Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
078809
Nº Convencional: JSTJ00008125
Relator: JORGE VASCONCELOS
Descritores: LEGITIMIDADE PARA RECORRER
RECURSO
Nº do Documento: SJ199103190788091
Data do Acordão: 03/19/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N405 ANO1991 PAG413
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 330/88
Data: 07/02/1989
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV - RECURSOS.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 680 N1 ARTIGO 684 N4.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1979/11/27 IN BMJ N291 PAG434.
Sumário : Carece de legitimidade para recorrer da decisão absolutoria, proferida contra os co-reus, o reu que foi condenado pela mesma sentença, porquanto não se situa, quanto a eles, numa relação de vencedor/vencido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Na presente acção de indemnização por acidente de viação movida por A, por si e em representação legal da filha - menor B, foi proferida sentença julgando-a improcedente quanto ao Reu C e ao chamado a demanda Estado, absolvendo-os do pedido, e procedente em relação ao Reu D, condenando-o no pagamento as Autoras da pedida indemnização global de 3000000 escudos, bem como se condenaram os Reus C e D, como litigantes de ma fe, a pagar, cada um, a multa de 50000 escudos, e ainda o segundo em igual montante de indemnização a favor do Estado Portugues.
Inconformados com esta decisão, recorreram os Reus D e C e a Relação concedeu provimento parcial as apelações, apenas no tocante a condenação do primeiro como litigante de ma fe e na multa aplicada ao segundo, que se reduziu para 20000 escudos, mantendo-se no mais a sentença recorrida.
Interpõe o Reu D recurso de revista, em que alega pedir a revogação do acordão, sendo o recorrente responsabilizado apenas em termos da responsabilidade objectiva e os seus co-ReusC e o chamado Estado solidariamente consigo condenados, porquanto violou os artigos 330, 331, 485 a 680 do Codigo de Processo Civil, e os artigos 491, 499, 500 e 501 do Codigo Civil, pelos fundamentos das conclusões que iremos analizar.
Contra-alegou o Estado a defender a confirmação do acordão recorrido.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
I - Factos provados:
1- No dia 12 de Agosto de 1980, da parte da tarde o Reu D conduzia o veiculo militar tipo "jeep", com a matricula MX-71-32, pertença do Estado Portugues, pela estrada que liga as localidades Santa Margarida da Coutada e Ralpique da comarca de Abrantes.
2- No "jeep" seguiam como passageiros no banco ao lado do condutor o Reu C e no banco traseiro E e F.
3- A certa altura o "Jeep" despistou-se, capotou e on E ficou debaixo dele.
4- Em consequencia, o E sofreu esmagamento do frontal, do pariental e do temporal esquerdo, fractura da base do craneo e do rochedo direito, hematoma do lobulo frontal e parietal esquerdo, lesões estas que lhe determinaram como consequencia directa e necessaria a morte.
5- O condutor e ocupantes do "Jeep" prestavam serviço militar no Batalhão de Infantaria Mecanizada (BIMEC), aquartelado em Santa Margarida, sendo o Reu D soldado, o Reu C aspirante, o falecido E primeiro cabo e o F furriel miliciano.
6- O falecido E era casado com a Autora A e pai da menor B nascida em 11/8/79.
7- Na data do acidente era oficial de dia ao BIMEC o alferes G.
8- O Reu C solicitou ao reu D que o fosse levar a Malpique, afim de ali ir buscar umas fotografias que estavam no fotografo.
9- Na sequencia de tal solicitação os individuos referidos em 2 sairam do quartel fazendo-se transportar no "jeep".
10- Em Malpique procuraram o fotografo e como fossem informados que ele estava no vizinho lugar de Pereiro, para la se deslocaram no "jeep".
11- No Pereiro aproveitaram para lanchar, comendo pão e chouriço e bebendo cerveja.
12- No fim do lanche iniciaram o regresso ao quartel, fazendo-se transportar no "Jeep".
