Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A2761
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: CONTRATO DE PERMUTA
CONTRATO ATÍPICO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO PARCIAL
REDUÇÃO DO PREÇO
CONDENAÇÃO EM QUANTIA LIQUIDAR
Nº do Documento: SJ200710090027616
Data do Acordão: 10/09/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :

I - O contrato de permuta, também denominado de troca ou escambo, é hoje um contrato atípico, inominado, já que não tem regulamentação específica na nossa lei, desde o Código Civil de 1966.

II - No contrato de troca ou permuta, a regulação de referência há-de buscar-se, adaptadamente, no contrato de compra e venda.

III - Inexistindo PDM, as partes, sem terem qualquer possibilidade de documentalmente terem conhecimento das condições em que se poderia construir nos prédios cedidos, acordaram em que a ré entregaria fracções autónomas habitacionais no edifício a construir nos terrenos cuja área indicaram.

IV - A contrapartida da ré assentou numa base não totalmente determinada, se bem que não se possa considerar o negócio nulo por indeterminabilidade do objecto - art. 280.º, n.º 1, do CC - desde logo, porque as partes tiveram a consciência de uma certa margem de incerteza quanto à contrapartida da ré, como resulta do documento complementar da escritura.

V - Provada a diligente actuação da ré e a imposição da edilidade, no que respeita à apreciação e aprovação dos projectos e exigências para autorizar a construção, a ré está impossibilitada de entregar aos AA. as fracções autónomas com a área prevista no contrato, resultando ilidida a presunção de culpa que sobre si impendia - art. 799.º, n.º 1, do CC.

VI - Sendo aplicáveis as normas do contrato de compra e venda, no caso de na coisa (vendida) ou permutada, não se puder encetar construção com a área querida pelas partes, são aplicáveis as normas dos arts. 887.º a 891.º do CC, e o regime da venda de coisas defeituosas dos arts. 913.º a 922.º do mesmo diploma.

VII - Não tendo os AA. pedido a resolução do contrato, nem tão pouco a anulabilidade do negócio com base em erro-vício da vontade, e não sendo o incumprimento parcial do contrato imputável a facto culposo da ré, não há lugar a qualquer indemnização por responsabilidade civil - art. 483.º, n.º 1, do CC.

VIII - A ré apenas está obrigada a entregar aos AA. as áreas resultantes do projecto aprovado, cabendo aos AA. o direito de reduzir a sua contraprestação do preço estipulado em função da área que era suposto ser construída e a que efectivamente poderá ser, valor a apurar em sede de execução de sentença - art. 661.º, n.º 2, do CPC.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA
BB.
CC
DD
EE (que também usa e assina EE ), e;
FF, menor, representado por sua mãe, GG.

Instauraram, 24.7.1991, pelo Tribunal Judicial da Comarca de S. João da Madeira – 1º Juízo – acção declarativa com forma de processo ordinário, contra:

“HH, Ldª”,

II e mulher EE

KK e mulher LL, e; MM.

Formularam os seguintes pedidos:

A) Deve a ré HH ser condenada a entregar aos autores as fracções habitacionais contidas nas áreas descritas no contrato de permuta ajuizado, com o correspondente lugar de garagem para cada uma delas.

B) Deve a ré ser condenada a pagar aos autores, a título de indemnização por perdas e danos e lucros cessantes, a quantia já liquidada de 29.988.000$00, e as quantias que se vencerem ate a efectiva entrega.

C) Devem os restantes réus, fiadores e respectivos cônjuges, ser condenados solidariamente e como principais pagadores, nas quantias relativas à referida indemnização.

Subsidiariamente, para o caso de assim não ser entendido:

D) Deve a ré HH ser condenada a pagar aos autores a quantia de 70 000 000$00 prevista no contrato, com juros legais ate a presente data, no montante de 34 586 000$00, e juros vincendos ate efectivo pagamento.

Se assim não for entendido:

E) Deve a ré HH, a título de enriquecimento sem causa, ser condenada a pagar as quantias constantes da precedente alínea D).

Em qualquer caso:

F) Devem os restantes réus, fiadores e respectivos cônjuges, ser solidariamente e como principais pagadores, condenados a pagar aos autores as importâncias referidas sob as alíneas D) e E).

Como fundamento, alegaram, em síntese:

Por escritura de permuta de 26.12.90, OO e mulher, de quem os autores são únicos herdeiros, cederam à ré HH dois prédios rústicos (verba n° 1 e verba n° 2) no valor global de 80 000 000$00, ficando a dita ré com a obrigação de neles construir três edifícios e de, em troca, lhes entregar fracções autónomas destinadas a habitação com a área total de 1 000 m2 distribuída, em determinada média, incluindo garagens respectivas, pelos ditos edifícios.

Os prédios foram convertidos de rústicos em urbanos. Na verba nº2 foi construído um edifício composto de cave, rés-do-chão, 1°, 2º, 3º, 4º e 5º andares.

No contrato de permuta ficaram estabelecidos prazos para a ré entregar as áreas habitacionais, construir os edifícios e registar os projectos de execução de obras, com prorrogação também prevista, se não houvesse qualquer entrave ou impedimento por parte da Câmara Municipal. A ré faria todos os contactos com a CM de S. João da Madeira e constituiria a propriedade horizontal.

Decorreram mais de dez anos sobre a data do contrato de permuta e mostram-se largamente excedidos os prazos em causa, quer no que respeita às áreas habitacionais do terreno sob a verba nº1 e, também, do terreno sob a verba nº2.

Os restantes réus responsabilizaram-se como fiadores pelo cumprimento das obrigações assumidas pela ré HH no decurso da sua duração normal e eventuais prorrogações.

O valor comercial corrente das áreas habitacionais é, no mínimo, de 180 000 000$00 e o valor locativo das mesmas é de 500 000$00 mensais.

Subordinadamente, decorrido que se mostra o prazo e prorrogação previstos para a construção das áreas no terreno n°2, a HH constituiu-se na obrigação de pagar em substituição das áreas de permuta a quantia de 70 000 000$00, sobre a qual estão vencidos juros comerciais desde 26.12.97.

Além dos réus fiadores, são também responsáveis as respectivas mulheres, visto que a fiança foi concedida no exercício do comércio dos maridos.

Se outro título não tivessem, sempre o seu direito estaria acautelado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Os réus HH e II e mulher EE contestaram, alegando factos tendentes a demonstrar que os prazos de cumprimento ainda não se esgotaram e que não têm qualquer responsabilidade no eventual atraso.

Deduziram reconvenção, formulando os seguintes pedidos:

A) (...)

B) Condenação dos autores a verem reduzidas para 324 m2 e 159,43 m2 as áreas de habitação a entregar-lhes pela ré nos edifícios a construir e construído, respectivamente;

C) Caso venha a ser regulado o mecanismo de compensação previsto no PDM de S. João da Madeira, e a ré possa dele aproveitar-se, deverem os autores ser condenados a verem reduzidas proporcionalmente as áreas a ceder em função do que efectivamente vier a ser despendido pela ré, o que deverá ser relegado para liquidação em execução de sentença.

Como fundamento, alegaram, em síntese:

O negócio de permuta foi concretizado no pressuposto de que seria possível construir três edifícios, todos eles com rés-do-chão, mais cinco andares e um recuado, ou mais andares ainda, com vantagens para ambas as partes contratantes.

Isto com base em elementos então fornecidos pela CM. Por força do PDM, a ré não pôde ir além do 5º andar no terreno n° 2, só poderá construir até ao 5º andar no terreno nº1 e já não lhe será possível construir o terceiro edifício naquele terreno por causa da rotunda que ocupará quase toda a parte sobrante.

Por isso há redução, que quantifica, das áreas de construção contratualmente previstas.

Se for usado o mecanismo da compensação com a CM, a ré terá que gastar ainda importância pecuniária em encargos que neste momento não é possível quantificar.

Os réus KK e mulher LL e MM contestaram, reconhecendo a sua qualidade de fiadores no contrato de permuta em causa e, no mais, reproduzindo os fundamentos da contestação da ré HH.

Os autores replicaram, pugnando pela inadmissibilidade do pedido reconvencional formulado em C) por ser um pedido condicional e impugnando os demais factos alegados pelos réus.

Ampliaram ainda o pedido e a causa de pedir nos seguintes termos:

A) Devem os réus ser condenados na entrega das fracções cuja construção seja possível;

B) Devem os réus ser condenados em indemnização por perdas e danos derivados da redução da área das fracções que deviam ser entregues;

C) E devem os pedidos subsidiários referidos ser relegados para liquidação em execução de sentença por não ser possível, desde já, a sua concretização e quantificação.

Como fundamento, alegaram, em síntese, que, para o caso de se vir a decidir que há impossibilidade parcial, sem culpa dos réus, têm os autores direito à redução da sua prestação, assim como à indemnização pelos prejuízos sofridos consubstanciados na não entrega de fracções nos imóveis em causa, pelo valor do m2 das áreas habitacionais.

A HH treplicou, respondendo à ampliação do pedido, alegando que os autores não sofrerão qualquer prejuízo, vendo apenas reduzido o seu lucro.

No despacho saneador, foram admitidas a reconvenção e a ampliação do pedido.
***

Percorrida a demais tramitação foi proferida sentença que:

“A) Julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os réus dos pedidos formulados pelos autores;

B) Julgou a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, condenou os autores:

1) - A verem reduzidas para 324 m2 e 278,80 m2 as áreas de construção habitacionais que a ré HH está obrigada a entregar-lhes no âmbito do contrato de permuta referido sob o item 2º [B)] dos factos provados, e;

2) - Em liquidação, em execução de sentença, a verem reduzida a área a entregar, ou a receberem o valor pecuniário correspondente, para o caso, respectivamente, de vir ou não vir a ser construído o segundo edifício no terreno nº2, segundo o critério de proporcionalidade e equidade atrás correlacionado com a modificação do contrato por alteração das circunstâncias”.


