Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
| Relator: | PEREIRA DA SILVA | ||
| Descritores: | AVAL RELAÇÃO CAMBIÁRIA FIANÇA ANALOGIA BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ | ||
| Data do Acordão: | 03/25/2010 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Doutrina: | - Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2.º, pág. 372. - Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial”, vol. III – “Letra de Câmbio”, págs. 205 a 209. - Gonçalves Dias, in “Da Letra e da Livrança”, vol. VII, págs. 588 e 589. - José Gabriel Pinto Coelho, in “Lições de Direito Comercial”, 2.º vol., “As Letras”, fascículo V, págs. 85 e 86. - Manuel Januário da Costa Gomes, in “Assunção Fidejussória de Dívida” – Almedina – 2000 -, págs 1138, 1139 (nota 234), 1190 e 1191. - Pedro Pais de Vasconcelos, in “Pluralidade de Avales Por um Mesmo Avalizado e «Regresso» do Avalista Que Pagou Sobre Aqueles Que Não Pagaram” – “Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais” – Coimbra Editora, 2007 – Vol. III, págs. pág. 489/490,948 e seguintes, 964, 966 a 977. - Pedro Pais Vasconcelos, in “Títulos de Crédito”. A.A.F.D.L., 88/89, pág. 74. | ||
| Legislação Nacional: | - ARTIGOS 342.º, N.º1,E 650º , AMBOS DO CÓDIGO CIVIL (CC); - ARTIGOS 467.º N.º 1 ALS. A), D) E E), 664.º, N.º1, TODOS DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC); - ARTIGOS 30.º A 32.º, DA LETRA UNIFORME DAS LETRAS E LIVRANÇAS (LULL). | ||
| Jurisprudência Nacional: | - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 16-3-56, IN BMJ 55-299; - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 7-7-99 (CJ/STJ, 99, 3.º, 14); - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 24-10-02 (CJ/STJ,2002-3.º - 121); - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 15-11-07 (PROC.º N.º 07B1296), DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT; - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 29-04-08 (PROC.º N.º 08A1103), DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT; - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 27-10-09 (PROC.º N.º 480/09.9YFLSB), DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT. | ||
| Sumário : | I. O art. 32.º da L.U.L.L. não permite relações cambiárias entre os vários avalistas de um mesmo avalizado, no, enfim, imperfeitamente designado por “co-aval”, ao contrário do art.º 650.º do C.C. que estabelece relações internas de regresso, em solidariedade, entre os co-fiadores. II. Apenas extracambiariamente o avalista que pagou pode demandar os demais avalistas do mesmo avalizado que não tiverem pago, incumbindo-lhe alegar e provar a relação extracambiária em que funda a bondade da sua pretensão (art.º 342.º n.º 1 do C.C.), já que aquela não se presume. III. Ao não consentir o vazado em I., o art.º 32.º da L.U.L.L. não contém lacuna que possa ser preenchida, por analogia, com o regime de fiança (art. 650.º do C.C.). IV. A procedente invocação do benefício da excussão, pelo fiador, no processo declarativo, aquele consubstanciando excepção material dilatória, não deve conduzir à absolvição da instância ou do pedido, antes a sentença condenatória devendo espelhar a subsidiarização da responsabilidade do demandado/fiador, operada com a invocação do benefitium. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. A) AA e mulher, BB, intentaram acção declarativa, com processo comum, ordinário, contra: 1. “J... – Comércio de Têxteis, Ld.ª”, 2. CC e mulher, DD, e 3. EE e mulher, FF, impetrando: a) A declaração de que: 1.º A 1.ª ré deve aos autores a quantia de 16.228.050$50, acrescida de juros legais desde a citação; 2.º A 1.ª ré não possui, actualmente, quaisquer bens, nem rendimentos, que lhe permitam pagar esta quantia; 3.º Se encontram excutidos todos os bens da 1.ª ré; 4.º Os autores têm direito a receber de cada casal dos 2.ºs e 3.ºs réus a quantia de 5.347.554$00, acrescida de juros legais desde a citação; b) A condenação: 1.º Da 1.ª ré a pagar aos autores a quantia de 16.228.050$00, acrescida de juros legais desde a citação; 2.º De cada casal dos 2.ºs e 3.