13- O "jeep" ao descrever numa curva aberta entrou com o rodado direito na berma e percorreu com esse rodado na berma numa distancia de 29 metros.
14- O Reu D, condutor do "jeep" conseguiu entretanto fazer sair esse rodado da berma e entrou na estrada.
15- Porem, o "jeep" entrou na estrada em direcção obliqua ao eixo da via, e apos percorrer 2 metros nessas condições a roda do lado esquerdo da frente do "jeep" entrou na berma desse lado, atento o seu sentido de marcha, e foi cair numa vala que acompanha essa berma, que tinha a profundidade de 45 cm e a largura de 30 cm, e percorreu 6 metros nessa posição, apos o que tambem a roda de tras do lado esquerdo se afundou na mesma vala e por isso o condutor perdeu o controle do "jeep", que galgou a vala entrando nuns terrenos que marginam a estrada, onde percorreu 21, 6 metros, apos o que capotou e se imobilizou.
16- O Reu C encontrava-se como adjunto ao oficial de dia G.
17- O "jeep" saiu do BIMEC exclusivamente para ir levantar fotografias particulares do Reu C, não tendo a saida sido autorizada superiormente, designadamente não foi autorizada pelo oficial de dia a unidade.
18- O E era ventriloquo de profissão, que exercia em espectaculos diversos ganhando de "cachet", em media, cerca de 24000 escudos por mes.
19- Era do produto do trabalho de E que dependia exclusivamente a subsistencia das Autoras.
20- O Reu C era aspirante tirocinante.
II - Perante esse apuramento, constante da especificação e das respostas aos quesitos, a 1 instancia imputou a produção do acidente a culpa do Reu D demonstrado na pontualidade indicada em 3 e 13 a 15, inclusive, consubstanciadora da violação da regra de que o transito se deve fazer pela faixa de rodagem, consoante o estabelecido pelos ns. 2, 3 e 4 do artigo 5 do Codigo da Estrada, e a 2 instancia confirmou essa imputação culposa e reforçou-a, ainda, por presunção judicial tirada de tais factos, com afirmação de o "jeep" ser conduzido com velocidade excessiva, em violação dos artigos 7, ns. 1 e 2, alinea b), do mesmo Codigo, sendo "precisamente por seguir a uma velocidade inadequada, por excesso, aliada a uma falta de destreza e impericia, e que se explica que não tivesse conseguido dominar a viatura, como lhe competia, de modo a mante-la dentro da faixa de rodagem, e deixasse que a mesma prosseguisse de forma descontrolada, nas condições ja referidas, durante varias dezenas de metros, pela berma, por uma vala e finalmente por terrenos marginais a estrada, onde acabou por capotar.
"E sem que tivesse demonstrado que a infracção dos aludidos preceitos, bem como a sua condução negligente, imperita e sem destreza, houvesse sido estranha a sua vontade, nomeadamente devido a mau funcionamento do veiculo ou a outra causa susceptivel de excluir a sua responsabilidade".
Ora, tal fundamentação do acordão afasta clara e inequivocamente a pretensão do recorrente de por "os factos focados não revelam, excesso de velocidade, nem permitem se estabeleça um nexo de causalidade adequada entre os mesmos e o evento, designadamente por nada se ter apurado perante a genese do acidente"; assim posta em mera condução da alegação, cujo texto nada contem a apoia-la como se impunha logicamente e so tera ficado omisso perante a dificuldade de demonstrar o indemonstravel em face do apuramento pormenorizado da dinamica da produção do acidente causado por saida na curva, do "jeep", da faixa de rodagem estradal por onde devia circular e sequente marcha desgovernada a terminar no capotamento de que resultou a morte do E, apos um percurso incontrolado de dezenas de metros, em que e legitimada a conclusão da Relação de excesso de velocidade por o condutor não ter conseguido fazer a curva nem parar o veiculo em todo alongado trajecto sinistral.