Inconformados os AA. recorreram para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 31.1.2007 – fls.820 a 874 – decidiu assim:

“Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se, em parte, a sentença recorrida e, em consequência:

A) Julgam-se a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e condena-se a ré HH a:

1. Entregar aos autores a área de 324,00 m2 do edifício a construir no terreno n°1, no prazo máximo de 30 meses a contar da data da concessão da respectiva licença de construção;

2. Entregar aos autores a área de 278,80 m2 do edifício já construído no terreno nº2.

B) Absolvem-se os autores e os réus dos restantes pedidos.



Inconformados recorreram os AA. para este Supremo Tribunal e, nas alegações apresentadas, formularam as seguintes conclusões:

PRIMEIRA – Os autos tratam de uma permuta em que os autores entregaram à ré construtora dois prédios rústicos para que esta ali levasse a efeito um empreendimento imobiliário, recebendo em troca determinadas áreas de construção, em apartamentos habitacionais.

SEGUNDA – Sob o pretexto de que a ré não construiu tanto quanto pretendia, as Instâncias submeteram o caso ao tratamento previsto para as prestações parcialmente impossíveis.

TERCEIRA – Acontece, porém, que nenhuma prestação se tornou impossível: não a dos autores, que no acto da permuta transferiram para a ré o total da sua prestação; não a da ré que, em troca, cedeu aos autores determinadas áreas de construção, devidamente especificadas para cada terreno.

QUARTA – Não houve a menor subordinação (a menor condição) que por qualquer modo limitasse ou interferisse na pura obrigação de entrega das áreas de construção acordadas para cada um dos prédios rústicos (projectos, volumes, cérceas, capacidades de construção, licenciamentos, burocracias), tudo coisas da inteira responsabilidade da ré, a que os autores eram inteiramente alheios e com o que nada tinham a ver.

QUINTA – Tanto as prestações dos autores como da ré não ficaram adstritas, subordinadas ou limitadas por qualquer modo ou condição. São obrigações puras e simples – toma lá dá cá.

SEXTA – O argumento de que a ré construiu menos do que projectara, além de ocioso, não tem aceitação na prova produzida, pois segundo a própria ré, os edifícios deveriam ter rés-do-chão, mais cinco andares e um recuado, e a verdade é que o edifício já construído consta de cave, rés-do-chão e seis andares, sendo o último recuado.

SÉTIMA – Tudo somado temos oito pisos, o último com um apartamento duplex com a área de 60 m2, como se pode comprovar pelo registo da propriedade horizontal que, pela força própria do documento e ao abrigo da lei, conforma a propriedade horizontal e as características da construção – igualmente se impondo ao sólio deste Supremo Tribunal por se tratar de prova plena e, pois, indeformável por qualquer outro meio de prova – CPC, art. 722.º, nº2.

OITAVA – Acresce que os autos também dizem, igualmente através de prova vinculada, que no momento da permuta a ré perfeitamente sabia (ela própria juntou o documento aos autos) que a construção prevista nos regulamentos e autorizada pela Câmara Municipal não ia além de rés-do-chão e quatro andares.

NONA – Neste ponto cabe por medida e por maioria de razão a lição do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 28 de Março de 2006 (SJ200603280003016, www.dgsi.pt).:

Se antes da celebração de um contrato de compra e venda de um terreno situado nos limites do Parque Natural da Ria Formosa já se encontrava em vigor o Dec. -Lei nº. 373/87, de 9 de Dezembro, que criou o Parque Natural da Ria Formosa e que veio proibir a construção dentro dos limites dessa área, não pode ser objecto de resolução nem de modificação o contrato prometido de compra e venda do mesmo terreno, com fundamento em alteração anormal das circunstâncias, por os compradores não terem obtido autorização das Câmara Municipal para nele construir várias vivendas de luxo.

DÉCIMA – No caso dos autos há uma razão acrescida – além da existência das normas e regulamentos para a construção, existe ainda um documento emanado da Câmara Municipal a fixar a capacidade de construção e a cércea máxima dos edifícios.

DÉCIMA-PRIMEIRA – Quando recebeu os terrenos para neles construir, os regulamentos da construção no Município de S. João da Madeira permitiam a construção de determinadas áreas, acontecendo que durante dois anos e meio a ré nada fez, até que o PDM foi alterado e por força dele as áreas de construção permitidas sofreram uma diminuição de vinte e cinco por cento.

DÉCIMA-SEGUNDA – Isto aconteceu porque a ré entendia que “lhe competia esforçar-se por obter a aprovação da viabilidade de uma cércea maior…” – resposta ao quesito 124º – e isto, que é a confissão de um completo desprezo pelos contratos, pela lei e pelos regulamentos, veio afinal a ser levado em seu favor.

DÉCIMA-TERCEIRA – Daqui se há-de concluir que a culpa deste resultado se tem por inteiro de assacar à construtora, sendo que nos autos há documentos autênticos que constituem prova plena que se sobrepõe a qualquer outro meio de prova e se impõe ao conhecimento do Supremo.

DÉCIMA-QUARTA – Se assim não fora de entender, impõe-se a vocação do art. 796.º do Código Civil, segundo o qual a lei prevê que nos contratos que importam a transferência do domínio sobre coisas certas ou que constituam ou transfiram um direito real sobre elas, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente.

DÉCIMA-QUINTA – A Relação afastou este preceito mediante a consideração de que não houve deterioração dos terrenos entregues pelos autores à ré, que não perderam o valor intrínseco que tinham à data da celebração do contrato de permuta porque o risco da redução da sua área construtiva é um risco próprio do contrato.

DÉCIMA-SEXTA – Além de uma clara petição de princípio do argumento, este modo de ver aplica a lei exactamente ao contrário, pois faz valer o risco a favor do adquirente quando a lei o constitui a favor do alienante, especificamente determinando que a deterioração da coisa, por causa não imputável ao alienante, quando haja transferência do domínio, corre por conta do adquirente – e esta é a retinta situação dos autos.

DÉCIMA-SÉTIMA – Ora a deterioração não é um conceito abstracto e dedutível, mas uma realidade que se impõe à prática e ao senso comum.

DÉCIMA-OITAVA – Francisco Torrinha, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, recolhe para este vocábulo os significados – danificar e alterar.

DÉCIMA-NONA – O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Edição do Círculo de Leitores), encarando os termos deterioração e deteriorar, ensina que é o estado alterado para pior, danificação, decomposição, estrago, pôr em mau estado ou em pior condição, sem serventia, usar, gastar.

VIGÉSIMA – Em termos jurídicos, Houaiss estabelece que deterioração significa dano e estrago sem importar destruição total.

VIGÉSIMA-PRIMEIRA – O mesmo ressalta deste autor no Dicionário de Sinónimos e Antónimos: Sinónimos – danificar, arruinar, estragar, prejudicar. Antónimos: aperfeiçoar, corrigir, melhorar, restaurar.

VIGÉSIMA-SEGUNDA – Daqui ressalta um dado que vemos em todos os mestres da língua (todos em absoluto): a deterioração das coisas materiais resulta sempre da acção do homem – nem que seja por acção passiva, isto é, pelo abandono.

VIGÉSIMA-TERCEIRA – No caso, é retinto que foi a acção directa do homem que ocasionou a deterioração, visto que foi pela acção da ré que áreas consideráveis de terreno ficaram afectadas no seu préstimo e serventia.

VIGÉSIMA-QUARTA – A lei é mais sábia do que parece, o que neste caso se torna límpido, pois o ditame da norma e a conjugação dos próprios termos – “perecimento ou deterioração” – não deixam dúvidas de que o que a lei pretende é evitar o dano para a parte que cumpriu a obrigação, postulando assim o equilíbrio dos interesses em causa.

VIGÉSIMA-QUINTA – Pouco importa saber se houve ou não culpa da construtora, importando, isso sim, respeitar a lei quando, por palavras suas, diz que uma vez transferidos os terrenos para o domínio da ré, o risco corre por conta dela.

VIGÉSIMA-SEXTA – É também ponto assente que a natureza especial da teoria do risco o faz prevalecer sobre a doutrina genérica, só podendo o risco assumido pelo adquirente ser excluído quando houver culpa relevante por parte do alienante – o que está fora de questão porque os autores efectuaram a sua prestação totalmente no acto da escritura e não colocaram nunca quaisquer obstáculos à construção.

VIGÉSIMA-SÉTIMA – No que respeita às áreas de construção que deviam ser entregues pela ré aos autores, o acórdão concede-lhes áreas muito inferiores ao contrato, sob o pretexto de que a ré nada mais pode construir, ao mesmo tempo que, no que respeita às áreas de terreno sobrantes, assentou no enriquecimento sem causa.

VIGÉSIMA-OITAVA – Logo porém afasta o enriquecimento no caso do terreno n.º2 (com um edifício já construído) receitando que os autores nada deverão receber porque a HH não vai retirar nenhum benefício ou contrapartida das áreas não construídas.

VIGÉSIMA-NONA - Teríamos então que, no centro da cidade de S. João da Madeira, por decreto do Tribunal da Relação do Porto – um terreno com capacidade construtiva e onde a ré mantém ainda, dados certos ajustamentos, o projecto de construir três edifícios em vez dos dois previstos – não vale nada!

TRIGÉSIMA - É manifesto que um tal entendimento não pode subsistir, pois é público, comum e notório que um terreno nas condições descritas não é um objecto perdido ou abandonado na praça pública.

TRIGÉSIMA-PRIMEIRA - É igualmente público e notório que a construtora não vai deixá-lo abandonado, sem uso nem préstimo, e que infalivelmente o usará para áreas verdes ou de lazer, logradouros, arruamentos, ou qualquer destino que irá valorizar o empreendimento.

TRIGÉSIMA-SEGUNDA - Por absoluta impossibilidade real, não pode aceitar-se o entendimento de que um edifício em altura é uma ilha de betão cercada de todos os lados por terrenos sem uso nem préstimo, como se as habitações fossem células coladas uma sobre as outras, e nem mesmo necessitassem do terreno dito sobrante para acessos de pessoas e viaturas à via pública.

TRIGÉSIMA-TERCEIRA – As áreas não aproveitadas na construção são um valor que não pode deixar de ser levado em conta a favor dos autores, seus legítimos donos – que entregaram os terrenos por uma causa e para um efeito que não se verificaram.

