Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00035077 | ||
Relator: | DINIZ NUNES | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO INFRACÇÃO DISCIPLINAR PRESCRIÇÃO ILÍCITO DISCIPLINAR ILÍCITO CRIMINAL PRAZO PRESCRIÇÃO DA INFRACÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ199811250001374 | ||
Data do Acordão: | 11/25/1998 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N481 ANO1998 PAG257 | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 978/97 | ||
Data: | 12/09/1997 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. | ||
Legislação Nacional: | LCT69 ARTIGO 27 N3 ARTIGO 31 N1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1990/02/16 IN BMJ N394 PAG363. ACÓRDÃO STJ DE 1997/01/20. | ||
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Sumário : | I - O ilícito disciplinar distingue-se do ilícito criminal, pois visam realidades distintas. II - Assim, não se aplica à infracção disciplinar o prazo prescricional da infracção criminal. III - O prazo da infracção disciplinar prescreve no prazo de um ano a contar da sua prática, independentemente da data em que a entidade patronal dela teve conhecimento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: A propôs no Tribunal do Trabalho de Braga acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra B - Companhia de Seguros, S.A. na qual invocando a existência de um contrato de trabalho com a Ré e a ilicitude do seu despedimento, aludindo à prescrição das alegadas infracções disciplinares que lhe foram imputados, pediu que a Ré fosse condenada: a) A reintegrá-lo no seu serviço, com todos os seus direitos e regalias e sem prejuízo da sua antiguidade, se não vier a optar pela indemnização correspondente a um mês de remuneração por cada ano de antiguidade ou fracção, acrescida de 70%, e presentemente calculada em 7008760 escudos; b) A pagar-lhe todas as remunerações que ele normalmente auferia, desde a data do despedimento até à data da sentença; c) A pagar-lhe as seguintes importâncias: 1. - 3005285 escudos e 20 centavos de trabalho extraordinário prestado e não pago; 2. - 206140 escudos correspondente às férias de 1995, vencidas em 1 de Janeiro de 1996; 3. - 3000000 escudos, a título de indemnização ou compensação pelos danos não patrimoniais; 4. Juros legais compensatórios, à taxa Legal de 10%, que se vencerem sobre as referidas importâncias até efectivo pagamento; d) A pagar as custas e procuradoria. Na contestação a Ré defendeu a validade do despedimento do Autor, com justa causa, atenta a gravidade das infracções, a não prescrição das mesmas, finalizando pela improcedência. No despacho saneador, o Meritíssimo Juiz considerou procedente a arguida prescrição das infracções, julgando ilícito o despedimento e conheceu logo do primeiro pedido formulado pelo Autor. Com esta decisão não se conformou a demandada mas, a Relação do Porto julgou improcedente a apelação, confirmando aquela decisão recorrida. De novo inconformada interpôs a Ré a presente revista em cuja alegação formula as seguintes conclusões: 1 - Vem o presente recurso de revista, interposto do douto acórdão proferido em 9 de Dezembro de 1997, constante de folhas ..., que julgou improcedente o recurso de apelação. 2 - Com o devido respeito, julgamos que sem razão. 3 - A questão crucial que está em causa no objecto do presente recurso resume-se a saber qual o sentido ou interpretação a dar ao disposto no número 3 do artigo 27 da L.C.T. (Decreto-Lei 49408, de 24 de Novembro de 1969). 4 - Concluindo-se naquele douto aresto que tendo decorrido já mais de um ano entre a prática da infracção e a data em que a nota de culpa foi remetida ao recorrido, prescrita se encontrava a infracção, independentemente da recorrente só dela ter tomado conhecimento em 1996 (sic). 5 - Considerando, igualmente, que o aludido preceito (27 n. 3, L.C.T.), deve aplicar-se a todas as infracções disciplinares, ainda que constituam, simultaneamente, ilícito penal. 6 - Com a devida vénia por tal opinião, não a podemos, porém, perfilhar. 7 - Se a infracção imputada ao trabalhador consistiu na apropriação de uma determinada quantia, com correspondente prejuízo patrimonial para a ora recorrente, manter-se-á a infidelidade, indignidade e improbidade daquele para com esta, enquanto não for reparado tal dano. 8 - Daí que o "prazo de prescrição" somente poderia começar a correr no momento em que a ora recorrente tomou conhecimento de tais factos lesivos do seu património, assim como do seu autor e demais matéria fáctica. 