Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | MAIA COSTA | ||
Descritores: | CONCURSO APARENTE CONCURSO DE INFRACÇÕES ROUBO SEQUESTRO | ||
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Data do Acordão: | 09/24/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL. | ||
Doutrina: | - Conceição Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, anotação ao art. 210º, § 10, p. 162. - Cristina Líbano Monteiro, “Roubo e sequestro em concurso efetivo?”, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.2003, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 15º (2005), nº 3, pp. 492-496. - Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 283-292; Direito Penal, 2ª ed., 2007, pp. 988-991, 1015, 1018-1019. - Helena Moniz, Agravação pelo resultado?, 2009, pp. 428-429, nota 76. - Paulo Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª ed., p. 488. - Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, 1ª ed., anotação ao art. 158º, § 35, p. 415; Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, 2ª edição, anotação ao art. 158º, § 40, pp. 659-660. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 50.º, N.º1, 71.º, 70.º, 72.º, 77.º, N.ºS1 E 2, 158.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 2.10.2003, PROC. Nº 2642/03; DE 19.10.2006, PROC. Nº 2805/06; DE 16.11.2006, PROC. Nº 2546/06; DE 12.7.2012, PROC. Nº 456/08.3PTLSB.L1.S1; E DE 6.2.2014, PROC. Nº 327/13.1PCOER.L1.. | ||
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Sumário : | I - Na jurisprudência do STJ é uniforme o entendimento de que o crime de roubo consome o crime de sequestro, havendo concurso aparente entre eles, quando a privação da liberdade é a estritamente necessária e proporcionada para a consumação do roubo, mas o concurso já é efetivo se a privação da liberdade exceder o estritamente necessário para a consumação do roubo, quer quando se verifica contemporaneidade das condutas, quer quando o sequestro segue ou antecede o roubo. II - A privação da liberdade pode integrar o elemento típico da violência ou impossibilidade de resistir, constitutivos do crime de roubo, mas só na medida em que ela for necessária para a consumação do roubo. Quando a privação da liberdade ultrapasse o necessário para a consumação do roubo, há concurso efetivo de crimes, pois a punição do crime de roubo não abrangerá a violação do bem jurídico protegido pelo crime de sequestro. III -Quando o crime-meio assume, na conduta executada, uma relevância penal superior à do crime-fim, é intolerável subordinar o bem jurídico protegido ao tutelado por este ultimo. IV -A valoração do “sentido de ilícito dominante” como critério do concurso aparente leva a subalternizar, ou mesmo desproteger, de forma insustentável, bens jurídico-penais relevantes, tratados como meros “sentidos de ilícitos subordinados”. V - No caso do roubo, sendo o “sentido de ilícito dominante” a apropriação de bens alheios, pode acontecer que os meios utilizados (violência, ameaça, colocação da vítima na impossibilidade de resistir) ultrapassem manifestamente, em termos de ilicitude, a que está contida na apropriação patrimonial. Há uma medida de violência ínsita ou conatural ao roubo, e como tal incluída pelo legislador na previsão típica. Mas, ultrapassada essa medida, a violência adquire necessariamente autonomia. VI - A apropriação pode ser de quantia diminuta, mas ser intensa a ilicitude dos meios utilizados. Seria nesse caso insuportável, em nome desse critério formal (dominância do “sentido de ilícito” apropriativo), desprezar a proteção de bens jurídicos nucleares no sistema penal como a integridade física, a liberdade, a segurança pessoal, ou protegê-los reflexamente, em termos de graduação da pena do crime de roubo. VII - O recorrente alega que a privação da liberdade a que submeteu os ofendidos, quando se introduziu no interior dos seus automóveis e, sob a ameaça de um seringa, os obrigou a deslocarem-se para outra localidade, foi tão só o crime-meio, necessário para se apoderar das quantias levantadas nas caixas Multibanco. VIII - Todavia, ocorre concurso efetivo de crimes entre o roubo e o sequestro, tal como se decidiu no acórdão recorrido, quando a duração da privação da liberdade, que se manteve depois da consumação do crime de roubo, agravada pelo deslocamento territorial, revela um procedimento excessivo e desproporcionado, que ultrapassa a medida necessária e conatural à simples apropriação de bens alheios. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
AA, com os sinais dos autos, foi condenado pelo tribunal coletivo do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, por acórdão de 2.4.2014, nas seguintes penas: - pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do Código Penal (CP), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; - pela prática de um outro crime de roubo, p. e p. pela mesma disposição legal, na pena de 4 anos de prisão; - pela prática de um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nº 1, 22º e 23º do CP, na pena de 1 ano de prisão; - pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158º, nº 1, do CP, na pena de 10 meses de prisão; e - pela prática de um outro crime de sequestro, p. e p. pela mesma disposição legal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão. Desta decisão recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, concluindo: 26.ª Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não teve em consideração e em consequência violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no artigo 71.° do Código Penal. 27.ª Na determinação concreta da pena deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido e contra ele, designadamente o modo e execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao arguido (grau de ilicitude do facto); a intensidade do dolo; os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime e os sentimentos manifestados; as condições pessoais e económicas do agente; a conduta anterior e posterior ao facto e ainda a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. 28.ª O grau de ilicitude sendo elevado, é de salientar o facto do recorrente na altura da prática dos factos se encontrar num momento de instabilidade emocional, caracterizado pelo nível de consciência alterado e com o seu auto controle diminuído pela dependência de consumo de estupefacientes e ausência de medicação para a doença Bipolar Tipo I. 29.ª É de salientar o facto do Recorrente ser uma pessoa com um nível de auto censura elevado, ter pedido desculpas às vitimas, e procurado ressarcir as mesmas dos danos causados. 30.ª Presentemente os familiares dispõem-se a tudo fazer para o recuperar para o seio da família e da sociedade. 31.ª Na audiência de discussão e julgamento, mostrou uma postura de humildade e arrependimento sinceros, consternação pela sua conduta e sofrimento que provocou aos ofendidos e a vergonha provocada nos seus familiares que considera pessoas de bem. Assumiu a gravidade dos factos por si praticados, verbalizando o reconhecimento da necessidade de mudar de vida. 32.ª Os próprios ofendidos relataram o arguido como um indivíduo que não evidenciava uma personalidade criminosa, descrevendo a sua actuação do arguido como “perturbado”, “não parecia profissional”, “parecia um maçarico”, referindo que nunca tomou uma atitude agressiva durante a prática dos factos, que pediu desculpas. Mais disseram que não guardam rancor, que entendem ser mais adequado para o arguido o tratamento ao problema que o levou à prática dos factos, a toxicodependência, do que uma pena de prisão efectiva - cfr. depoimento de CC constante do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12 horas e 57 minutos e o seu termo pelas 13h04 minutos do dia 12/03/2014; BB constante do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12 horas e 50 minutos e o seu termo pelas 12h57 minutos do dia 12/03/2014; DD constante do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 13 horas e 05 minutos e o seu termo pelas 13horas e 11 minutos do dia 12/03/2014. 33.ª Actualmente, o Recorrente apresenta uma forte censura quanto ao crime que praticou e apresenta-se consciente das consequências que daí advêm, o que mostra a possibilidade de um juízo de prognose favorável à sua reintegração na sociedade. 34.ª O Recorrente demonstra sensibilidade à pena aplicada, uma vez que, pelo facto de se encontrar preso, preventivamente, fê-lo repensar na sua vida e desenvolver capacidade para procurar alterar as suas atitudes, identificando claramente os comportamentos e hábitos que deve alterar para mudar a sua vida, demonstrando um esforço sério para iniciar o seu processo de reintegração na sociedade: objectivo fundamental do Direito Penal na recuperação do delinquente. 35.ª Assim, atendendo ao facto do crime de sequestro ter funcionado como o crime meio para consumar o crime de roubo, crime que o arguido representou e quis praticar, ao facto do arguido ser primário, das próprias vítimas não sentirem necessidade que o mesmo seja punido, a postura do arguido de arrependimento e as próprias circunstâncias que rodearam os factos supra expostos, entende-se ser de optar, quanto ao crime de sequestro, pela pena não privativa da liberdade, ou seja pela pena de multa. 36.ª Sendo que, quanto ao crime de roubo praticado contra CC, a pena aplicada de 4 anos de prisão é exagerada e até desproporcional, quando comparada com a aplicada ao crime de roubo contra BB, de 2 anos e 6 meses de prisão. De facto, a circunstância de CC estar com o filho menor de 3 anos de idade não justifica o agravamento da pena para o dobro. 37.ª Pelo que, sempre a pena a aplicar ao crime de roubo praticado contra a ofendida CC, não poderia ser superior à aplicada ao crime de roubo praticado contra BB, ou seja, de 2 anos e 6 meses de prisão. 38.ª Nessa medida e apenas no que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto no Artigo 71.° do Código Penal. 39.ª É entendimento do Recorrente que este Venerando Tribunal o deverá condenar numa pena mais parcimoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no Artigo 71.° do Código Penal, que não deverá ultrapassar os 5 anos e suspensa na sua execução, por entender que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a protecção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na Sociedade. Nestes termos, 40.ª Deverá ser revogado o douto Acórdão que condenou o ora Recorrente na pena de 6 anos e 6 meses prisão, por esta ser desproporcionada às finalidades da punição e ser aplicada ao Recorrente uma pena não superior a 5 anos e suspensa na sua execução no tempo que V.as Ex.as acharem ser conveniente, ainda que subordinada às condições de não consumir estupefacientes, não praticar actividades ilícitas e submeter-se à fiscalização dos Serviços de Reinserção Social, nos termos do artigo 51º nºs 1 e 4 do C.P.. 41.ª Sob pena de, caso assim não se entender, comprometer-se definitivamente a regeneração e ressocialização do arguido, pois que o mesmo não revela uma personalidade capaz de aguentar as agruras do meio prisional, como se pode aferir dos pontos 67. e 68. dos factos provados no douto Acórdão recorrido. 42.ª Assim, e como sempre, se fazendo a costumada Justiça!