TRIGÉSIMA-QUARTA – O valor das áreas de terreno – muito ou pouco – é facto público, notório, apreensível pela inteligência geral do cidadão comum, como tal não necessitando de prova e o seu conhecimento compete sempre ao juiz e, pois, a este Supremo Tribunal – Código Civil – art. 514.º.

TRIGÉSIMA-QUINTA – No que contende com o terreno n.º 1 (ainda à espera de construção) a solução não pode deixar de ser igual. O facto de não se saber neste momento a dimensão da área de construção e qual a área sobrante não é impedimento para que desde já se conheça dessa questão visto que, como a Relação estabeleceu, haverá sempre uma área não construída – e isso é o que conta.

TRIGÉSIMA-SEXTA – Qualquer que seja a realização prática da construção, sempre haverá que dar um destino (um dono) às partes ditas sobrantes, não podendo o processo recusar uma sentença quando existe o “que” e apenas resta determinar o “quanto” – Código de Processo Civil, 661.º.

TRIGÉSIMA-SÉTIMA – A permuta de que tratam os autos respeitou a dois terrenos, em cada um dos quais seria feita construção, da qual seria entregue aos autores uma determinada área de apartamentos para a habitação, sendo que para cada um dos terrenos foi fixada uma data distinta para a entrega dos apartamentos.

TRIGÉSIMA-OITAVA – Apesar disso, apesar da estipulação por ambas as partes de uma data certa para a entrega das fracções dos edifícios a construir em cada um dos dois prédios rústicos, a Relação entendeu que o prazo de entrega não estava vencido na data da propositura da acção (não obstante esse prazo ter sido já ultrapassado em vários anos), tudo isto porque se tratava de uma obrigação incindível, dizendo respeito às áreas dos dois edifícios que ali era suposto construir.

TRIGÉSIMA-NONA – É bom de ver, no entanto, que a incindibilidade da obrigação nada tem a ver com o prazo dos pagamentos – e a entrega das fracções não é senão um pagamento em espécie.

QUADRAGÉSIMA – Quando se entenda, como fez o acórdão em revista, que a solução está no art. 793.º, então a prestação dos alienantes terá de ser proporcionalmente reduzida, não se podendo dizer que isso não pode ser feito pelo facto de os alienantes terem efectuado a sua contraprestação, pois isso seria colocar os alienantes em situação desfavorável relativamente àquele que o não tivesse feito.

QUADRAGÉSIMA-PRIMEIRA – O facto de que não é possível devolver a contraprestação não é impeditivo de que a justiça se faça dentro do âmbito próprio, uma vez que os autos contêm os elementos necessários para se achar o valor da prestação a efectuar aos alienantes, pois quando a reparação não pode ser feita em espécie, a lei contém em si os mecanismos para o ressarcimento dos valores correspondentes à lesão do direito, como o autores pediram.

QUADRAGÉSIMA-SEGUNDA – Quando não se sabe o quanto, nem por isso a sentença deixará de conhecer da questão, deixando as contas para apuramento no meio próprio, sendo o grau de culpa da construtora irrelevante, pois os autores têm a seu favor o risco do negócio.

QUADRAGÉSIMA-TERCEIRA – Tendo os autores direitos às áreas de construção constantes do contrato assinado, se eventualmente lhes forem entregues áreas menores – serão ressarcidos na medida proporcional do prejuízo que tiveram.

QUADRAGÉSIMA-QUARTA – Na substância dos factos a ré não sofreu prejuízo nenhum, uma vez que, tendo ela própria dito por sua conta que os edifícios deveriam ter rés-do-chão, mais cinco andares e um recuado, o prédio já construído consta de cave, rés-do-chão e seis andares, somando tudo oito pisos, como se pode comprovar pelo registo da propriedade horizontal que, pela força própria do documento e ao abrigo da lei, conforma a propriedade horizontal e as características da construção, o que vem a dar que a ré construiu mais e não menos do que o previsto.

QUADRAGÉSIMA-QUINTA – A construção de um único edifício só aconteceu porque a ré assim o quis, desmistificada como está a confusão que se quis estabelecer entre altura e volume – entre cércea e capacidade de construção – visto que nos terrenos em causa era possível erguer um prédio ou dois ou três ou mais, e isso só não foi feito porque a ré preferiu esgotar a capacidade de construção com um prédio em altura.

QUADRAGÉSIMA-SEXTA – Tudo o que foi dito aqui consta de documentos juntos aos autos – regulamentos, projectos e plantas da obra, certidões da Câmara Municipal, Registo Predial e documentos autênticos não contestados, o que tem relevância plena diante do Supremo Tribunal.

QUADRAGÉSIMA-SÉTIMA – De facto e de direito, o processo encontra-se devidamente instruído para uma decisão que condene a ré nos pedidos feitos, bem como os restantes réus, fiadores e respectivas mulheres, nos pedidos contra si deduzidos.

QUADRAGÉSIMA-OITAVA – A douta decisão em apreço violou as normas do corpo destas alegações, designadamente:

Código de Processo Civil: 515º., 516º., 659º., 661º.
Código Civil: 353º., 358º., 361º., 369º., 373º., 376º., 397.º, 438º., 473.º, 479.º, 480.º, 762º., 796º., 817º., 879º. (939º.)

O recurso merece provimento, e por via disso:

Deve a acção ser julgada provada e procedente, com a condenação dos réus nos pedidos respectivos.

Deve a reconvenção ser julgada improcedente.

Não houve contra-alegações.


Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

Os autores são os únicos herdeiros de OO. (A)

Em 26.12.90, no Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis, foi outorgada escritura pública de permuta entre OO e esposa e a ré HH. (B)

Nos termos dessa escritura e do documento complementar, nela integrado, os referidos OO e esposa cederam à ré pelo valor global de 80 000 000$00, correspondente à soma dos valores atribuídos a cada um deles, os seguintes prédios:

1. Prédio rústico sito em S. João da Madeira, descrito na CRP sob o nº...../....., e aí registado a seu favor pela inscrição G 1, inscrito na matriz sob o artigo rústico 563, a que atribuem o valor de 30 000 000$00;
2. Prédio rústico, sito em S. João da Madeira, descrito na CRP sob o no ..../......, aí registado a seu favor pela inscrição G 1, inscrito na matriz sob o artigo rústico 673, a que atribuem o valor de 50 000 000$00”. (C)

Por sua vez, em troca, a ré cedeu ao OO e esposa fracções autónomas com destino a habitação, na área total de 1000 m2, do modo seguinte:

No edifício a construir no terreno indicado sob a verba n°1, a área de 416 m2, no valor de trinta mil contos;
Nos prédios a edificar sob o terreno da verba n° 2, as áreas seguintes:
a) 416 m2, no 1° edifício, no valor de trinta mil contos;
b) 168 m2, no 2° edifício, no valor de vinte mil contos. (D)

As fracções habitacionais contidas nestas áreas têm direito a um lugar de garagem para cada uma delas, considerada área extra, sem qualquer pagamento. (E)

Os prédios estavam classificados como rústicos e, em virtude da projectada construção, foi feita participação para a inscrição urbana, cabendo o artigo urbano 4198° ao anterior 563°, e o artigo urbano 4199° ao anterior 673°. (F)

O prédio descrito na CRP sob o n° ......../...... passou a estar compreendido na descrição ......./.......... (G)

A ré comprometeu-se a entregar ao OOe esposa as áreas habitacionais no prazo de trinta meses após a concessão da licença de construção pela CM no que respeita ao terreno número um e no prazo de cinco anos após a concessão da licença de construção no terreno n° 2, assim como se comprometeu a registar os projectos de execução de obras, se não houvesse qualquer impedimento ou entrave por parte da CM de S. João da Madeira, nos prazos seguintes:

a) no terreno n°1, seis meses após a data da escritura;
b) no terreno n° 2, doze meses após a data da escritura. (I)

Os prazos estipulados em H) poderiam ser prorrogados até 180 dias, ficando, porém, a ré obrigada ao pagamento ao OOe esposa, a uma taxa de juro de 18% ao ano sobre o valor indicado na cláusula 3.2., que cessará de imediato após a entrega integral das áreas de permuta respectivas, a celebrar por escritura de transferência de propriedade. (J)

A ré obrigou-se não só à constituição da propriedade horizontal de todos os edifícios, bem como de todos os encargos inerentes à dita, seu registo e legalização. (L)

O prazo para elaboração do projecto, sua apresentação e obtenção da licença, obedecia ao procedimento comum e normal aos usos do negócio de construção. (M)

Os projectos das construções a levar a efeito no terreno indicado sob as verbas n° 1 e nº2 deveriam ser registados até 26.06.91 e 26.12.91, respectivamente, se não houvesse qualquer impedimento ou entrave por parte da CM. (2°)

Uma vez registada a entrada de projecto em condições de aprovação, seguido dos projectos da especialidade, e idênticas condições, a concessão das licenças teria normalmente lugar no prazo de um ano após o referido registo. (3°)

Naquelas condições, o prazo de entrega das áreas habitacionais do terreno sob a verba n° 1 expiraria em 26.12.94, e o das áreas da verba nº2 terminaria em 26.12.97. (4°)

Nos termos do contrato de permuta (documento complementar), caso decorressem os prazos de prorrogação de 180 dias sem que se mostrassem construídos no terreno n° 2 as áreas previstas, haveria incumprimento do contrato, constituindo-se os réus (sendo os II, o KK e o MM como fiadores) na obrigação de pagar em substituição das áreas de permuta a quantia de 70 000 000$00. (10°)

Relativamente aos três edifícios, o número de pisos, com cércea mínima, ficou expressamente previsto no documento complementar anexo à escritura de permuta, sob a cláusula 1.2, que aqui se dá por reproduzida. (98°)

O negócio foi concretizado na perspectiva de nos terrenos permutados ser possível construir três edifícios, todos eles com rés-do-chão, mais cinco andares e um andar recuado. (89°)

Esta perspectiva assentou em contactos diversos levados a cabo pelas partes contratantes e pelo que lhes foi dado observar na construção dos edifícios da mesma rua e circundantes. (91°)

E foi determinante para a fixação da área de construção, de 1000 m2, a ceder pela HH ao permutante OO. (92°)