ºs réus a pagarem aos autores a quantia de 5.347.554$00, acrescida dos juros legais desde a citação. Em abono da procedência da acção, em súmula, alegaram: O Banco Nacional Ultramarino abriu a favor da 1.ª ré um crédito no montante de Esc. 12.000.000$00. Em garantia de todas e quaisquer responsabilidades contraídas, ou a contrair, pela 1.ª ré perante o BNU, até ao limite de Esc. 14.000.000$00, abrangendo, designadamente, as emergentes do contrato da abertura de crédito, foi entregue à predita instituição bancária uma livrança em branco, subscrita por “J... – Comércio de Têxteis, Ld.ª” e avalizada pelos autores, pelos 2.ºs e 3.ºs réus e por GG e mulher, HH. Em 10 de Julho de 1998, a primeira ré devia ao BNU, proveniente da abertura de crédito e do empréstimo a que se alude no art.º 15.º da petição inicial, a quantia de Esc. 21.390.217$00. O BNU exigiu o pagamento da quantia de Esc. 21.390.217$00 à 1.ª ré. Como esta não pagou, o BNU exigiu o pagamento aos autores, aos 2.ºs e 3.ºs réus e a GG e mulher. GG e mulher pagaram ao BNU Esc. 5.162.166$50. Como os 2.ºs e 3.ºs réus se recusaram a pagar qualquer quantia, os demandantes foram obrigados a efectuar o pagamento do que faltava para preencher os Esc. 21.390.217$00 em dívida, ou seja, Esc. 16.228.050$50. A 1.ª ré não tem quaisquer bens, nem exerce quaisquer actividades, tendo encerrado as suas instalações. Assiste aos autores o direito de exigir aos 2.ºs e 3.ºs réus a parte da sua responsabilidade na dívida, isto é, Esc. 5.347.554$00. * B) Contestaram os réus:1. CC e mulher, por excepção e impugnação, como flui de fls.42 a 47. 2. EE e mulher, outrossim por excepção e impugnação, mais tendo deduzido reconvenção, peticionando a condenação dos reconvindos a pagarem ao reconvinte a quantia de Esc. 2.043.756$00 acrescida de juros vincendos, à taxa legal, “contados desde o recebimento da contestação e até integral pagamento” – cfr. fls. 55 a 57. * C) Replicaram II e mulher, pugnando pelo demérito da defesa exceptiva e pela não admissibilidade da reconvenção (vide fls. 79 a 81).* D) No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias invocadas e foi decidido relegar para final “o conhecimento da compensação parcial do crédito dos autores com o crédito” invocado dos 3.ºs réus, “por inexistirem elementos suficientes para o conhecimento de tal excepção peremptória”.* E) Seleccionada a factualidade considerada como assente e organizada a base instrutória, cumprido o demais de lei, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, sentenciada tendo vindo a ser, para além da declaração de que a 1.ª ré devia aos autores o montante de Esc. 16.228.050$50, acrescida de juros legais desde a citação:1. A condenação da 1.ª ré a pagar aos demandantes a quantia de Esc. 16.228.050$50, acrescida de juros legais desde a citação. 2. A absolvição dos 2.ºs e 3.ºs réus dos pedidos. 3. A improcedência do pedido reconvencional, com consequente absolvição dos autores daquele (cfr. fls. 362 a 378). * F) Com a sentença se não tendo conformado, dela apelaram os autores.* G) O TRC, por acórdão de 09-06-16, como brota de fls. 414 a 428, julgou procedente o recurso, revogando, por mor de tal, a sentença e condenando “cada casal de réus (2.ºs e 3.ºs réus) a pagar aos autores a quantia de 26.673,49 euros (5.347.554$00), acrescida de juros de mora desde a citação”.* H) Irresignados com o aludido acórdão, dele interpuseram recurso de revista EE e CC.* I) Admitidas as revistas, veio a ser julgada deserta, por falta de alegação, a interposta por EE.* J) Na alegação oferecida, tirou o recorrente João as seguintes:CONCLUSÕES: 2 - Colocando por essa via em causa, os valores da segurança jurídica e da justiça, pois nos parece ser peregrina a confusão entre, primeiro, o que no caso dos autos representa a relação dos avalistas face à relação principal entre o credor e o devedor principal, titular de dívida própria para com aquele, e os que, segundo, dessa relação se pode reflectir na relação entre os avalistas tendo em conta a relação destes com o designado devedor principal. 