Respondeu o sr. Procurador da República, dizendo:
I - Da invocada consumação no crime de roubo, dos crimes de sequestro pelos quais o arguido foi condenado, face às premissas invocadas. De algum modo poder-se-á dizer que o recorrente define ou circunscreve o objecto do recurso à questão que no caso intercede entre os crimes de roubo e sequestro, entendendo, ainda que, por outras palavras, que se verifica uma relação de concurso aparente, quando diz que o crime de roubo consome o de sequestro, tendo por base os factos apurados e bem assim a circunstância de que não foi sua intenção privar os ofendidos em causa da respectiva liberdade, mas sim apropriar-se dos bens e valores daqueles, com um mínimo de estabilidade, só alcançável no momento em que o voltaram a levar ao sítio por si indicado, altura em que passou a circular sozinho com tais bens. Salvo o devido respeito por opinião diversa, discordamos desde logo de ambas as premissas de que se socorre o recorrente para invocar a alegada consumação no crime de roubo dos crimes de sequestro, não só tendo por base os factos dados como assentes, que não põe em causa, como igualmente, pela desnecessidade, para a consumação ou perfeição do crime de roubo com qualquer disponibilidade ou domínio estável decorrente da normal apropriação, quando esta ocorre em sítios diferentes e com desfasamento temporal apenas prolongado por vontade do agente. Ora, considerando a dinâmica dos factos provados, especificamente os referidos pelo recorrente nos pontos 1 a 40 da matéria de facto, do nosso ponto de vista, os mesmos, revelam impressivamente duas situações em que a liberdade de circulação dos ofendidos em causa, estiveram afectadas por acção do arguido, durante um considerável lapso de tempo, muito para além do que pode estar associado ou finalisticamente demarcado à prática de um crime de roubo. Na verdade, e para além dos momentos iniciais vividos em Seia, pelas vítimas BB e CC, ainda dentro das viaturas que cada um deles conduzia, em que se viram desapossados de alguns dos bens e valores que ali dispunham sob a ameaça do uso de uma seringa alegadamente infectada com o vírus do HIV, foram, depois, sob a ameaça do mesmo mal, obrigados a conduzir tais viaturas e a levarem o arguido, respectivamente a Vendas de Galizes e Oliveira do Hospital, ou seja contra a respectiva vontade fizeram percursos superiores a 25 km a fim de efectuarem os levantamentos em dinheiro nas circunstâncias descritas em 11 e 12 e 25 a 34. Já depois de ter em seu poder o dinheiro e os demais valores, o arguido obrigou-os a fazerem o trajeto até Seia, sempre sob a ameaça de serem picados com uma seringa alegadamente infectada que os fez acatar igualmente tal ordem por recearem, se não pela vida, pelas respectivas integridades físicas, até às imediações da Rua …, onde o arguido ordenou, em ambas as situações, que os ofendidos parassem os carros, dos quais saiu, ao que tudo indica para se deslocar para a sua residência, situada naquela mesma rua. Ou seja, dando de barato que o plano inicial do arguido, relativamente ao desapossamento dos ofendidos abarcasse também a ida a ATM's situadas fora da cidade de Seia, mais concretamente a Oliveira do Hospital e localidades limítrofes desta, e consequentemente, o seu dolo (intenção) compreendesse igualmente que o constrangimento pessoal ou privação da liberdade das vítimas se estendesse até esse momento, a partir do momento em que passou a ter o dinheiro nas mãos, em Vendas de Galizes, no primeiro dia e, em Oliveira do Hospital, no segundo dia, obrigando, depois, sob a ameaça do mesmo instrumento os obrigou a voltarem para os respectivos carros e o transportarem até Seia, onde à chegada à rua pretendida os mandou parar, num trajeto por mais de vinte quilómetros, essa privação de liberdade ambulatória, sob a ameaça do mesmo instrumento, excede, do nosso ponto de vista, a privação da liberdade estritamente necessária ao cometimento dos gizados roubos. É, pois, nosso entendimento que a ilicitude traduzida nos factos assentes sob os números 13 a 15 e 17 e 35 a 37 e 39, por ultrapassar a esfera da instrumentalidade e do necessário à realização do crime-fim (roubo), prosseguiu na conduta lesiva do bem jurídico tutelado pelo crime-meio ficando manifestamente fora da esfera de tutela do já referido crime de roubo, sem que, com isso, haja dupla punição do desvalor jurídico-social neste tipificado. Pelo que terá andado bem o tribunal recorrido ao concluir pelo efectivo preenchimento de tipos penais distintos e pela procedência da condenação pelos dois crimes (roubo e sequestro). Aliás, esse tem sido o entendimento sufragado pelos tribunais superiores, designadamente o Supremo Tribunal, quando defende que "entre os crimes de roubo e sequestro existe uma relação de concurso aparente (por uma relação de subsidiariedade) sempre que a privação da liberdade de locomoção não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática do crime de roubo, como crime-fim; o concurso é, pelo contrário, efectivo, quando a privação da liberdade se prolongue ou se desenvolva para além daquela medida, apresentando-se a violação do bem jurídico protegido no crime se sequestro (a liberdade ambulatória) em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela incriminação pelo crime de roubo (v. g.) ac STJ de 22 de Novembro de 2000; proc. n° 2942/2000-3)." No mesmo sentido se tem pronunciado o Tribunal da Relação, designadamente em recente Acórdão de 10.04.2013 (Proc. 82/12.2PATNV.C1 onde se sumariou o seguinte: " (...) III - o crime de roubo consome o de sequestro apenas quando este serve de meio para a prática daquele; é o que se verifica quando a privação da liberdade da vítima não excede a medida estritamente necessária ao cometimento do crime de roubo. Quando a privação da liberdade ambulatória da vítima ultrapassa a medida necessária à efectiva apropriação dos bens, há que concluir pela existência de concurso real entre os crimes de roubo e sequestro. (...)" Não se nos afigura, assim, ter qualquer razão o recorrente neste particular. Vejamos agora da alegada violação do disposto no art.º 72º nº 2 al. c) do Cod. Penal, por parte do tribunal recorrido. Sob a epígrafe de "Atenuação especial da pena" dispõe o artº 72º do Cod. Penal o seguinte: 1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. 2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) Ter o agente actuado sob a influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência; b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida; c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta. 3 - Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo. Por sua vez, dispõe o art.º 73º do mesmo diploma legal que: 1 - Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável: a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço; b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igualou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior; c) O limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal; d) Se o limite máximo da pena de prisão não for superior a 3 anos pode a mesma ser substituída por multa, dentro dos limites gerais. 2 - A pena especialmente atenuada que tiver sido em concreto fixada é passível de substituição, incluída a suspensão, nos termos gerais. O regime vigente de atenuação especial da pena, consagrado nos supra citados artigos, destina-se, no fundo, a responder a situações em que a ilicitude do facto e a culpa mas também a necessidade da pena e as exigências de prevenção se revelem diminuídas de forma acentuada. Como salienta Figueiredo Dias, in "As Consequências Jurídicas do Crime, § 444, pág. 302” constitui uma válvula de segurança do sistema penal, respondendo a hipóteses especiais em que existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá considerado quando fixou os limites da moldura penal respectiva. Na ponderação concreta da pena, tendo em atenção os critérios do art.º 71º do Cod. Penal, cumpre determinar a medida da sanção tendo como limite e suporte axiológico a culpa do agente e em função das exigências da prevenção de futuros crimes, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente, sendo incompatível com o Estado de direito democrático finalidade retributiva. Assim, num modelo penal como o nosso, norteado pelo binómio prevenção-culpa, por força do consignado no art.º 40º do Cod. Penal, cumpre encontrar em primeira análise uma moldura de prevenção geral positiva, determinada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada. Fixada esta, tarefa, que corresponde nos seus limites inferior e superior, à protecção óptima e protecção mínima do bem jurídico afectado, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a culpa revelada na conduta antijurídica. Daí que entendamos que as situações a que se referem as diversas alíneas do n.º 2 do art.º 72º não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionados com um determinado efeito que terão de produzir, a saber: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente. Percorrido o acórdão recorrido, de facto não consta uma análise exegética de apreciação positiva ou infirmante do instituto em causa e não foi feita nem tinha de o ser conforme se dirá mais à frente. Resulta, porém, contrariamente ao alegado pelo recorrente, que todos os elementos por si invocados como fundamentantes a uma atenuação especial da pena, foram levados em linha de conta na decisão (com exceção do facto de ser primário, pois que tal facto nunca poderia ser merecedor de atenuação especial, na medida que o que se exige ao comum dos cidadãos é, precisamente, a conformidade com a ordem jurídica no seu todo). De facto, antes de ser tomada posição quanto às penas parcelares encontradas como respondendo às exigências de prevenção geral e especial e à culpa do arguido, lê-se no citado acórdão o seguinte: " (...) A favor do arguido, o pedido de desculpas dirigidos aos ofendidos, denotador de alguma contrição. Quanto à reparação dos danos económicos sofridos pelo ofendido BB, embora positiva, não podemos olvidar que ocorreu apenas 5 meses após a prática dos factos, quando o arguido, que não tem dinheiro próprio, o poderia ter solicitado ao pai muito antes. Ponderar-se-á, ainda a ausência de antecedentes criminais, e a boa relação que o arguido mantém com o filho menor" Tal como acima deixámos expresso, a válvula de segurança que o instituto em causa preserva nem sempre é de aplicar quando, aos olhos do julgador, as circunstâncias exemplificativas, enumeradas no nº 2 do citado artigo 72º, se não revelem de enfoque suficiente para, em "anormalidade positiva das coisas", sejam de considerar como meio/fim de suprir uma incapacidade de previsão do legislador para casos excepcionais e que os limites normais da moldura cabida no tipo de facto respetivo, não contemplem. Assim e por outras palavras, a diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, só poderão considerar-se relevantes ou acentuadas, quando a imagem global do facto, resultante da actuação das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura do tipo de ilícito em causa. Significa isso que, a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos "normais", "vulgares" ou "comuns", como é a situação dos autos, "lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios" Cf. Ac. do STJ de 08-11-2001, proferido no proc. n.º 1099/01 - 5.ª Secção, e Figueiredo Dias, obra acima referida, § 444, § 451 e § 454. Se analisarmos o acórdão recorrido, vemos que as circunstâncias que o recorrente apelida de especiais, na visão global do facto, apreciada pelo tribunal "a quo" não foi assim valorada, tendo-o sido feito, em termos gerais, diremos nós, bem, quanto à repugnância social deste tipo de crimes, o trauma das próprias vítimas, que embora reflexamente possam já ter passado, nunca as deixarão, a situação de toxicodependência reiterada e continuada do arguido, a falta de interiorização da necessidade de intervenção a nível de tratamento quer dessa doença quer da perturbação bipolar que padece, fez com que o tribunal a quo considerasse as circunstâncias referidas de análise meramente gerais pelo que igualmente neste particular se nos afigura desmerecer censura o acórdão recorrido. Sempre se dirá que, embora não se aplicando o estatuído no art.