De resto, a invocada presunção hominis (artigo 349 do Codigo Civil), traduz-se em a Relação, merce das regras da experiencia, tirar de facto conhecivel, que a prova da trajectoria seguida pelo veiculo, para firmar o facto desconhecido, que e a velocidade exceder a que permitiria fazer a curva e parar o veiculo antes de capotar; o que e incensuravel pelo Supremo Tribunal, pois não envolve alteração e antes se harmoniza com os factos fixados provados - artigo 729 do Codigo de Processo Civil.
III - Na acção intentada contra os Reus D e C para responsabiliza-los solidariamente pela indemnização peticionada pelas Autoras, cada um dos demandados, sendo o C na contestação, chamaram o Estado a demanda (artigo 330, alinea c) do Codigo de Processo Civil), mas o chamante D não contestou a acção, passando, assim, o Estado a assumir tambem a posição de Reu e, por isso, contestou.
Na 1 instancia o C e o Estado foram absolvidos do pedido por sentença de que as Autoras não recorreram.
Dai entender a Relação que a decisão nessa parte transitou em julgado, não se podendo no recurso que interpusera o co-Reu D reconsiderar ou reapreciar a decisão na parte em que absolveu o Reu C e o Estado na posição de Reu pelo chamamento a demanda.
Entendimento em que se afigura merecer o desenvolvimento correctivo que segue.
O chamamento a demanda visa fazer condenar, conjuntamente com o demandado, o chamado; pressupõe que o chamado e, ao lado do demandado, sujeito passivo da relação juridica controvertida, isto e, da mesma obrigação do chamante.
No chamamento a demanda o demandado quer que os outros responsaveis sejam colocados na posição de Reus para, dado o caso de a acção proceder, serem condenados conjuntamente com eles.
Ou seja, o chamamento tem o objectivo de trazer para o processo pessoas que podiam ser demandadas conjuntamente com o Reu.
A utilidade do chamamento a demanda, no caso da alinea c) do artigo 330 do Codigo de Processo Civil, consiste em:- o demandado trazer para o processo novos Reus, que podem ajuda-lo na defesa;-
- condenados todos os Reus pode dar-se o caso de o credor mover execução contra todos, e não unicamente contra o Reu primitivo; - e, se o demandado houver de pagar a totalidade, fica em melhor posição para exercer o direito de regresso contra os co-devedores, podendo exerce-lo com base na sentença de condenação, sem necessidade de propor contra eles acção declarativa.
Tal caracterização do chamamento a demanda, em apreço, e expressada pelo Professor A. dos Reis, no Codigo de Processo Civil Anotado, Volume I (artigo 48), folhas 437 e 453, com inteiro acolhimento nosso.
O que logo afasta, claramente, a pretensão, tambem posta nas conclusões, do recurso, de legitimidade do recorrente para recorrer da sentença na parte em que absolveu os seus co-ReusC e Estado, com base na tese de que, ao deduzir o incidente de chamamento a demanda, o Reu formula um pedido contra o Autor, faz um pedido cruzado que tem a estrutura propria de uma "petição inicial".
Qualificativo este tirado impropriamente da citação de Eurico Cardoso - Manual dos Incidentes da Instancia no Processo Civil, 2 edição, pagina 124 e 125-, donde resulta apenas que o chamamento fundado na alinea c) e d) do artigo 330 do Codigo de Processo Civil, em forma da petição inicial so visava que tais fundamentos fossem devidamente articulados para que o chamado os pudesse impugnar especificadamente e não cair nas sanções que para a falta de impugnação especificada não estabelecidas na lei (cfr. artigos 333 e 490).