3 - Não ocorrendo na relação creditícia entre os co-avalistas as características da relação cambiária, autonomia, literalidade, abstracção e solidariedade ... ... Diremos nós, sabe qualquer um deles, em abstracto, sendo devedor do devedor co-avalista que pagou, que tem a faculdade de se beneficiar primeiramente da excussão prévia dos bens do devedor principal, titular originário da dívida. Podendo também não o fazer ... assumindo que prescinde de tal benefício. Certo é porém, que entre os avalistas não existe uma acção cambiária ... 4 - Existe assim, a nosso ver, uma hierarquia, com uma cronologia própria, de responsabilidades com características diversas entre si. Um primeiro momento em que os avalistas pretendem “ajudar” em primeira linha o devedor principal, avalizado, respondendo por ele; um segundo momento em que, por terem operado as características da relação cambiária com o pagamento dentro da relação garantística, existe o direito de regresso que pode ser accionado desde logo contra os demais avalistas e o devedor principal, mas em que aqueles podem invocar que primeiramente seja excutido o património deste. Na medida em que entre os co- -avalistas a responsabilidade não é subsidiária em relação ao avalizado. 5 - Determinar a perda, que desde início se não pretendeu, embora houvesse a possibilidade de expressamente os garantes o fazerem, da faculdade de se fazer operar este benefício, equivale a subverter a relação subjacente à constituição do aval, impondo uma vontade ou uma "norma", onde esta não existia. Colocando-se em perigo o princípio da liberdade contratual. Seria uma forma de contornar as garantias próprias de cada um dos avalistas demandados, que não encontra a nosso ver suporte na lei, nem sequer no espírito do legislador. 6 - Pois dos termos do art. 638º conjugado com o art. 640º a), ambos do CC, resulta claro que para o legislador prevalece a liberdade contratual, espírito que enforma as obrigações em geral tal qual são reguladas na lei civil. Ou seja, sempre teriam aqueles de ter lavrado declaração expressa no sentido de renunciarem ao benefício. 7 - Defendemos aliás, nesta perspectiva, que ainda que não houvesse neste caso o direito de invocar o benefício da divisão, nos termos do art. 650º nº 3 do CC, tal não é configurado naquele nem em outro normativo, como cláusula de exclusão automática do benefício de excussão prévia como é concedido "in fine" naquele preceito legal. 8 - Ante o aval e a fiança, estamos por vontade do legislador, sujeitos institutos diferentes, com finalidades e modos de operar diferenciados entre si. 9 - Aceitar um modo diverso de encarar as relações resultantes de cada um deles, deitando mão da analogia nos termos do art. 10° nºs 1 e 2 do CC, com o faz o Douto Acórdão, é quanto a nós um precedente que a fazer escola, trará certamente a negação da segurança jurídica. 10 - É assim, quanto a nós, forçado a aplicação da analogia no caso objecto do Douto Acórdão, uma vez que nos termos do nº 1 do art. 10° do CC, apenas há lugar à aplicação da analogia, quando existam casos que a lei não preveja. 11 - O que não é o caso, na medida em que o normativo legal da fiança prevê de forma clara e expressa os casos em que há ou não lugar ao benefício da excussão prévia, conforme se deixou aliás já referido. Ou seja, não existe claramente omissão de regulamentação legal que dê suporte à aplicação da analogia tal qual ocorreu. Nem tal aplicação pode encontrar suporte na invocação que é feita do princípio da justiça, a prevalecer sobre o da segurança jurídica, decorrendo esta, claramente, da previsão legal existente no instituto da fiança. 12 - A declaração de renúncia ao benefício da excussão prévia tem de ser expressa e em resultado de uma interpelação expressa à vontade dos contratantes, no sentido de anuírem ou não a tal renúncia. 13 - O Douto Acórdão, ao aplicar analogicamente a exclusão da excussão prévia, como se de um aval se tratasse na relação entre co-avalistas, embora afirmando o contrário, violou o preceituado no nº 1 do art. 10º do CC, bem como os arts. 638º nº 1 e 640º a) do mesmo Código. Fazendo uma interpretação do nº 1 do art. 650º, naquele sentido, sem suporte alguma na letra daquele preceito. Além de emanar de contradições entre os preceitos legais que invoca e as consequências que por via da imposta analogia, dos mesmos retira, negando a sua essência. 