Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | SANTOS CABRAL | ||
Descritores: | ACORDÃO DA RELAÇÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS DUPLA CONFORME INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA CÓDIGO DE PROCESSO PENAL RECURSO PENAL PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVEL PRINCÍPIO DE ADESÃO CASO JULGADO | ||
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Data do Acordão: | 03/29/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Sumário : | I - No caso em apreço estamos perante uma situação que configura uma confirmação pelo Tribunal da Relação em relação à decisão de 1.ª instância. Significa o exposto que somos reconduzidos à questão da denominada reformatio in mellius. Tal tema, suscitado a propósito da admissibilidade de recurso – art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP – tem sido objecto de um tratamento maioritário por parte da jurisprudência do STJ, afirmando a existência de uma confirmação parcial em situações similares, pelo menos até ao patamar em que se situa a sua convergência. II - Deverá considerar-se existente tal confirmação in mellius, para efeito do normativo em causa, quando a decisão do tribunal superior vai ao encontro do pedido formulado e, por essa forma, sempre se pode afirmar que a decisão de recurso confirma a consistência que assiste à decisão recorrida e que a pena aplicada constitui um marco a considerar em termos de recorribilidade. Tal confirmação sucede até ao ponto em que as duas decisões – recorrida e de recurso – convergem. No caso vertente verifica-se que a uma pena de 6 anos de prisão necessariamente efectiva se sucedeu no tribunal superior uma pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução. Face ao exposto é manifesta a integração do normativo do art. 400.º, n.° 1, al. f), do CPP. O recurso interposto não é admissíve1 no segmento criminal. III - Da decisão do Tribunal da Relação há a possibilidade de se interpor um novo recurso para o STJ. Para obviar a uma eventual repetição desnecessária de juízos, em sede de recursos, o legislador socorreu-se de um mecanismo impeditivo de acesso à jurisdição do STJ, a que denominou de «dupla conforme»: sempre que a decisão do Tribunal da Relação fosse uma decisão absolutória que confirmasse decisão de 1.ª instância, ou se fosse uma decisão condenatória que confirmasse decisão de 1.ª instância por crime não punível com pena superior a 8 anos, nestes casos ficaria precludido o acesso ao STJ. Assim, neste esquema de tramitação de recursos, poderiam aceder ao STJ – tendo sido exercitado o recurso em matéria de facto – os casos em que se verificasse uma controvérsia nas decisões antecedentes e os casos de condenação por crime grave (pena superior a 8 anos). IV - Já nos Comentários ao Código de Processo Penal, Paulo Pinto Albuquerque referia que «A nova regra do triplo grau de jurisdição coloca uma questão adicional conexa com o artigo 432, n.º 1, al. c), e n.° 2. Esta disposição era consonante com a redacção do artigo 400, n.° 1, al. e), da proposta governamental n.º 109/X, de acordo com a qual eram irrecorríveis os acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações que aplicassem pena de prisão não superior a cinco anos. Contudo, esta disposição do artigo 400, n.° 1, al. e), foi arredado na AR, mas manteve-se o artigo 432, n.º 1, al. c), e n.° 2. Deste modo, surgiu uma discrepância notória entre as duas disposições. O artigo 400, n.º 1, alínea e) admite o recurso para o STJ de acórdãos do TR proferidos, em recurso em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão, mas o n° 1, al. c), e n° 2, só impõe o recurso directo para o STJ dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a cinco anos, que visem exclusivamente matéria direito. Ou seja, o recurso da sentença do tribunal singular condenatória da pena de prisão que visa exclusivamente o reexame de matéria de direito deveria ser interposto para o TR e/ou para o STJ. Este tratamento de privilégio dos arguidos julgados pelo tribunal singular não tem nenhum fundo objectivo e, por isso, o artigo 432, n.º 1, al. c), deve ser aplicado analogicamente ao recurso da sentença do tribunal singular condenatória em prisão, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito». V - Quanto a nós, perfilhamos o entendimento de que é incontornável a constatação de que o sentido literal da referida al. e) não coincide com a vontade da lei, tal como se deduz da interpretação lógica: há desconformidade entre a letra e o pensamento da lei. Analisando a disposição do ponto de vista lógico, vê-se que resulta outro sentido que não é aquele que das palavras transparece imediatamente. A interpretação, para fazer corresponder o que está dito ao que foi querido, procede acolá restringindo e aqui alargando a letra da lei: num caso há interpretação restritiva, e no outro há interpretação extensiva. VI -. No caso concreto impõe-se uma leitura restritiva da referida al. e) reconduzindo-a não só ao espírito do legislador como à sua interpenetração com o disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c) do CPP. A interpretação restritiva tem lugar nos seguintes casos: 1.º se o texto, entendido no modo tão geral como está redigido, viria a contradizer outro texto de lei; 2.º se a lei contém em si uma contradição íntima (é o chamado argumento ad absurdum); 3.