º 73º do Cod. Penal, ainda assim, as penas parcelares encontradas ficaram abaixo dos limites que seriam impostos pela aplicação de tal normativo. E, não se diga outrossim que as considerações tecidas quanto à escolha da medida concreta da pena, que se viola qualquer princípio constitucional da igualdade (presumimos que o consagrado no artº 13º da C.R.P. pois que nenhum normativo é citado). Da alegada violação do princípio da igualdade. Basilar de tal princípio é o seu duplo conteúdo. Dele decorre, por um lado a obrigação de dar tratamento igual a situações que sejam juridicamente iguais, e por outro a obrigação de dar tratamento diferenciado a situações que sejam juridicamente diferentes. Desenvolve-se, assim em duas vertentes: - A proibição da discriminação - A obrigação da diferenciação. Feitos estes brevíssimos considerandos a propósito de tal princípio e analisado o acórdão recorrido, salvo o devido respeito por opinião diferente, em nenhuma parte do mesmo é dito que era de agravar a pena a aplicar ao arguido devido ao espaço geográfico onde o crime foi cometido. Na verdade o que é dito no acórdão em causa é coisa totalmente diferente. Recordemos aqui o que consta do acórdão, nos considerandos efectuados com vista à determinação da medida concreta da pena, após análise dos factos e dos normativos aplicados, considerandos esses partindo dos vectores, culpa do agente e necessidades de prevenção geral e especial a acautelar na situação concreta, lê-se, então: ''(...) Esta conduta do arguido repugna de forma veemente a consciência social, constituindo uma violação dos deveres sociais e comunitários acima do suportável, merecendo assim, pelo alarme social que causa, uma pena implacável. Nenhuma vítima de um crime com os contornos dos praticados pelo arguido esquece o trauma que passou, mudando hábitos de vida e vivenciando receios que anteriormente não possuíam. São, na verdade, as vítimas, como os ofendidos BB e CC, que nunca poderão ser olvidadas, e que o sistema penal visa, em primeira linha, proteger. Constitui facto notório que nunca mais esquecerão os momentos de verdadeiro terror que passaram, e que gerará para sempre sobressaltos nos seus dia-a-dia. Por outro lado, num meio pequeno como é a cidade de Seia, no interior serrano do país, a ocorrência de crimes da natureza dos em causa nos autos é suscetível de gerar muito maior alarme social do que nos grandes centros urbanos, não havendo, aliás, nesta zona notícia da prática deste tipo de ilícitos com recurso a uma seringa que se anuncia como infetada com HIV - o que, para todos os efeitos, pelo menos há vários anos foi crime recorrentemente cometido nos grandes centros urbanos situados no litoral do país. Numa altura em que o noticiado e propalado recurso a seringas para a prática de crimes de roubo quase tinha sido olvidado pela sociedade, eis que o arguido vem criar num meio pequeno um grande alarme social, a que naturalmente urge por cobro. As necessidades de prevenção geral têm de se adequar ao meio social onde os crimes são cometidos; e tais necessidades são mais elevadas nestas zonas ainda assim pacatas - comparadas com os maiores focos de criminalidade do país - onde este tipo de crimes, usando de violência contra as pessoas, ainda vão sendo, felizmente, raros. Este meio social exige que estes crimes sejam punidos de forma vigorosa, servindo assim de desmotivação para quaisquer outros indivíduos a que pudesse ocorrer imitar tais comportamentos, numa altura em que se assiste a uma tensão social acrescida, com problemas económicos e de pobreza que há muito não eram tão graves, propiciadores do consumo de álcool e estupefacientes, conforme se tem verificado e é do conhecimento comum, com o concomitante aumento da criminalidade. (...)” Mesmo uma leitura menos atenta, permitiria, segundo a nossa modesta opinião, concluir desde logo que o que se pretendeu dizer não é que o recorrente, por viver em Seia, deve ser mais severamente punido do que se vivesse noutra parte do país. O que se quis dizer e é dito é coisa bem diferente. É que crimes como aqueles que cometeu, para além da gravidade em si e do lado negativo que transportaram para as vidas das vítimas, raramente ocorrem em zonas rurais, sendo, por isso vistos com um alarme social diferente e sentimento de insegurança igualmente diferente, daquele que decorre nos grandes centros urbanos. E isso decorre quer pelo conhecimento que houve em geral das pessoas de Seia e arredores, dado tratar-se de um meio pequeno onde quase toda a gente sabe quem é quem e sente, exactamente por ser diferente, as coisas com uma intensidade maior do que se o mesmo crime fosse cometido numa grande urbe, onde, em regra, ninguém conhece ninguém, onde raramente vitimas e agressores convivem quase na mesma rua como decorreu no caso dos autos onde, mesmo aqueles que não conheciam o arguido, conheciam os familiares e vice-versa. Ou seja, as necessidades de prevenção geral, positiva ou negativa, fazem-se sentir com uma maior acuidade em locais mais pequenos e habitualmente tidos por mais pacatos ou sossegados onde, felizmente, os crimes de maior gravidade pouco acontecem, e acontecendo são notícia pela negativa. Daí que a pena a aplicar a um qualquer arguido residente numa comarca como a de Seia, pelo cometimento de crimes graves como aqueles que reconhecidamente o arguido sabe ter cometido, tem de ser também consentânea com as necessidades do meio, sob pena de a comunidade, para além das próprias vítimas sentir igualmente defraudada em última instância pelos tribunais, baluarte da sua liberdade e segurança. Tal ponderação diferente mais não é que a manifestação do reconhecimento da diferenciação que deve presidir à análise do julgador no momento em que aprecia, em concreto, as exigências de prevenção geral que ao caso cumpre acautelar sendo que estas são sempre diferentes, pois cada caso é um caso, cada comunidade é diferente das demais, sem que dessa diferenciação, que forçosamente se terá de fazer sob pena de esvaziar de sentido a prevenção geral, resulte ou possa resultar qualquer belisque do princípio da igualdade. Entendemos, pois, que também neste particular não merece qualquer reparo o d. Acórdão recorrido. Centremo-nos, agora na última das questões enunciadas pelo recorrente que tem a ver com o quantum da pena concreta em que foi condenado e que, no seu dizer, se deverá fixar numa pena inferior ou até cinco anos de prisão suspensa na sua execução. A este propósito convém relembrar que o arguido pugna que deverá ser absolvido da prática dos crimes de sequestro, o que, como vimos defendendo, de todo não deverá acontecer. No pressuposto da manutenção de todos os tipos de crimes pelos quais o arguido foi condenado em primeira instância e mesmo admitindo-se, o que se consigna, a eventual redução das penas parcelares aplicadas, desde logo no tocante ao segundo crime de roubo e de sequestro afigura-se-nos que no geral, as demais, foram justas e adequadas à culpa do arguido respondendo, outrossim, às exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir. Daí que, embora reconhecidamente se admita a amplitude de aplicação de penas parcelares, em cúmulo jurídico, as mesmas dificilmente se poderão situar no limite dos 5 anos de prisão, para poder eventualmente beneficiar do instituto da suspensão da execução da penal ainda que subordinada a rigorosos deveres e regras de conduta.
Neste Supremo Tribunal, a sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:
O arguido AA recorre para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido em 2 de Abril de 2014 e depositado em 3 de Abril de 2014, pelo tribunal colectivo no 1º juízo da comarca de Seia que o condenou por autoria de três crimes de roubo um deles tentado e dois crimes de sequestro na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão. O arguido AA, nas conclusões da sua motivação, que delimitam o conhecimento do recurso, alega que a factualidade dada como provada no acórdão recorrido apenas é apta a preencher os crimes de roubo já que os de sequestro, pelos quais foi condenado, são consumidos pelo de roubo. Também considera que se encontra preenchida a previsão da al. c) do nº 2 do artº 72.º do C.P., designadamente, porque demonstrou arrependimento, confessou integralmente e sem reservas, reparou os danos patrimoniais sofridos por um dos ofendidos, pediu desculpa a todos os ofendidos, não tem qualquer condenação averbada ao seu registo criminal, aliada à questão da sua dependência de produtos estupefaciente e ao seu distúrbio psiquiátrico. Defende por isso que lhe deveria ter sido aplicada uma pena especialmente atenuada, de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução com a condição de não consumir estupefaciente, não praticar actividades ilícitas e, submeter-se à fiscalização dos serviços de reinserção social, nos termos do artigo 51.º n.º 1 e 4 do C P. O Ministério Público, através do sr. Procurador da República respondeu, defendendo a confirmação da decisão recorrida. Defendeu ainda que o arguido poderá beneficiar de uma eventual redução da pena aplicada quanto ao crime de roubo e sequestro em que foi vítima CC. 1. O arguido foi condenado pelo acórdão recorrido em concurso pela prática de: - um crime de roubo (do art.º 210.º n.º 1 do C.P.) na pena de dois anos e seis meses de prisão; - um crime de roubo (do art.º 210.º n.º 1 do C.P.), na pena de quatro anos de prisão ; - um crime de roubo na forma tentada (dos artºs 210.º n.º 1, 22.º, e 23.º todos do C.P.), na pena de um ano de prisão; - um crime de sequestro (art. 158.º n.º 1 do C. P.) na pena de dez meses de prisão e, - um crime de sequestro (art. 158.º n.º 1 do C. P.), na pena de um ano e seis meses de prisão e em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão. 2. O crime de sequestro em concurso real ou aparente com o crime de roubo. O entendimento maioritário da jurisprudência e doutrina vai no sentido que, nos crimes de roubo, se a duração da privação da liberdade de movimentos excede a acção típica necessária ao seu cometimento, estamos perante um outro crime autónomo – o crime de sequestro. É também entendimento maioritário que quando, com o crime de sequestro, apenas se visa garantir a realização de crime de roubo e a privação da liberdade de movimentos da vítima não ultrapassa a medida naturalmente associada à acção típica do roubo, há um concurso aparente entre o crime-meio (sequestro) e o crime-fim (roubo). Assim, o crime de roubo consome o de sequestro apenas quando e enquanto este serve de meio para a prática daquele; é o que se verifica quando a privação da liberdade da vítima não excede a medida estritamente necessária ao cometimento do crime de roubo. Quando a privação da liberdade ambulatória da vítima ultrapassa a medida necessária à efectiva apropriação dos bens, há que concluir pela existência de concurso real entre os crimes de roubo e sequestro. Como se refere no acórdão do S.T.J. com o n.º de processo 29/11.3GALLE.S1, de 20 de Fevereiro de 2013 “...A jurisprudência dominante, na matéria, afirma que o concurso efectivo entre os dois crimes em questão depende de o agente ter ido, no sequestro, para além do que se mostrasse razoavelmente necessário, em termos de violência empregue, para consumar o roubo. O que coloca a questão do momento da consumação deste crime. A subtracção corresponde a uma substituição de poderes entre o possuidor da coisa e o agente do crime. O novo apossamento do agente é feito à custa da privação da coisa por parte do anterior possuidor. Muito embora a palavra subtracção sublinhe mais o aspecto da privação (do lesado) do que o aspecto da aquisição de facto (do agente), tal fica a dever-se à consideração da protecção que a norma quer dar (o titular do bem jurídico protegido é o ofendido) mais do que à ideia de que a consumação do crime ocorre, desde logo, com a perda dos poderes sobre a coisa por parte do anterior possuidor. ... A lei pretende, com o elemento "subtração", identificar "a acção de transferir certa coisa móvel da esfera de fruição (de aproveitamento de utilidades) de um sujeito para a idêntica esfera de outro, com isso findando o legítimo domínio de facto, actual ou potencial, por parte do pretérito fruidor". Daí que se considere que a subtracção só tem efectivamente lugar "quando a coisa entra no domínio de facto do agente da infracção, com tendencial estabilidade, i. e .. não pelo facto de ela ter sido removida do respectivo lugar de origem, mas pelo facto de ter sido transferida para fora da esfera de domínio do seu fruidor pretérito" (cf. Saragoça da Mata - "Subtracção de coisa móvel alheia". Os efeitos de um admirável mundo novo num crime "clássico", in Teresa Quintela de Brito et alteri, "DIREITO PENAL, Parte Especial, Lições Estudos e Casos" pag 648 e 654 respetivamente). Ou ainda quando, nas palavras de Faria Costa, para além de o sujeito passivo se ver privado do domínio de facto sobre a coisa, "o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa" (in "Comentário Conimbricense do Código Penal" Parte Especial, tomo II, pago 49). ... Se a componente "violência" do roubo, absorver toda ela o sequestro que surge como como crime meio, e este se esgotar naquela, estar-se-á perante uma situação de concurso aparente por consunção, na modalidade de facto anterior não punível. Se o agente deixar a vítima sequestrada para melhor conseguir a fuga, esse sequestro já não está, obviamente, ao serviço da consumação do crime justificando-se quando muito, na perspectiva do arguido, para ver assegurada a sua impunidade”. Ora, no caso dos autos, quanto ao sequestro, estamos, como concluiu a decisão recorrida, perante condutas típicas, pois o arguido privou os ofendidos BB e CC da sua liberdade, enquanto os obrigou a conduzir o veículo cerca de 28 kms o primeiro e 38 kms a segunda. O meio utilizado foi adequado a levar a cabo o sequestro, tendo consistido na ameaça à integridade física, das vítimas, condutores de veículos, para que neles permanecessem e para que o conduzissem, contra a sua vontade, primeiro para obter mais dinheiro e depois para o levarem para perto de casa. Com efeito, e apesar de o local onde as vítimas se encontravam ser um veículo automóvel e o mesmo se encontrar na maior parte do tempo em movimento, encontra-se preenchido o tipo do crime de sequestro já que as vítimas, contra a sua vontade, foram confinadas a um espaço fechado, privadas da liberdade e obrigadas pelo arguido a percorrer os vários quilómetros entre Seia, Venda de Galizes e Seia e Seia, Oliveira do Hospital e Seia. Assim, verifica-se que os ofendidos, para além do roubo de que foram alvo, foram literalmente aprisionados pelo arguido. Ora, neste contexto, a privação da liberdade das vítimas ganha autonomia e relevância relativamente ao roubo, pois começou antes e prolongou-se para além do estritamente necessário à consumação dos roubos. Quis o arguido privar os ofendidos da sua liberdade, obrigando-os a transportá-lo até aos locais que pretendia, sendo certo que a privação da liberdade, nessa altura e posteriormente, nada tinha a ver com o roubo que já tinha sido consumado. A conduta do arguido viola em nosso entender o bem jurídico em questão, a liberdade. Assim, neste caso, como vimos, a privação da liberdade prolongou-se para além da consumação do roubo, pelo que ocorre concurso efectivo entre os dois crimes. 