14 - A lei aplicável é a que resulta plasmada no art. 650º nº 3, do CC, ou ainda que assim se não entenda o que apenas por hipótese e sem conceder se admite, e se entenda aplicar o nº 1 do mesmo artigo, sempre prevalecerá, pelos argumentos expostos, o normativo do nº1 do art. 638º do mesmo Código. 15 - Preceito este de que decorre que a determinação de existirem ou não bens a excutir na esfera jurídica do avalizado, depende de operações instrumentais de que os autos em concreto não dispôs. Nomeadamente na pendência de processo executivo ou de insolvência, não se bastando com mera prova testemunhal. 16 - Também aqui o Douto Acórdão violou a lei ao assumir esta prova em detrimento dos meios próprios, declarando sem mais, que a avalizada não tem património. 17 - Deve assim, com o Douto Suprimento de Vossas Excelências, ser revogado o Acórdão "sub júdice", determinando-se a manutenção a favor dos recorrentes do benefício da excussão prévia dos bens da empresa avalizada, como decisão independente de, nos termos já denunciados, se ter entendido que aquela não tem património. 18 - Isto é, por o Douto Acórdão ao se ter referido a esta última questão em concreto, sem que para tal fosse solicitado, quando as duas questões em causa na Apelação, eram, por vontade dos apelantes, violação de caso julgado e direito ou não à excussão prévia ... … Deve ser proferido Acórdão que revogando o recorrido, determine a absolvição do ora recorrente.”. K) Não foi contra-alegada a revista instalada por CC. * L) Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.* II. Eis como se configura a materialidade fáctica dada como assente no aresto impugnado, como “decisão”, doravante, designado:“A) Em 3 de Junho de 1994 eram sócios da Ré J..., Lda, os autores, os réus CC e EE e, ainda, GG, sendo os seus únicos gerentes. B) Na mesma data, a primeira ré entregou na agência de Leiria do Banco Nacional Ultramarino uma carta cuja fotocópia constitui fls. 13-14 da qual consta, em síntese, o seguinte: "Solicitamos a esse Banco a abertura de um crédito em conta corrente em nome de J... - Comércio de Têxteis, Lda (...). Limite: - Esc 12.000.000$00 (doze milhões de escudos) (...) Em garantia de todas e quaisquer responsabilidades por nós contraídas ou a contrair perante esse Banco até ao limite de esc. 14.400.000$00 (catorze milhões e quatrocentos mil escudos), abrangendo designadamente as emergentes da presente carta contrato junto remetemos uma livrança em branco, datada de hoje, subscrita por nós J... (...) e avalizada por AA e mulher BB, EE e mulher FF, CC e mulher DD e GG e mulher HH. Fica esse Banco autorizado a preencher a referida livrança pelo montante que em qualquer momento se encontrar em dívida, fixando-lhe o vencimento (...). Os outros intervenientes concordam com o exposto (...). C) A carta referida foi assinada pelos autores, réus e respectivas mulheres. D) Em 13 de Junho de 1994, o Banco identificado recebeu a carta e aceitou os termos do acordo nela consubstanciados. E) O BNU cedeu ainda à ré J... a quantia de esc. 4 000 000$00 (quatro milhões de escudos), tendo esta, em contrapartida, subscrito uma livrança, no mesmo valor, com data de vencimento em 20.08.95. Esta livrança encontra-se subscrita pela ré J... e avalizada pelos autores e restantes réus. F) Em 1989 os sócios da ré J... decidiram efectuar suprimentos de esc. 4 000 000$00 (quatro milhões de escudos). Para o efeito, os réus EE e mulher emprestaram a cada um dos outros três sócios da ré J... Esc. 1 000 000$00 (um milhão de escudos), tendo estes emitido, cada um, um cheque de igual montante e outorgado, por escrito, um "contrato particular de empréstimo". G) Os autores não pagaram a referida quantia de Esc 1 000 000$00 (um milhão de escudos) aos réus EE e mulher. H) O BNU enviou aos terceiros réus uma carta, por estes recebida, datada de 11 de Junho de 1996, cuja fotocópia consta a fls. 59, onde consta, em síntese, o seguinte: "Lamentamos verificar que apesar das n/ diversas solicitações e do longo tempo já decorrido após o acordo (...) de que V. Excia e sua mulher são co-responsáveis como avalistas, o mesmo continua por se concretizar. (...) Agradecemos