Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1719/07.0JFLSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
SENTENÇA CRIMINAL
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 05/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 77.º, N.º1, 78.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 29.º, N.º5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14.5.2014, PROC. Nº 526/11.0PCBRG.S1.
Sumário :

I - Nos termos do art. 77°, n.° 1, do CP, existe concurso de crimes quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, devendo consequentemente ser aplicada ao conjunto uma única pena. Esta disposição é igualmente aplicável ao concurso de conhecimento superveniente, por força do art. 78°, n.º 1, do CP.
II - Para determinar o momento temporal que deve ser considerado para a determinação do concurso de penas, dir-se-á que só o trânsito, com a estabilidade definitiva da decisão condenatória, e não a mera condenação, envolve uma solene advertência ao condenado para não voltar a delinquir, que justifica a impossibilidade de integração num (mesmo) concurso, e consequentemente numa pena conjunta, da pena de um crime cometido posteriormente a esse trânsito.
III - Consequentemente, o concurso inclui todas as penas por crimes cometidos antes da data do trânsito da primeira decisão transitada .
Decisão Texto Integral:            

        

                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

            AA, com os sinais dos autos, foi condenado pelo tribunal coletivo do 1º Juízo da Covilhã, por acórdão de 15.7.2013, em audiência realizada nos termos e para os efeitos do art. 472º do Código de Processo Penal (CPP), na pena única de 7 anos de prisão, resultante das seguintes penas parcelares:

- 2 anos e 8 meses de prisão, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos arts. 103º, nº 1, e 104º, nºs 1 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, pena aplicada nestes autos;

- 2 anos e 8 meses de prisão, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º , nº 1, a), do Código Penal (CP); e 3 anos de prisão, por um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º e 218º, nº 1, e, em cúmulo, na pena única de 4 anos de prisão, aplicadas no proc. nº 147/05.7SAGRD.C1, do 3º Juízo da Guarda;

- 2 anos e 6 meses de prisão, por um crime de falsificação, p. e p. pelos arts. 255º e 256º, nºs 1, b), e 3, do CP; e 1 ano e 6 meses de prisão, por um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, do CP, e, em cúmulo, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão, aplicadas no proc. nº 260/05.0PBCTB, do 2º Juízo de Castelo Branco.

Desta decisão recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, concluindo:

A decisão de cúmulo jurídico de que aqui se recorre, resulta da decisão de cumular ao Processo 1719/07.0JFLSB os processos 147/05.7SAGRD do 3º Juízo da Guarda e 260/05.0PBCTB do 2º Juízo do Tribunal de Castelo Branco, e não ter levado em conta que estes dois processos já haviam sido levados em conta em cúmulo anterior, pelo que não o poderiam ser agora levados em conta novamente.

1º Cúmulo – 646/04.8GAALB do 3º Juízo de Castelo Branco, em Acórdão datado de 9 de Abril de 2013

No processo 646/04.8GAALB do 3º Juízo de Castelo Branco, em Acórdão datado de 9 de Abril de 2013 foi realizado um cúmulo jurídico ao Arguido aqui recorrente em que foram englobados os seguintes processos:

1 - 646/04.3GAALB do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco

2 - 147/05.7GAGRD do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda

3 – 376/04.0TACVL do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã

4 – 603/05.7TACTB do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco

5 – 626/05.6PIPRT do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã

6 – 260/05.0PBCTB do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Castelo Branco

7 – 21/07.21DCTB do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã

Este cúmulo resultou numa pena global de 8 anos e 6 meses de prisão.

2º Cúmulo - (de que se recorre) 1719/07.0JFLSB do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã em Acórdão datado de 19 de Julho de 2013

Apesar da realização do cúmulo acima referido, foi realizado novo cúmulo, a 19 de Julho de 2013 no âmbito do processo 1719/07.0JFLSB do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, em que foram englobados os seguintes processos:

1 – 1719/07.0JFLSB do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã (o próprio processo)

2 - 147/05.7GAGRD do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda (processo constante de cúmulo anterior)

3 - 260/05.0PBCTB do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Castelo Branco (processo constante de cumulo anterior)

Este cúmulo resultou numa pena global de 7 anos de prisão.

