Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PIRES DA ROSA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL ACIDENTE DESPORTIVO DANO CAUSADO POR COISAS OU ACTIVIDADES | ||
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Nº do Documento: | SJ200602260038347 | ||
Data do Acordão: | 02/26/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - Um clube desportivo com um campo de futebol acessível a crianças tem de manter as balizas do campo fixadas por forma a não caírem, quer os utilizadores sejam sócios ou não sócios. II - Caindo uma baliza e atingindo uma criança que foi praticar futebol para o campo e não provando o dono do campo a falta de culpa, responde pelos danos sofridos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA e marido BB, em representação de seu filho menor CC instauraram, em 8 de Novembro de 2001, no Tribunal Judicial da Moita, contra SPORTING CLUBE V... acção ordinária, que recebeu o nº612/2001, do 1º Juízo, pedindo ( p.i. de fls.1, depois aperfeiçoada a fls.39 ) a condenação deste a pagar a seu filho a quantia de 15 088,64 euros, como indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais resultantes de acidente que sofreu no dia 1 de Novembro de 2000, da parte da tarde, quando jogava futebol no campo de jogos do clube réu e lhe caiu sobre a cabeça, por não estar bem presa, uma baliza. Contestou o Sporting Clube V... ( fls.32 ), para dizer, além do mais, que o CC não é sócio do clube nem estava autorizado a jogar no campo do clube, que as balizas no campo não estão presas ao chão por motivos de segurança, que há suspeitas de que o CC tenha subido na baliza e depois tenha caído e batido com a cabeça no muro ou no chão e não a baliza em cima dele. Foi elaborado despacho saneador, com alinhamento dos factos assentes e fixação da base instrutória ( fls.46 ). Efectuado o julgamento, com respostas nos termos do despacho de fls.110, foi proferida a sentença de fls.121 a 130, que julgou a acção parcialmente procedente e conden|ou| o réu a pagar ao autor a quantia de 12 000,00 euros, absolvendo-o do demais peticionado. Não se conformou o réu e interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, todavia, por acórdão de fls.171 a 180 julg|ou| improcedente a apelação e confirm|ou| a sentença recorrida. De novo inconformado, pede o Sporting Clube V... revista para este Supremo Tribunal. E, alegando a fls.199, CONCLUI: a – o acórdão recorrido violou o disposto nos arts.721º, nº1 e 668º, nº1, al. d ), primeira parte, do CPCivil, por omissão de pronúncia relativamente à questão da presunção de que as balizas devem estar fixas ao solo; à inexistência de lei que impusesse a obrigação de fixação das balizas, portanto à inexistência de qualquer acto omissivo por parte do réu/recorrente; à questão da inexistência de falta de consciência da ilicitude por parte do réu/recorrente; b – o ónus da prova cabe, nos termos do que impõe o art.483º, nº1 do CCivil, a quem alega factos, no caso ao lesado; c – o facto voluntário da falta de fixação de uma baliza é uma ( suposta ) omissão e as omissões só geram responsabilidade civil quando exista, por força da lei ou negócio jurídico, o dever de praticar o acto; d – não havia qualquer negócio jurídico impondo a fixação das balizas e, à data dos factos, estava em vigor o Dec.lei nº317/97, de 25 de Novembro, cujo art.16º nada mais exige do que uma vistoria para « verificar a adequação das instalações ... »; e –o lesado não invocou a falta de qualquer vistoria, pelo que é de presumir o efectivo correcto funcionamento do clube; f – o recorrido não provou, como lhe competia, a consciência da ilicitude do recorrente; g – o recorrente agiu conforme as orientações seguidas por outros clubes e escolas secundárias da zona, não lhe sendo exigível, por isso, ter agido de outro modo. Não houve contra – alegações. Em acórdão de fls.207, o Tribunal da Relação de Lisboa concluiu pela não verificação das nulidades invocadas. Estão corridos os vistos legais. Os Factos são o que são, ou seja, são (o Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista, que em princípio só conhece matéria de direito ) os que foram fixados pelas instâncias, maxime no acórdão recorrido, para o qual se remete, reproduzindo todavia, por comodidade, os que são atinentes às questões colocadas em via de recurso. A saber: 1. CC nasceu no dia 4 de Outubro de 1988. 2. No dia 1.11.2000, o mesmo encontrava-se no campo de futebol da ré. 3. No dia 1 de Novembro de 2000, da parte da tarde, CC dirigiu-se ao Sporting Clube V... para, como acontecia muitas vezes, jogar à bola com os seus amigos. 4. À semelhança de outras vezes, CC e os amigos entraram nas instalações do Sporting Clube V... pela porta do café pertencente ao clube, e que dá acesso ao dito campo. 5. Muitas vezes as crianças daquela zona jogam à bola no mesmo campo de futebol, à vista de todos. 6. Alguns dirigentes da ré encontravam-se no dito café. 7. Por volta das 17h30, a baliza onde se encontrava CC a jogar, como guarda-redes, caiu, atingindo-o na cabeça e derrubando-o ao chão. 8. Tal baliza caiu em virtude de não se encontrar devidamente fixada. 9. Ao atingir CC a mesma baliza provocou-lhe, acto contínuo, ferimento na cabeça e face, acentuadamente, do lado esquerdo. 10. Para retirar do local o CC, tal baliza foi levantada pelas crianças que com ele jogavam. 