que para a sua regularização contacte esta gerência dentro de cinco dias (...) ". I) Em 30 de Novembro de 1995, o acordo a que se referem as alíneas B), C) e D) apresentava o saldo de esc. 13 299 670$00 favorável ao BNU. J) Em 10 de Julho de 1998 encontrava-se por pagar a quantia acabada de referir, o montante de esc. 3 300 000$00, titulado pela livrança a que se alude na alínea F) , e esc. 4 790 539$70, relativos a imposto de selo e juros das importâncias mencionadas (esc. 13 299 670$00 e esc. 3 300 000$00). O BNU exigiu à ré J... o pagamento das quantias referidas e, depois, também aos autores, aos segundos e terceiros réus e ao outro sócio da J..., GG e à mulher deste. K) GG e mulher pagaram ao BNU Esc. 5 162 166$00. Os 2°s e 3°s réus não pagaram qualquer quantia. L) Em consequência, os autores pagaram ao BNU a quantia de Esc. 16 228 050$50. M) Nessa ocasião, a ré J... não dispunha de meios que lhe permitissem pagar. N) Actualmente, a ré J... não tem bens ou rendimentos, não exerce qualquer actividade, encerrou as suas instalações, o que se mantém há mais de três anos. O) O réu CC dirigiu uma carta à ré J..., cuja fotocópia constitui fls. 48. Em tal carta o réu declara que: "Nos termos e para os efeitos previstos no art 285° do CSC, levo ao conhecimento de V. Excias que renuncio à gerência dessa sociedade, sem prejuízo, como é óbvio, dos meus direitos de sócio". Esta carta foi remetida pelo réu e dirigida à ré J..., sob registo, em 24 de Agosto de 1994, em conformidade com o documento de fls. 49. P) O autor marido emitiu o cheque que faz fls. 73. Q) Em Novembro de 1991, a Ré J... teve necessidade de "subscrever uma livrança" de Esc. 5 000 000$00. Esta livrança foi entregue a uma instituição bancária que exigiu que a mesma fosse avalizada por todos os sócios da ré J....” III. Não estamos face a hipótese contemplada nos artigos 722.º n.º 2 do CPC (redacção vigente a 31-12-07, a considerar, visto o plasmado nos artigos 11.º n.º 1 e 12.º n.º 1 do D.L. n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não esquecida a data da propositura da acção) e 729.º n.º 3 do supracitado Corpo de Leis. Destarte, o acervo fáctico que se tem como definitivamente fixado é o descrito em II. * IV. O DIREITO:a) Arquitecto da acção sendo quem demanda (art.º 467.º n.º 1 als. a), d) e e) do CPC), é iniludível que AA e mulher, BB, fizeram repousar a bondade do peticionado, no tocante aos réus citados em I. A) 2. e 3., no nada terem estes – avalistas da subscritora das livranças, a 1.ª ré, tal como os autores -, pago aos ora recorridos que, honrando os avales prestados, pagaram ao BNU Esc. 16.288.050$50 (vide II. L)), assim não partilhando o sacrifício financeiro dos avales a que, na sua tese, estavam obrigados. b) Na “decisão”, em ordem à sustentação do valimento da encontrada solução de direito, no atinente aos 2.ºs e 3.ºs réus, seguiu-se, diga-se liminarmente, corrente jurisprudencial sufragada, v.g. em acórdãos deste Tribunal, de 7-7-99 (CJ/STJ, 99, 3.º, 14), 24-10-02 (CJ/STJ,2002-3.º - 121), 15-11-07 (Proc.º n.º 07B1296, disponível in www.dgsi.pt) e 29-04-08 (Proc.º n.º 08A1103, disponível in www.dgsi.pt), e, nas palavras de Pedro Pais de Vasconcelos, “tendência antiga”, na jurisprudência, “para recorrer ao regime da fiança para permitir ao avalista que pagou, o exercício de uma acção de regresso contra os demais avalistas do mesmo avalizado, de modo a não ter de suportar sozinho o sacrifício financeiro do aval”, nos tribunais existindo “decisões que admitem a acção extracambiária de regresso solidário entre avalistas do mesmo avalizado, com fundamento no regime de fiança civil, mais concretamente no art.º 650.º do Código Civil” (in “Pluralidade de Avales Por um Mesmo Avalizado e «Regresso» do Avalista Que Pagou Sobre Aqueles Que Não Pagaram” – “Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais” – Coimbra Editora, 2007 – Vol. III, pág. 964) – sublinhado nosso, tal como todos os demais. Ainda: c) A ditada, na “decisão”, procedência da acção, quanto aos réus referidos em I. A). 2. e 3., filiou-se, recorda-se, outrossim, na proclamada não dependência do direito de regresso dos autores da própria excussão dos bens da ré “J... – Comércio de Têxteis, Ld.