Como vimos, no essencial, a razão pratica do incidente da alinea c) do artigo 330 do Codigo de Processo Civil, e propiciar ao chamamento a possibilidade de fazer condenar juntamente consigo proprio o chamado e ficar munido de um titulo executivo contra este para lhe poder exigir a responsabilidade que nas relações internas competir ao chamado - v. neste sentido ao Supremo Tribunal de Justiça, de 27/11/79, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 291, pagina 434.
O nosso chamamento a demanda tem, pois, a finalidade do chamado se defender do direito da Autora a peticionada indemnização por facto ilicito traduzido no acidente de viação, e ser conjuntamente condenado com o chamante por virtude da solidariedade entre ambos nessa obrigação indemnizatoria.
E, nos termos do n. 2 do artigo 333 do Codigo de Processo Civil, no caso sub judice houve impugnação de direito das Autoras, e bem assim da solidariedade da divida, e a acção seguir entre todos os interessados, os primitivos Reus e o Estado invertido como Reu pelo seu chamamento a demanda, para, sendo julgado procedente, serem condenados so os primitivos ou tambem o outro, Estado, consoante o que se decidir sobre a solidariedade.
Ora, a acção foi julgada procedente apenas contra o primitivo Reu D, por culposa condução do "jeep" de que resultou o seu capotamento causador da morte do ocupante E, marido e pai da Autora, sendo condenado no pedido por estas formulado, improcedente contra o primitivo ReuC e outro,
Estado (chamado), sendo ambos estes absolvidos do pedido referido.
Portanto, de harmonia com a doutrina do citado n. 2 do artigo 333, com a condenação so do primitivo Reu-chamante D e a absolvição dos demais Reus- chamante C e o chamado Estado, ficou afastada a existencia do co-responsabilidade destes na obrigação indemnizatoria daquela condenação.
Quer dizer, na relação juridica controvertida com pluralidade de sujeitos passivos em que so num deles ficou condenado, o D, somente este foi vencido na acção, ou seja, no seu pedido feito pelas Autoras que ficaram vencedoras do mesmo.
Dentro desta relação de parte principal da causa, vencido e vencedor na acção e que se situa a definição da legitimidade para recorrer da respectiva decisão atribuida a quem tenha ficado vencido, pelo artigo 680, n. 1, do Codigo de Processo Civil.
A parte vencida contrapõe-se a vencedora, que são as aqui Autoras.
Consequentemente, so entre estas partes na acção se protagoniza o recurso, em cuja relação processual são os sujeitos recorrente e recorrido, e o objecto do recurso e a decisão proferida na medida em que e desfavoravel aquele e favoravel a este.
Ainda, segundo a norma do artigo 684, n. 4, do Codigo de Processo Civil, os efeitos do julgado na parte não recorrida (ou irrecorrivel), como seja a relativa a absolvição dos Reus C e Estado não pode ser prejudicado pela decisão do recurso, isto e, fica precludido discuti-la.
Assim constatamos que o recorrente D não tem legitimidade para a apelação interposta da absolvição do C e do Estado.
O que foi abordado singelamente no acordão da Relação a ponto de, chegando a admitir essa ilegitimidade recursoria, enveredou por "como quer que seja, sempre se adiantara", como adiantou conhecer do merito do recurso extensivo ao Estado, negando-lho.
Pelo que fica dito, e de manter o acordão posto em crise no recurso, salvo no referente ao C e ao Estado, por nessa parte, em que e inadmissivel o recurso, não se podia conhecer da apelação, sendo este não conhecimento a injunção que cumpria proferir.
IV - Termos em que se nega a revista e, embora por razão não inteiramente coincidente, se confirma o acordão recorrido com a rectificação de não conhecer do recurso quanto ao C e ao Estado.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 19-3-91
Jorge Vasconcelos,
Marques Cordeiro,
Joaquim de Carvalho (vencido mas so quanto a questão de ilegitimidade do recorrente para impugnar a decisão na parte em que absolveu o Estado, pois que entendo que ele teria legitimidade para isso embora sem razão quanto ao fundo).