Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | NEVES RIBEIRO | ||
Descritores: | TRIBUNAL DE COMÉRCIO COMPETÊNCIA MATERIAL ASSEMBLEIA GERAL DELIBERAÇÃO SOCIAL NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ200506160016587 | ||
Data do Acordão: | 06/16/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 5711/04 | ||
Data: | 01/10/2005 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
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Sumário : | O tribunal do comércio é incompetente em razão da matéria para conhecer de uma acção de declaração de nulidade de uma deliberação da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol que procede ao aumento da quotização de Clubes, seus associados. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: 1) "A" - SOCIEDADE DESPORTIVA DE FUTEBOL, SAD; B - FUTEBOL, SAD; C - OS C, SOCIEDADE DESPORTIVA DE FUTEBOL, SAD; propuseram contra, a D, no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, pedindo que seja declarada nula, e sem qualquer efeito, a deliberação da Assembleia Geral da Liga, de 28 de Fevereiro de 2003, na qual foram fixadas as contribuições dos associados, autores. Para o que está em causa no agravo, bastará dizer que a Ré contestou, invocando a incompetência do tribunal em razão da matéria - alegando que o foro competente é o administrativo. 2) O Mm.° Juiz do Tribunal do Comércio conheceu da excepção da incompetência em razão da matéria e, considerando-a procedente, declarou o Tribunal incompetente em razão da matéria, absolvendo a Ré da instância. Recorreram os AA e a Ré. E a Relação do Porto confirmou a sentença, decidindo pela incompetência material do tribunal solicitado (fls. 535). 3. Agravam agora só os Clubes / autores. E dizem, no que para aqui tem utilidade que, o Tribunal competente para preparar e julgar a providência cautelar (? é capaz de haver lapso!) deverá ser aquele a quem caberá preparar e julgar a acção principal respectiva nos termos da alínea c), do n° 1, do art. 83º do CPC, ou seja, o tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, dado que o elemento literal, lógico, sistemático e histórico da interpretação da alínea d), do n° 1 do art. 89° da LOTJ, não permite distinguir entre diferentes categorias ou classificações de deliberações sociais para efeitos da sua apreciação pelos tribunais de comércio ou por quaisquer outros tribunais (conclusão 8ª). E concluem, dizendo que, existem fundamentos jurídicos bastantes para que o Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia seja considerado materialmente competente para preparar e julgar a acção declarativa de condenação, intentada pelos ora Recorrentes, contra a D. O Digno Representante do Estado, junto deste Tribunal, dá razão ao assim decidido pelas instâncias. (Fls. 625). 4. A Liga Portuguesa de Futebol é uma pessoa juridica de direito privado, segundo dispõe o artigo 1º dos seus Estatutos. Tem fins de utilidade pública desportiva, «não podendo exercer qualquer actividade de exploração comercial, salvo por delegação dos clubes ou sociedades desportivas aos quais serão atribuídos os respectivos resultado, sem prejuízo da liberdade de contratação dos mesmos nas matérias que só a eles digam respeito». [n.º1, alínea d), e n.º3, do artigo 5º daqueles Estatutos]. A deliberação que está em causa, estabelece as comparticipações dos associados para a Liga, em função de critérios fixados pela assembleia geral da pessoa jurídica em causa. É este o seu conteúdo. Trata-se de um acto de gestão privada, não envolvendo qualquer exercício de poder de autoridade - que também o pode exercer por delegação feita por lei atributiva, em casos que especifique, mas que não são seguramente os do tipo considerado pelo dito conteúdo da deliberação impugnada. 5. Os Tribunais de comércio estão vocacionados para as questões «conflituais relativas ao contencioso das sociedades, ao contencioso da propriedade industrial, ás acções e aos recursos previstos no Código de Registo Comercial, aos recursos em matéria de contra-ordenação, no âmbito da defesa da concorrência». (Trabalhos preparatórios da proposta de Lei n.