ª” e, mais, no dever ser reconhecido aos demandantes tal direito contra os 2.ºs e 3.ºs réus, mesmo que se entendesse que o direito de regresso dependia de prévia excussão dos bens da 1.ª ré, sopesado o vazado em II. M) e N) – vide fls. 14 e 15 da “decisão”. A este respeito, deixa-se, desde já, consignado que a invocação pelo réu/recorrente, na contestação, do benefício da excussão, que arrimo encontrasse na lei, jamais desaguaria, com acerto, na sua absolvição da instância ou do pedido, como decorrência da concessão de revista, ao arrepio do propugnado nas conclusões do recurso instalado para o STJ. Efectivamente, consoante lembra Manuel Januário da Costa Gomes, in “Assunção Fidejussória de Dívida” – Almedina – 2000 -, págs 1138, 1139 (nota 234), 1190 e 1191, optando o fiador pela invocação do benefício da excussão, na fase declarativa, tal invocação “não pode deixar de ter reflexos nos termos da sua própria condenação”, a sentença, antes, devendo “revelar a operada subsidiarização da responsabilidade do fiador”, sem esta absolver da instância ou do pedido. É na fase executiva que o benefício da excussão, excepção material dilatória, “tem o seu, digamos, habitat natural”. Prosseguindo: d) A concessão da revista, com consequente absolvição do recorrente do pedido, essa, fazemos nós assentar, sem olvido do exarado no art.º 664.º n.º 1 do CPC, no não integrarmos a corrente jurisprudencial noticiada em b) que antecede, pelo a dilucidar, e na ausência de alegação, no momento, para tanto, processualmente azado, e, consequentemente, não prova, pelos autores, que de tal tinham o ónus (art.º 342.º n.º 1 do CC), da facticidade necessária para o êxito da acção, a qual, por tal omissão, inexoravelmente naufraga (cfr. Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2.º, pág. 372). Atentemos: e) 1. A lei não define o aval, o qual, como a fiança, são garantias obrigacionais, com díspar natureza jurídica (cfr. Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial”, vol. III – “Letra de Câmbio”, págs. 205 a 209, e Pedro Pais Vasconcelos, in “Estudo” citado, págs. 948 e seguintes) e idêntica função económica, a de caucionar, de garantir o pagamento de uma dívida. Limita-se a lei a estabelecer o regime jurídico do aval (art.ºs 30.º a 32.º da LULL), negócio jurídico cambiário, enquanto a fiança é um negócio jurídico extracambiário, aquele, doutrinariamente, podendo ser definido como “o negócio cambiário unilateral e abstracto que tem por conteúdo uma promessa de pagar a letra e por função a garantia desse pagamento” (Pedro Pais Vasconcelos, in “Títulos de Crédito”. A.A.F.D.L., 88/89, pág. 74). Como negócio jurídico cambiário, próprio dos títulos de crédito, o aval tem como características a abstracção, a literalidade, a autonomia e a incorporação. 2. Sucede amiúde a prestação de vários avales por honra de um mesmo interveniente cambiário, o regime de pluralidade de avales pelo mesmo avalizado sendo impropriamente designado por “co-aval”. Acontecendo pluralidade de avales pelo mesmo avalizado, cada aval é autónomo em relação aos demais, sem dissídio, na jurisprudência (cfr., entre muitos outros, acórdãos do STJ, de 16-3-56, in BMJ 55-299, e o já referido de 7-7-99) e na doutrina (Gonçalves Dias, in “Da Letra e da Livrança”, vol. VII, págs. 588 e 589, e José Gabriel Pinto Coelho, in “Lições de Direito Comercial”, 2.º vol., “As Letras”, fascículo V, págs. 85 e 86) se afirmando que, em tal hipótese, a LULL (art.º 32.º, parágrafo 3.º) veda relações cambiárias entre os chamados co-avalistas, tal normativo só concedendo ao avalista que paga a letra (ou livrança, “ex vi” do estatuído no art.º 77.º da L.U.L.L.) acção cambiária de regresso contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com este em virtude da letra (ou da livrança). 3. Como sustentado no acórdão deste Tribunal, de 27-10-09 (Proc.º n.