado no n. 2 do artigo 10 do Codigo da Estrada, quando determina que os condutores de veiculos ou animais não devem iniciar uma ultrapassagem sem se certificarem de que a podem fazer sem perigo de colidir com um veiculo ou animal que transite no mesmo sentido ou em sentido contrario. Pois bem. Ja vimos que o condutor do carro ligeiro, momentos antes do choque com o carro pesado, havia passado ao lado de um carro pesado de passageiros ultrapassando-o. Mas tal manobra não implicou que ele tivesse saido da metade da faixa de rodagem que lhe pertencia. Ela apenas implicou que ele se aproximasse do eixo da via, ficando a 0,5 m dele e a mais de dois metros da berma do seu lado direito. Ora, embora a lei admita haver ultrapassagens em que o ultrapassante não tem necessidade de invadir a metade esquerda da faixa de rodagem - alineas a) e b) do n. 1 do artigo 10 do Codigo da Estrada, em que se contemplam situações em que ela e feita pela direita - a verdade e que uma tal manobra tem, em regra, como seu pressuposto a ocupação momentanea da faixa de rodagem reservada a corrente de transito de sentido contrario. E numa manobra - acentue-se - que tem lugar, em regra, na pista destinada a circulação em sentido contrario. E e ate esta a razão de ser das especiais cautelas que a lei impõe aqueles que a levam a cabo e a considera-la uma manobra perigosa quando feita em contravenção do disposto no referido artigo 10 - 2 trecho do n. 1 do artigo 61 do Codigo da Estrada. Ora, a ultrapassagem que o condutor do veiculo ligeiro fez ao autocarro de passageiros não implicou - como ficou provado - que ele tivesse, de algum modo, ocupado a faixa de rodagem por onde circulava o carro pesado de mercadorias. Pelo, contrario a prova mostrou que foi este veiculo que circulou de modo a ocupar, em 0,5 m, a metade da faixa de rodagem pertencente ao veiculo ligeiro. Mas se os factos são os que referimos podera dizer-se que o condutor do carro ligeiro efectuou uma ultrapassagem sem tomar as devidas precauções? Julgamos que a resposta não pode deixar de ser negativa. Diz-se no acordão recorrido que o dever de cautela impunha ao condutor do carro ligeiro que não fizesse a ultrapassagem por em sentido contrario circular o carro pesado e ele não ter, por esse facto, tempo para retomar a sua mão. Mas o que ficou assente foi que o carro ligeiro nunca saiu da sua mão de transito, tendo-se aproximado apenas, quando passou pelo autocarro de passageiros, do eixo da via, do qual ficou a 0,5 m. O condutor do carro ligeiro - o reu C - viu certamente o carro pesado a circular em sentido contrario, mas não previu nem, de resto, era obrigado a prever, a conduta contravencional do condutor desse carro, quando saiu da sua mão e passou a circular na metade da estrada destinada ao transito que circulava em sentido contrario. Atribuir culpa ao condutor do carro ligeiro, nas circunstancias descritas, e o mesmo que dizer - o que e claramente um absurdo - que ele teve culpa pelo so facto de ir a circular naquele momento e naquela estrada com o seu carro. A colisão foi, pois, devida tão so a conduta do motorista do carro pesado de mercadorias, que - como ficou provado - circulava em parte, fora da sua mão de transito, com violação, portanto, do disposto no artigo 5 do Codigo da Estrada. O reu C não desrespeitou, portanto, o comando do artigo 10 do Codigo da Estrada. E tambem não violou o que se prescreve no n. 3 do artigo 5 do mesmo texto da lei, pois ao circular proximo do eixo da via - mas, repita-se, sempre dentro da sua mão - fe-lo ao abrigo do que se estabelece no 2 trecho do n. 3 daquele artigo 5, para poder ultrapassar o autocarro de passageiros. Tendo de aceitar-se, portanto, que o acidente, no caso em apreço, resultou da culpa apenas do condutor do carro pesado de mercadorias, não ha que tratar, obviamente, de