Ora analisados os dois cúmulos realizados, o primeiro em 09 de Abril de 2013 e o segundo em 19 de Julho de 2013, verificamos que existem 2 processos que foram contabilizados nos dois cúmulos e que não o deveriam ter sido.

São esses os processos:

147/05.7GAGRD do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda

260/05.0PBCTB do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Castelo Branco

Porquanto:

Nos termos do art. 77.º, n.º 1 do Código Penal (CP), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, sendo nesta considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Assim verificamos que o segundo cúmulo foi tecnicamente/matematicamente bem realizado, não obstante ter tido em conta os dois processos já referidos que constavam do cúmulo datado de 09 de Abril de 2013.

No entanto para que tal solução fosse viável seria necessário desfazer o cúmulo de 09 de Abril de 2013 retirando-lhe as duas condenações que figuram nos dois cúmulos para apenas as incluir no segundo, o que não aconteceu, ficando o 1º cúmulo na mesma e efectuou-se um 2º cúmulo que incluiu os dois processos comuns, mas não os retirou do 1º cúmulo. - Havendo desta forma duplicação de penas pelos mesmos crimes!!!

É entendimento pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que quando há que reformular um cúmulo, por consideração de novas penas parcelares que há que anular, ou, como se diz em linguagem prática, "desfazer" o cúmulo anterior.

Não foi isso que aconteceu, e nunca o cúmulo anterior foi desfeito, tendo sido ignorado, considerando o Tribunal de cuja decisão aqui se recorre apenas as penas que estavam em concurso, não tendo em conta se as mesmas estavam ou não consideradas em cúmulos anteriores.

O resultado é a obtenção de dois cúmulos, um de 8 anos e 6 meses e outro de 7 anos, em que duas das condenações são duplicadas numa clara violação do princípio "non bis in idem", que tem consagração constitucional (artº 29º. nº 5 da Constituição), traduzida no facto de o arguido estar a ser condenado a uma pena conjunta por crimes que já constam de uma pena conjunta que terá de cumprir sucessivamente.

Assim, deveria ter feito o tribunal que efectuou o cúmulo de que aqui se recorre ou seja o 2º cúmulo, ter feito a opção entre duas vertentes possíveis:

1 - Desfazer o cúmulo de 09 de Abril de 2013 retirando-lhe os dois processos em causa, refazendo a pena única sem esses mesmos processos, efectuando o segundo cúmulo em 19 de Julho de 2013 levando em conta os ditos processos retirados do 1º Cúmulo. Ou

2 - Manter o cúmulo anterior (8 anos e 8 meses) e não efectuar qualquer cúmulo no processo que deu origem ao segundo cúmulo e de que aqui se recorre, condenando apenas na pena respeitante ao próprio processo, que no caso era de 2 anos e 8 meses.

Ora, o Tribunal que proferiu o Acórdão de que aqui se recorre não optou por nenhuma das vias, o que apenas se entende por mero lapso do mesmo, ou desconhecimento do cúmulo anterior, não deixando outra opção ao arguido que não o presente recurso.

A situação com que se confrontou o Tribunal que efectuou o último cúmulo e que por mero lapso terá ignorado, foi uma questão de opção entre várias (duas) combinações possíveis de penas singulares para efeitos de cúmulos sucessivos e a devida prossecução do cúmulo mais favorável ao arguido, o que não aconteceu.

Mas o Acórdão de que se recorre não optou por nenhuma das soluções possíveis e efectuou um cumulo jurídico que origina uma duplicação de penas a cumprir pelo Arguido, que ficaria a sofrer penas em duplicado pelos crimes que cometeu!!!

Pelo que era imperativo que o tribunal optasse por uma das duas soluções apresentadas!!!

Assim, e tomando como ponto assente, por tudo o exposto, que o Tribunal teria de optar por umas das duas soluções apresentadas, entendemos, assim como certa jurisprudência do STJ, que em situações destas, é possível efectuar diversas combinações de penas, de modo a obter-se a pena conjunta mais favorável ao arguido.