º 480/09.9YFLSB), disponível in www.dgsi.pt, cuja doutrina, em absoluto, perfilhamos, assim nos afastando da corrente jurisprudencial já noticiada (cfr. b) que antecede), perfilhando a tese de Pedro Pais de Vasconcelos, quanto à temática, expendida no “Estudo” à colação já chamado: “… Mas o aval pode ter uma relação subjacente que o fundamente e que está na sua origem e uma convenção executiva que medeia e regula a coexistência e a influência recíproca da relação cambiária e da relação subjacente. A relação subjacente e a convenção executiva não se presumem. Têm de ser alegadas e provadas para poderem ser tomadas em consideração. O recurso ao regime jurídico da fiança para regular as relações entre os avalistas do mesmo avalizado, nomeadamente entre o avalista que pagou e os demais avalistas do mesmo avalizado, só pode ancorar-se em relações extracambiárias que tenham sido estabelecidas entre os vários avalistas do mesmo avalizado. Assim, é necessário que exista uma tal relação extracambiária que possa fundamentar a acção extracambiária de regresso. Uma tal relação extracambiária de regresso não existe de per si, tendo antes de ser convencionada pelos interessados. Nada impede que os avalistas do mesmo avalizado convencionem entre si que, no caso de um deles ser accionado a honrar o seu aval, todos contribuiriam com igual valor para custear essa responsabilidade. Também nada obsta a que convencionem entre si uma diferente percentagem para cada um no correspondente encargo económico. O que releva é que a acção extracambiária de regresso entre avalistas do mesmo avalizado só pode fundar-se em alguma convenção que entre eles tenha sido celebrada …”. Não é de sufragar o entendimento relatado da jurisprudência citada em IV. b). Com efeito, como ler se pode no último aresto invocado: “…é lícita a estipulação das convenções extracambiárias pelas quais os vários avalistas do mesmo avalizado acordam entre si a partilha do encargo económico decorrente do pagamento do aval. Subjacente ao aval ou à pluralidade de avales pode ter sido convencionada extracambiariamente uma fiança, destinada a funcionar no caso de extinção do aval e a reger o modo de partilha do encargo financeiro entre os vários avalistas, quando haja uma pluralidade de avales prestados em favor de um mesmo avalizado. No entanto, como bem observa o Professor Pedro Pais Vasconcelos, nas conclusões do seu mencionado Parecer, pág. 489/490: “Esta fiança extracambiária só existe se for convencionada formal e expressamente, e nada permite presumi-la. O regime jurídico do art. 32 da LULL, ao não permitir relações cambiárias entre a pluralidade de avalistas do mesmo avalizado, não contém uma lacuna que possa ser preenchida por analogia ao regime civil da fiança. O aval não é uma fiança especial e o seu regime jurídico não constitui uma espécie de um género que seria a fiança civil. O regime jurídico da fiança civil não pode, por isso, ser aplicado, como regra geral, às relações entre pluralidade de avalistas do mesmo avalizado. Em caso de pluralidade de avales pelo mesmo avalizado, se apenas for exigido o pagamento de um deles (ou a mais do que um, mas não a todos), o avalista que pagou, ao accionar os demais avalistas do mesmo avalizado, tem o ónus de alegar e provar a convenção extracambiária em que funda o seu pedido, a qual não se presume. Os réus (os avalistas que não pagaram) não ficam onerados com a alegação e prova de se não terem obrigado perante aquele a comparticipar no custeio do benefício financeiro inerente ao aval”. 4. Nem surtem os outros “fundamentos jurídicos possíveis para uma pretensão extracambiária de regresso do avalista que pagou contra os demais avalistas”, consubstanciados em: “Aplicação directa do artigo 650.º do Código Civil. Presunção de vigência extracambiária de uma fiança como relação subjacente ao aval. Presunção de uma regulação interna extracambiária de solidariedade entre os co-avalistas”, como defendido por Pedro Pais de Vasconcelos, no “Estudo” citado, págs. 966 a 977, o argumentário jogado por este autor, em prol da tese que acompanhamos, nos dispensando de reproduzir. f) Na hipótese em apreço, é apodíctico, tal decorre dos articulados dos autores, estes não alegaram, nem, por isso, obviamente, provaram, qualquer convenção extracambiária para fundar o seu pedido de condenação dos demais avalistas a custearem uma quota-parte do valor que pagaram. Censura, pois, merece a “decisão”, não obliterado o exposto em IV d) e e). * CONCLUSÃO:Termos em que, na concessão da revista interposta por CC, se revoga a “decisão”, no tocante à condenação de tal réu, o qual se absolve do pedido. Custas da revista pelos recorridos. As atinentes à 1.