º 182/VII, DR., de 12 de Junho de 1998, IIª série, n.º 59, págs. 1279). Trata-se da passagem do texto explicativo da Proposta, que, na parte questionado pelo agravo, logrou projecção normativa no artigo 89º, n.º 1, alínea d), da LOTJ, ao dizer: «Compete aos tribunais de comércio preparar e julgar... as acções de suspensão e de anulação de deliberações sociais». Texto normativo - todo ele, o do artigo 89º - por onde se revela o propósito legislativo de alocar aos tribunais do comércio a competência para o conhecimento de providências ou de acções cujo objecto se prenda com uma actividade comercial ou industrial - sempre uma actividade económica empresarial. Circunscreve-se a uma matéria especial que tem como critério fundamental de referência a "empresa", como organização de capital e de trabalho, destinada ao exercício de qualquer actividade económica, na definição do artigo 5º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, ao dar a noção de empresa - redacção do DL n.º 200/04, de 18 de Agosto. 6. Ora, como resulta do que se disse no ponto 4, a deliberação que está em apreço - fixação de quotização a pagar pelos associados da Liga, conforme ao artigo 27º alínea e), dos Estatutos («Fixar o valor da jóia para admissão na Liga e da quotização a pagar pelos associados») - é tipicamente um acto interno de gestão da relação privada Liga-Associados. Um acto interno de gestão de uma pessoa de direito privado, face aos seus associados, colocados no mesmo pé de igualdade. Pessoa essa que, não tem como fim estatutário, uma actividade económica e empresarial, e, daí, não revestir a deliberação questionada, a natureza específica que reclamaria o seu conhecimento, através da competência para a qual o tribunal de comércio está mais vocacionado - direito societário empresarial, da concorrência e da propriedade industrial. A razão parece-nos de intuição fácil! Estamos perante uma associação civil, cujos actos, quer pela natureza do próprio acto em si, quer pelos fins estatutários da pessoa que o pratica, não reclamam a competência dos tribunais do comércio, relativamente à formação e formulação da vontade colectiva dos seus órgãos sociais e seus direitos e deveres, em relação aos associados.(Artigo 162º do Código Civil). Passam-se igualmente assim as coisas, com as associações recreativas, de consumidores, de estudantes, de pais, de defesa do ambiente, laborais, patronais etc, etc. (1), relativamente à exigência, cobrança e pagamento de quotas pelos seus associados. Numa palavra: a matéria em litigio, entre os Clubes e a Liga, não assume natureza que preconize legitimação vocacional para o seu conhecimento, através de tribunal de competência especializada - o tribunal do comércio -. Trata-se de matéria civil comum, não de matéria que envolva um conhecimento especializado por jurisdicção própria. 7. O mesmo entendimento, e em relação ainda à Liga Portuguesa de Futebol e às SADs, foi já sustentado por este Tribunal no acórdão de 7 de Novembro, de 2002, Col. Jur. III, págs. 125; no acórdão de 18 de Dezembro de 2003 (não publicado em suporte de papel). E ainda pela Relação do Porto, em acórdão de 23 de Março de 2004, in CJ, págs. 175).; (2) 8. Termos em que, sem necessidade de maiores expanações, se confirma a decisão recorrida, julgando-se incompetente, em razão da matéria, o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, para conhecer do pedido de declaração de nulidade da deliberação da Liga Portuguesa de Futebol, formulado na acção donde emerge o presente agravo. (Ponto 1). Custas pelos Clubes agravantes. Lisboa, 16 de Junho de 2005. Neves Ribeiro, Araújo Barros, Oliveira Barros. -------------------------------------------- (1) Sobre estas generalidades relativamente às associações civis, onde se incluem as desportivas, veja-se, como trabalho mais recente, o Tratado de Direito Civil Português Tomo III, as pessoas, páginas 6987710, do Professor António Meneses Cordeiro. (2) A sentença, a fls, 394, indica vária jurisprudência das Relações no mesmo sentido do texto, não publicados em suporte de papel - até onde se poude fazer a investigação. |