3. - Medida da Pena: O arguido/recorrente defende que se encontra preenchida a previsão da al. c) do nº 2 do artº 72.º do C.P, pelo que lhe deveria ter sido aplicada uma pena de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução com a condição de não consumir estupefaciente, não praticar actividades ilícitas e, submeter-se à fiscalização dos serviços de reinserção social, nos termos do artº 51.º n.ºs 1 e 4 do Código Penal. A questão da correcta medida da pena tem a ver com a problemática dos fins das penas, muito debatida na doutrina, sendo que para a fixação da pena do concurso depende da consideração do conjunto dos factos e da personalidade do agente, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 77º, pois o critério para a pena unitária dele resultante tem de assumir-se como um critério especial. Com efeito, a pena única tem de socorrer-se dos parâmetros da fixação das penas parcelares, podendo funcionar como “guias” na fixação da medida da pena do concurso (As Consequências Jurídicas do Crime, Figueiredo Dias, fls. 420) A sua fixação, tal como resulta da lei, não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas respectivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um conjunto dos factos e a sua personalidade “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado” (Figueiredo Dias, cit, pág. 290,292). “A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação) deve ser fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente, levando na devida consideração as exigências de prevenção geral e os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente. Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.” “Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia, estrutural, que se manifesta, e tal como se manifesta, na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente (Ac. STJ de 19.04.06, p. 476/06, 3ª sec.).” Assim, relativamente ao arguido AA cumpre questionar se a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão foi encontrada depois de ponderada a gravidade do ilícito global resultante do conjunto dos factos e se entre os factos concorrentes houve conexão (Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime). Como refere Figueiredo Dias, Direito Processo penal, § 521, “a avaliação de personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo a uma “carreira” criminosa), ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso sendo cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. O arguido/recorrente pretende demonstrar que o grau de grandeza da pena única aplicada foi atingido porquanto o tribunal não atendeu ao facto de ter confessado, de ter demonstrado arrependimento, tendo inclusivamente pedido desculpa às vítimas, e do seu pai ter ressarcido os danos patrimoniais sofridos pelo ofendido BB. Alega ainda que o tribunal também não teve em conta o facto de ser toxicodependente e sofrer de perturbação bipolar do tipo I. Dispõe o art. 77º, nº 1 e 2 do CP que a pena aplicável em concurso de crimes tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos de prisão e como limite mínimo e mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, devendo ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Face ao exposto, torna-se evidente que na pena conjunta a aplicar ao arguido AA terá de relevar a medida de prisão determinada em concreto para cada um dos crimes por aquele cometidos (roubos e sequestros), sendo a moldura abstracta do cúmulo de 9 anos e 10 meses de prisão a 4 anos de prisão. No acórdão recorrido verifica-se que o tribunal a quo para determinar a pena única de 6 anos de prisão do arguido, atendeu às necessidades de prevenção geral e especial, designadamente à gravidade dos crimes praticados pelo arguido, ao número de crimes que praticou, bem como ao facto de terem sido praticados numa zona pacata. Atendeu ainda à globalidade dos factos e à sua actuação pessoal e social, dos quais se destaca a personalidade do arguido, o facto de ter admitido em julgamento ser uma pessoa fraca, ser toxicodependente há 18 anos, tendo demonstrando incapacidade para seguir as terapêuticas de substituição, sendo que quem assegura a sua subsistência são os seus pais e a sua ex-cônjuge. Como resulta do douto acórdão recorrido foi ainda ponderado pelo tribunal as circunstâncias favoráveis defendidas pelo arguido com excepção da toxicodependência e as suas perturbações. O tribunal a quo ponderou ainda a forma como os crimes foram praticados pelo arguido: entrava nos veículos conduzidos pelos ofendidos quando estes se encontravam imobilizados numa zona de stop, empunhando uma seringa que dizia estar infectada com o vírus do HIV e, determinando os ofendidos a entregar-lhe bens e dinheiro, causando-lhes fundado receio de que a mesma viesse a ser utilizadas contra si. E ainda o facto do arguido ter tido tal comportamento em relação a ofendida EE que transportava no carro o seu filho de 3 anos de idade. Tal como o MºPº na 1ª instância bem defendeu não se mostrará possível a atenuação especial das penas a aplicar ao arguido AA apenas porque por um lado em julgamento pediu desculpas às vítimas e por outro lado o pai, 5 meses depois, em Janeiro de 2014 “pagou” ao primeiro ofendido apenas o montante que o arguido, seu filho, se havia apropriado, o que não se pode considerar uma “verdadeira” reparação que nem é da sua iniciativa. É certo que a atenuação especial da pena será um dever quando se verificarem os pressupostos que diminuem acentuadamente a ilicitude dos factos ou a culpa dos arguidos, no entanto nada ficou demostrado nesse sentido e a necessidade da pena, e do seu cumprimento reflectem-se nas exigências de prevenção. Tendo em conta que nas penas que foram encontradas pelo julgador na 1ª instância foi atendido o sentimento comunitário quanto à prevenção geral e a idade (agora com 39 anos), a toxicodependência e o seu tratamento, que o próprio arguido acha que controla e as suas consequências a nível de saúde mental, quanto à prevenção especial, não nos parece que a “neutralização – afastamento”, no cometimento do mesmo tipo de crimes se mostrar atingida ou minimizada e que possa mudar a sua personalidade. E não sendo alteradas as penas parcelares aplicadas por cada um dos 5 crimes que o arguido AA cometeu também nos parece que na determinação da pena concreta que corresponde ao seu concurso terão de ser levados em conta em conjunto com estes factos a personalidade do arguido, o que dificilmente poderá levar a alterar a pena única aplicada, quando muito poder passar para 6 anos de prisão. Assim, e por tudo isto parece-nos que o recurso interposto pelo arguido AA não poderá obter provimento quer quanto ao tipo de crimes cometidos quer quanto à medida das penas parcelares e única.
Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o arguido respondeu a esse parecer, dizendo:
Considerou o Digno Procurador-Geral Adjunto que o recurso interposto pelo arguido supra melhor identificado não poderia obter total provimento, pelas razões que melhor identifica no douto Parecer. Porém, com tal conclusão não podemos concordar. Vejamos: No que concerne à primeira questão debatida naquele Parecer, i.e., o crime de sequestro em concurso real ou aparente com o crime de roubo, importa tecer breves considerações, todas no sentido de corroborar o já alegado em sede de Alegações. Efectivamente, a factualidade dada como provada nos pontos 1 a 41 do douto Acórdão apenas é apta a preencher o crime de roubo, pois que o eventual crime de sequestro é consumido por aquele. Isto porque o arguido não pretendia privar os ofendidos da sua liberdade de auto-determinação. O arguido somente pretendia privar os ofendidos da sua liberdade com o objectivo de lograr obter vantagem patrimonial. Sendo que, como melhor resulta dos autos, apenas privou as vítimas da sua liberdade com o único propósito da consumação do crime de roubo, ou seja, para se apropriar de bens móveis que estas tivessem em sua posse ou pudessem colocar à sua disposição. O arguido não ultrapassou o necessário para atingir o desiderato por si pretendido, pois que apenas pôde dispor dos bens que se apropriou, em domínio estável, quando é deixado no local por si indicado aos ofendidos e começa a circular sozinho com os bens que se apropriou. A privação da liberdade das vítimas integra um dos elementos do crime de roubo, pois que permitiu ao arguido apoderar-se das importâncias em dinheiro, utilizando os cartões multibanco. Não sendo, assim, contrariamente ao defendido no douto Parecer a que ora se responde, o eventual crime de sequestro susceptível de punição autónoma, já que a privação da liberdade não excedeu o estritamente necessário à consumação dos roubos, tal como foram planeados e/ou executados. Aliás, é referido pelo Digno Procurador-Geral Adjunto que o crime de roubo consome o de sequestro quando e enquanto este serve de meio para a prática daquele, ou seja, quando a privação da liberdade da vítima não excede a medida estritamente necessária ao cometimento do crime de roubo. Ora, foi precisamente o que se verificou no caso dos presentes autos. O arguido não agiu com dolo de crime de sequestro; apenas privou a liberdade dos ofendidos na medida do estritamente necessário à consumação do crime de roubo. Neste sentido, estamos perante um concurso aparente de crimes por o crime de roubo absorver o crime de sequestro, que surgiu unicamente como um crime meio, necessário à execução daquele. Aliás, tem sido entendimento pacífico deste Venerando Tribunal que, sempre que a duração da privação da liberdade individual não exceda o que é necessário para a consumação do crime de roubo (como foi o caso), é de arredar o concurso real de infracções, sendo o sequestro consumido pelo crime de roubo. Sendo que, de acordo com a teoria da disponibilidade, o crime de roubo apenas se consuma quando o arguido passa a poder dispor da coisa, ou seja, quando este adquire um pleno e autónomo domínio sobre aquela, passível de fruição total, o que, no caso, apenas aconteceu quando é deixado no local por si indicado às vítimas e passa a circular sozinho com os bens que se apropriou. Não se verificando qualquer quebra da unidade criminosa ou alteração do elemento volitivo. Assim, considerando o exposto, não deverão ser atendidos, por V. Exas., os fundamentos aduzidos no douto Parecer devendo, ao invés, ser o arguido absolvido dos dois crimes de sequestro pelos quais foi condenado. Mais, No que concerne ao segundo ponto referido pelo Digno Procurador-Geral Adjunto - Medida da Pena -, importa, igualmente, tecer breves comentários. Assim, a determinação da medida da pena opera segundo critérios espelhados no artigo 71º do Código Penal - culpa do agente, exigências de prevenção e todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele. No caso que nos ocupa, como melhor resulta já das Alegações apresentadas que se reproduzem, importa sublinhar que: - o arguido é primário; - colaborou com a justiça, tendo confessado os factos que lhe eram imputados; - pediu desculpa às vítimas; - mostrou-se arrependido; - os factos ocorreram durante um curto espaço de tempo (3 dias); - não revela personalidade propensa para a criminalidade; e - ressarciu as vítimas. Ora, considerando todos os pontos supra referidos, bem como, as declarações dos ofendidos CC, BB e DD que se transcreveram em sede de Alegações, que revelaram não ficar com quaisquer traumas, chegando a manifestar compreensão, não guardando qualquer ressentimento, a pena que vier a ser aplicada ao arguido, após atenuação especial nos termos preconizados nas Alegações apresentadas, deverá ser suspensa na sua execução, ainda que subordinada a condições de não consumir estupefacientes, não praticar actividades ilícitas e submeter-se à fiscalização dos Serviços de Reinserção Social, nos termos do artigo 50°, nºs 1 e 4 do Código Penal. Porém, pese embora o exposto, considerou o Digno Procurador-Geral Adjunto que não se mostra possível a aplicação da atenuação especial pelos motivos que expõe no Parecer apresentado, reconduzindo-se os mesmos ao pedido de desculpa apenas em Audiência e à reparação pelos prejuízos causados. Ora, No que concerne ao primeiro, contrariamente ao aí defendido, importa referir que o arguido "apenas" pediu desculpas às vítimas em Audiência de Julgamento uma vez que se mostrava/mostra privado da sua liberdade não lhe tendo sido possível fazê-lo previamente, pese embora assim o quisesse. Aliás, o pedido de desculpas apresentado pelo arguido foi reputado pelas vítimas como verdadeiro e honesto. Que sempre