De outra forma, construindo menos, não seria viável ceder tanta área de construção, sob pena do negócio ser prejudicial para si e contrariar o acordo subjacente à escritura de permuta. (93°)

Na escritura de permuta foi estabelecida a área global mínima ajustada, tendo sido previsto no caso de maior possibilidade de construção, uma entrega adicional de 7% de área acrescida. (143°)

Ficou estipulado no “documento complementar” que as eventuais diferenças de metragem, para mais ou para menos da área útil a ser entregue seriam pagas pelo preço de comercialização. (144°)

Tal preveniu pequenas diferenças da construção, uma vez que a permuta se deu quando ainda não havia projecto. (146°)

O que constitui prática corrente quando não é possível determinar a exacta configuração dos apartamentos, designadamente quando este facto depende das concepções arquitectónicas do autor do projecto. (147°)

Para garantia do estipulado no contrato, os réus II, KK e MM responsabilizaram-se como fiadores pelo cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade permutante neste contrato, no decurso da sua duração normal e eventuais prorrogações. (N)

A fiança foi prestada até ao limite de 70 milhões de escudos. (O)

A fiança foi prestada solidariamente, tendo-se os fiadores constituído na obrigação de principais pagadores perante o OOe esposa pelos créditos que lhes adviessem do contrato ajuizado. (N1)

A fiança foi dada pelos réus II,KKe MM no exercício do seu comércio, na qualidade de sócios-gerentes, com cujo exercício provêm à subsistência dos respectivos casais. (11°)

À data em que o contrato de permuta foi celebrado não estava ainda em vigor o Plano Director Municipal de S. João da Madeira, o qual estava em elaboração, a ele se aludindo na escritura. (94°, 96°)

Antes da vigência do PDM, a CM tinha meras indicações, designadamente em plantas, para o local, aplicando-se depois aquele Plano Director (a partir de 1993). (129°)

O Plano Director Municipal de S. João da Madeira foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros, no 36/93, de 04.5.93 (DR 1ª Série-B). (P)

Por força da aprovação do PDM e das imposições posteriores à Câmara Municipal naqueles terrenos só é possível construir o seguinte:
a) no prédio identificado sob a verba n° 1 — um edifício de rés-do- chão, mais cinco andares;
b) no prédio identificado sob a verba n° 2 — apenas um edifício igualmente com rés-do-chão, mais cinco andares, já construído. (99°)

No terreno sob a verba n° 2 foi construído um edifício composto de cave, rés-do-chão, 1° a 5° andares, com superfície coberta de 419 m2, e descoberta de 36 m2, inscrito na matriz urbana sob o artigo 5520°, e descrito na Conservatória sob o n° ........./-........... (H)

Não é possível construir o 2° edifício previsto para o terreno da verba nº2 uma vez que o terreno para a sua implantação está quase todo reservado pela CM para a construção da rotunda. (100°)

No edifício a construir no terreno n° 1 estava prevista a construção da área total 3 976 m2, enquanto o que foi autorizado a construir é de 2350 m2, ou seja, houve uma redução de 1626 m2 de área de construção. (101°,102º, 103°)

Nos termos do contrato de permuta, no edifício a construir neste terreno n°1 a ré HH tem a ceder a área de 416 m2. (104º)

Atenta aquela redução, e mantendo a mesma proporção de área a ceder, a ré apenas teria de entregar a área de 245,87 m2. (105°)

Em função da mancha de construção prevista pelas partes em 1990 para a celebração do contrato de permuta, no terreno da verba n° 2:
- o edifício já construído - o primeiro - teria a área total de construção de 2820 m2; e
- o edifício não construído - o segundo - teria a área total de construção de 1276 m2; num total de 4096 m2. (106°)

No edifício já construído, a Câmara apenas permitiu a construção da área global de 1890 m2, o que significa uma redução global de 930 m2 de construção. (107°, 108°)

Nos edifícios a construir no terreno n° 2, a ré HH, nos termos do contrato, tem a ceder a área total de 584 m2, sendo 416 m2 no primeiro edifício, já construído, e 168 m2 no segundo edifício. (109°)

Atenta aquela redução de área de construção no primeiro edifício e reduzindo na proporção a área a receber, a ré HH apenas teria que entregar 278,80 m2 no mesmo edifício. (110°)

Quanto ao 2° edifício previsto para o terreno n° 2, existe uma pequena “mancha construtiva” no terreno sobrante mas o mesmo não tem poder construtivo para edificar um prédio de rés-do-chão e cinco andares, que é a cércea definida para o local. (111°)

Com efeito, nessa parcela de terreno o índice de construção foi reduzido para, 0,7m3/m2. (112°)

Permitiria apenas a construção de um edifício com rés-do-chão e um andar. (113°)

Porém, como a cércea estabelecida é de rés-do-chão e cinco andares aquela construção é inviável. (114°)

Tal reduzida área de construção vai ter utilização com valor de construção, mas apenas poderá vir a ser considerada no futuro em compensação na utilização de outro ou outros terrenos, o que não acontece actualmente. (115°)

Para a hipótese de vir a ser aprovado regulamento municipal definindo as regras para a implementação do mecanismo de compensação na área do município, durante o decurso da acção, ou já depois da prolação da sentença, poderá a ré HH usar eventualmente dessa compensação, pagando à Câmara ou entregando-lhe terreno. (117°)

Caso em que a ré terá de despender importância que neste momento não é possível determinar, mantendo o propósito de construir um terceiro edifício. (118°)

O que levará, eventualmente, a reduzir ainda mais a área de construção a entregar aos autores, como contrapartida prevista na escritura, na proporção dos encargos que vier a ter com a referida compensação. (119º)

A diminuição da capacidade construtiva acima descrita implica a correspondente redução de 416 m2 para 245,87 m2 a entregar aos autores no edifício a construir no primeiro terreno. (120°)

Enquanto, no edifício construído no segundo terreno, aquela diminuição de capacidade construtiva implica a correspondente redução de 416 m2 para 278,80 m2. (121°)

A CM colaborou no sentido de vir a aprovar uma solução, em seu critério, adequada para cada terreno. (122°)

As partes contratantes acreditaram naquilo que acordaram na escritura e competia à ré HH esforçar-se por obter a aprovação da viabilidade de construção de uma cércea maior, dada até a existência de edifícios na mesma rua com mais de 5 andares. (124°)

Mesmo depois da entrada em vigor do PDM, a HH continuou a apresentar projectos cuja correcção era solicitada pela CM invocando o Plano Director, tendo a ré HH em vista, tanto quanto possível, o cumprimento do contrato de permuta. (132°)

A ré apresentou primeiro o pedido de viabilidade de construção no terreno n° 1. (126°)

Dando cumprimento ao acordado, e no que respeita ao edifício a construir no terreno n° 1, a ré HH registou a entrada, em 07.11.90, do pedido de viabilidade de construção, acompanhado do respectivo anteprojecto, de acordo com as plantas topográficas fornecidas pela Câmara Municipal, e que serviram de base à negociação com os vendedores. (16°)

Este pedido deu origem ao processo de viabilidade n° 20/90, e mais tarde, ao processo de obras no 80/95. (17°)

Tal anteprojecto foi apresentado tendo em conta o estabelecido no contrato de permuta que previa para os terrenos permutados a construção com “cércea mínima de rés-do-chão mais cinco andares mais recuado”. (18°)

Assim, as partes assentaram a decisão de contratar a referida permuta na verificação da condição de poderem construir nos terrenos edifícios com a cércea de rés-do-chão mais cinco pisos e mais um recuado. (19°)

Entretanto, dando cumprimento a uma informação dos serviços municipais, a ré HH teve necessidade de apresentar uma alteração ao plano de pormenor, referente ao alinhamento de estremas, implantação e cérceas, o que fez mediante a apresentação de requerimento e planta de localização entrados em 08.04.91. (20°)

Este pedido foi indeferido por alegadamente violar o Plano de Pormenor para o local, conforme ofício da CM de 19.04.91. (21°)

Nesse ofício, a Câmara informava a ré HH que “decorrem estudos para o local, pelo que deverá aguardar as suas conclusões”, além de que, “a capacidade construtiva estará sempre condicionada à prévia regularização dos limites do lote”. (22° e 23°)

Entretanto, após aguardar cerca de um ano, a ré HH tomou a iniciativa de apresentar, em 23.04.92, processo de viabilidade de implantação de cérceas com a inclusão, para além do terreno permutado, do terreno do proprietário confinante Eng. PP. (24°)

Que veio a merecer a resposta constante do ofício da CM, datado de 08.6.92, onde esta entidade obrigava à inclusão de todas as restantes parcelas que compõem a área abrangida, e não apenas as duas contempladas no artigo anterior, além de impor à solução apresentada que contemplasse a sua inserção na zona envolvente, nomeadamente a Zona Desportiva e Avenida Arantes e Oliveira. (25°)

Ou seja, a Câmara, como não tinha uma definição concreta para o local, ia obrigando a ré HH a apresentar propostas de viabilidade de construção que abrangessem não só o seu próprio terreno como ainda todos os envolventes, pertencentes a terceiros, e a apresentação de projecto para a área envolvente. (26°)

Fazendo depender a solução a adoptar, e eventual posterior aprovação da construção no terreno da ré HH, de um estudo global, mas sempre a efectuar por esta, que era detentora de apenas uma pequena parcela, atendendo a toda a área em causa, conforme, parcialmente, referido ofício de 08.06.92. (27°)

Na sequência dos diversos requerimentos apresentados pela ré HH e da posição assumida através do oficio referido nos artigos anteriores, a Câmara Municipal convocou a ré HH para um reunião de trabalho, a realizar no dia 29.10.92, o que fez através do seu oficio de 27.10.92. (28°)

Na sequência da referida reunião, a ré HH apresentou, em 26.11.92, o aditamento ao processo de viabilidade de construção, através de nova proposta de implantação e cérceas para o terreno em questão, em que a ré se propunha ceder à CM uma determinada área de construção de 436 m2, cedendo-lhe esta uma outra área, para regularização do lote. (29°)