ª instância: pelos recorrentes, na proporção correspondente à do valor da reconvenção; as demais, por autores e réus, excepção feita a CC, na proporção correspondente à do seu decaimento. As da apelação: por recorrentes e recorridos, afora CC, na proporção supracitada (art.º 446.º n.ºs 1 e 2 do CPC). Lisboa, 25 de Março de 2010 Pereira da Silva (Relator) Rodrigues dos Santos Oliveira Rocha João Bernardo (vencido nos termos do voto que junto ) Oliveira Vasconcelos (vencido de acordo com a declaração que junto) Voto de vencido Votei vencido porque seguiria o entendimento tradicional da jurisprudência, plasmado nos arestos citados no texto do Acórdão, no sentido da aplicação, por analogia, das regras da fiança. Assim, o co-avalista que paga a letra tem, em minha opinião, direito de regresso, ainda que não em acção cambiária, contra os co-avalistas que não pagaram. A existência, na relação subjacente, de factos que afectem este direito de regresso constitui ressalva, cabendo ao não pagador a sua demonstração. De outro modo, abre-se caminho a uma situação de flagrante injustiça em que o que pagou «libertou», em termos práticos, os outros avalistas – que não pagaram – da sua obrigação. Uma «sanção» ao cumpridor e um «benefício» ao inadimplente. João L M Bernardo Voto de vencido Como é doutrina e jurisprudência maioritária, entre os co-avalistas não existe um nexo cambiário em termos de o avalista que paga ao portador poder accionar cambiáriamente os seus consócios no aval e, portanto, o disposto nos artigos 32º e 47º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças não é aplicável àquelas relações. Mas a inexistência desta relação cambiária não implica que deixem de existir relações de direito comum entres os diversos avalistas. Sendo assim, as relações entre os co-avalistas regular-se-ão pela convenção eventualmente entre eles existente quanto a essa matéria. E se não nada tiverem convencionado? Aqui divergimos da tese que fez vencimento. Entendemos que neste caso se devem aplicar, por analogia, as normas que regem o instituto da fiança. Na verdade, na ausência de qualquer acordo sobre a divisão da sua responsabilidade, as razões justificativas para o regime da repartição solidária entre os devedores, previsto o artigo 650º do Código Civil para a fiança, são as mesmas para a repartição da responsabilidade entre os devedores co-avalistas. É que, embora o aval e a fiança sejam institutos distintos, preenchem ambos uma mesma função: a função de garantia. Deste modo e tal como se defendeu no acórdão deste Supremo de 02.10.24 “in” Colectânea de Jurisprudência/Supremo Tribunal de Justiça, 2002, III, 121, entendemos que compete aos demais co-avalistas do que pagou a totalidade ou parte do aval alegar e provar qualquer facto de donde resulte uma repartição diferente da responsabilidade dos mesmos por aplicação das regras da fiança. No caso concreto em apreço, não foi alegado qualquer facto de onde resultasse aquela diferenciação. Sendo assim, impunha-se a aplicação daquelas regras, Ora e de acordo com o disposto no citado art. 650.º, que regula a relações entre fiadores e sub fiadores, aquele avalista que paga fica com o direito de regresso contra os outros avalistas, em harmonia com as regras das obrigações solidárias. E uma destas regras é a de que “o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete” – art. 524.º do mesmo diploma. Se o avalista foi judicialmente demandado pagar mais do que devia pagar, tem o direito a reclamar dos outros as quotas deles, no que haja pago a mais, mesmo o devedor não esteja insolvente, isto é, mesmo que este esteja em condições de cumprir a obrigação, se ela lhe for exigida pelo avalista que pagou – cfr. n.º 2 do referido artigo 650º. Aplicados estes conceitos ao caso concreto em apreço, confirmaríamos a condenação dos 2ºs e 3ºs réus, nos termos em que o foram no acórdão recorrido. (Oliveira Vasconcelos) |