se referiram ao arguido como um indivíduo que não evidenciava uma personalidade criminosa e que nunca tomou uma atitude agressiva, chegando, ainda, a pedir desculpas durante a execução dos crimes. Mais disseram que não guardavam qualquer rancor do mesmo, considerando o tratamento (em detrimento da pena de prisão efectiva) o mais adequado para o arguido. Aliás, a ofendida CC disponibilizou-se, no dia da Audiência, a ir comprar água fora do Tribunal ao arguido, uma vez que este apresentava tremores e nervosismo próprio do principiante que é. Chegando a M. Juiz Presidente do Colectivo a referir, aquando da leitura do douto Acórdão, que as melhores testemunhas do arguido foram as próprias vítimas que, Senhores Conselheiros, no dia de Audiência o confortaram e apoiaram, tendo compreendido a sua censurável actuação, atento o seu estado de saúde e a sua dependência química a que acresceria um "pico" de doença bipolar tipo I de que vinha a ser tratado voluntariamente. Assim, não valerá a posição defendida pelo Digno Magistrado do Ministério Público, porquanto, a aceitação do pedido de desculpas foi reconhecido e valorizado, quando analisados os comportamentos manifestados pelas próprias vítimas. Relativamente à reparação, importa referir que, contrariamente ao referido no Parecer a que se responde, a importância suportada pelo pai do arguido, e paga ao ofendido, foi efectuada a pedido do próprio arguido e por sua iniciativa, como bem ficou concretizado em Audiência de Julgamento e resulta de declaração junta aos autos a fls... Acresce dizer que a cidade de Seia não é a zona pacata que se pretende fazer crer, considerado o facto de tais crimes não terem chegado ao conhecimento da população aí residente, cingindo-se aos familiares dos intervenientes que, como atrás referido, apoiaram, incondicionalmente, o arguido aquando do seu julgamento. A sala de Audiências encontrava-se vazia... Assim, ante o exposto, pese embora o Digno Procurador Geral Adjunto tenha proposto uma redução de pena única para seis anos que, ainda, consideramos excessiva atentas as especificidades do presente caso, deverá ser, por V. Exas., o arguido condenado numa pena mais parcimoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias supra expostas, que não deverá exceder os cinco anos, nos termos do disposto no artigo 710 do C.P., e suspensa na sua execução, por se considerar que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a protecção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na Sociedade.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
São as seguintes as questões colocadas pelo recorrente: - existência de concurso aparente (consunção) entre os crimes de sequestro e de roubo, devendo assim ser absolvido dos crimes de sequestro; - preenchimento do condicionalismo da atenuação especial da pena, prevista no art. 72º do CP, devendo ser condenado numa pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução; - não procedendo estas questões, o recorrente impugna subsidiariamente a medida da penas aplicadas, que considera desproporcionais, pedindo a condenação em multa pelos crimes de sequestro, a redução a 2 anos e 6 meses de prisão da pena do crime de roubo cometido contra CC, e a fixação da pena única em medida não superior a 5 anos de prisão, suspensa. Importa antes de mais conhecer a matéria de facto, que é a seguinte:
1. O arguido residia, e reside, na Rua …, nº. …, em Seia. 2. Junto ao entroncamento daquela rua com a Avenida … existe um sinal vertical de STOP. 3. Aproveitando tal facto, e uma vez que os veículos automóveis que circulam naquela artéria com direção à mencionada avenida têm de parar naquele sinal, o arguido decidiu, pelo menos durante o mês de Agosto de 2013, introduzir-se em viaturas que ali parassem e intimidar os seus ocupantes a entregar-lhe dinheiro e/ou bens de valor que possuíssem, mediante a ameaça de serem picados com uma seringa, de que o arguido se acompanharia, e que o mesmo diria estar, tal como ele, infestada com o vírus HIV. 4. No cumprimento desse seu desígnio, o arguido, passou, então, em noites de Agosto de 2013, a aguardar junto do mencionado sinal de STOP o aparecimento de potenciais vítimas, sendo que o mesmo, além de se munir de uma seringa, usava uns óculos escuros e uma camisola com capuz, o qual colocava, de modo a não ser facilmente reconhecido. 5. Assim, no dia 13 de Agosto de 2013, cerca das 21:30 horas, BB, conduzia a viatura automóvel de matrícula -RQ, na Rua …, Seia, tendo, a dada altura, imobilizado a mesma junto ao sinal vertical de STOP existente no entroncamento daquela artéria com a Avenida … de Seia. 6. Aproveitando tal paragem, o arguido, que ali se encontrava apeado, abriu a porta traseira direita daquela viatura e introduziu-se na mesma, sentando-se no banco posterior do lado direito e, ato contínuo, empunhou uma seringa, ao mesmo tempo que disse para àquele ofendido que se tratava de um assalto, e que a seringa que usava estava infetada com o vírus HIV, o mesmo sucedendo com ele, pelo que se o referido ofendido não fizesse o que ele mandava espetava-lhe aquela seringa. 9. De seguida, o arguido, mantendo a seringa empunhada na direção daquele ofendido, ordenou-lhe que conduzisse a viatura até Vendas de Galizes, Oliveira do Hospital, e que lhe entregasse a sua carteira, o que aquele fez, atemorizado, receando que o arguido o picasse com aquela seringa e de que a mesma estivesse infetada com o vírus HIV, tal como o arguido anunciara. 10. Na posse da carteira do ofendido, o arguido retirou, como era seu propósito, o numerário que nela se encontrava, que era, na ocasião, de 20 Euros, guardando-o. 11. Uma vez chegados, a Vendas de Galizes, o arguido ordenou a BB que parasse junto da caixa multibanco da agência da Caixa ... sita naquela localidade, o que aquele fez, pois que continuava a ser intimidado com a mencionada seringa e temia ser infetado com ela. 12. De seguida, o arguido, mantendo na sua posse a dita seringa, ordenou a BB que o acompanhasse até à caixa de multibanco daquela agência bancária e que, recorrendo ao cartão multibanco de que o mesmo era titular (e referente à conta nº.: …), ali efetuasse dois levantamentos de duzentos euros (200 €) cada e que lhe entregasse esse numerário, o que aquele fez, cerca das 22:00 horas, receando ser infetado com aquela seringa, entregando, assim, o montante global de quatrocentos Euros (400 €) ao arguido, que fez sua, também, aquela quantia. 13. Pese embora já se encontrasse na posse daquelas quantias (20€+400€), e quando já não havia outros bens e/ou valores do ofendido de que se pudesse apropriar, o arguido disse a BB, para regressar à viatura automóvel e para o transportar até ao local onde ele o tinha abordado em Seia, continuando a empunhar a seringa e a fazer, consequentemente, que aquele continuasse a temer pela sua vida e/ou integridade física. 14. Deste modo, logrou o arguido que BB acatasse essa sua ordem e o transportasse até Seia, mais concretamente até junto da Rua …, nesta cidade, fazendo-o contra a sua vontade, e por se encontrar atemorizado e, consequentemente, com a sua liberdade ambulatória condicionada, devido ao anúncio que o arguido lhe fez de que o poderia infetar com o vírus HIV através da seringa que exibira e mantinha empunhada. 15. Assim que chegaram à Rua …, o arguido disse a BB para parar e deixá-lo ali, o que aquele, mais uma vez, respeitou, em função do receio que tinha de que o arguido o picasse com a seringa, acabando o arguido por sair da viatura, mantendo na sua posse a seringa e os 420 Euros que tinha forçado o ofendido a entregar-lhe. 16. O arguido sabia e quis agir da forma supra descrita, exibindo uma seringa e dizendo que ele e a seringa estavam infetados com o vírus HIV, de forma a colocar, como colocou, o ofendido BB incapaz de resistir, com o intuito concretizado de fazer suas quantias monetárias de que aquele dispusesse (em efetivo ou mediante levantamento bancário com recurso a algum cartão multibanco de que se fizesse acompanhar) e/ou outros objetos de valor que o mesmo possuísse, logrando, assim, obter a quantia global de 420 €, bem sabendo que a mesma pertencia àquele ofendido e que agia contra a sua vontade. 17. O arguido manteve, da forma descrita, BB privado da sua liberdade durante todo aquele período de tempo, desde que o abordou até à altura em que pediu que aquele o deixasse junto da Rua …, fazendo-o, mesmo depois de já ter logrado que este lhe entregasse as quantias monetárias de que ele se locupletou como queria, obrigando-o a acompanhá-lo e a transportá-lo até onde ele quis, contra a vontade daquele, fazendo-o sob ameaça de o infetar com o vírus HIV através de uma seringa de que era portador. 18. Sabia, ainda, o arguido que estas suas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal, ainda assim não se absteve de as levar a cabo. 19. No dia 16 de Agosto de 2013, cerca das 21:50 horas, CC, conduzia a viatura automóvel de matrícula …-OE, na Rua …, levando consigo, o seu filho, EE, nascido a …/…/20…, quando ao chegar junto do sinal vertical de “STOP” existente no entroncamento daquela artéria com a Avenida dos Bombeiros Voluntários em Seia, teve de imobilizar a mesma por força da imposição decorrente daquele sinal. 20. Aproveitando essa paragem, o arguido abeirou-se daquela viatura e abriu a sua porta traseira direita, acedendo ao banco traseiro da mesma, onde se encontrava, também, o filho da ofendida, na respetiva cadeira de retenção. 21. Assim que entrou naquela viatura o arguido apontou uma seringa na direção de EE, aproximando-a do seu braço direito e disse-lhe para continuar a circular com aquele veículo e perguntou-lhe se ela sabia o que era ficar infetada para o resto da vida. 24. O arguido disse, então, a EE para lhe entregar o dinheiro que esta trazia, tendo-lhe esta, receosa do que aquele lhe pudesse fazer a si e/ou ao seu filho com a seringa, entregue a sua carteira, da qual o arguido retirou todas as moedas que ali se encontravam, uma nota de cinco Euros (5 €) e três cartões multibanco, um da C…, outro do FF e um outro do GG. 25. De seguida, o arguido disse a EE para conduzir aa sua viatura até Oliveira do Hospital, e uma vez ali chegados disse-lhe para se dirigir à agência da Caixa … (C…) sita no centro daquela cidade, ordens que aquela acatou, sempre com medo do que o arguido pudesse fazer com a seringa que exibia e dizia estar infetada. 26. Assim que chegaram junto da agência da C…, o arguido obrigou EE a revelar-lhe o pin dos três cartões multibanco que havia retirado àquela, o que aquela fez. 27. Logo depois, ordenou a EE que procedesse ao levantamento da quantia de 500 Euros, usando aqueles cartões multibanco que ele tinha retirado da carteira daquela, todavia a ofendida referiu-lhe que não possuía tal montante nas suas contas. 28. Todavia, atemorizada com a situação e com aquilo que o arguido lhe pudesse fazer ou ao seu filho - já que não possuía a quantia monetária que o arguido pretendia e este continuava a empunhar a seringa - EE entregou ao arguido um relógio de marca “C...”, com o valor estimado de 150€. 29. Não obstante isso, o arguido ordenou a EE que o acompanhasse até à caixa ATM existente no interior daquela agência, levando o seu filho ao colo, ao que aquela acedeu, pois continuava completamente intimidada com a ação do arguido. 30. Dado que junto da caixa multibanco interior da C... se encontravam diversas pessoas, o arguido disse a EE que iriam aguardar no exterior a saída daquelas e enquanto isso o arguido aproveitou e dirigiu-se à caixa multibanco existente no exterior daquela agência, e foi introduzindo os cartões multibanco da ofendida, e de que se apoderou, naquele aparelho, onde, após a inserção dos respetivos pins, tentou consultar os saldos das contas a que os mesmos diziam respeito, todavia só o conseguiu relativamente à conta/cartão da C…. – onde a ofendida tinha, à data, um saldo de 78 € – não tendo conseguido com os outros dois referidos cartões (FF e GG), provavelmente porque não respeitavam àquela instituição bancária. 31. Logo que o espaço onde se situa a caixa multibanco interior da C… ficou vazio (cerca das 22:34 horas), o arguido disse a EE para se encaminhar para o mesmo, o que esta fez, mantendo o seu filho ao colo. 32. Naquela máquina (sita no interior da C…..) o arguido procedeu à introdução do cartão multibanco da C….. de que EE era portadora e após inserção do correspondente PIN procedeu ao levantamento da quantia de 70 € da respetiva conta (nº.: …), que o arguido guardou, assim a fazendo sua. 33. De seguida, o arguido perguntou à ofendida onde era a agência bancária do FF naquela cidade, ao que a ofendida respondeu não saber, tendo, então, esta, ainda receosa com o que o arguido lhe pudesse fazer a si e ao seu filho, perguntado tal informação a uma pessoa que se deslocou àquela caixa multibanco da C…., a qual indicou a localização daquela agência bancária. 34. Obtida essa informação, o arguido disse a EE para o transportar até à agência do FF em Oliveira do Hospital, o que esta fez, onde, então (cerca das 22:39 horas) procedeu a dois levantamentos, um de 80 € da conta que aquela possuía naquela instituição bancária (nº.: …) e outro, no valor de 200 €, que a mesma tinha na conta associada ao seu cartão do GG, tendo a ofendida entregue todo esse numerário (80€+200€=280€) ao arguido, que durante todo este procedimento ficou nas costas de EE – que mantinha o seu filho ao colo – controlando, assim, os seus movimentos, mantendo a seringa na sua posse, assim atemorizando a ofendida. 