Entretanto, o proprietário do prédio confinante, o identificado Eng. PP, accionou um processo litigioso contra a Câmara e desistiu da proposta que anteriormente havia apresentado conjuntamente com a ré HH. (30°)

Como o referido litígio continuava a arrastar-se, a ré HH apresentou em 15.02.93 nova proposta de implantação e cérceas, apenas para o seu terreno, ao que se seguiram diversas negociações com a Câmara. (31°)

No seguimento das referidas negociações e diversas propostas recíprocas, a Câmara notificou por ofício de 07.07.94 a ré HH de que, em reunião de 04.07.94 fora deliberado aprovar a solução urbanística por esta apresentada para o local, englobando os diversos proprietários, tendo-se então já em consideração a aprovação do Plano Director Municipal de S. João da Madeira. (32°)

Tendo, em consequência, a R. HH cedido à Câmara uma área de cerca de 435 m2. (33°)

Esta aprovação [referida no quesito 32°] resultou da regularização do terreno da HH com a permuta com a Câmara Municipal, em que cada uma cedia à outra uma parcela de terreno. (134°)

Por força das alterações introduzidas pelo PDM, a ré HH tivera necessidade de adaptar o projecto de construção previsto para o local, por forma a respeitar as normas impostas por aquele instrumento. (34°)

Em 01.08.95, a HH apresentou o primeiro projecto de licenciamento de obras, cuja licença de construção tomou o nº80/95. (35°)

Durante a apreciação do referido projecto foi trocada diversa correspondência entre a Câmara e a HH no sentido de permitir a aprovação do mesmo, conforme determinação da Câmara. (36°)

No decurso da longa e atribulada apreciação do projecto, a Câmara veio comunicar à Ré HH, por ofício de 16.09.98, que “para esta área, o Município encontra-se a elaborar um estudo de ordenamento urbano que colide com a pretensão entretanto apresentada por V. Exª, para a construção de um imóvel de habitação colectiva e comércio, situação que importa desde já analisar e procurar encontrar uma solução que permita a esta Câmara intervir neste espaço valorizando todo o Complexo Desportivo e a sua área envolvente”. (37°)

Mais tarde, em 13.08.99, foi a mesma HH informada pela Câmara de que “deverá aguardar a conclusão do Plano de Urbanização”. (38°)

Mais tarde ainda, em 27.04.00, a ré HH foi notificada para apresentar solução rectificativa ao seu projecto, porquanto a área de construção prevista para o conjunto do rés-do-chão, e os cinco andares ainda excede em 243,5 m2; a área considerada no projecto ao nível da cave de 914,5 m2, não sendo destinada a aparcamento, mas sim a comércio e serviços, constitui no seu todo excesso de construção. (39°)

Finalmente, depois das relatadas e outras vicissitudes, a Câmara, aprovou o projecto por despacho do seu presidente de 30.05.00, vindo a comunicar a decisão à ré HH por ofício de 05.06.00, concedendo-lhe o prazo de 180 dias para apresentação dos projectos de especialidade. (40º)

O que a HH cumpriu, apresentando-o em 01.02.01, contando-se apenas os dias úteis do prazo, como era entendimento da Câmara Municipal. (41°)

Apesar de requerida, ainda não foi emitida a competente licença de construção pela Câmara. Relativamente ao prédio n°1 ainda não foi concedida licença de construção. (42°, 13°)

Não tendo licença de construção não é possível à ré HH construir e não o podendo fazer muito menos pode entregar aos autores a área habitacional a ele respeitante. (43°)

Em relação ao terreno n° 2, estava contratualmente prevista a construção de um outro edifício para além do já referido, mas tal não é possível com utilização exclusiva da parte sobrante do terreno. (15°)

Quanto ao terreno n° 2, estando prevista a construção de 2 edifícios, conforme consta da referida escritura de permuta, tornou-se necessário destacar ou proceder ao loteamento desse terreno, tendo a HH optado por lotear através do projecto entrado na Câmara Municipal de S. João da Madeira em 29.10.91, processo ao qual foi atribuído o ° 3/91. (44°)

Ao referido pedido, a CM respondeu, em 04.02.92, impondo à ré HH diversas correcções, além de “sugerir a elaboração de um estudo para a área definida para a Rua Arantes Oliveira e o prolongamento previsto para a Rua Egas Moniz”. (45°)

Quando a ré HH estava a elaborar o estudo mencionado no artigo anterior, obteve informação dos Serviços Técnicos da Câmara de que estava em elaboração um estudo urbanístico para o local, solicitando, em meados de 1992, a correspondente planta topográfica. (46°)

Planta essa que lhe foi entregue em 25.08.92, referindo que estava em apreciação um pedido de loteamento para este local não tendo recaído ainda sobre ele qualquer deliberação, pelo que deveria aguardar decisão sobre o mesmo. (47°)

Entretanto, essa mesma informação continha uma alteração significativa em relação ao que era permitido construir aquando da realização do negócio e do pedido de loteamento referido. (48°)

Com efeito, estava em preparação o Plano Director Municipal de S. João da Madeira, cujos estudos já apontavam, nesta altura, para uma fixação da cércea dos edifícios, nomeadamente, sem andares recuados e a implantação de uma rua em parte do lote de terreno da verba n° 2, mais precisamente onde deveria ser construído o segundo edifício a que se faz referência em D-b). (49°)

Para além disso, previa-se a autorização de construção acima do solo de apenas rés-do-chão mais cinco andares, enquanto que, aquando da realização do negócio e celebração da escritura, estava meramente indicado nas plantas da C. M. de S. João da Madeira a construção de rés-do-chão, mais quatro andares, sem prejuízo de ser discutidas as cérceas com os requerentes. (50°)

Como, aliás, veio a suceder no edifício já construído, sem andar recuado, a que se faz referência em H). (51°)

Em 13.04.93, e após insistência da ré HH, a Câmara entregou-lhe os elementos cadastrais disponíveis que possuía. (52°)

Elementos que definem os limites das propriedades existentes no local, nomeadamente os confrontantes com os terrenos da ré HH. (53°)

Em Outubro seguinte, e perante a falta de decisão da Câmara, a ré tomou a iniciativa de solicitar nova planta topográfica, com vista à apresentação do projecto de arquitectura de acordo com a solução já apresentada, mas ainda em fase de apreciação por parte daquela entidade, que lhe veio a ser fornecida em 03.11.93. (54°, 55°)

A CM passou a prever, além da abertura de um arruamento, também a construção de uma rotunda que ocupava parte do terreno pertencente à ré HH. (56°)

A CM informou ali, através da dita planta topográfica, que, isoladamente, o terreno não era susceptível de aproveitamento com construção. (57°)

Esta rotunda consumiria parte do terreno disponível no local para a construção do prédio previsto em D-b). (58°)

Esta rotunda não estava prevista no “projecto, caderno de encargos e memória descritiva que fazem parte dos processos de obras respectivos integrados no Plano Director que a Câmara Municipal de S. João da Madeira” previa implementar, conforme se estipulou na escritura. (59°)

Uma vez que todos os elementos subjacentes à apresentação do referido processo n° 3/91, foram alterados, quer pela entrada em vigor do PDM, quer pelas alterações impostas para o local pela Câmara, designadamente a abertura de rua e rotunda, foi sugerida a apresentação de um projecto de construção. (60°)

O que veio a suceder após diversas reuniões havidas entre a ré HH e a Câmara, e que decorreram durante o ano de 1994 e primeiro semestre de 1995, com vista a chegarem a acordo sobre a viabilidade de apresentação de um projecto individual, sem a intervenção do conjunto dos restantes proprietários, relativamente ao primeiro edifício. (61°)

Assim, em 10.07.95, a ré HH apresentou projecto de arquitectura para construção numa parcela de terreno disponível. (62°)

Diminuindo, em consequência, o índice de construção da parte restante do terreno de para 0,7 m3/m2 (=0,23 m2/m2) conforme se alcança do ofício da Câmara Municipal de 05.09.95, in fine, sendo que o índice de construção no primeiro edifício foi de 1.33 m2/m2. (63°)

Em 05.09.95, a Câmara informou a ré de que o projecto que apresentara necessitava de ser revisto em alguns aspectos conforme ofício de 05.9.95. (65°)

Dessa informação ressaltava que a aprovação conforme imposto pela Câmara implicava a redução da capacidade construtiva no restante terreno, atento o que fora previsto pelas partes contratantes no contrato de permuta. (66°)

Circunstância que levou a ré HH a repetidas reclamações junto da Câmara, com vista à eliminação dessa imposição. (67°)

Na impossibilidade de fazer vingar os seus pontos de vista, e com resposta a solicitações da Câmara, a ré HH veio a apresentar em 26.06.96, 25.07.96, os correspondentes aditamentos ao projecto de obras n° 64/95. (68°)

Em 05.8.96,a Câmara aprovou finalmente o projecto de arquitectura, concedendo o prazo de 180 dias para apresentação dos projectos de especialidade, o que foi comunicado à ré HH, por ofício de 08.08.96, e veio a concretizar-se em 03.12.96. (69°, 70°)

Em 13.01.97, a Câmara aprovou os projectos de especialidade, comunicando a aprovação por ofício de 15.01.97. (71°)

Iniciando a ré HH antes de 24.01.97 movimento de terras para a construção do edifício, embora ainda sem a necessária licença de construção. (72°)

Porquanto não concordava com a obrigação, imposta pela Câmara de cedência imediata das áreas necessárias para a abertura do arruamento e rotunda já referidos, até porque não havia ainda um estudo definitivo e aprovado pela Câmara para o local. (73°)

Posteriormente, e com vista a ultrapassar o impasse assim criado, a ré HH apresentou à Câmara, em 20.06.97, pedido de correcção das áreas a ceder para o domínio público e solicitou a concessão da respectiva licença de construção. (74°)

Licença essa que vem a ser concedida em 09.12.97, com o nº115/97. (75°)

Em relação ao prédio no 2, nas datas das contestações apresentadas pelos réus, ainda não se havia esgotado o prazo de 5 anos previsto no contrato, já que a licença de construção foi emitida em 09.12.97. (14°)

A falta de entrega das fracções nos imóveis ajuizados ocasionará aos autores elevados prejuízos materiais. (148°)