Desta forma e considerando a opção mais favorável ao Arguido, deveria o Tribunal ter mantido o cúmulo anterior e isolado a pena do seu processo, a última.

Com esta opção ficaria o Arguido com um cumprimento sucessivo dos 8 anos e 6 meses do cúmulo anterior e da pena de 2 anos e 8 meses do processo do último cúmulo, num total de 11 anos e 2 meses, ao invés de dois cúmulos sucessivos, um de 8 anos e 6 meses e outro de 7 anos, NUM TOTAL DE 15 anos e 6 meses.

Assim, voltamos a reiterar que, optando por qualquer das soluções apresentadas, nunca poderia o Tribunal considerar os dois processos 147/05.7GAGRD do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda e 260/05.0PBCTB do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Castelo Branco nos dois cúmulos.

Desta forma, dúvidas não restam que apesar de haver várias hipóteses para a realização do cúmulo de que aqui se recorre nenhuma passava pela solução que foi tomada e que deixou o aqui Arguido Recorrente com um cumprimento sucessivo de dois cúmulos jurídicos de 8 anos e 6 meses e outro de 7 anos ou seja um total de 15 anos e 6 meses.

Já mencionámos as hipóteses que o tribunal tinha para efectuar este cúmulo e entendemos e voltamos a reiterar que o Tribunal deveria ter mantido o cúmulo de 8 anos e 6 meses e apenas deveria ter condenado o Arguido numa pena de 2 anos e 8 meses referentes unicamente ao processo 1719/07.0JFLSB.

Deste modo ficaria o Arguido com 11 anos e 2 meses de prisão, que é o que efectivamente e legalmente deverá cumprir.

Pelo que deverá ser o cúmulo no presente processo anulado por violação do artigo 29º da C.R.P, do artigo 77º e ss. do C.P.

Assim, pelo exposto e pelo que V. Exas. doutamente suprirem, deverá o cúmulo jurídico efectuado no presente processo ser anulado ou em linguagem jurídica corrente, desfeito, mantendo-se intacto o cúmulo anterior e limitando-se o Tribunal a proferir Acórdão sobre a pena a que o seu processo diz respeito.

Subsidiariamente, se o Tribunal assim o entender deverá o cúmulo anterior ser desfeito e realizado novo cúmulo da forma que o Tribunal julgar, desde que não volte a existir duplicação de processos e de respectivas penas para o aqui Arguido.

Respondeu o Ministério Público, dizendo, em conclusão:

1 - O arguido foi condenado nestes autos na pena de sete anos de prisão, resultado do cúmulo jurídico realizado, que englobou as penas aplicadas nestes autos e ainda nos processo nº 147/05.7SAGRD que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda e nº 260/05.0PBCTB, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco.

2 - Devidamente analisados os autos, dos elementos juntos aos mesmos não se extrai a realização de cúmulo jurídico no âmbito do processo nº 646/04.8GAALB do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, que englobasse a pena aplicada nos processos supra referidos que foram ainda cumuladas nestes autos. Sem prejuízo;

3 - Admitindo que o processo nº 646/04.8GAALB do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, no cúmulo jurídico que terá realizado, englobou as penas que também nestes autos foram englobadas, não pode pois determinar-se a condenação do arguido nos termos decididos nos autos, devendo ao invés proceder-se a nova analise dos processos em que o arguido foi condenado, tendo por pano de fundo o disposto no art. 78º do Código Penal, e desse modo altera-se a decisão proferida nos autos.

Neste Supremo Tribunal, a sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:

O arguido AA, vem recorrer do acórdão proferido e depositado em 15/07/2013 no 1º Juízo do Tribunal de Círculo da Covilhã, que o julgou e condenou em cúmulo na pena única de 7 anos de prisão resultante do concurso de três condenações por autoria de um crime de fraude fiscal, dois crimes de falsificação e dois de burla.

 O arguido/recorrente AA, nas conclusões que demarcam o conhecimento do seu recurso, impugna o acórdão recorrido por nele estarem incluídas duas condenações que já fazem parte de outro acórdão cumulatório havendo duplicação de penas pelos mesmos crimes, violando o nº 5 do artº 29º da Constituição.