35. Já na posse da quantia global de, pelo menos, 355 € (5€+70€+80€+200€) em numerário e do mencionado relógio, e quando já não havia outros bens e/ou valores de que o arguido se pudesse ou quisesse apoderar, este disse à EE para regressar com o filho para interior da sua viatura automóvel, onde ele também entrou, após o que lhe ordenou que o transportasse até ao local onde a tinha abordado, o que esta fez, já que o arguido mantinha na sua posse a seringa e a ofendida receava que este lhe pudesse fazer mal a si e/ou ao seu filho. 36. Deste modo, logrou o arguido que EE acatasse essa sua ordem e o transportasse até Seia, mais concretamente até junto da pastelaria “D...”, sita nas imediações da Rua …, nesta cidade, fazendo-o contra a sua vontade, e por se encontrar atemorizada e, consequentemente, com a sua liberdade ambulatória condicionada, devido ao anúncio que o arguido lhe fez de que a poderia infetar com o vírus HIV através da seringa que exibira e mantinha empunhada, receando também, aquela pela sorte do seu filho menor. 37. Assim que chegaram junto da mencionada pastelaria, o arguido disse a EE para parar e deixá-lo ali, o que aquela, mais uma vez, respeitou, em função do medo que tinha de que o arguido a picasse com a seringa, acabando o arguido por sair da viatura, mantendo na sua posse este objeto, os 355 Euros e o relógio de marca “C...” que tinha forçado a ofendida a entregar-lhe. 38. O arguido sabia e quis agir da forma supra descrita, exibindo uma seringa e dizendo a CC - quando esta se encontrava acompanhada do seu filho de três anos de idade -, que com ela a poderia infetar (com o vírus HIV), de forma a colocá-la, como colocou, incapaz de resistir, com o intuito concretizado de fazer suas quantias monetárias (em efetivo ou mediante levantamentos bancários com recurso a algum cartão multibanco) e/ou objetos de valor de que aquela dispusesse, logrando, assim, obter a quantia global de, pelo menos 355 € e um relógio avaliado em 150 €, bem sabendo que tais bens pertenciam àquela ofendida e que agia contra a sua vontade. 39. O arguido manteve, da forma descrita, CC privada da sua liberdade durante todo aquele período de tempo, desde que a abordou até à altura em que pediu que aquele o deixasse junto da Pastelaria D..., sita nesta cidade, fazendo-o, mesmo depois de já ter logrado que a ofendida lhe entregasse um relógio (avaliado em 150€) e as quantias monetárias de que ele se locupletou como queria, obrigando-a a acompanhá-lo e a transportá-lo até onde ele quis, contra a vontade daquela, fazendo-o sob ameaça de a infetar com o vírus HIV através de uma seringa de que era portador. 40. Sabia, ainda, o arguido que estas suas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal, ainda assim não se absteve de as levar a cabo. 41. Poucos minutos depois, o arguido decidiu, novamente, abordar outra viatura que parasse junto do mencionado sinal de “STOP”, com o intuito de, mais uma vez com o uso da seringa de que se fazia acompanhar, obrigar quem abordasse a entregar-lhe numerário e/ou objetos de valor. 42. No exercício de tal desígnio, e cerca das 23 horas, aproveitando a paragem, naquele local, da viatura de marca “...” modelo “...”, do ano de 2009, de matrícula -IN-, de valor nunca inferior a 9.000 €, registada a favor de HH, conduzida por DD, o arguido abeirou-se da mesma e abriu a sua porta traseira direita e nela entrou e, ato contínuo, apontou na direção daquele ofendido um objeto pontiagudo, que não foi possível identificar com precisão, ao mesmo tempo que lhe disse “Tenho uma faca” e que lhe fez sinal para sair daquela viatura. 44. O ofendido ficou tão alarmado que, de imediato, abriu a porta da viatura e saiu para o exterior da mesma, desligando o motor e deixando a respetiva chave na ignição. 45. Nessa altura surgiu naquela um outro veículo automóvel, a cujos ocupantes o mencionado ofendido pediu ajuda. 46. Em função deste comportamento do ofendido, o arguido, sem sair do interior da viatura de matrícula -IN-, passou do banco traseiro para o banco do condutor, tentando colocar a mesma em funcionamento para depois se colocar em fuga, ao volante da mesma e assim a dela se apoderar. 47. Apercebendo-se disso e de modo a evitar que tal acontecesse, DD regressou para junto da sua viatura, tendo, então, o arguido se deslocado para o banco frontal direito, após o que abriu a respetiva porta e se pôs em fuga, a pé, subindo a Rua D. …. 48. Ato contínuo, o ofendido DD avistou um seu amigo, II, a quem solicitou ajuda, pedindo-lhe que o acompanhasse para tentar intercetar o arguido, ao que aquele acedeu, tendo ambos seguido na viatura -IN-, tentando localizar AA, o qual, acabaria, entretanto, por ser intercetado, cerca de 70 metros mais à frente, por JJ e KK. 49. Porém, assim que JJ e KK se aproximaram do arguido e o tentaram imobilizar, este empunhou a seringa, de que, mais uma vez, se fazia acompanhar, e ameaçou picar quem se aproximasse dele, logrando, assim, continuar a sua fuga, todavia, viria a ser, efetivamente, imobilizado uns metros mais à frente, na Travessa …, sendo, posteriormente, entregue a elementos da Guarda Nacional Republicana de Seia. 50. O arguido viria a ser encontrado na posse dos seguintes bens, que lhe foram apreendidos: - 354,50 € (assim distribuídos: 14 notas de 20 Euros; 7 notas de 10 Euros; 1 nota de 1 Euro; 3 moedas de 50 cêntimos; 2 moedas de 20 cêntimos; 2 moedas de 10 cêntimos; 1 moeda de 5 cêntimos; 4 moedas de 2 cêntimos e 1 moeda de 1 cêntimo); - 1 relógio de marca “C...”; - 1 argola de porta chaves com uma chave de uma viatura de marca ... e uma chave de canhão de porta; - 1 luva em pele de cor preta; - 1 par de óculos de sol danificados e - 1 seringa de 1 ml com agulha e com 0,1ml de um líquido vermelho. 53. Não consta que o arguido tenha antecedentes criminais (fls. 431). 54. O arguido é oriundo de uma família de situação económica estável, com adequada integração social. 55. Manteve um comportamento social e escolar estável até aos 13/14 anos de idade, altura em que registou 2 reprovações, nos 7º e 8º anos de escolaridade, atribuídas a desmotivação, tendo abandonado o ensino no 10º ano, com cerca de 17 anos. 56. Nessa altura, iniciou consumos de drogas “leves”, tendo passado a consumir estupefacientes, designadamente heroína e cocaína, passando a estar dependente dessas substâncias por volta dos 20 anos de idade. 57. Desde essa altura que foi acompanhado por médicos psiquiatras, através do Centro de Apoio a Toxicodependentes (CRI), frequência de consulta de Dependências no Centro de Saúde de Gouveia, tendo sido enquadrado em vários programas terapêuticos (medicamentos, consultas de psicologia e médicas, desintoxicações em instituições de saúde e internamentos em comunidades terapêuticas), que se revelaram infrutíferos na desvinculação dos consumos de estupefacientes. 58. Na verdade, regista períodos de abstinência intercalados com recidivas de consumos. 59. Desde os 31 anos de idade (tem atualmente 38) que se mantém no programa de metadona, embora continue a ter recaídas, que o próprio arguido desvaloriza, excetuando a que precedeu os factos em causa nos autos. 60. O comportamento aditivo do arguido tem condicionado e impedido a adoção de um modo de vida autónomo em termos familiares e profissionais. 61. Teve um percurso profissional irregular, com experiências profissionais pontuais no ramo automóvel e na construção civil; teve a oportunidade de trabalhar na empresa de contabilidade que o pai constituiu em sociedade com o arguido em 1997, onde não chegou a um ano de laboração. 62. Casou com 22 anos de idade, e divorciou-se há cerca de 3 anos, tendo mantido sempre dependência económica dos pais e da ex-cônjuge, com quem mantém um bom relacionamento. 63. Após a separação, reintegrou o agregado familiar dos pais, em habitação própria destes em Seia. 64. Tem um filho do casamento com 5 anos de idade, com quem mantém uma relação afetiva próxima, e com quem está diariamente na casa onde atualmente reside e cumpre a medida de coação imposta. 65. Há vários anos que se encontra praticamente inativo profissionalmente, sendo a sua sobrevivência assegurada pelos pais, proprietários de um gabinete de contabilidade (auferindo ainda o pai de uma reforma e dos rendimentos da atividade de mediador de seguros que igualmente mantém), e anteriormente pela sua ex-mulher. 66. Anteriormente à prática dos factos em causa nos autos, o arguido mantinha-se, desde os 31 anos de idade, integrado no Programa de Metadona nas Consultas de Dependências no Centro de Saúde de Gouveia, e frequentava consultas médicas e de psicologia, bem como consultas de psiquiatria no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Sousa Martins, na Guarda, com internamentos, alguns deles por sua iniciativa e cuja interrupção ocorreu também por sua iniciativa – o último dos quais entre 14 e 17/2/2014, após uma semana sem tomar metadona (fls. 457), “por quadro clínico compatível com Perturbação Bipolar Tipo I, num contexto de agravamento clínico com ideias delirantes de conteúdo persecutório e insónia quase total” (fls. 501). 67. Esteve preso preventivamente nos Estabelecimentos Prisionais da Guarda e Viseu, à ordem do presente processo, entre 17 de Agosto de 2013 e 24 de Janeiro de 2014, data em que passou a estar sujeito à medida coativa de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica. 68. No EP, o arguido manifestou dificuldades de adaptação e rejeição de alimentos e medicação por desconfiança com delírios de perseguição, tendo retomado as consultas de psiquiatria no Departamento de Psiquiatria do Hospital da Guarda e no Hospital Prisional de Caxias. 69. No início da sua reclusão, os pais, reconhecendo a fraca capacidade do arguido para se autonomizar sobretudo em termos de saúde e profissionais e várias vezes o motivarem para adotar um modo de vida mais ativo, sem sucesso, optaram por não o visitar durante um tempo com o objetivo de o responsabilizarem, e só mais tarde o fizeram, por insistência da técnica do estabelecimento prisional. 70. No cumprimento da medida de coação a que agora está sujeito, tem mantido uma conduta e relacionamento com os técnicos adequados, valorizando a decisão que lhe permitiu aguardar o desfecho dos autos com a família, nomeadamente estando com o filho diariamente. 71. O arguido atribui a prática dos atos criminosos aqui em causa à recaída no consumo de estupefacientes, afirmando ter decidido praticar os crimes quando ficou sem dinheiro para comprar drogas, e ainda ao quadro de Perturbação Bipolar tipo I que desde 2004 justifica o seu acompanhamento psiquiátrico, encontrando-se em 4.2.2014 medicado com Metadona (tratamento de substituição em caso de toxicodependência major de opiáceos), Diplexil (anti-epilético), Sertralina (tratamento da depressão e ansiedade), Olanzapina (estabilizador do humor, tratamento de ideações e ilusões), Sinvastatina (hipercolosterolamia) e Lorazepam (ansiolítico). 72. O quadro psíquico apresentado pelo arguido, com depressões recorrentes, é de carácter crónico e irreversível, mantendo o arguido marcadas alterações de humor e condicionando alterações de comportamento (fls. 445). 73. Apesar de sujeito a vários internamentos hospitalares e em comunidades terapêuticas, o arguido abandona e interrompe as intervenções terapêuticas por sua iniciativa, contra a vontade de médicos e terapeutas, por se considerar capaz de autoavaliar a sua situação clínica. 74. Desde que está em casa dos pais sujeito a vigilância eletrónica, o arguido adotou uma postura de autogestão da medicação prescrita, nomeadamente abandonando a Metadona, por considerar desnecessária a sua manutenção, procedimentos que evidencia resistência em alterar. 75. Tendo ao longo dos anos impedido, por sua vontade, a consolidação de qualquer tratamento, incluindo na pendência deste processo, quando cumpria medida detentiva da liberdade (em Fevereiro de 2014), existe risco de reincidência em condutas inadequadas. 76. A família tem colaborado ativamente nos programas de recuperação de saúde do arguido, e evidencia algum desgaste face à sua ausência de desvinculação efetiva dos estupefacientes, continuando disponível para prosseguir o seu apoio, independentemente do desfecho deste processo. 77. O arguido trabalhou 4 meses com o pai, que se encontra disponível para o apoiar, tendo deixado esse trabalho por não conseguir fazer muitos contratos, não se sentindo bem por ganhar à comissão. 78. No decurso da audiência de julgamento, o arguido aceitou que o tribunal lhe imponha a obrigação de tratamento, incluindo internamento, apenas após perceber que tal poderia ser condição de evitar o cumprimento de uma pena de prisão efetiva, tendo em momento anterior espontaneamente recusado tal autorização invocando não ser necessário, por tomar a medicação que lhe foi prescrita. 79. Em 20 de Janeiro de 2014, o pai do arguido pagou ao ofendido BB o montante de € 420,00 para reparação dos danos materiais causados pelo arguido. 80. Após a prática dos acima relatados factos em que foi vítima BB, o arguido pediu-lhe desculpa. 81. No dia da audiência de discussão e julgamento, no edifício do Tribunal Judicial de Seia, o arguido desculpou-se perante os ofendidos BB, CC e DD. 82. O arguido é considerado pessoa pacata e introvertida.