9 - Pois, se à infracção disciplinar corresponder crime, só a "prescrição" deste (crime) relevará, de contrário, poder-se-á cair no absurdo de estarmos, simultaneamente, perante uma infracção disciplinar prescrita e uma condenação penal efectiva - como pode acontecer no presente caso, considerando o processo n. 2724/96, que corre termos na 2. Secção do Serviço do Ministério Público, junto ao Tribunal Judicial de Braga. 10 - Tal entendimento tem vindo a ser sufragado e defendido pela maioria da doutrina (v.g. Bernardo Xavier), e jurisprudência (Ac. S.T.J. de 28 de Outubro de 1988, B.M.J.) e até mesmo no novo ordenamento jurídico (artigos 4 n. 3, Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro - Estatuto Funcionários Públicos - e 99, Decreto-Lei 84/84 - Estatuto Ordem dos Advogados). 11 - Ou seja, constituindo a infracção disciplinar imputada ao trabalhador - arguido simultaneamente infracção penal, terão de aplicar-se os prazos prescricionais previstos para esta última (infracção penal). 12 - É a partir do conhecimento efectivo, cabal e seguro pela entidade patronal ("pessoa" que detém o poder disciplinar), dos factos/ilícitos disciplinares/criminais, que deverá iniciar-se os denominados "prazos de prescrição" previstos na lei. 13 - A este propósito, ousamos citar e acompanhar a doutrina defendida pelo ilustre Desembargador Dr. Abílio Lopes Cardoso, acerca da interpretação a dar v.g. ao citado 27 n. 3, da L.C.T.. 14 - Contrariamente ao defendido no douto acórdão recorrido, o artigo 27 n. 3, não pode deixar de ser considerado de caducidade, pois, se não o for, fica-se sem saber o que de facto prescreve. 15 - Ou seja, na hipótese do 27 n. 3, que direito prescreve neste caso? 16 - O que de facto prescreve é o procedimento disciplinar, isto é, o direito da entidade patronal agir disciplinarmente contra o seu empregado. 17 - É que anteriormente à aplicação da sanção nenhum outro direito está em causa, e isto verifica-se quer em matéria disciplinar, quer em matéria criminal. 18 - Não é pois a infracção disciplinar que prescreve, mas sim o procedimento disciplinar, e este está sujeito a um prazo de caducidade e não de prescrição - como erradamente a lei se lhe refere. 19 - Considerando que o prazo a que alude o artigo 31 n. 1, da L.C.T. se trata também de um prazo de caducidade e para o exercício do poder disciplinar, é manifesto que estamos perante uma situação conflituosa entre os dois preceitos (27, n. 3 e 31, n. 1, L.C.T.). 20 - Ora, no caso do conflito em apreço, tal como a jurisprudência dominante propôs, deverá atender-se ao disposto no artigo 31, n. 1, da L.C.T., devendo ser este o prazo a considerar, isto é, sessenta dias contados a partir da data em que a entidade patronal teve conhecimento dos factos e do seu autor. 21 - Pois o que se pretende é salvaguardar o exercício da acção disciplinar por quem detém realmente esse poder. 22 - Sendo somente legítimo impor àquela entidade o dever de agir disciplinarmente quando ela conhece minimamente os factos e os seus autores - 329 do Código Civil. 23 - Pelo que o regime que melhor se adapta ao caso dos presentes autos é o decorrente do 31, n. 1, já que só após o conhecimento das infracções, assim como do seu autor, foi possível àquela exercer o seu poder disciplinar, fazendo-o logo que concluído o processo prévio de inquérito. 24 - Já que antes do referido conhecimento o poder disciplinar em causa não podia ser exercido - por todos Acórdão da Relação de Lisboa de 5 de Dezembro de 1990 - Colectânea de Jurisprudência 1990, 5 - 178. 25 - Por outro lado, a adoptar-se o entendimento perfilhado no douto acórdão recorrido, é transformar a relação de trabalho - essencialmente uma relação social - numa relação anti-social, desprezando totalmente valores como a segurança, a confiança e lealdade que devem presidir a qualquer relação social. 26 - Revelando-se o prazo referido no artigo 27 n. 3, absolutamente inidóneo para fazer presumir uma ressocialização do infractor e ainda menos para diluir as necessidades retributivas e de prevenção geral do despedimento. 