Defende por isso que havendo duas vertentes possíveis, uma de refazer o primeiro cúmulo tirando as duas condenações e mantendo o acórdão recorrido e a outra vertente que reitera é a manutenção do cúmulo anterior (8 anos e 8 meses de prisão) e no acórdão recorrido ser mantida apenas e autonomamente a ultima condenação (processo nº 1719/07).

 O Ministério Público, através da Procuradora-Adjunta, respondeu defendendo a manutenção do acórdão recorrido.

No entanto parece-nos que as questões que o arguido AA levanta acerca do acórdão recorrido são pertinentes por haver dupla condenação não se percebendo quais as razões que levaram o Tribunal da 1ª instância a escolher apenas duas condenações transitadas, escolhidas entre todas as certidões dos outros acórdãos condenatórios que foram juntos aos autos a pedido do próprio Tribunal da Covilhã.

1- Começaremos por indicar estes acórdãos condenatórios para se poder avaliar o eventual concurso entre eles através da data da prática dos crimes e do trânsito em julgado das condenações:

A - Proc. nº 376/04.0TACVL, do 1º juízo do Tribunal da Covilhã, por sentença  de 19/01/2006, transitada em julgado em 21 de Dezembro de 2010 (certidão de fls. 2090 e sgts).

  - 6 meses de prisão pelo crime de desobediência (artº 348º, nº1, b) do CP), por factos ocorridos em 24/05/2004. 

                B - Proc. nº 626/05.6PIPRT do 1º Juízo do Tribunal da Covilhã, por sentença de 13/10/2011, transitada em julgado em 9 de Novembro de 2011 (certidão de fls. 2101),

- 14 meses de prisão pelo crime de falsificação de documento (artº 256º, nº 1 al. e) e f) 3 do CP), por factos ocorridos em 6/08/2005.

                C- Proc. nº 260/05.0PBCTB do 2º Juízo do Tribunal de Castelo Branco, por sentença de 15/04/2011 transitada em julgado em 28 de Novembro de 2011, (certidão de fls. 2119),

  - 2 anos e 6 meses de prisão, por um crime de falsificação de documento  (artº 256º, nº 1 al. e) e  3 do CP) por factos ocorridos em 20/04/2005.

                - 1 ano e 6 meses de prisão, por um crime de burla (artº 217º, nº 1 do CP) por factos ocorridos em 3/05/2005.

                D- Proc. nº 147/05.7SAGDR do 3º Juízo do Tribunal da Guarda, por sentença de 13/03/2008 transitada em julgado em 10 de Maio de 2011, (certidão de fls. 2143),

  - 2 anos e 8 meses de prisão, por um crime de falsificação de documento na forma continuada  (artº 256º, nº 1 al. a) e 3 do CP) por factos ocorridos em data não apurada em 2004.

                - 3 anos de prisão, por um crime de burla na forma continuada (artº 217º, nº 1 do CP) por factos ocorridos em 20/04/2005.

                Em cúmulo foi o arguido condenado na pena única de 4 anos de prisão.

                E- Proc. nº 646/04.8GAALB do 3º Juízo do Tribunal de Castelo Branco, por sentença de 14/03/2012 transitada em julgado em 23 de Abril de 2012, (certidão de fls. 2213),

  - 2 anos e 6 meses de prisão, por um crime de falsificação de documento  (artº 256º, nº 1 al. a) e 3 do CP) por factos ocorridos no dia 29/11/2004.

                F- Proc. nº 603/05.7TACTB do 1º Juízo do Tribunal de Castelo Branco, por sentença de 13/07/2011 transitada em julgado em 28 de Setembro de 2011, (certidão de fls. 2259),

  - 5 meses de prisão, por um crime de desobediência (artºs 348º, nº 1 a) do CP) por factos ocorridos em data não apurada em 2004.

                Também o acórdão destes autos onde foi efetuado o julgamento para o cúmulo.

