Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SOUSA INÊS | ||
| Nº do Documento: | SJ200301090041317 | ||
| Data do Acordão: | 01/09/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL ÉVORA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 283/02 | ||
| Data: | 05/16/2002 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Sumário : | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" intentou, a 18 de Março de 1999, acção declarativa, de condenação, contra Dr. B pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 4 000 000$00. Para tanto alegou, em síntese, ter contratado o réu, na qualidade de advogado, para a representar e exigir responsabilidades a quem as tivesse que prestar, conferindo-lhe mandato para o efeito, para obter o pagamento de indemnização por danos corporais que sofreu no Hospital Distrital de Elvas onde, quando se encontrava anestesiada, foi atingida por um incêndio no bloco operatório que lhe provocou graves queimaduras. Ora, o réu, para responsabilizar aquele Hospital e outros fez ingressar a respectiva acção em tribunal judicial, em lugar de o fazer em tribunal administrativo, o que deu lugar à absolvição do demandado; na sequência, o réu intentou a acção no tribunal administrativo, mas a acção foi julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Administrativo com fundamento em prescrição. O que foi consequência do erro inicialmente cometido pelo réu ao propor a acção num tribunal judicial, incompetente em razão da matéria. O réu contestou pugnando pela absolvição do pedido; e pediu a intervenção da Companhia de Seguros C. Em síntese, e pelo que aqui e agora continua a interessar, o réu alegou que dispensou ao assunto da autora o melhor estudo, atenção e cuidado, tendo procedido diligente e empenhadamente ao estudo e tratamento de todos os problemas. E haver contratado com a C seguro de responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que por si possam ser causados a terceiros no exercício da sua actividade profissional. Admitida a intervenção, a Companhia de Seguros C, SA pugna pela sua absolvição do pedido. No que aqui interessa, a ré alegou que a qualificação como actos de gestão pública da actividade exercida pelo Hospital é controversa por estar em causa a prática de actos idênticos aos levados a cabo por particulares, fazendo apelo a regras idênticas ou semelhantes e podendo a sua execução ser apreciada de acordo com essas mesmas regras. O Círculo Judicial de Portalegre, por sentença de 31 de Agosto de 2001, absolveu o réu do pedido (o que acarretou a não responsabilização da interveniente). De harmonia com o respectivo discurso, a questão da repartição da competência em razão da matéria entre os tribunais judiciais e os tribunais administrativos é daquelas que suscita manifestas dificuldades, como resulta das divergências que se observam acerca do tema entre as decisões judiciais. Por outro lado, os actos de serviço público, tanto podem decorrer, consoante as hipóteses, sob a égide do direito administrativo, como do privado; ora, a actividade de assistência médica prestada a um doente em hospital público, sendo serviço público, não é praticada de harmonia com regras de direito administrativo, mas sim com observância dos mesmos preceitos científicos e técnicos aplicáveis à assistência prestada em clínica particular. Aceitando, embora, que a jurisdição competente era a administrativa, pois que assim está decidido com trânsito em julgado, a sentença acabou por afastar a existência de nexo de causalidade adequada entre a conduta do réu, ao começar por fazer ingressar a primeira acção em tribunal judicial, e o dano sofrido pela autora por não ter obtido a pretendida indemnização. Em apelação da autora, o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 16 de Maio de 2002, confirmou a sentença. Entendeu-se que não resulta que o réu haja praticado acto ilícito, nem a existência de nexo de causalidade adequada entre a conduta do réu e o resultado danoso, nem que a conduta do réu seja passível de juízo de desvalor. Ainda inconformada, a autora pede revista mediante a qual pretende a procedência da acção contra o réu e a interveniente. Para tanto, a autora fundamenta o recurso na violação do disposto no art.º 83º, n.