27 - Sendo totalmente descabido de fundamento o facto da "Lei" estabelecer "Prazos de prescrição" diferentes para o mesmo facto, sendo irrelevante, para o efeito, o enquadramento legal que se faça com o mesmo (facto), já que, numa situação ou noutra, são os mesmos "interesses" que a "Lei" quis (e quer) ver protegidos. Com base nestas conclusões requereu a revogação do aresto por erro de interpretação e aplicação, nomeadamente, dos artigos 27, n. 3 e 31, n. 1, da L.C.T.. Por sua vez o Recorrido, na sua contra-alegação, tirou estas conclusões: 1. As infracções disciplinares, no domínio laboral, prescreveram ao fim de um ano a contar do momento em que tiveram lugar. 2. O prazo de prescrição previsto no artigo 27, n. 3 da L.C.T. aplica-se a qualquer infracção disciplinar, seja qual for a sua natureza e independentemente do seu conhecimento por parte da entidade patronal. 3. O resultado lesivo da infracção é indiferente para a contagem do prazo, uma vez que não constitui parte integrante da infracção, relevando tão somente para efeitos da graduação da sanção disciplinar. 4. As supostas infracções disciplinares imputadas pela recorrente ao Autor reportam-se, de acordo com a recorrente, a Janeiro de 1993. 5. A recorrente só deu início ao processo disciplinar em 21 de Março de 1996, sendo certo que a nota de culpa só em 11 de Abril de 1996 foi remetida ao Autor. 6. Deste modo, tendo decorrido já mais de um ano entre a data da prática da suposta infracção disciplinar e a data em que a nota de culpa foi remetida ao recorrido, prescrita se mostrava já a infracção a este imputada, independentemente de a recorrente só dela ter, eventualmente tomado conhecimento em 1996. 7. O douto acórdão recorrido está em conformidade com os factos provados e com o direito aplicável. Remeteu pela confirmação do julgado. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer no sentido de ser negada a revista. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. A matéria fáctica que o acórdão recorrido considerou provada com interesse para a decisão, é a seguinte: a) O autor foi despedido por carta de 21 de Junho de 1996 e após a instauração de processo disciplinar. b) A decisão de despedimento fundamentou-se no facto de o autor não ter contabilizado a entrada de dois cheques sacados sobre o BFB, com data de 29 de Janeiro de 1993, no valor de 337336 escudos e 175474 escudos, contabilizando apenas as suas saídas, assim dando origem a que o saldo contabilístico ficasse menos que o saldo em cofre, subsistindo uma diferença de 512810 escudos, que não foi encontrada em cofre, tendo assim o autor lesado a Ré na dita importância. c) O processo disciplinar foi instaurado na sequência de uma auditoria realizada à dependência de Braga durante o ano de 1995, tendo a nota de culpa sido elaborada em 11 de Abril de 1996. Perante esta factualidade, vejamos o direito. Dispõe o n. 3 do artigo 27 da L.C.T. que a infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar, ou logo que cesse o contrato de trabalho. Estipula o artigo 31, n. 1 do mesmo diploma legal, que o procedimento disciplinar deve exercer-se nos sessenta dias subsequentes àquele em que a entidade patronal, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção. A entidade patronal tem o poder de aplicar sanções ao trabalhador que com a sua conduta ofende os padrões de comportamento da empresa ou se mostra inadequado à correcta efectivação do contrato. A sanção disciplinar tem, sobretudo, um objectivo conservatório e intimidativo, isto é, o de se manter o comportamento do trabalhador no sentido adequado ao interesse da empresa (Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 10. edição, páginas 244/245). Em certos casos, atenta a gravidade da conduta culposa do trabalhador que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, admite a lei o despedimento com justa causa. Para o mesmo Autor, "o prazo prescricional de um ano refere-se à punibilidade da infracção e conta-se a partir do momento em que os factos tenham ocorrido, independentemente do conhecimento ou desconhecimento deles por parte do empregador. A lei toma em conta a necessidade de evitar que a perspectiva da punição de uma eventual falta seja mantida como uma ameaça suspensa indefinidamente sobre o trabalhador, a fim de lhe condicionar