Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FONSECA RAMOS | ||
Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO CONTRATO-PROMESSA TRADIÇÃO DO IMÓVEL PENHORA DIREITO DE RETENÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ200712040040706 | ||
Data do Acordão: | 12/04/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I) - O direito de retenção, como direito real de garantia, é invocável pelo promitente-comprador que obteve a traditio, visando a garantia do crédito pelo dobro do sinal prestado, em caso de incumprimento definitivo do contrato pelo promitente-vendedor. II) - A entrega antecipada do imóvel, traditio, na vigência do contrato-promessa, não é um efeito do contrato, resulta apenas de uma convenção de natureza obrigacional entre o promitente-vendedor [dono da coisa] e o promitente-comprador. III) - Em regra, o promitente-comprador que obteve a traditio, apenas frui um direito de gozo, autorizado pelo promitente-vendedor e por tolerância deste – é, nesta perspectiva, um detentor precário – art. 1253º do Código Civil – já que não age com animus possidendi, mas apenas com o corpus possessório (relação material). IV) - Conferindo o direito de retenção ao seu titular, direito de preferência que se sobrepõe, até, a créditos hipotecários, a penhora, não afectando tal garantia, assegura ao credor/retentor o poder reclamar os seus créditos em sede executiva, visando receber o seu crédito pelo produto da venda. V) - O direito de retenção não é, assim, incompatível com a penhora ou apreensão judicial do imóvel, porque o seu titular encontra amparo para o seu direito de crédito, no esquema da acção executiva. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, deduziu, em 23.3.2007, pela Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Embargos de Terceiro, por apenso à execução que BB e CC moveram a DD. Pedindo se declare: a) que o embargante se encontra, desde 11 de Março de 2002, na posse pública, pacífica e de boa-fé do imóvel referido no artigo primeiro da petição de embargos que prometeu comprar à executada; b) que o embargante resolveu, em 9 de Janeiro de 2007, o aludido contrato por causa imputável à promitente-vendedora e, em consequência, reclama o pagamento do montante de € 220.000,00, – sinal em dobro; c) seja reconhecido e declarado ao embargante o direito de retenção sobre o aludido imóvel para pagamento ou garantia de pagamento do montante de € 220.000,00. Alegou que é titular de direito de retenção sobre a fracção autónoma “H”, correspondente ao 1º esquerdo do prédio sito na Rua António Fernandes Ferreira Gomes, n.° ..., em Ferreiros, Braga, penhorada na execução. Entrou na posse da fracção, em 11.03.2002, data em que celebrou com a executada DD um contrato-promessa de compra e venda (fls.12 a 17), tendo por objecto a mesma fracção autónoma, tendo sido estipulado o preço de € 125.000,00, de que pagou já € 110.000,00, a título de sinal, contrato esse que, entretanto, resolveu, em 9.1.2007, embora se mantenha na posse do imóvel, o que lhe confere direito à devolução do sinal em dobro. Sustenta ser titular de direito de crédito sobre a executada, garantido pelo direito de retenção sobre o imóvel. *** Por despacho de fls. 20, foi liminarmente indeferida a petição, sustentando-se que não existe incompatibilidade entre o direito de retenção e a penhora, podendo o embargante realizar o seu crédito no quadro do concurso de credores. *** Inconformado com a decisão proferida, agravou o embargante para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por Acórdão de 12.7.2007, julgou improcedente o recurso e confirmou o despacho recorrido. *** De novo inconformado, recorreu para este Supremo Tribunal e, nas alegações apresentadas, formulou as seguintes conclusões: 1. A fracção objecto de penhora foi prometida vender ao Recorrente; 2. O Recorrente entrou na posse efectiva da aludida fracção em 11.03.2002; 3. Tendo a Executada transmitido para o Exequente o imóvel sujeito a penhora; 4. Posse esta que lhe foi conferida por via do contrato e materializada nos factos que foi exercendo desde então e até agora; 5. Contrato este resolvido pelo Recorrente, por incumprimento culposo da Executada, em 9.01.2007; 6. Tendo emergido desta resolução o direito do Recorrente a receber da Executada o valor de € 220.000,00; 7. Daí que, dada a tradição da coisa, a posse e o direito de retenção sobre o imóvel, qualquer penhora que incida sobre este bem seja incompatível com aquele direito de retenção e posse; 8. Atenta a circunstância da penhora colidir e esbulhar