O valor comercial corrente das áreas habitacionais é, no mínimo de 180 000$00 o m2, o que dá o valor global de 180 000.000$00. (8°)

O arrendamento das áreas habitacionais tem o preço corrente de 500$00 o m2 por mês, o que corresponde ao valor global de 500 000$00 mensais. (9°)

A ré HH beneficiou da entrada dos dois prédios no seu património, sem que, até ao momento, tenha prestado a favor dos autores ou seus antecessores, qualquer das contrapartidas previstas no contrato de permuta. (12°)

Acontece que aquele OO e o irmão II de Oliveira Moura desentenderam-se quanto ao negócio efectuado com a ré HH, no que respeitava à repartição entre si da área da construção a ceder por esta. (78°)

Na sequência, o II intentou contra o OOe mulher acção no Tribunal de Círculo de Oliveira de Azeméis que correu termos com o nº308/94, em que terminava pedindo, entre o mais, que estes fossem condenados a transferir para si a titularidade de 500 m2 da área habitacional construída nos prédios cedidos à ré HH, ou seja, metade da área total que esta tinha de entregar ao vendedor. (79°)

A acção veio a ser julgada parcialmente procedente na 1ª instância. (80°)

Na sequência dessa sentença, em 15.12.98, aquele II, requereu a notificação judicial avulsa da ré HH, para que esta não entregasse ao OO, o vendedor, a contrapartida fixada na escritura de permuta — 1000 m2 de construção — até que fosse proferida sentença transitada em julgado; na sequência do que a ré HH foi notificada. (81°, 82°)

Conforme consta da referida notificação judicial avulsa, a ré HH foi informada de que havia sido interposto recurso de apelação pelo OO. (83°)

Assim, estava a ré HH impedida de fazer a entrega aos autores da área habitacional prevista naquela escritura, mesmo que apenas em relação ao edifício já construído, sob pena de vir a ser responsabilizada pelo referido II, no caso de este vir a ganhar definitivamente a acção. (84°)

A acção que II intentou contra o seu irmão OO não teve suprimento, conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. (142°)

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se existe incumprimento, pela Ré HH, do contrato celebrado em 26.12.1990, entre OO e mulher (sendo os AA. seus herdeiros) e a Ré;

- se, existindo risco de incumprimento, e sendo este de imputar à Ré, quais as consequências no plano jurídico para os AA.

Vejamos:

Não existe controvérsia sobre a qualificação jurídica da relação contratual que vigora entre os AA. e a Ré HH.

As partes, elas mesmo, apodaram de contrato de permuta o negócio formalizado pela escritura notarial de fls. 12 a 21, de 26.12.1990, de que faz parte o “documento complementar” dessa escritura e que consta de fls. 22 a 26.

Essencialmente o negócio consistiu no seguinte:

Os referidos OOe mulher cederam à ré pelo valor global de 80 000 000$00, correspondente à soma dos valores atribuídos a cada um deles, os seguintes prédios:
1. Prédio rústico sito em S. João da Madeira, descrito na CRP sob o nº....../......, e aí registado a seu favor pela inscrição G 1, inscrito na matriz sob o artigo rústico 563, a que atribuem o valor de 30 000 000$00;
2. Prédio rústico, sito em S. João da Madeira, descrito na CRP sob o no ....../......, aí registado a seu favor pela inscrição G 1, inscrito na matriz sob o artigo rústico 673, a que atribuem o valor de 50 000 000$00”.
Por sua vez, em troca, a ré cedeu ao OOe esposa fracções autónomas com destino a habitação, na área total de 1.000 m2, do modo seguinte:
No edifício a construir no terreno indicado sob a verba n°1, a área de 416 m2, no valor de trinta mil contos;
Nos prédios a edificar sob o terreno da verba n° 2, as áreas seguintes:
a) 416 m2, no 1° edifício, no valor de trinta mil contos;
b) 168 m2, no 2° edifício, no valor de vinte mil contos.
As fracções habitacionais contidas nestas áreas têm direito a um lugar de garagem para cada uma delas, considerada área extra, sem qualquer pagamento.
Os prédios estavam classificados como rústicos.
A ré comprometeu-se a entregar ao OOe esposa as áreas habitacionais no prazo de trinta meses após a concessão da licença de construção pela CM no que respeita ao terreno número um e no prazo de cinco anos após a concessão da licença de construção no terreno n°2, assim como se comprometeu a registar os projectos de execução de obras, se não houvesse qualquer impedimento ou entrave por parte da CM de S. João da Madeira, nos prazos seguintes:
a) no terreno n°1, seis meses após a data da escritura;
b) no terreno n° 2, doze meses após a data da escritura.
Os prazos estipulados em H) poderiam ser prorrogados até 180 dias, ficando, porém, a ré obrigada ao pagamento do OOe esposa, a uma taxa de juro de 18% ao ano sobre o valor indicado na cláusula 3.2., que cessará de imediato após a entrega integral das áreas de permuta respectivas, a celebrar por escritura de transferência de propriedade.
A ré obrigou-se não só à constituição da propriedade horizontal de todos os edifícios, bem como de todos os encargos inerentes à dita, seu registo e legalização.
O prazo para elaboração do projecto, sua apresentação e obtenção da licença, obedecia ao procedimento comum e normal aos usos do negócio de construção.
Os projectos das construções a levar a efeito no terreno indicado sob as verbas n° 1 e nº2 deveriam ser registados até 26.06.91 e 26.12.91, respectivamente, se não houvesse qualquer impedimento ou entrave por parte da CM.
Uma vez registada entrada de projecto em condições de aprovação, seguido dos projectos da especialidade, e idênticas condições, a concessão das licenças teria normalmente lugar no prazo de um ano após o referido registo.
Naquelas condições, o prazo de entrega das áreas habitacionais do terreno sob a verba n° 1 expiraria em 26.12.94, e o das áreas da verba nº2 terminaria em 26.12.97.
Nos termos do contrato (documento complementar), caso decorressem os prazos de prorrogação de 180 dias sem que se mostrassem construídos no terreno n°2 as áreas previstas, haveria incumprimento do contrato, constituindo-se os réus (sendo os II, oKKe o MM como fiadores) na obrigação de pagar em substituição das áreas de permuta a quantia de 70 000 000$00.
Relativamente aos três edifícios, o número de pisos, com cércea mínima, ficou expressamente previsto no documento complementar anexo à escritura de permuta, sob a cláusula 1.2, que aqui se dá por reproduzida.
O negócio foi concretizado na perspectiva de nos terrenos permutados ser possível construir três edifícios, todos eles com rés-do-chão, mais cinco andares e um andar recuado.
Esta perspectiva assentou em contactos diversos levados a cabo pelas partes contratantes e pelo que lhes foi dado observar na construção dos edifícios da mesma rua e circundantes.

Os AA. consideram que a Ré não cumpriu o contrato, pois que ainda não lhes entregou as fracções autónomas com as áreas previstas.

A Ré sustenta que o cumprimento do contrato se tornou supervenientemente impossível de cumprimento integral, apenas o podendo cumprir parcialmente dadas as exigências camarárias, no que respeita à cércea dos edifícios a construir, à cedência de áreas ao domínio público, em função de loteamentos a que foi obrigada, pelo está impossibilitada de, por factos que lhe não são imputáveis, de cumprir a sua contrapartida no contrato, nos exactos termos que os AA exigem.

A tese da Ré, no que respeita à impossibilidade de cumprimento por factos não imputáveis a culpa sua, tiveram acolhimento nas decisões das instâncias, se bem que a solução e fundamentação jurídicas tivesse sido divergente.

A 1ª instância considerou que o contrato deveria ser alterado em termos de equidade socorrendo-se do art. 437º do Código Civil.

A Relação entendeu que o cumprimento parcial é ainda possível e condenou a Ré a entregar aos AA. áreas prediais de construção, em função do que é possível construir nos terrenos dados em permuta por imposição camarária, considerando, tal como o Tribunal de 1ª instância, que a Ré agiu diligentemente.

Os AA. vêm pugnando por solução diversa, que acolha a sua pretensão, alterada na réplica, argumentando que o risco do contrato – que no caso implica a impossibilidade de construção correspondente à área prevista para lhes ser entregue – corre por conta da Ré, sendo de todo alheios a esse risco.

O contrato de permuta, também denominado de troca ou escambo, é hoje um contrato atípico, inominado, já que não tem regulamentação específica na nossa lei, desde o Código Civil de 1966.

Todavia o art. 939º do Código Civil estabelece que – “ As normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas”.

No “Código Civil Anotado” de Pires de Lima e Antunes Varela, 4ª edição, págs. 235/236, pode ler-se a seguinte nota:

“As disposições sobre compra e venda, escreve Galvão Telles (...), devem alargar-se, em princípio, aos outros contratos onerosos de alienação ou oneração de bens, como a troca, a dação em pagamento, a hipoteca, etc.[...]”.

O Código Civil no art. 939º, ao considerar aplicáveis as normas do contrato de compra e venda a outros contratos onerosos que impliquem alienação ou oneração, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as normas legais respectivas, remete para um contrato-tipo ou padrão.

Normas semelhantes constam dos arts. 588º e 1156º do citado diploma.

No contrato de troca ou permuta, a regulação de referência há-de buscar-se, adaptadamente, no contrato de compra venda.

Como ensina Pedro Pais de Vasconcelos, in “Contratos Atípicos”, pág.370:

“[…] Os preceitos do tipo de referência contribuem para a concretização da regulação contratada, não de acordo com o sentido que no tipo de referência lhes era próprio, mas de acordo com o sentido próprio da regulação contratada.
Os preceitos do tipo de referência que não se harmonizem com o sentido da regulação contratada devem ser adaptados, devem ser harmonizados através da modificação do seu conteúdo perceptivo.
Quando sejam inadaptáveis, a sua aplicação deve ser afastada. Assim, as estipulações contratadas derrogam e afastam as do tipo de referência que lhes sejam contrárias ou com que sejam incompatíveis [...]”.(sublinhámos).

Antes de mais, importa relembrar o ambiente em que as partes negociaram.