º se o princípio, aplicado sem restrições, ultrapassa o fim para que foi ordenado. VII - É exactamente a primeira hipótese que se verifica no cotejo e conjugação das duas normas em causa pelo que a contradição existente deve ser resolvida dentro daquele que desde sempre tem sido o propósito invocado pelo legislador de reservar a intervenção do STJ às decisões que o mereçam pela sua relevância e necessariamente decisões emitidas pelo tribunal colectivo e de júri. Assim, conclui-se que o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP deve ser interpretado no sentido de que a recorribilidade para o STJ das decisões que aplicam penas privativas de liberdade está dependente do facto de as mesmas penas se inscreverem no catálogo do n.º l, al. c), do art. 432.º do mesmo diploma, ou seja, serem superiores a 5 anos. VIII - Nos termos do art. 71.º, do CPP, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado perante o tribunal civil nos casos previstos na lei. Na teleologia do mesmo normativo o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre de ser fundamentado na prática de um crime, ou seja, tem de ter na sua base uma conduta criminosa que determina o funcionamento do princípio da adesão. IX - Com a consagração do princípio da adesão resolvem-se no processo penal todas as questões que envolvem o facto criminoso em qualquer uma das suas vertentes sem necessidade de recorrer a mecanismos autónomos. Por outro lado, salienta-se a manifesta economia de meios uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersar custos quando afinal o tribunal a quem se atribuiu competência para conhecer do crime oferece as mesmas garantias quando ela é alargada ao conhecimento de uma matéria que está intimamente ligada a esse crime. Finalmente importa salientar razões de prestígio institucional, o qual poderia ser posto em jogo se houvesse que enfrentar julgados contraditórios acerca do ilícito criminal a julgar, um no foro criminal com determinado sentido e outro no foro cível, eventualmente com expressão completamente contrária ou oposta. X - Como se refere no acórdão do STJ, de 10-07-2008, interdependência das acções significa que mantêm a independência nos pressupostos e nas finalidades (objecto), sendo a acção penal dependente dos pressupostos que definem um ilícito criminal e que permitem a aplicação de uma sanção penal, e a acção civil dos pressupostos próprios da responsabilidade civil; a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (art. 129.º do CP) nos respectivos pressupostos e só processualmente é regulada pela lei processual penal. A interdependência das acções significa, pois, independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível ao processo penal. XI - Com o exercício da acção civil o que está em causa no processo penal é o conhecimento pelo tribunal de factos que constam da acusação e do respectivo pedido de indemnização e que, consequentemente, são coincidentes no que refere à caracterização do acto ilícito. Atributo próprio do pedido cível formulado será o conhecimento e a definição do prejuízo reparável. O itinerário probatório é exactamente o mesmo no que toca aos factos que consubstanciam a responsabilidade criminal e a responsabilidade civil, havendo, apenas, que acrescentar que em relação a esta há, ainda, que provar os factos que indicam o dano e o nexo causal entre o dano e o facto ilícito. XII - A Lei 48/2007 introduziu um novo n.º 3 no art. 420.º do CPP no qual, à revelia de entendimento jurisprudencial sustentado e fixado no AUJ 1/2002, se comina a possibilidade de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal. Mas, perguntamo-nos até que ponto se pode estender o conhecimento do tribunal de recurso, a pedido do recorrente do segmento cível, quando transitou em julgado a parte penal que julgou definitivamente a responsabilidade criminal? Entendemos que o recurso restrito ao pedido cível não pode, em nenhuma circunstância, ferir o caso julgado que se formou em relação à responsabilidade criminal. Consequentemente, não é admissível a impugnação que pretenda colocar em causa a matéria de facto que suporta tal responsabilização criminal. XII - O recurso relativo à matéria cível apenas pode abarcar a impugnação da decisão proferida no que toca especificamente ao conhecimento e decisão próprios e específicos do pedido cível, ou seja, ao prejuízo reparável. Assumido o exposto como pressuposto lógico e incontornável da questão de admissibilidade bem como dos limites dos recursos interpostos verifica-se que nas conclusões da respectiva motivação de recurso os recorrente apontam para que inexiste prova do valor dos bens alegadamente furtados, mostrando-se infundado o pedido de indemnização civil peticionado e aplicado pelo Tribunal. XIII - Ao impugnar por tal forma a decisão proferida, e são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, os recorrentes pretendem colocar em causa a mesma decisão no que concerne a deficiências com reflexo directo e imediato na materialidade considerada provada e que suporta a sua responsabilização criminal. Porém, e como se referiu, a decisão relativa à acção penal não mais é susceptível de ser impugnada e está revestida da força e autoridade de caso julgado e os factos ali consolidados permanecem intangíveis. XIV - Ao limitar o seu recurso à tentativa de colocar em crise a decisão recorrida no segmento em que é intocável e sem qualquer alusão ao pedido cível os recorrentes votam o seu recurso a uma inevitável improcedência. | ||
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Decisão Texto Integral: |