o Recorrente da posse do imóvel; 9. Resultando este entendimento do disposto nos arts. 754º, 755º-1-f), 759º-1-3 e 670º-a) do Código Civil; 10. Ao interpretar-se de uma forma diferente as aludidas disposições legais, no sentido de que a penhora não é incompatível com o direito de retenção e posse do Recorrente sobre o imóvel, violou-se, manifestamente, aquelas mesmas disposições legais. Termos em que deve ser revogado o acórdão em mérito e, em consequência, proferida outro que admita os presentes embargos, seguindo-se os ulteriores termos até final. Não houve contra-alegações. *** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que, factualmente, releva o que consta do Relatório, quanto ao conteúdo alegado pelo embargante na petição de embargos. Fundamentação: Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que se delimita o objecto do recurso, afora as questões de conhecimento oficioso, importa saber se o promitente-comprador que obteve a traditio do imóvel, objecto de contrato-promessa de compra e venda, ante a penhora desse imóvel, pode reagir através de embargos de terceiro para, alegadamente, defender a posse. Vejamos: Dispõe o art. 351º do Código de Processo Civil, após a Reforma do Código de Processo Civil de 1995/96: “1– Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado faze-lo valer, deduzindo embargos de terceiro. 2 – Não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo especial de recuperação da empresa e de falência.” Após tal Reforma foram eliminadas as acções possessórias do conjunto dos processos especiais e foi ampliado o âmbito dos embargos de terceiro, desligados, agora, exclusivamente, da defesa da posse ameaçada ou ofendida por diligência processual ordenada judicialmente (excepto a apreensão em processo de falência) sendo-lhes conferido um âmbito mais lato [é, até, considerado um incidente de intervenção de terceiros] tornando possível a sua aplicação para reagir a penhora, ou a quaisquer actos incompatíveis com a diligência ordenada judicialmente, que possam afectar direitos de quem não é parte no processo executivo – quem, em relação a tal processo, seja terceiro. No fundo, e mais comummente, é usado como incidente para reagir a diligência de penhora considerada ilegal. Como ensina Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 4ª edição, pág.233; “Hoje, os embargos de terceiro não se apresentam, no sistema da lei processual, como um meio possessório, mas antes como um incidente da instância, como uma verdadeira subespécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro (arts. 351.° e segs.). E assim, como é do conceito de oposição (art. 342°, n°1), encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir numa causa para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas”. Miguel Mesquita, in “Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro”, pág. 95. acerca dos embargos de terceiro escreve: “...Podem ser deduzidos com dois fundamentos: ou o terceiro alega e prova que é possuidor, beneficiando de presunção da titularidade do direito nos termos do qual possui, ou alega e prova ser titular do direito incompatível com a execução em curso (com a realização ou com o âmbito da diligência executiva”). Este alargamento dos embargos, que os torna um meio não estritamente possessório, é totalmente acertado, porque admite a tutela de situações que, de outro modo, seria muito difícil, se não impossível, conseguir”. Os embargos de terceiro são um meio possessório que a lei faculta, em primeira linha, ao possuidor em nome próprio – art. 1285º do Código Civil – seja a posse do embargante uma posse efectiva ou meramente jurídica – cfr. neste sentido, “A Acção Executiva, à Luz do Código Revisto” – 2ª edição, de Lebre de Freitas, pág. 228, nota 18. O mesmo autor, embora aludindo à “posse incompatível com a penhora” – expressão que torna mais lata a admissão de embargos de terceiro, não os restringindo aos casos em que haja ofensa da posse, regime que era o Código de Processo Civil revisto – sustenta, na pág. 235 da obra citada, que tal posse – “É, em primeiro lugar, aquela que sendo, exercida em nome próprio, constitui presunção de titularidade dum direito incompatível: enquanto esta presunção não for ilidida, mediante a demonstração de que o direito de fundo radica no executado, o possuidor em nome próprio é admitido a embargar de terceiro”. No caso dos autos o embargante é promitente-comprador de uma fracção autónoma e obteve a traditio, sucedendo que a fracção foi penhorada à promitente-vendedora em sede executiva. |