Importa enfatizar que inexistia PDM que só veio a ser aprovado três anos depois, ou seja, em 1993.

Daí que, se para os antecessores dos AA. a prestação a seu cargo tivesse ficado definida de modo evidente, claro, já para a Ré assim não sucedeu.

Tal resulta do texto do contrato, desde logo, do facto dos AA. terem cedido dois terrenos rústicos com preço e áreas definidas, devendo receber em contrapartida fracções autónomas que a Ré aí construiria com a área total de 1.000 m2.

As partes, sem terem qualquer possibilidade de documentalmente terem conhecimento das condições em que se poderia construir nos prédios cedidos, acordaram em que a Ré entregaria fracções autónomas habitacionais no edifício a construir no terreno nº1, com a área de 416 m2 no valor de 30.000 contos e nos prédios a edificar no terreno nº2, dois prédios; um com a área de 416 m2 no 1º edifício, e outro com 168 m2 no 2º edifício.

A contrapartida da Ré assentou numa base não totalmente determinada, se bem que não se possa considerar o negócio nulo por indeterminabilidade do objecto – art. 280º, nº1, do Código Civil – desde logo, porque as partes tiveram a consciência de uma certa margem de incerteza quanto à contrapartida da Ré, como resulta de terem previsto no documento complementar da escritura que a quantidade exacta das áreas habitacionais será designada após a aprovação dos projectos de construção… e terem previsto que a cércea mínima seria de rés-do-chão mais cinco andares e recuado para os edifícios aprovados nos dois terrenos, prevendo – cláusula 1.3 – a eventualidade de serem autorizados mais andares habitacionais.

Os prazos de entrega das fracções autónomas aos AA. foram fixados nos termos da cláusula 2 e 2.1 e 2.2 “se não houver qualquer impedimento ou entrave por parte da Câmara Municipal de S. João da Madeira”.

O facto de ao tempo da negociação e formalização do contrato inexistir PDM, desde logo remeteu a execução do contrato para uma base aleatória, não prevista, pois como resultou provado, o negócio foi concretizado na perspectiva de nos terrenos permutados ser possível a construção de três edifícios todos eles com rés-do-chão mais cinco andares e andar recuado, perspectiva que assentou no facto empírico de as partes, além de contactos que fizeram, terem verificado que tal cércea fora observada na construção de edifícios na mesma rua e circundantes, o que foi determinante para a fixação da área de construção de 1.000 m2 a ceder pela “HH” ao permutante OO– cfr. itens 98), 91) e 92) dos factos provados.

Quando o contrato de permuta se consumou não existia qualquer projecto e inexistia PDM, (ao tempo ainda em elaboração), isso foi factor decisivo das vicissitudes que se seguiram, quando a Ré encetou os trâmites administrativos visando dar cumprimento à construção dos edifícios de modo a entregar aos AA. fracções habitacionais com a área que fora prevista no contrato de permuta.

Dessa diligente actuação da Ré e da constante hesitação da edilidade, no que respeita à apreciação e aprovação dos projectos e exigências para autorizar a construção, dá conta de modo detalhado e rigoroso a sentença da 1ª instância que concluiu que, no quadro circunstancial em que a Ré actuou não foi por culpa sua que o contrato não foi cumprido.

Dos factos provados resulta que a Ré ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia – art. 799º, nº1, do Código Civil.

Como resultou provado a Câmara Municipal de S. João da Madeira, tendo em conta o PDM aprovado em 1993 e imposições posteriores, condicionou a possibilidade de construção nos seguintes termos:

a) no prédio identificado sob a verba n° 1 — um edifício de rés-do- chão, mais cinco andares;
b) no prédio identificado sob a verba n° 2 — apenas um edifício igualmente com rés-do-chão, mais cinco andares, já construído. (99°)
No terreno sob a verba n°2 foi construído um edifício composto de cave, rés-do-chão, 1° a 5° andares, com superfície coberta de 419 m2, e descoberta de 36 m2, inscrito na matriz urbana sob o artigo 5520°, e descrito na Conservatória sob o n° ....../....... (H)
Não é possível construir o 2° edifício previsto para o terreno da verba nº2 uma vez que o terreno para a sua implantação está quase todo reservado pela CM para a construção da rotunda. (100°)
No edifício a construir no terreno n° 1 estava prevista a construção da área total 3 976 m2, enquanto o que foi autorizado a construir é de 2350 m2. Ou seja, houve uma redução de 1626 m2 de área de construção. (101°,102º, 103°)
Nos termos do contrato de permuta, no edifício a construir neste terreno n° 1 a ré HH tem a ceder a área de 416 m2. (104º)

Atenta aquela redução, e mantendo a mesma proporção de área a ceder, a ré apenas teria de entregar a área de 245,87 m2. (105°)

Em função da mancha de construção prevista pelas partes em 1990 para a celebração do contrato de permuta, no terreno da verba n° 2:
- o edifício já construído - o primeiro - teria a área total de construção de 2820 m2; e
- o edifício não construído - o segundo - teria a área total de construção de 1276 m2; num total de 4096 m2. (106°)
No edifício já construído, a Câmara apenas permitiu a construção da área global de 1890 m2, o que significa uma redução global de 930 m2 de construção. (107°, 108°)

Nos edifícios a construir no terreno n°2, a ré HH, nos termos do contrato, tem a ceder a área total de 584 m2, sendo 416 m2 no primeiro edifício, já construído, e 168 m2 no segundo edifício. (109°)

Atenta aquela redução de área de construção no primeiro edifício e reduzindo na proporção a área a receber, a ré HH apenas teria que entregar 278,80 m2 no mesmo edifício. (110°)

Quanto ao 2° edifício previsto para o terreno n°2, existe uma pequena “mancha construtiva” no terreno sobrante mas o mesmo não tem poder construtivo para edificar um prédio de rés-do-chão e cinco andares, que é a cércea definida para o local. (111°)

Com efeito, nessa parcela de terreno o índice de construção foi reduzido para O, 7m3/m2. (112°)

Permitiria apenas a construção de um edifício com rés-do-chão e um andar. (113°)

Porém, como a cércea estabelecida é de rés-do-chão e cinco andares aquela construção é inviável. (114°)

Tal reduzida área de construção vai ter utilização com valor de construção, mas apenas poderá vir a ser considerada no futuro em compensação na utilização de outro ou outros terrenos, o que não acontece actualmente. (115°)

Para a hipótese de vir a ser aprovado regulamento municipal definindo as regras para a implementação do mecanismo de compensação na área do município, durante o decurso da acção, ou já depois da prolação da sentença, poderá a ré HH usar eventualmente dessa compensação, pagando à Câmara ou entregando-lhe terreno. (117°)

Caso em que a ré terá de despender importância que neste momento não é possível determinar, mantendo o propósito de construir um terceiro edifício. (118°)

O que levará, eventualmente, a reduzir ainda mais a área de construção a entregar aos autores, como contrapartida prevista na escritura, na proporção dos encargos que vier a ter com a referida compensação. (119º)

A diminuição da capacidade construtiva acima descrita implica a correspondente redução de 416 m2 para 245,87 m2 a entregar aos autores no edifício a construir no primeiro terreno. (120°)

Enquanto, no edifício construído no segundo terreno, aquela diminuição de capacidade construtiva implica a correspondente redução de 416 m2 para 278,80 m2. (121°)

Importa concluir que, por imposição de terceiro – a edilidade de S. João da Madeira – a Ré está impossibilitada de entregar aos AA. as fracções autónomas com a área prevista no contrato.

Se, como antes referimos, essa estimativa assentou em meras expectativas que nem sequer tinham qualquer fundamento, quer em anteprojectos ou projectos apresentados, a que a inexistência de PDM fez acrescentar uma grande margem de imprecisão, no que concerne à contraprestação da Ré, já que não dependia dela a obtenção de licenças ficando vinculada ao PDM, importa indagar das consequências que daí advêm para os AA.


De realçar que não peticionaram a resolução do contrato, nem a sua modificação persistindo em imputar à Ré a culpa do incumprimento com a argumentação de que sendo o contrato de permuta, porque translativo do direito real de propriedade, o risco de cumprimento corre por conta do adquirente – art. 796º do Código Civil.

Este normativo estatui no seu nº1– “Nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente”.

O artigo consagra a regra “res perit domino…casum sentit creditor”.

Mas, com o devido respeito, não se pode considerar que pelo facto de nos terrenos permutados não ser possível a construção querida pelos permutantes autores isso constitua perecimento ou deterioração da coisa permutada como ao diante veremos.

O Código Civil não dá uma definição de incumprimento, ao invés do que acontece relativamente ao cumprimento, pois que o art. 762º o define no seu nº1 – “O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”.

Assim, por antinomia, quando o devedor não realiza a prestação a que está vinculado, não cumpre a obrigação.

O conceito de não cumprimento abrange vários modos de não realização da prestação enquanto devida.

Adoptando o critério proposto por Menezes Leitão – “Direito das Obrigações”, vol. II, pág. 223 e segs. – consideramos o não cumprimento “como a não realização da prestação devida, por causa imputável ao devedor, sem que se verifique qualquer causa de extinção da obrigação”.

Assim, ficam excluídas as causas de incumprimento que não podem ser atribuíveis a conduta do devedor, v.g impossibilidade objectiva da prestação que constitui causa de extinção – art. 790º, nº1, do Código Civil – “a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor”.

Não cumprimento (em sentido amplo) — é a inexecução da obrigação; isto é: o credor não obtém a prestação devida ou não a obtém nas exactas condições em que ela tinha que ser efectuada (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª ed. 293).
Se a prestação se atrasa, mas pode ser realizada com interesse para o credor há retardamento (ob. cit., 294).
Este é pois o simples incumprimento temporário, sendo suas modalidades a mora do devedor, a mora do credor e retardamento casual.
Mas se a prestação não é realizada no momento devido, continuando a sua realização a ser materialmente possível, mas perdeu interesse para o credor, juridicamente não existe simples atraso mas verdadeira inexecução definitiva.
Há inexecução definitiva da prestação quando esta se torna impossível para sempre”.

Tão pouco se poderá falar em incumprimento defeituoso já que o não cumprimento da obrigação pela HH não se deve a culpa sua.