Concurso entre os crimes de roubo e de sequestro
A questão da relação entre os aludidos crimes tem sido tratada abundantemente na jurisprudência e na doutrina. Na jurisprudência deste Supremo Tribunal é uniforme o entendimento de que o crime de roubo consome o de sequestro quando a privação da liberdade é a estritamente necessária e proporcionada ou, por outras palavras, quando funciona estritamente como meio para a consumação do roubo, havendo então concurso aparente entre os dois crimes; mas o concurso já será efetivo se a privação da liberdade exceder o estritamente necessário para a consumação do roubo, quer quando se verifica contemporaneidade das condutas, quer quando o sequestro segue ou antecede o roubo[1]. Assim, a privação da liberdade do ofendido poderá integrar o elemento típico da violência, ou impossibilidade de resistir, constitutivos do crime de roubo. Mas só enquanto e na medida em que ela for necessária para a consumação do roubo, pois só então o âmbito de proteção da incriminação do crime de roubo abarca a do crime de sequestro. Caso haja excesso dessa medida, quando portanto a duração da privação da liberdade ultrapassar o necessário para a consumação do roubo, haverá concurso efetivo de crimes, pois a punição do crime de roubo não abrangerá a violação do bem jurídico protegido pelo crime de sequestro, ou, noutra perspetiva, o sequestro não terá representado afinal um crime-meio, não terá sido meramente subsidiário na execução do roubo, adquirindo portanto autonomia. Esta é a posição que recolhe o apoio maioritário na doutrina.[2] Taipa de Carvalho assume-a sem hesitação. Escreve ele:
(…) sempre que a duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse aquela medida naturalmente associada à prática do crime-fim (p. ex., o roubo, a ofensa corporal grave, a violação) e como tal já foi considerada pelo próprio legislador na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela existência de concurso aparente (relação de subsidiariedade) entre o sequestro (“crime-meio”) e o crime-fim: roubo, violação, extorsão, etc., respondendo o agente somente por um destes crimes (…). Já haverá concurso efetivo, quando a duração da privação da liberdade de movimento ultrapassa aquela medida.[3]
Igualmente Conceição Cunha alinha com esse entendimento:
Se o sequestro (art. 158º) é usado como meio para subtrair coisa alheia ou constranger à sua entrega, será consumido pelo roubo (integrado no meio “pôr na impossibilidade de resistir” ou na própria violência ou ameaça, dependendo da situação concreta); no entanto, se se mantém o sequestro para além do necessário à consumação do roubo, já haverá concurso efetivo de crimes.[4]
Contudo, posteriormente, e em anotação ao acórdão deste Supremo de 2.10.2003, já citado (nota 1), veio Cristina Líbano Monteiro defender posição diferente. Discordando da decisão, e pronunciando-se pela existência de um único crime - o de roubo – a autora apoia-se nas seguintes considerações teóricas:
Estou de acordo em que é possível encontrar casos de concurso efetivo entre roubo e sequestro. Além das hipóteses de claro desfasamento contextual e daquelas em que há vítimas diferentes, outras existirão porventura. Talvez mais evidentes se, ao contrário do que ocorre na hipótese em apreço, o roubo for praticado durante um sequestro prolongado e já em curso. (Embora se torne difícil imaginar a necessidade de fazer mais violência sobre uma pessoa em tais condições para fazer-se com algum objeto que ainda conserve em seu poder.) Venhamos, porém, aos casos normais, aos que deixam dúvidas, aqueles em que o plano do agente consiste em roubar, i. é, apoderar-se de coisa móvel alheia, usando violência para o conseguir; aos casos, para circunscrever o discurso, em que a violência (ou a colocação da pessoa na impossibilidade de resistir) se traduz na privação da liberdade, rectius na imobilização de quem pode levantar obstáculos à apropriação da coisa. O problema pode descrever-se como segue: em que momento se ultrapassa a fronteira do crime complexo de roubo e se torna necessário convocar outro tipo legal para acautelar um bem jurídico que a norma incriminadora do roubo também protege? Responde o Acórdão: quando a violência usada é desnecessária e exagerada para a efetivação do roubo, E quando é que isso acontece? Diz ainda o Supremo Tribunal de Justiça: quando se podia roubar sem tanta violência. Medida abstrata? Medida objetiva, a partir de um conceito de roubo médio? Discordo do critério – porventura muito generalizado. Explicarei brevemente porquê. O tipo legal do roubo provém, por assim dizer, de um concurso efetivo. Unificado pelo legislador, é certo, mas concurso. Não se torna difícil imaginar as combinações de delitos que pode conter. A um elemento constante, o furto - ainda que em rigor se contemplem ataques à propriedade que estão para além da subtração prevista no art. 203.° do Código Penal -, juntam-se ora a coação, ora a ameaça, ora ofensas à liberdade, à integridade física ou à própria vida (neste caso apenas negligentes). Não afirmo que todos os tipos nele estejam presentes com os exatos elementos que os configuram isoladamente - já exemplifiquei, no furto, zonas de não coincidência. Dito de outro modo. O roubo é crime autónomo, no sentido de desenhado com independência pela lei. E esta tem diante de si o mundo da vida e não apenas outros tipos de crime. A ação social de roubar viola simultaneamente bens patrimoniais e bens pessoais. Por isso o legislador oferece, com o tipo do roubo, uma proteção também plural. Ninguém contesta, pois, que esse crime congrega vários bens jurídicos que se mostram, por sua vez, aptos para fundar, individualmente, outras incriminações. Se assim é, deverá o intérprete redobrar a cautela, desconfiar, sempre que se trate de desunir o que a lei combinou, de devolver à efetividade o concurso que o tipo pretendeu tornar aparente. Ainda uma vez: porquê procurar na pluralidade criminosa o que o delito complexo trouxe para a unidade, criando uma moldura sancionatória própria?[5]
Esta posição recebeu o apoio de Figueiredo Dias. Alicerçado no seu (novo) critério sobre unidade e pluralidade de infrações, que elege a unidade ou pluralidade de “sentidos de ilicitude” como elemento determinante da diferenciação entre unidade e pluralidade criminosa[6], e que caracteriza o concurso aparente como correspondendo às situações em que, embora havendo pluralidade de sentidos de ilícito, um deles é dominante e os restantes subordinados ou dependentes[7], Figueiredo Dias considera abrangido pelo concurso aparente os casos de relacionamento entre crime-meio e crime-fim, exemplificando com o concurso entre sequestro e roubo, manifestando expressamente a sua concordância com a posição subscrita por Cristina Líbano Monteiro naquele texto.[8] Taipa de Carvalho reagiu de forma incisiva a esta posição. Aditou ele, em nova redação da anotação ao art. 158º, o seguinte:
Também entre o sequestro e o roubo pode dever afirmar-se a existência de concurso efetivo, quando a duração da privação da liberdade de movimento não pode ser vista como “conatural” ou implícita na prática do roubo. Assim, parece dever afirmar-se o concurso efetivo de roubo e sequestro, no seguinte exemplo: A, mediante ameaça de morte ou de lesão grave da integridade física, entra no carro de B às 18h00 do dia 10, com a intenção de o forçar a fazer levantamentos em caixas multibanco através dos três cartões que este tem na sua carteira. Pretendendo obter o máximo possível de dinheiro, A força B a dirigir-se a uma caixa multibanco; como se encontravam pessoas junto dessa caixa, A ordena que B se dirija à caixa de uma terra menos povoada; aqui, B, por imposição do A, faz três levantamentos de 200 euros cada; todavia, o A quer mais dinheiro e, para o conseguir, mantém B sequestrado até ao início do dia seguinte, para poder forçar este a fazer mais três levantamentos nos mesmos montantes (poderíamos ainda imaginar o caso em que o A pretendia uma soma ainda mais elevada, e, para tal conseguir, manteve B sequestrado por mais um dia, para conseguir que B fizesse mais uma série de três levantamentos). Diante de um caso destes, acho que é, político-criminal e jurídico-dogmaticamente, exigível que o A responda não apenas pelo crime de roubo mas também pelo crime de sequestro (simples ou qualificado, se a privação da liberdade de movimento tiver durado mais de dois dias). Semelhante a este caso construído foi o caso decidido pelo Acórdão do STJ, de 2-10-2003, em que este tribunal considerou haver concurso efetivo dos crimes de sequestro e de roubo (discordando desta decisão, dizendo que seria mais correta a decisão da existência de um concurso aparente - sendo punível só por roubo -, e que a gravidade global do comportamento podia ser tida em conta na medida da pena, Cristina Líbano Monteiro, «Roubo e sequestro em concurso efetivo? - Acórdão do STJ de 2 de Outubro de 2003» RPCC, 2005, 447-496).[9]
Feita esta resenha da controvérsia doutrinária, não pode deixar de se aderir a esta última posição, concordante aliás com a jurisprudência tradicional deste Supremo Tribunal, que nenhum motivo há para alterar. Na verdade, a valoração do “sentido de ilícito dominante” como critério do concurso aparente leva a subalternizar, ou mesmo desproteger, de forma insustentável do ponto de vista político-criminal, mas também da perspetiva dogmática, bens jurídico-penais relevantes, tratados como meros “sentidos de ilícitos subordinados”. Com efeito, o crime-meio pode assumir, na conduta executada pelo agente, uma relevância penal superior à do crime-fim, sendo então intolerável subordinar o bem jurídico por ele protegido ao tutelado por este último. No caso do roubo, sendo o “sentido de ilícito dominante” a apropriação de bens alheios, pode acontecer que os meios utilizados (violência, ameaça, colocação da vítima na impossibilidade de resistir) ultrapassem manifestamente, em termos de ilicitude, a que está contida na apropriação patrimonial. Há uma medida de violência ínsita ou conatural ao roubo, e como tal incluída pelo legislador na previsão típica. Mas, ultrapassada essa medida, a violência adquire necessariamente autonomia. A apropriação pode ser de quantia diminuta, mas ser intensa a ilicitude dos meios utilizados. Seria nesse caso insuportável, em nome daquele critério formal (dominância do “sentido de ilícito” apropriativo), desprezar a proteção de bens jurídicos nucleares no sistema penal como a integridade física, a liberdade, a segurança pessoal, ou protegê-los apenas reflexamente, em termos de graduação da pena do crime de roubo. Poderá concluir-se, recuperando a formulação de Helena Moniz, que, nesse caso, estamos perante a transformação de uma conduta com um único sentido de desvalor numa conduta com vários sentidos de desvalor. Ou então, mais tradicionalmente, que não existe relação de consunção ou de subsidiariedade entre o crime de roubo e o crime-meio, porque a punição daquele não esgota a proteção do bem jurídico tutelado por este último. Em qualquer caso, sempre haverá que concluir pela pluralidade de crimes, pela existência de um concurso efetivo de crimes. Assim, e sintetizando, sempre que o crime-meio ultrapassar a medida estritamente necessária à consumação do crime-fim, ele assume necessariamente autonomia dogmática, afastando decididamente o concurso aparente. Reportando-nos mais concretamente à relação entre o roubo e o sequestro, diremos, alinhando com a jurisprudência tradicional deste Supremo, que quando a privação da liberdade exceder a estritamente necessária para a execução do roubo, quando for desproporcionada para esse fim, quando se prolongar desnecessariamente para além da apropriação de bens, o crime de sequestro adquire