qualquer fixação de culpas concorrentes por parte dos intervenientes no acidente. E o proprietario do carro pesado causador do acidente - o reu B Beja - no interesse do qual e sob cuja direcção ele circulava - e, pois,responsavel civilmente perante o autor - artigo 483 n. 1, do Codigo Civil. Afastada a responsabilidade do reu C fica prejudicado o conhecimento do mais que a recorrente "Tranquilidade" aborde na sua alegação. Importa, então, agora, conhecer do recurso de revista intentado pelo autor. Em tres aspectos discorda ele do acordão da Relação, como e referido na respectiva alegação. Não esta ele de acordo, em primeiro lugar, com o computo de todos os danos e com o modo como foi feita a actualização dos danos emergentes, em função da inflacção. Não concorda tambem com o facto de se ter considerado que o capital da apolice da re "Mundial - Confiança" esta reduzido de 253355 escudos e 50 centavos, que indevidamente pagou ao Hospital de Santa Maria. E discorda, finalmente, do facto de os reus não serem condenados a pagar juros legais a partir da citação. Estes tres aspectos tiveram desenvolvimento no contexto e conclusões da alegação do recorrente. Estas - as conclusões - em numero de 16, podem, sem prejuizo da sua essencia, ser resumidas assim: 1 - Os danos emergentes sofridos pelo recorrente ate 31-12-1985 montaram a 1521879 escudos e 20 centavos, montante que e actualizavel em função da inflação; 2 - a actualização decidida na Relação - que o fixou em 2000000 escudos - não levou, porem, em conta a real desvalorização monetaria que se verificou; 3 - eles devem ser computados, antes, em 2119480 escudos e 20 centavos, porque mais não foi pedido; 4 - quanto aos lucros cessantes, eles não podem ser computados em menos de 2500000 escudos, atendendo a sua capacidade de punho, a sua idade e ao facto de ter ficado inutilizado para a vida activa do trabalho, e isto, levando em conta a pensão de invalidez que recebe; 5 - tendo sofrido grandes danos fisicos, psiquicos e morais, sendo antes um homem activo, trabalhador e saudavel enquanto hoje e um aleijado, um estropiado fisico e psiquico, tendo ficado com a sua vida totalmente destruida, os danos não patrimoniais não podem ser calculados em menos de 2000000 escudos; 6 - ao capital da apolice "Mundial - Confiança" (de 1500000 escudos) não podem ser deduzidos os 253355 escudos e 50 centavos que a seguradora pagou indevidamente ao Hospital de Santa Maria, pois este, ao contrario do que sucede com o recorrente, não goza de qualquer privilegio creditorio (artigo 741 do Codigo Civil); 7 - são devidos pelos reus juros legais a partir da citação, pois quando esta ocorreu ja estava em vigor o n. 3 do artigo 805 do Codigo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo decreto-lei n. 202/83 de 16 de Junho; 8 - devem os reus ser solidariamente condenados a pagar ao autor a quantia de 6619480 escudos e 20 centavos, com os juros legais a partir da citação; 9 - o acordão recorrido violou as disposições dos artigos 12, 487 n. 2, 556 n. 2, 562, 564, 741 e 805 n. 3, todos do Codigo Civil. Pois bem: Vamos começar por dar aqui como reproduzidos todos os factos que relativamente aos efeitos do acidente em causa a Relação considerou provados, so fazendo referencia expressa aqueles que se tornem indispensaveis para a resolução das questões apontadas ou de outras que, porventura haja que abordar. Esta, portanto, assente que o acidente se deveu tão so a conduta culposa do condutor do carro pesado, empregado do reu B. E face aos factos provados e de ver que as consequencias dele, designadamente as sofridas pelo autor, são graves. Vejamos, então. Restringindo-se o objecto do presente recurso a materia relacionada com os montantes indemnizatorios que foram considerados, comecemos por ver aquilo que no acordão recorrido se decidiu. A