27. O campo de futebol onde CC se encontrava é privativo do clube e destina-se ao uso dos sócios do clube. ~~ O Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de fls.207, como se disse, pronunciou-se sobre a arguição de nulidades que lhe é feita no recurso. E pronunciou-se bem: não há, de facto, qualquer nulidade do acórdão porque não há omissão de pronúncia sobre quaisquer questões, maxime nos termos colocados na alínea a ) das conclusões. O Tribunal fixou os factos e aplicou-lhes o direito, não deixando qualquer questão sem apreciação, designadamente a que tem a ver com os pressupostos da responsabilidade civil que acaba a imputar ao réu/recorrente. É que não se trata de presumir ou não presumir que « as balizas devem estar fixas ao solo ». Trata-se de constatar que a baliza onde se encontrava CC a jogar como guarda-redes caiu ( atingindo-o na cabeça e derrubando-o ao chão ) | e que | caiu em virtude de não se encontrar devidamente fixada - e “devidamente”, não num sentido jurídico tradutor de um determinado dever-ser, mas num sentido puramente fáctico, de “adequadamente”, “com a segurança necessária” – e partir daí para a aplicação do direito, do direito do tempo, com o assacar da responsabilidade civil ao réu/recorrente. O universo jurídico aplicável – e aplicado – é chamado à colação em termos explícitos ( aliás com igualmente explícito afastamento da necessidade de atender ao disposto no Dec.lei nº385/99, de 28 de Setembro ), com a mediação intelectual que aproxima os factos do direito. E é assim que – bem – se conclui por que alguém que, como o Sporting Clube V..., é dono de um campo de futebol, para onde muitas vezes vão jogar à bola crianças com idades próximas dos 12 anos, não pode manter as balizas desse campo de futebol fixadas por forma a que elas possam cair, e cair sobre a cabeça das crianças à disposição das quais se encontram. Um clube desportivo que mantém instalações acessíveis a crianças dessa faixa etária, necessariamente tem que vigiar as balizas que lhes põe ao dispor por forma a que elas não possam cair, seja pelas incidências do próprio jogo, seja pela natural irreverência dos utilizadores do campo desportivo – sejam sócios sejam não sócios, ainda que o campo se destine ao uso dos sócios e seja não sócia a criança atingida pela queda de uma das balizas. É que a lei – art.493º, nº1 do CCivil – faz quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar..., responde|r| pelos danos que a coisa causar. É certo que – di-lo também o mesmo número do mesmo artigo – salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ... Mas é a prova que o réu/recorrente não fez: o que está provado é tão só que a baliza caiu, e caiu exactamente porque não se encontrava devidamente fixada ( devidamente, já se vê, no sentido fáctico acima indicado ). Não se fez prova das circunstâncias concretas em que a baliza caiu. Muito menos, como pretendia o réu, que o « CC subiu para cima da baliza, acabando por cair e bater com a cabeça no muro ou chão » - pontos nºs 35 e 36º, não provados, da base instrutória. Mas ainda que tivesse subido, ou que se tivesse pendurado na baliza: nem aí a conduta do réu/recorrente, dono do campo, seria menos censurável, porque é possível pensar – e, consequentemente, agir em conformidade, fixando “devidamente” as balizas – que uma criança de 12 anos pode cometer a imprudência de subir ou pendurar-se numa baliza. Porque o dever de diligência ou de cuidado ou de vigilância não é concebido em abstracto, mas em concreto. E em concreto quer dizer, aqui, para um universo de utilizadores na faixa etária dos 12 anos ou aproximada. Que « outros clubes e escolas secundárias na zona » pudessem manter as balizas dos seus campos desportivos nos mesmos termos é algo que não afasta a censura ao réu/recorrente. O mais que se pode concluir disso mesmo é que outros clubes e outras escolas são (eram) igualmente censuráveis. O que conduziu o legislador, perante a insuficiência manifesta dos mecanismos da responsabilidade civil para enfrentar um problema grave de segurança pública, à necessidade de aprovação do Dec.lei nº100/2003, de 23 de Maio que cria um « Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança a Observar na Concepção, Instalação e Manutenção das Balizas de Futebol ... ». E veja-se o que se escreve no preâmbulo desse diploma -« afigura-se urgente a adopção de um acto regulamentador no âmbito da instalação, manutenção e conservação das balizas, fundamentado na gravidade dos acidentes que, de modo reiterado, têm vitimado crianças e jovens do nosso país ... determina-se a obrigatoriedade de um seguro de responsabilidade civil por danos causados ... e é criado um regime sancionatório, de natureza contraordenacional ... ». E veja-se também, porque é interessante a afirmação expressa do que já acima se disse quanto ao dever de cuidado e vigilância, o que diz o art.4º do Regulamento aprovado: « 1 – os equipamentos desportivos devem ser mantidos, durante todo o tempo de utilização, em condições que excluam a possibilidade de queda, quando utilizado nas condições razoavelmente previsíveis, designadamente assegurando a estabilidade do equipamento em caso de suspensão e balanço na barra superior da baliza de futebol ... ». Ou seja, a suspensão e o balanço na barra superior de uma baliza de futebol são atitudes razoavelmente previsíveis. Que qualquer clube ( incluindo o Sporting Clube V... ) ou escola deve prever, para assegurar que uma baliza não caia. Em conclusão: nada a censurar na decisão recorrida que concluiu, bem, pela responsabilidade civil do réu/recorrente, uma vez que se verificam os pressupostos do art.483º, nº1 do CCivil. ~~ D E C I S Ã O Nega-se a revista. Custas a cargo do recorrente Sporting Clube V.... Lisboa, 26 de Fevereiro de 2006 Pires da Rosa (relator) Custódio Montes Neves Ribeiro |