                G- Proc. nº 1719/07.0JFLSB do 1º Juízo do Tribunal da Covilhã, por sentença de 10/01/2013 transitada em julgado em 9 de Fevereiro de 2013, (fls. 2285 e sgts),

   - 2 anos e 8 meses de prisão, por um crime de fraude fiscal na forma continuada  (artºs 30º, nº 2 c) do CP e 104º, nºs 1 e 2 da RGIT ) por factos ocorridos entre 2004 a 2006.

                Consta ainda este acórdão condenatório do Registo Criminal de que não foi pedida e junta certidão.

                H- Proc. nº 21/07.2IDCTB do 2º Juízo do Tribunal da Covilhã, por sentença de 21/6/2011, transitada em julgado em 6/09/2011, (R.C. de fls. 2079),

   - 2 anos de prisão, por um crime de abuso de confiança fiscal  (artº 105º do RGIT)  por factos ocorridos em 31/12/2007, cuja pena de prisão foi suspensa submetida ao regime de prova e sob condição de pagar ao Estado a quantia de 318.411,35 €. 

                Esta condenação foi incluída no cúmulo efetuado e transitado em 10/05/2013 pelo Tribunal de Castelo Branco embora com a condenação por dois crimes e penas diferentes, e por isso só com uma certidão desta sentença é que poderá entrar no novo cúmulo tal como iremos tentar defender.

                2- O acórdão recorrido para proceder ao cúmulo limitou-se a indicar as datas da prática dos factos, da decisão e do seu trânsito, o crime e a condenação transcrevendo depois toda a matéria de facto quer da sentença destes, quer das sentenças dos proc.s 147/05.7SAGRD e 260/05.0PBCTB, seguido das condições pessoais, familiares e sociais do arguido.

                E apesar da citação das disposições penais (77º nº 1 e 2 e 78º nº 1 do CP) de jurisprudência e doutrina sobre a pena única resultante do concurso, o acórdão recorrido parece fundamentar este cúmulo dizendo que “apenas podem ser cumuladas as penas deste processo com as dos processos comum coletivo nºs 147/05.7 e 260/05.0”.

                Depois foi aplicada a medida da pena única de 7 anos de prisão, sem ser indicada a pena mínima e máxima onde foi encontrada (artº 77º, nº 2 do CP).

                3- Mesmo sem confrontar este acórdão recorrido do 1º Juízo do Tribunal da Covilhã com o acórdão cumulatório proferido no proc. 646/04.8GAALB proferido em 9 de Abril de 2013 transitado em 10/5/2013, só através das certidões previamente juntas aos autos e já acima referenciadas, ter-se-á de chegar à conclusão que se verifica o concurso superveniente entre as 8 condenações.

O primeiro acórdão transitado é o do proc. 376/04.0TACVL do Tribunal da Covilhã em 21/12/2010 e o último é o acórdão destes autos – 9/2/2013 e todos os crimes foram cometidos entre 2004 e 2007, antes de ter transitado aquela primeira condenação.

Só se pode concluir que se verifica o conhecimento superveniente do concurso de todas as decisões condenatórias transitadas nos processos referidos nos pontos A a H, sendo competente o Tribunal que proferiu o acórdão recorrido por nele ter sido proferido a última condenação transitada.

Havendo relação de concurso entre o acórdão condenatório transitado deste processo e todos os outros acórdãos condenatórios e não apenas as duas condenações dos proc.s 147/05.7 e 260/05.0, o acórdão recorrido pelo arguido deverá/terá de ser anulado por dupla condenação e omissão de pronúncia das outras condenações por crimes cometidos antes de ter transitado a primeira condenação.  

                E só na vertente que nos parece mais favorável, é que discordamos das hipóteses de decisão defendidas/suscitadas pelo arguido AA no seu recurso – o conhecimento superveniente do concurso dar origem a um único acórdão que englobe todas estas condenações transitadas (artº 78º, nºs 1 e 2 e 77º nº 2 do CP). 

Assim parece-nos que o acórdão recorrido deverá ser anulado para ser reformulado o concurso superveniente de todos os acórdãos condenatórios proferidos entre 21/12/2010 e 13/01/2013 de acordo com o disposto no nº 1 do artº 78º do CP e 379º, nº 1 c) do CPP, devendo ser dado parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA. 

Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, o arguido nada disse.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. Fundamentação

1. Alega o recorrente que o acórdão recorrido incluiu no cúmulo a que procedeu duas penas (as dos procs. nº 147/05.7GAGRD e 260/05.0PBCTB) que estavam já englobadas em cúmulo anterior, elaborado no proc. nº 646/04.8GAALB, do 3º Juízo de Castelo Branco, por acórdão de 9.4.2013.

Propõe ele a revogação do acórdão proferido nos autos, mantendo-se o anterior cúmulo, a que acresceria a pena parcelar aplicada nos autos, ou então o “desfazer” desse primeiro cúmulo, em ordem a excluir as penas indicadas.

Para dilucidar a questão, há previamente que ter em conta todas as condenações do arguido incluídas nos dois cúmulos efetuados.

Em 9.4.2013, o 3º Juízo de Castelo Branco, no proc. nº 646/04.8GALB, procedeu ao cúmulo das seguintes penas:

A – Proc. nº 646/04.8GAALB, do 3º Juízo do Tribunal de Castelo Branco, por sentença de 14.3.2012, transitada em julgado em 23.4.2012 (certidão de fls. 2213); pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por um crime de falsificação de documento (art. 256º, nºs 1, a), e 3 do CP), por factos ocorridos no dia 29.11.2004;

B - Proc. nº 147/05.7SAGDR, do 3º Juízo do Tribunal da Guarda, por sentença de 13.3.2008, transitada em julgado em 10.5.2011 (certidão de fls. 2143); pena de 2 anos e 8 meses de prisão, por um crime de falsificação de documento na forma continuada  (art. 256º, nºs 1, a), e 3, do CP), por factos ocorridos em data não apurada de 2004; e ainda uma pena de 3 anos de prisão, por um crime de burla na forma continuada (art. 217º, nº 1, do CP) por factos ocorridos em abril e maio de 2005; em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos de prisão;

C - Proc. nº 376/04.0TACVL, do 1º Juízo do Tribunal da Covilhã, por sentença de 19.1.2006, transitada em julgado em 21.12.2010 (certidão de fls. 2090); pena de 6 meses de prisão pelo crime de desobediência (art. 348º, nº 1, b), do CP), por factos ocorridos em 24.5.2004;

            D - Proc. nº 603/05.7TACTB, do 1º Juízo do Tribunal de Castelo Branco, por sentença de 13.7.2011, transitada em julgado em 28.11.2011 (certidão de fls. 2259); pena de 5 meses de prisão, por um crime de desobediência (art. 348º, nº 1, a), do CP) por factos ocorridos em data não apurada em 2004.

            E - Proc. nº 626/05.6PIPRT, do 1º Juízo do Tribunal da Covilhã, por sentença de 13.10.2011, transitada em julgado em 9.11.2011 (certidão de fls. 2101); pena de 14 meses de prisão, por um crime de falsificação de documento (art. 256º, nºs 1, e) e f), e 3, do CP), por factos ocorridos em setembro de 2005;

            F - Proc. nº 260/05.0PBCTB, do 2º Juízo do Tribunal de Castelo Branco, por sentença de 15.4.2011, transitada em julgado em 28.11.2011 (certidão de fls. 2119); pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por um crime de falsificação de documento (art. 256º, nºs 1, e), e 3, do CP), por factos ocorridos em 20.4.2005; e ainda uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão, por um crime de burla (art. 217º, nº 1, do CP) por factos ocorridos em 3.5.2005;

             G – Proc. nº 21/07.2IDCTB do 2º Juízo do Tribunal da Covilhã, por sentença de 21.6.2011, transitada em julgado em 6.9.2011 (R.C.de fls. 2079); pena de 2 anos de prisão, por um crime de abuso de confiança fiscal (art. 105º do RGIT), por factos ocorridos em 31.12.2007, cuja pena de prisão foi suspensa submetida ao regime de prova e sob condição de pagar ao Estado a quantia de 318.411,35 €. 

            Em cúmulo destas penas, foi o arguido condenado na pena conjunta de 8 anos e 6 meses de prisão.      