o comportamento e, inclusive, a capacidade reclamatória. Por outro lado, o excessivo distanciamento entre a infracção e a sanção não se adequa ao carácter e aos fins próprios desta última - fins que são sobretudo preventivos e não retributivos". (obra citada página 250). O ilícito disciplinar distingue-se do ilícito criminal porque visam fins diferentes, porque aquele pretende defender a necessária disciplina para o correcto desenvolvimento de um serviço, quer público quer privado enquanto o segundo pretende proteger os bens fundamentais da comunidade. Veja-se a este propósito o Acórdão deste Supremo, de 16 de Fevereiro de 1990, in B.M.J. n. 394, página 363, em cujo sumário se pode ler: "Deve entender-se por infracção disciplinar laboral o comportamento culposo do trabalhador que viola deveres jus-laborais (não constituindo sua parte integrante as consequências que só influem na sua graduação) estando aqui, em causa o interesse jus-laboral que a entidade patronal visa proteger ao sancionar os comportamentos do trabalhador atentatórios do justo e equilibrado desenvolvimento da relação laboral. A infracção criminal, por sua vez, consiste na ofensa de valores jurídico-criminais, tutelados pelo direito criminal através dos tipos legais de crimes que dizem respeito, de maneira essencial, à vida do homem em sociedade e à livre expansão da sua personalidade moral. A diferença entre os interesses teleologicamente subjacentes à infracção criminal e à infracção disciplinar justifica a estatuição de prazos diversos para as respectivas prescrições, não prevalecendo o prazo prescricional da infracção criminal sobre o da disciplina, com vista ao sancionamento desta, quando este consubstancia também aquele". Veja-se ainda o recente Acórdão do Supremo, de 20 de Janeiro de 1997, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Janeiro de 1997, página 116, onde se decidiu que o prazo previsto no n. 3 do artigo 27 da L.C.T. aplica-se a qualquer infracção disciplinar, seja qual for a sua natureza e independentemente do seu conhecimento por parte da entidade patronal. Sufragamos este entendimento o qual foi igualmente perfilhado no douto acórdão recorrido. Com efeito, atendendo aos fins de ambos ilícitos e à letra da lei, que é o primeiro elemento da interpretação, não pode, salvo o devido respeito, defender-se a tese da Recorrente de que quando a infracção imputada ao trabalhador constitui - simultaneamente ilícito disciplinar e ilícito criminal, se deverá aplicar a prazos prescricionais a este atinentes. Com o decurso do prazo de um ano a contar do momento da prática da infracção, deixa a entidade patronal de poder punir o trabalhador infractor, tudo se passando como se ele não tivesse existido e nem se diga que há uma situação conflituosa entre os artigos 27, n. 3 e 31, n. 1 da L.C.T.. Na verdade, estes preceitos têm campo de aplicação distintos. O artigo 31, n. 1, reporta-se ao exercício da acção disciplinar, estabelecendo um prazo de caducidade de sessenta dias, levando-se agora em consideração o momento em que o titular do poder disciplinar tem conhecimento da infracção. Isto significa, que a entidade patronal ou o superior hierárquico com competência disciplinar, logo que tenha conhecimento da infracção, deve exercer o procedimento nos sessenta dias imediatos, quando não tinha ainda decorrido um ano sobre a sua prática, sob pena de caducidade. Compreende-se este regime, pois, como salienta Monteiro Fernandes "o prazo de caducidade - de sessenta dias -, assenta na ideia de que a maior ou menor lentidão no desencadeamento do processo disciplinar exprime o grau de relevância atribuído pelo empregador à conduta (eventualmente infractora; o facto de esse processo não se iniciar dentro dos sessenta dias subsequentes ao conhecimento da referida conduta constitui presunção juris et de jure de irrelevância disciplinar". Ora, face às datas da invocada infracção e da instauração do processo disciplinar, verifica-se que entre elas medem mais de um ano, pelo que aquela se manteve prescrita sendo irrelevante que a Ré só dela tivesse tomado conhecimento em 1996. Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido que censura não merece. Custas pela Recorrente. Lisboa, 25 de Novembro de 1998. Dinis Nunes, Manuel Pereira, José Mesquita. |