Ao contrato de permuta em causa são aplicáveis as normas do contrato de referência, no caso o contrato de compra e venda, daí que para saber se no caso de na coisa (vendida) ou permutada, não se puder encetar construção com a área querida pelas partes, sejam aplicáveis as normas dos arts. 887º a 891º do Código Civil, e o regime da venda de coisas defeituosas dos artigos 913º a 922º do mesmo diploma.

Como se escreveu no douto Acórdão deste STJ de 21.4.2007 – Proc. 07B1815 – in www.dgsi.pt “… No que concerne ao contrato de compra e venda de coisas, a lei regulou em separado as anomalias relativas à medida das coisas e os vícios das mesmas e o seu défice de qualidades, o que revela intenção de diferenciação de regimes.
Nessa conformidade, os vícios a que a lei se reporta são defeitos intrínsecos das coisas, e a falta de qualidades exprime a ausência de requisitos ou elementos intrínsecos, integrantes da sua essência ou substância, e não os elementos meramente extrínsecos, ou seja, os meramente acessórios ou incidentais, o referido lote de terreno não está afectado nas suas propriedades naturais nem revela falta da qualidade que é própria da sua finalidade objectiva, ou seja, a construção ou edificação.
A sua área, que é o que está aqui em causa, sendo um elemento delimitador necessário à própria individualização, com reflexo no âmbito da extensão da edificação comportável, não é susceptível, pela sua natureza, de ser qualificada como qualidade intrínseca da realidade que envolve”.(destaque nosso).

Repita-se que os AA. não pediram a resolução do contrato, nem tão pouco a anulabilidade do negócio com base em erro-vício da vontade, como, claramente, resulta quer do pedido inicial quer da alteração que fizeram na réplica.

Com efeito, nesse articulado de resposta à reconvenção, ampliaram a causa de pedir e o pedido para o caso de se concluir pela impossibilidade parcial da prestação da Ré sem culpa sua, nos seguintes termos (fls.210 verso):

“Subsidiariamente, no caso de vir a ser reconhecida a impossibilidade parcial da entrega das fracções por parte dos réus:

c) – Devem os réus ser condenados na entrega das fracções cuja construção seja possível.
d) – Devem os réus ser condenados em indemnização por perdas e danos derivados da redução da área das fracções que deveriam ser entregues.
E) – Devem estes pedidos subsidiários ser relegados para execução de sentença por não ser possível desde já a sua concretização e quantificação”.

Para os casos de impossibilidade parcial da obrigação, por causa não imputável ao devedor, rege o art. 793º do Código Civil que estatui:

“1. Se a prestação se tornar parcialmente impossível, o devedor exonera-se mediante a prestação do que for possível, devendo, neste caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação a que a outra parte estiver vinculada.
2. Porém, o credor que não tiver, justificadamente, interesse no cumprimento parcial da obrigação pode resolver o negócio.”.

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol.II, em comentário ao citado normativo escrevem:

“Havendo lugar ao simples cumprimento parcial da obrigação nos termos deste artigo, haverá lugar também à redução proporcional da contraprestação a que a outra parte estiver vinculada.
É o que se dispõe na segunda parte do nºl, o que significa que o risco do preço, da contraprestação ou compensação corre afinal por conta do devedor desonerado da prestação, por impossibilidade desta.
A redução da contraprestação é feita nos termos prescritos no artigo 884°, sempre que se trate de um contrato oneroso de alienação de bens ou de estabelecimento de encargos sobre eles, como resulta do artigo 939.°…”.

O Professor Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, pág. 88, 5ª edição, acerca da impossibilidade parcial da prestação, depois de aludir a que a lei estipula um regime semelhante ao prescrito para a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (art. 292º do Código Civil) escreve:

“…O devedor ficará exonerado mediante a prestação do que for possível. Quanto à parte restante, a impossibilidade, desde que não seja imputável ao obrigado, continua a constituir causa extintiva da obrigação.
Pode, todavia, suceder que a obrigação se insira num contrato título oneroso, por forma a que à prestação (tornada parcialmente impossível) corresponda uma contraprestação.
Nesse caso, embora se justifique a exoneração do devedor, seria injusto que, diminuindo a prestação, se mantivesse a contraprestação, tal como foi estipulada, se o facto impeditivo de parte da prestação se não integrar na esfera ou zona dos riscos que correm por conta do credor”.

Temos, assim, que a Ré apenas está obrigada a entregar aos AA. as áreas a que alude o Acórdão sob recurso, cabendo aos AA. o direito de reduzir a sua contraprestação – do preço estipulado [80.000 contos] – em função da área que era suposto ser construída e a que efectivamente poderá ser – valor a apurar em sede de liquidação em execução de sentença – art. 661º, nº2, do Código de Processo Civil.

Por o incumprimento parcial do contrato não ser imputável a facto culposo da Ré “HH” não há lugar a qualquer indemnização por responsabilidade civil – art. 483º, nº1, do Código Civil.

Por aquele pagamento são responsáveis, solidariamente, os demais RR. por via do contrato de fiança, até ao limite de 70.000 contos – arts. 627º do Código Civil.

Pretendem os AA. ser indemnizados pelo valor da parte sobrante do terreno nº2.

No Acórdão recorrido escreveu-se a propósito:

“Relativamente à parte sobrante do terreno n°2, colocam-se duas hipóteses: ou a ré nunca irá construir ali um segundo edifício e, neste caso, não vai retirar nenhum benefício daquela parte sobrante, pelo que a solução é idêntica à que enunciámos no parágrafo anterior; ou a ré irá construir ali um segundo edifício, se se verificar o condicionalismo acima descrito (regulamentação do regime de compensações e possibilidade de a ré dele se aproveitar) e, neste caso, a ré pode vir a obter benefícios da parte sobrante do terreno e, consequentemente, a ter enriquecimento.
Enriquecimento esse que será sem dúvida obtido à custa dos autores – que já entregaram à ré a totalidade do prédio – e que carecerá de causa justificativa.
Mostrando-se preenchidos todos os requisitos do enriquecimento sem causa, terá a autora direito a ser indemnizada da impossibilidade de construção do segundo edifício no terreno n°2.
Mas o direito dos autores a essa indemnização só existirá se se concretizarem os factos futuros que acima se mencionaram, os quais são de verificação incerta.
Da indemnização não pode ser fixado na presente acção, mesmo a liquidar posteriormente ao abrigo do disposto no art. 661°, n°1 do Código de Processo Civil, nem sequer pode ser fixado em decisão ulterior, nos termos do art. 564°, n°2.
O pedido dos autores, nesta parte, terá assim de ser julgado improcedente.
O que não preclude a possibilidade de, em nova acção, virem os autores a pedir à ré HH a indemnização a que então (e só então) terão direito se esta vier a construir o segundo edifício no terreno n°2”.

Concorda-se com o sentenciado, já que o facto que pode eventualmente conferir um direito aos AA. é de verificação incerta.

Dispõe o art. 662º do Código de Processo Civil. (julgamento no caso de inexigibilidade da obrigação).
“1 – O facto de não ser exigível, no momento em que a acção foi proposta, não impede que se conhece da existência da obrigação, desde que o réu a conteste, nem que este seja condenado a satisfazer a prestação no momento próprio.
2 – Se não houver litígio relativamente à existência da obrigação, observar-se-á o seguinte:
a) O réu é condenado a satisfazer a prestação ainda que a obrigação se vença no decurso da causa ou em data posterior à sentença, mas sem prejuízo do prazo neste último caso;
b) Quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação.
3 – Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior, o autor é condenado nas custas e a satisfazer os honorários do advogado do réu.”

O citado normativo admite, em princípio, a figura da condenção “in futurum”, ou seja, que o réu possa ser condenado a cumprir a sua obrigação, na data do vencimento, não estando ela vencida à data da propositura da acção.

O Professor Lebre de Freitas, em comentário àquele artigo, escreve no “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, págs. 651 e 653:

“A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 777º-1 do Código Civil, de simples interpelação ao devedor.
Não é exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação.
É este o caso quando:
- tratando-se duma obrigação de prazo certo, este ainda não decorreu (art. 779º do Código Civil);
- o prazo é incerto e a fixar pelo tribunal (art. 777º-2 Código Civil);
- a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva, que ainda não se verificou (arts. 270º Código Civil e 804º-1)…”.

No caso dos autos os AA. apenas terão direito à redução do preço, no que concerne a esta parte sobrante do terreno nº2 se aí à Ré vier a ser reconhecido o direito a construir, o que por agora não se indicia sequer, pelo que, em bom rigor, não se pode falar na existência de um direito já concretizado, mas apenas de um direito potencial que se concretizará ou não em direito efectivo; se tal acontecer os AA. poderão, então, noutra acção, demandar a Ré não com base no enriquecimento sem causa, a nosso ver, mas com base no direito a obterem a redução da contraprestação devida – art. 793º, nº1, do Código Civil – no contexto do contrato de permuta.

Finalmente, importa dizer que ao contrário do afirmado pelos recorrentes os autos não contêm elementos de prova no sentido de que a Ré construiu um prédio com oito pisos – cfr. conclusão 7ª das alegações.

Ademais, sendo o STJ um tribunal de revista, apenas pode alterar a matéria de facto nos termos restritos constantes da previsão dos art. 722º, nº2, e 729º do Código de Processo Civil, aqui inaplicáveis.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em conceder parcialmente a revista [mantendo-se a condenação que consta do Acórdão recorrido], mas reconhecendo-se aos AA. o direito a a reduzir a sua contraprestação do preço do contrato de permuta, em função das áreas que efectivamente lhes vão ser entregues, valor que se relega para apuramento em execução de sentença, e por cujo pagamento são solidariamente responsáveis os demais RR., na qualidade de fiadores e nos limites do valor garantido.

Custas pelos recorrentes e recorridos, neste Tribunal e nas Instâncias, provisoriamente, no valor de 60% para aqueles e 40% para estes, valor que será corrigido após a liquidação.


Supremo Tribunal de Justiça, 9.10.2007

Fonseca Ramos (Relator)
Rui Maurício
Azevedo Ramos