Por sua vez, nos presentes autos, o arguido foi condenado, em cúmulo, por acórdão de 15.7.2013, pelas seguintes penas parcelares:

H - Proc. nº 1719/07.0JFLSB do 1º Juízo do Tribunal da Covilhã, por sentença de 10.1.2013, transitada em julgado em 9.2.2013 (fls. 2285 e ss), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, por um crime de fraude fiscal na forma continuada (arts. 30º, nº 2, do CP e 104º, nºs 1 e 2, do RGIT), por factos ocorridos entre 2004 e 2006;

e ainda nas penas anteriormente identificadas com as letras B e F.

Nesta decisão, que é a recorrida, foi o arguido condenado na pena única de 7 anos de prisão.

Da mera exposição destes factos, resulta de imediato a duplicação de inclusão das penas B e F nos (dois) cúmulos efetuados, o que é obviamente insustentável, por força do princípio non bis in idem (art. 29º, nº 5, da Constituição).

Resta averiguar que relações se estabelecem entre as penas incluídas nos dois cúmulos, em ordem a indagar se existe um ou mais concursos entre elas.

2. Nos termos do art. 77º, nº 1, do CP, existe concurso de crimes quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, devendo consequentemente ser aplicada ao conjunto uma única pena.

Esta disposição é igualmente aplicável ao concurso de conhecimento superveniente, por força do art. 78º, nº 1, do CP.

Importa, porém, determinar qual o momento temporal que deve ser considerado para a delimitação do concurso de penas: ou seja, se esse momento é o da data da primeira condenação transitada, ou antes o do trânsito dessa decisão.

Na primeira hipótese, os crimes cometidos entre a primeira condenação e o seu trânsito devem ser excluídos, e formar um novo concurso, a que corresponderá uma outra pena conjunta, a cumprir sucessivamente; na segunda, tais crimes integram o mesmo concurso, sendo portanto aplicável a todos uma só pena conjunta.

A questão não é pacífica nem na doutrina nem na jurisprudência deste Supremo Tribunal. Contudo, a jurisprudência largamente maioritária é no sentido de que é o trânsito, e não a data da primeira condenação, que marca a fronteira do concurso, e nenhuma razão há para alterar essa posição, recentemente reafirmada[1].

Sinteticamente, dir-se-á que só o trânsito, com a estabilidade definitiva da decisão condenatória, e não a mera condenação, envolve uma solene advertência ao condenado para não voltar a delinquir, que justifica a impossibilidade de integração num (mesmo) concurso, e consequentemente numa pena conjunta, da pena de um crime cometido posteriormente a esse trânsito.

Consequentemente, o concurso inclui todas as penas por crimes cometidos antes da data do trânsito da primeira decisão transitada.

3. Regressando ao caso dos autos, constata-se que, de todas as condenações, a primeira decisão transitada é a do proc. nº 376/04TACVL (trânsito de 21.12.2010).

Todas as outras decisões condenatórias reportam-se a factos cometidos antes desse trânsito (factos praticados entre 2004 e 2007).

Consequentemente, todos os crimes estão em concurso, devendo entrar num único de cúmulo de penas.

Sendo assim, há que elaborar uma nova decisão que englobe todas as penas consideradas no acórdão de 9.4.2013 do 3º Juízo de Castelo Branco e no acórdão recorrido numa única pena conjunta, sendo competente para tal o tribunal recorrido, que é o tribunal da última condenação.

Procedem pois parcialmente os argumentos do recorrente.

III. Decisão

Com base no exposto, e na procedência parcial do recurso, decide-se:

a) Revogar o acórdão recorrido;

b) Ordenar que se proceda a um novo cúmulo de penas, que deverá englobar todas as penas consideradas na decisão recorrida e no acórdão de 9.4.2013, proferido no proc. nº 646/043.8GAALB.

Sem custas.

                                       Lisboa, 21 de maio de 2014

Maia Costa

Raul Borges

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[1] Sobre esta matéria ver o acórdão de 14.5.2014, proc. nº 526/11.0PCBRG.S1, do presente relator.