Relação arbitrou ao autor uma indemnização do montante total de 4600000 escudos, sendo 2000000 escudos para ressarcir os danos emergentes, igual quantia para ressarcir os lucros cessantes e 600000 escudos para indemnização dos danos não patrimoniais. Atentemos nos danos patrimoniais, olhando, em primeiro lugar, para os danos emergentes. O autor exprime a sua discordancia em relação ao que, neste aspecto, foi decidido, defendendo que a correcção monetaria decorrente da inflação e que foi introduzida pela Relação não quantificou suficientemente o fenomeno inflacionario tendo ficado aquem do montante a que se devia ter chegado. Sera assim? Deve atender-se, na verdade, a desvalorização da moeda. Trata-se de facto que tem de ser considerado uma vez que a lei manda atender a todas as circunstancias que possam influir na fixação do respectivo montante - - artigos 496 n. 2, 494 e 566 n. 2, todos do Codigo Civil (v. Acordão deste Supremo de 6-4-1978, no Boletim n. 276, pagina 244). Esta correcção monetaria decorrente do processo inflacionario tem de ser feita a partir da data do acidente e não pode ir alem da data do encerramento da discussão na 1 instancia. E hoje, a tal respeito, pacifica a jurisprudencia - ver, por todos, os Acordãos deste Supremo de 5-2-1980, no Boletim n. 294, pagina 298 e de 27-3-1984, no Boletim n. 335, pagina 279 - e tambem a doutrina se pronuncia no mesmo sentido (conforme A. Varela, Obrigações, Volume 1, 2 edição, pagina 764). E o que julgamos que resulta do disposto no n. 2 do artigo 506 citado, se tivermos em conta que a data mais recente que pode ser atendida pelo tribunal e a do encerramento da discussão da causa na 1 instancia e que e a partir da data da produção dos danos (a data do acidente) que começa a ser afectada a situação patrimonial do lesado. Ha que acentuar, aqui, que a operação correctiva não pode nunca originar um montante superior ão do pedido formulado, porquanto iria ofender a limitação importa pelo n. 1 do artigo 661 do Codigo de Processo Civil. Refira-se, por fim, que o processo inflacionario, por ser facto notorio e do conhecimento qual não carece de ser alegado nem provado - artigo 514 n. 1 do Codigo de Processo Civil. Ora bem. Na 1 instancia, os danos emergentes foram avaliados em 1521879 escudos, mas a Relação, levando em conta a desvalorização da moeda, fixou o montante deles em 2000000 escudos. Na petição inicial o autor pediu para o ressarcimento de tais danos a importancia de 2119480 escudos e 20 centavos. Estara, então, correcto o montante apurado pela Relação? Recordemos que o acidente ocorreu em 6 de Novembro de 1980, que a acção foi proposta em 27 de Outubro de 1985 e que o encerramento da discussão na 1 instancia teve lugar em 16 de Novembro de 1987. Quando a petição deu entrada em juizo o montante indemnizatorio pedido pelo autor tem de ser banido como levando ja em conta a desvalorização da moeda em relação a data do acidente (1980). Mas dai ate ao encerramento da discussão na 1 instancia ha que fazer funcionar tambem a inflação, que, segundo elementos de que dispomos, fornecidos pelo Instituto nacional de Estatistica (indices de preços para o consumidor no continente, sem a habitação), atingir as taxas de 19,3 em 1985, de 11,7 em 1986 e de 9,4 em 1987. E, assim, a soma aritemetica dos prejuizos materiais dados como assentes nas instancias ha que aplicar aquelas taxas. Vejamos. O montante de 1521879 escudos e 20 centavos fixado na 1 instancia foi aceite pela Relação e foi a partir dele que ela fez a correção decorrente do processo inflacionario. Nesta operação e essencial ponderar que as taxas de inflação não se somam; elas aplicam-se, cada uma de per si, sobre o apuramento que resultou da taxa anterior. Isto e, sobre a verba de 1521879 escudos e 20 centavos começa por se aplicar a taxa de 11,7 (1986), somando-se, depois, o valor apurado aqueles 1521879 escudos e 20 centavos e e sobre o resultado da soma obtida que se faz depois incidir a taxa de 9,4 (1987) e assim sucessivamente, se for caso disso. Ora, fazendo as operações referidas verifica-se que o montante apurado ficou muito perto dos 2000000 escudos fixados pela Relação. Mas uma coisa e a consideração dos indices da inflação e outra e a fixação juridica do "quantum" indemnizatorio, que pode - nada o impede - fazer apelo a equidade (artigos 566 n. 3 e 494 do Codigo Civil). Julgamos, por isso, que e de aceitar, por adequado, o montante de 2000000 escudos que a Relação estabeleceu para o ressarcimento dos danos emergentes. Consideramos, agora, a impugnação do autor quanto a determinação dos danos patrimoniais traduzidos em lucros cessantes passados e futuros. A 1 instancia apurou para o ressarcimento de tais danos o montante de 1500000 escudos, mas a Relação considerou adequada, antes a verba de 2000000 escudos. Aqui, agora, ja não se trata de fazer correções decorrentes do processo inflacionario. O que esta em causa e apurar se as instancias souberam determinar os montantes exactos dos lucros cessantes passados e futuros. Essa determinação foi feita nas instancias tendo em conta a situação que o lesado usufruia na ocasião do acidente, o direito ao ganho que se prestou, o facto de ele ser um operario especializado, com renumeração periodicamente actualizada, ter ficado com a sua capacidade de ganho reduzida em 45%, impossibilitando-o de atingir grau hierarquico superior na sua carreira, a duração provavel da sua vida e apelando-se ainda a equidade. A partir destes elementos a Relação tirou, por ilação o montante dos lucros cessantes, ja vencidos e tambem os futuros. Mas não havendo qualquer criterio legal obrigatorio parao calculo de tais danos, estamos claramente perante materia de facto, que este Supremo não pode censurar, dado não estar em causa qualquer das excepções previstas no artigo 722 n. 2 do Codigo de Processo Civil. Ha que aceitar, pois, a verba dos 2000000 escudos apurada para os lucros cessantes. Olhemos, agora, para os danos não patrimoniais. Quanto a estes a forma de calculo e ja diferente, pois se para os danos patrimoniais ha uma base, traduzivel em numeros concretos, para estes ja assim não acontece e ha que raciocinar em termos diferentes. Na realidade, o montante para os danos não patrimoniais sera fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstancias referidas no artigo 494 do Codigo Civil - o grau de culpabilidade do agente, a situação economica deste e do lesado e as demais circunstancias do caso - artigo 496 n. 3 do Codigo Civil. E decerto que nestes os indices da inflação constituem elemento a tomar em conta. Mas para tal efeito, aqui, a inflação não precisa de ser quantificada - acordão deste Tribunal de 1 de Julho de 1986, no Boletim n. 359, pagina 672. Em suma, em tudo isto ha que fazer apelo ao senso juridico, o que implica, natural e necessariamente muito de subjectivo, e por isso mesmo, e sempre discutivel. Ora, a indemnização fixada pela 1 instancia - 600000 escudos - foi aceite pela Relação. E ponderando, agora, tudo o que foi levado em conta nas instancias afigura-se-nos tambem que a quantia encontrada se mostra adequada a compensar o autor das dores fisicas e morais que sofreu que o seu montante se mantem dentro dos padrões usuais. Não merece, portanto, censura o acordão da Relação no que toca aos montantes apurados para o ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais. Mas prossigamos. O acordão recorrido decidiu ainda que ao capital da apolice Mundial Confiança (de 1500000 escudos) serão abatidos os 253330 escudos e 50 centavos que a Seguradora pagou ao Hospital de Santa Maria. O recorrente, porem, entende que não ha que fazer qualquer