autonomia, verificando-se um concurso efetivo de crimes. Analisemos agora os factos provados nos autos. Sinteticamente, apurou-se que o arguido concebeu um plano para se introduzir no interior de viaturas que parassem num entroncamento, em Seia, onde se encontra um sinal de “stop” (sendo portanto os veículos obrigados a parar), e intimidar os condutores a entregar-lhe dinheiro mediante a exibição de uma seringa que ele diria estar infetada do vírus HIV. Na execução desse plano, o arguido, no dia 13.8.2013, conseguiu-se introduzir-se no automóvel de BB, obrigando-o, através da referida ameaça, a entregar-lhe o dinheiro que trazia na carteira (20,00 €) e a conduzir o veículo até Venda de Galizes, distante cerca de 25 km, onde o constrangeu a fazer dois levantamentos de dinheiro, numa caixa Multibanco, no montante total de 400,00 €, de que se apoderou. De seguida, sempre sob a ameaça da seringa, impôs ao ofendido que o reconduzisse a Seia. No dia 16.8.2013 adotou procedimento idêntico, desta vez introduzindo-se no automóvel de CC, que estava acompanhada de um filho de 3 anos. Igualmente sob a ameaça da seringa alegadamente infetada, coagiu a ofendida a entregar-lhe o dinheiro que trazia consigo (5,00 €) e a conduzir o veículo até Oliveira do Hospital, situada a uma distância semelhante à da outra localidade, e aí chegados, ordenou à ofendida que se dirigisse sucessivamente a duas caixas Multibanco, conseguindo assim que ela levantasse e lhe entregasse um total de 350,00 € em dinheiro. De seguida, ordenou à ofendida que o reconduzisse ao local onde a tinha abordado, em Seia. Por fim, ainda nesse mesmo dia, o arguido procurou praticar conduta idêntica na pessoa de DD, não conseguindo porém introduzir-se no interior do veículo por este conduzido, vindo a ser detido pouco depois. Relativamente às duas primeiras condutas, o arguido foi condenado, em concurso efetivo, por um crime de roubo e outro de sequestro. O recorrente alega, porém, que a privação da liberdade a que submeteu os ofendidos foi tão-só um crime-meio, necessário para se apoderar das quantias levantadas nas caixas Multibanco, devendo assim ser absolvido dos crimes de sequestro. Esta argumentação procederia se fosse possível considerar essa privação da liberdade necessária e proporcional à consumação do roubo. Mas é totalmente inadmissível esse entendimento. Na verdade, o arguido privou os ofendidos de liberdade, sempre sob a ameaça da seringa, a partir do momento em que conseguiu introduzir-se no interior dos automóveis, e obrigou-os a deslocarem-se para outra localidade, situada, em qualquer dos casos, a uma distância apreciável, escolhida pelo arguido em função do que considerou mais propício à execução dos seus propósitos, e coagiu os ofendidos, após o levantamento do dinheiro e consequente apropriação do mesmo, ou seja, após a consumação do roubo, a reconduzirem-no ao lugar inicial, sempre sob a ameaça da seringa, só aí cessando, pois, o estado de privação da liberdade dos ofendidos. Esta duração da privação da liberdade, que se manteve depois da consumação do crime de roubo, agravada pelo deslocamento territorial, revela inequivocamente um procedimento excessivo e desproporcionado, ultrapassando a medida necessária e conatural à simples apropriação de bens alheios. A ilicitude da privação da liberdade excede claramente a inerente a essa apropriação, pelo que essa privação da liberdade nunca poderia ser considerada como “sentido de ilícito subordinado”. Só a punição autónoma da mesma assegura a proteção do bem jurídico tutelado: a liberdade pessoal. Trata-se de uma hipótese de facto muito semelhante à que foi julgada no acórdão de 2.10.2003 deste Supremo Tribunal, já várias vezes referido (e à “hipótese de facto” formulada por Taipa de Carvalho). À luz das considerações anteriormente expostas, há que concluir que existe, pois, concurso efetivo de crimes entre o roubo e o sequestro, tal como se decidiu no acórdão recorrido. Improcede, pois, a primeira questão colocada pelo recorrente.
Atenuação especial da pena
Pretende o recorrente que se verificam os pressupostos de aplicação da atenuação especial da pena, prevista no art. 72º do CP, nomeadamente o arrependimento, invocando a confissão integral e sem reserva, a reparação dos danos, o pedido de desculpas aos ofendidos. É o seguinte o texto do artigo:
Este artigo do CP admite, pois, a atenuação especial da pena quando se verificar uma acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa ou ainda da necessidade da pena, enumerando o nº 2 algumas circunstâncias exemplificativas dessa mitigação. No caso dos autos, não se verifica claramente nem a atenuação da ilicitude nem da necessidade da pena. Pelo contrário, a ilicitude é muito elevada, não propriamente pelo montante das quantias apropriadas, mas pelo procedimento executivo adotado pelo recorrente. E a necessidade da pena também se revela intensa, quer por razões de prevenção geral, quer de prevenção especial, que adiante serão pormenorizadas. De relevante, apenas poderá citar-se o pedido de desculpas perante os ofendidos, formulado pelo recorrente em audiência, e a reparação parcial do dano. Mas esses factos mostram-se manifestamente escassos e insuficientes para justificar uma uma acentuada diminuição da culpa, enquanto fundamento da atenuação especial da pena. Improcede também este pedido.
Medida das penas
Contesta o recorrente quer a medida, quer a própria escolha das penas parcelares. Assim, entende que os crimes de sequestro devem ser punidos com penas de multa, atendendo sobretudo à sua qualidade de crime-meio. O crime de sequestro previsto no art. 158º do CP é punido alternativamente com prisão ou multa, devendo, por força do art. 70º do CP, dar-se preferência à pena de multa, desde que esta realize as finalidades da punição. Por outras palavras, só se os interesses preventivos da pena forem assegurados, é admissível a opção pela pena de multa. No caso dos autos, é manifesto que a pena de multa é insuficiente para satisfazer as exigências preventivas, quer de ordem geral, quer de natureza especial. O sequestro assumiu, em qualquer dos crimes de roubo consumado, uma forte ilicitude, determinante inclusivamente da sua autonomização relativamente ao roubo. A censura penal não pode deixar de ser expressiva, pela intensidade da violação do bem jurídico protegido, a liberdade. E são manifestamente fortes as exigências de prevenção geral, pela proliferação deste tipo de condutas, mas também de prevenção especial, pelo desprezo revelado pelo recorrente quanto à liberdade dos ofendidos. Ataca também o arguido a medida da pena do crime de roubo praticado contra a ofendida CC, fixada em 4 anos de prisão, e que ele entende que não deve ser superior à do outro crime de roubo, fixada em 2 anos e 6 meses de prisão. Não tem, porém, a menor razão. Na verdade, nesse crime interveio um fator agravativo de grande relevo: o facto de a ofendida estar acompanhada de um filho de 3 anos, que presenciou a conduta criminosa, do princípio ao fim. Tal facto, para além do eventual sofrimento que terá provocado no próprio menor, difícil de avaliar, é certo, dada a sua idade, envolveu seguramente uma angústia suplementar para a ofendida, e um perigo acrescido, que há que realçar e relevar penalmente em termos de agravação da pena. Nenhuma censura merece, pois, esta pena, como aliás nenhuma das restantes penas parcelares. Por último, contesta o arguido a pena conjunta, que pretende que seja reduzida para 5 anos de prisão e suspensa na sua execução. Estabelece o art. 77º, nº 1, do CP que o concurso é punido com uma pena única, em cuja medida são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. E o nº 2 acrescenta que a pena única aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares (não podendo ultrapassar 25 anos de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares. Como é unânime, consagra este preceito um sistema de pena conjunta, que respeita a autonomia das penas parcelares, partindo delas para a fixação de uma moldura penal, construída através do cúmulo jurídico daquelas, no quadro da qual será fixada a pena única.[10] A determinação da medida concreta da pena única deve atender, como qualquer outra pena, aos critérios gerais da prevenção e da culpa (art. 71º do CP); e ainda a um critério especial: a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua interrelação. Ao tribunal impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente. Essa apreciação indagará se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de caráter fortuito, não imputável a essa personalidade. A determinação da pena única, quer pela sua sujeição aos critérios gerais da prevenção e da culpa, quer pela necessidade de proceder à avaliação global dos factos na ligação com a personalidade, não é compatível com a utilização de critérios rígidos, com fórmulas matemáticas ou abstratas de fixação da sua medida. Como em qualquer outra pena, é a justiça do caso que se procura, e ela só é atingível com a criteriosa ponderação de todas as circunstâncias que os factos revelam, sendo estes, no caso do concurso, avaliados globalmente e em relação com a personalidade do agente, insiste-se. No caso dos autos, é notória a ligação entre a prática dos factos e a dependência de estupefacientes por parte do arguido. Tal ligação não constitui, porém, qualquer fator atenuativo. Ao arguido foram concedidos todos os meios de integração social, de tratamento e de redução de danos, programas que tem abandonado por sua iniciativa, desprezando todas as oportunidades que lhe foram concedidas. Acresce que o arguido revelou capacidade de reflexão na preparação dos crimes, persistência e audácia na prática criminosa, a que só a detenção pôs termo, note-se. Não revela o arguido, por outro lado, qualquer capacidade ou interesse numa carreira profissional. Tudo isto significa que são extremamente fortes as exigência de prevenção especial. O mesmo se dirá da prevenção geral, dada a proliferação de condutas como as imputadas ao arguido, condutas essas que provocam justificado alarme social e insegurança das populações. Importa aqui, porém, introduzir uma correção na fundamentação do acórdão recorrido, de alguma forma acolhendo um reparo formulado pelo arguido. Na verdade, não se podem aceitar as considerações produzidas no dito acórdão quanto à necessidade de adequar a prevenção geral ao meio social onde os crimes são cometidos, por se entender que nos “meios pacatos” estes crimes devem ser punidos de forma mais vigorosa do que nas “zonas com maiores focos de criminalidade”. É que os bens jurídicos têm de ser protegidos de forma igual por todo o País. E, se nas “zonas pacatas” o alarme pode ser maior pela ocorrência de crimes aí ainda “pouco vulgares”, devendo consequentemente o direito penal intervir em defesa das “expetativas comunitárias”, nas “zonas criminosas” o alarme social pode não ser tão intenso, mas a qualidade de vida das pessoas é menor pela ocorrência mais frequente de crimes, que as obriga a cuidados redobrados e por vezes hábitos mais comedidos na frequência do espaço público. Daí que as necessidades da prevenção geral sejam comuns a todo o território nacional, sem distinção. No entanto, ponderando globalmente os factos e a personalidade do arguido, por um lado, e os fins das penas, por outro, julga-se inteiramente adequada a pena conjunta fixada em 1ª instância. Improcede, pois, totalmente o recurso do arguido. Prejudicada fica a questão da suspensão da execução da pena (art. 50º, nº 1, do CP).
III. Decisão
Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso. Vai o recorrente condenado em 5 UC de taxa de justiça.
Lisboa 24 de setembro de 2014
Maia Costa (Relator) Pires da Graça ________________ |