º 1, al. d), do Estatuto da Ordem dos Advogados. O réu e a interveniente alegaram no sentido de se negar a revista. A questão a decidir é a de saber se no acórdão recorrido se violou o indicado preceito legal, isto é, se o réu Dr. B omitiu o estudo cuidadoso e o tratamento com zelo da questão da autora ao fazer ingressar a primeira acção em tribunal judicial. A matéria de facto adquirida no acórdão recorrido não vem posta em crise pelo que, de harmonia com o disposto nos art.ºs 713º, n.º 6, e 726º, do Cód. de Proc.º Civil, remete-se, nesta parte, para os termos do acórdão recorrido. De harmonia com o disposto no art.º 83º, n.º 1, d), do Estatuto da Ordem dos Advogados, o aprovado pelo Dec.-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, então em vigor, nas relações com o cliente constituem deveres do advogado (...) estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade. São pressupostos da responsabilidade civil nos termos desta norma, conjugada com a do art.º 483º do Cód. Civil, o facto voluntário e culposo do advogado com violação dos seus deveres deontológicos, o dano e a ocorrência de nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. O facto pode consistir na circunstância de o advogado ter escolhido um procedimento judicial errado, nomeadamente intentando acção em tribunal incompetente em razão da matéria (1). Ponto é que este erro decorra da falta de estudo cuidadoso ou tratamento com zelo da questão que lhe foi confiada, atento o preceituado na norma cuja alegada violação constitui o fundamento da presente revista. Além disto, este procedimento do advogado tem que ser culposa, no sentido de merecer censura deontológica, de constituir um indesculpável erro de ofício; não se exige ao advogado que seja infalível, muito menos que seja capaz de adivinhar qual o entendimento que o tribunal virá a seguir acerca de uma determinada questão controversa. Não se pode considerar que age com culpa o advogado que tem que fazer opção em hipótese em que a doutrina ou a jurisprudência se mostrem divididas ou em que a aplicação da lei ao caso concreto, nas suas especificidades, tanto possa justificar um procedimento como outro (2) . Voltando à espécie em julgamento, não resulta da factualidade que o réu haja deixado de estudar com cuidado a questão da jurisdição competente para conhecer e julgar a acção. A questão era verdadeiramente duvidosa atendendo a que, embora o caso fosse de serviço público, os procedimentos a adoptar na assistência à autora não tinham que se pautar por regras de direito administrativo. A repartição da competência em razão da matéria entre tribunais administrativos e judiciais, nestes casos que se encontram na fronteira, tem suscitado as maiores dúvidas, originando abundante jurisprudência. E, na concreta espécie, até sucedeu que a primeira instância do tribunal judicial se considerou competente em razão da matéria. Por último, embora resulte que o ingressar da primeira acção em tribunal judicial, em lugar do administrativo, foi uma das causas que originaram a demora, com a consequente prescrição, o certo é que outras causas concorrem, desde logo a de a primeira instância do tribunal judicial se ter julgado competente. Quer dizer que aquela opção do réu não se mostra causa adequada do prejuízo que a autora acabou por sofrer pois que, em relação à data do ingresso da primeira acção em juízo, não se revelam fortes probalidades de a opção feita vir a conduzir à verificação da prescrição do direito da autora. Quer isto dizer que, na espécie, nem resulta que o réu haja praticado facto ilícito, nem que haja actuado com culpa, nem que ocorra nexo de causalidade adequada entre a conduta do réu e o prejuízo que a autora sofreu. Desta sorte, no acórdão recorrido não foi violado o disposto no art.º 83º, n.º 1, d), do Estatuto da Ordem dos Advogados. Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em negar revista à autora. Custas pela autora. Lisboa, 9 de Janeiro de 2003 Sousa Inês Nascimento Costa Dionísio Correia ------------------------------------- (1) Cfr. António Arnaut, in "Iniciação à Advocacia", 3ª edição, pag. 117, onde, precisamente, indica como exemplo de facto susceptível de originar responsabilidade civil do advogado o intentar a acção em tribunal administrativo em vez do judicial.. (2) Cfr. António Arnaut, ob. e loc. citados. |