abatimento, pois o pagamento feito ao Hospital foi-o indevidamente. Mas não tem razão. E que deve entender-se que o privilegio concedido no artigo 741 do Codigo Civil - que o recorrente invoca em defesa do seu ponto de vista - funciona não so a favor da vitima do facto ilicito como de todos aqueles que relativamente aos danos por ela sofridos podem agir directamente contra o responsavel. E o caso das pessoas que socorreram o lesado ou que contribuiram para o seu tratamento ou assistencia - - conforme P. Lima e A. Varela, Codigo Civil anotado, 2 edição, volume I, pagina 687. E assim, que o pagamento que a Seguradora fez ao Hospital de Santa Maria de despesas de tratamento do autor e de descontar na quantia segura, pois elas são afinal, uma parcela do dano global que a vitima sofreu. Vejamos, agora, a ultima questão que nos e posta - a de saber se o autor tem, como pretende, direito a que lhe sejam pagos juros legais desde a citação. O acordão recorrido decidiu que são devidos juros legais a partir do transito da sentença. Vejamos como resolver. Pelo decreto-lei n. 262/83 de 16 de Junho foi dada nova redacção ao artigo 805 n. 3 do Codigo Civil, que consistiu em se acrescentar ao preceito o seguinte: "tratando-se, porem, de responsabilidade por facto ilicito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que haja, então, mora nos termos da 1 parte deste numero". Ora, tendo o acidente ocorrido em 6-11-1980 importa saber se a alteração introduzida no preceito e ou não aplicavel as situações anteriores a vigencia do decreto- -lei n. 262/83. No Acordão deste Supremo Tribunal de 26 de Abril de 1990, proferido no processo n. 78613, da 2 secção - de que foi relator quem tambem, agora, relata este - defendeu-se que a nova redacção do n. 3 do artigo 805 revela tão so a existencia de uma norma instrumental, que estabelece um modo de realização de um direito indemnizatorio preexistente, em nada interferindo com a substancia deste. E que - como ali se diz - as leis relativas ao modo de realização dos direitos "são medidas ou providencias regulamentares que não afectam o fundo ou a substancia dos direitos, mas, antes, tem em vista definir o modo como esses direitos devem ser exercidos (conforme Baptista Machado, "sobre a aplicação no tempo do novo Codigo Civil", pagina 23). Não sendo leis atributivas de direitos, mas tendo antes por objecto um certo modo de proceder para realizar os direitos ou para garantir a sua efectivação, devem ser de aplicação imediata. Ora, não se ve razão para, agora, tomar posição diversa. No caso concreto, porem, julgamos que não podera decidir-se que os juros são devidos desde a citação. Expliquemos porque. No ponto 3 da parte preambular do decreto-lei n. 262/83 invoca-se expressamente o fenomeno da inflação como sendo a principal razão que levou a ser publicado este diploma. Ora, se no caso em apreço o capital indemnizatorio foi actualizado considerando indices de inflação ate ao termo do encerramento da discussão na 1 instancia, o pagamento dos juros desde a citação ate aquele encerramento não implicara uma duplicação indevida? Podera, na verdade, cumular-se a actualização com os juros? Julgamos que não. Mas julgamos tambem que a pretensão do recorrente não pode deixar de apontar para uma correção do capital ate certa altura e, depois, para juros. Por outras palavras, enquanto ha a actualização do valor da moeda não pode haver juros; so apos a fixação do capital eles podem surgir. Assim, se a correção monetaria se reporta a 16 de Novembro de 1987 - data do encerramento da discussão na 1 instancia - os juros tem de começar a contar-se desde esta data. So assim não havera uma duplicação da actualização do capital com os juros. Portanto, e em resumo: Ao montante apurado para o ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais - 4600000 escudos - ha que abater a importancia que a "Mundial-Confiança" ja liquidou ao Hospital de Santa Maria, ou seja, a de 253330 escudos e 50 centavos. Resta, pois, que pagar a importancia de 4346669 escudos e 50 centavos (quatro milhões trezentos e quarenta e seis mil seiscentos e sessenta e nove escudos e cinquenta centavos). Por todo o exposto, decide-se: a) julgar procedente o recurso da re "Tranquilidade", concedendo-se, por isso, a revista, razão por que vão, agora, essa recorrente e o reu C, absolvidos do pedido; b) julgar procedente, em parte, o recurso do autor, indo, então, os reus B e a "Companhia de Seguros Mundial-Confiança" condenados, solidariamente a pagar ao autor, a titulo de indemnização por perdas e danos sofridos a importancia de 4346669 escudos e 50 centavos (quatro milhões trezentos e quarenta e seis mil seiscentos e sessenta e nove escudos e cinquenta centavos), tendo-se em conta, relativamente a Seguradora, o limite da sua responsabilidade; c) são devidos juros moratorios a partir de 16 de Novembro de 1987; d) quanto a custas, observar-se-a o seguinte: Na 1 instancia, elas são da responsabilidade do autor e dos reus B Beja e "Mundial-Confiança", na proporção do vencido; Na 2 instancia, e relativamente ao recurso do autor, são elas pagas por este e pelos reus B e "Mundial-Confiança", na proporção do vencido; quanto ao recurso da "Tranquilidade", as custas são da responsabilidade do autor; e quanto ao recurso da "Mundial-Confiança", são elas pagas pelo autor e reus B e Mundial Confiança, na proporção do vencido; e neste Supremo Tribunal, as custas do recurso do autor são pagas pelos reus B e "Mundial- -Confiança" e tambem pelo autor, na proporção do vencido; e pelas do recurso da "Tranquilidade" e responsavel o autor. Lisboa, 14 de Março de 1991. Cabral de Andrade, Garcia da Fonseca, Figueiredo de Sousa. Ricardo da Velha: (Vencido parcialmente, nos termos da declaração que junto, por entender serem devidos juros de mora desde a citação. No mais, votei a decisão). Albuquerque de Sousa: (Vencido, apenas, quanto a questão da existencia de "duplicação, relativamente a actualização do montante da indemnização e ao vencimento dos juros, pois entendo que não existe tal duplicação e que são devidos juros desde a citação, pelas razões constantes da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ricardo da Velha). Declaração de Voto: A correção monetaria constitui a actualização do valor da indemnização pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes do lesado. Não ha um acrescimo da indemnização, mais a sua correção por virtude da inflação, o que representa uma excepção ao principio do nominalismo monetario, porque "so com a fixação da quantidade indemnizatoria nos termos dos artigos 566, ns. 1 e 2, do Codigo Civil, a obrigação de indemnização se converte em obrigação pecuniaria (A. Pinto Monteiro, Inflação e Direito Civil, pagina 25). Embora ambas tendo por base a demora na reparação do prejuizo, são essencialmente diversas, de prespectivas diferentes, a indemnização, melhor, a correcção em consequencia da inflação e a indemnização pela mora e que pretende ressarcir apenas o atraso da indemnização como prejuizo autonomo, pelo desapossamento do valor a que o credor tem direito independentemente do montante deste, e que existe sempre, quer haja quer não desvalorização da moeda. Enquanto o prejuizo decorrente da inflacção tem de ser demonstrado, a simples mora da lugar a indemnização "a fonfait", correspondente aos juros legais, nos termos dos artigos 804 e 806 do Codigo Civil, independentemente da efectividade do prejuizo. Por isso, votei a atribuição dos juros de mora desde a citação, conforme pretensão legalmente produzida pelo autor. (Ver meu trabalho, sobre a materia, em Tribuna da Justiça, v. 40, Abril de 1988, pagina 1). |