Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | LOPES PINTO | ||
Descritores: | POSSE INVERSÃO DE TÍTULO EMBARGOS DE TERCEIRO ÓNUS DA PROVA DIREITO DE RETENÇÃO DIREITO REAL DE GARANTIA | ||
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Nº do Documento: | SJ200404270010371 | ||
Data do Acordão: | 04/27/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 7140/03 | ||
Data: | 05/06/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I- O instituto jurídico da posse não se confunde com a ocupação material da coisa. II- O promitente-adquirente, ainda quando utilizador da coisa prometida transmitir é um detentor (em nome alheio, através dele prossegue a posse do promitente alienante) e não um possuidor (formal ou causal). III- Não sendo a traditio realizada em consequência de um acto de alienação do direito de propriedade e sim de um acto destinado a proporcionar o direito pessoal do gozo da coisa (salvo prova de situação excepcional por parte do promitente-adquirente; estes direitos envolvem, no que se assemelham aos direitos reais de gozo sem, todavia, o serem, sempre um poder de uso, de fruição ou de utilização da coisa, de conteúdo variável consoante a natureza do direito), tendo em vista a sua futura alienação, não se pode concluir pelo animus correspondente a um direito real nem concluir pela inversão do título. IV- Os poderes que exerce sobre a coisa, que sabe ainda não ter adquirido, correspondem ao direito de crédito do promitente-adquirente perante o promitente-alienante - uma pessoa pode gozar directamente de poderes imediatos (de detenção, de uso ou de fruição) sobre a coisa, independentemente de ser titular de um direito real, mas no exercício de um simples direito pessoal de gozo. IV- Cumpre ao terceiro que embarga alegar (e, mais tarde, vir a provar) factos que integram os elementos constitutivos da posse (CC- 1.251) - corpus (poder de facto, traduz-se no exercício de actos materiais externos e visíveis ou na possibilidade física desse exercício) e animus (traduz-se na intenção de agir como titular do direito real correspondente aos actos materiais praticados). V- O não-cumprimento definitivo do contrato-promessa pela alienação da coisa a terceiro (facto imputável ao promitente-alienante) pode tornar o promitente-adquirente credor de uma indemnização, gozando este de um meio coercivo sobre aquele - o direito de retenção, direito real de garantia que não de gozo. VI- Porque direito real de garantia goza o detentor do direito de ser pago com preferência sobre os demais credores do devedor, pode fazer valer o seu direito de crédito numa fase posterior (CPC- 864-1 b) e CC- 759) mas não pode deduzir embargos de terceiro com vista a se opor à penhora acto que não ofende uma posse inexistente. Este direito de retenção, a existir (o seu reconhecimento processa-se na fase de convocação de credores e verificação dos créditos, no apenso de reclamação de créditos - arts. 864-1 c), 865-1 e 4 e 868 CPC), não infirma a validade do direito de crédito hipotecário do exequente - apenas autoriza o credor do direito à indemnização a no local e momento próprio reclamar o seu crédito e a vê-lo graduado no lugar que lhe competir. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça "A" e mulher B, por apenso à execução hipotecária que Banco C (incorporado hoje na Caixa ...) move a D - Promoção e Administração Imobiliária, Lª., deduziram embargos de terceiro por, desde a traditio, conferida em 73.05.09 com a outorga do contrato-promessa em que o embargante é promitente comprador, terem a posse da fracção autónoma designada pela letra ‘E’ do prédio identificado nos arts. 2, 3 e 10 da petição e, subsidiariamente, invocando o direito de retenção. Contestando, o exequente impugnou e invocou, a seu favor, as leis do registo. Prosseguindo seus normais termos até final, procederam os embargos por sentença, confirmada, sob apelação da CGD, pela Relação, a qual declarou os embargantes titulares da posse sobre aquela fracção autónoma designada pela letra ‘E’ e condenando exequente e executada a reconhecer essa posse. De novo inconformada, pediu revista a exequente concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações - - os embargantes não são titulares da posse correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real; - exercem sobre a fracção autónoma tão só detenção, cuja origem está na sua ocupação por mera tolerância da sociedade, então proprietária daquela que antecipou para o momento do contrato- -promessa de aquisição da quota um direito só previsto para os seus sócios, o que aqueles não eram nem são; - só através da inversão do título de posse, o que não foi alegado nem provado, e que teria de ocorrer por oposição ao actual e não ao anterior proprietário da fracção, poderiam os embargantes ser considerados possuidores; - os actos que estes praticam sobre o imóvel integram-se naquilo que os estatutos da E prevêem - habitar e administrar o bem - pelo que de tais actos nunca se poderia retirar um corpus relativo ao animus do direito de propriedade por isso ser contrário ao que está subjacente ao contrato de constituição da sociedade e ao contrato-promessa de cessão de quota; - mesmo que já fosse sócio da E, o embargante não teria direito a ocupar a casa ao abrigo do pacto social respectivo por tal direito se ter tornado de execução impossível (a fracção fora alienada a terceiro, a executada); - em qualquer caso, a presunção de posse dos embargantes cede perante melhor posse - causal - da actual proprietária da fracção; - à data da penhora (96.01.12), apenas o possuidor podia socorrer-se dos embargos de terceiro; - em qualquer caso, são incompatíveis com a penhora apenas os direitos que venham a extinguir-se com a venda executiva, o que não é o caso dos autos; - violado o disposto nos arts. 351 CPC e 1.253, 1.263 e 1.252-2 CC. Contraalegando, os embargantes pugnaram singelamente pela confirmação do aresto. Colhidos os vistos. Matéria de facto que as instâncias (aditada em conformidade com o acórdão recorrido) consideraram provada - a)- por escritura de 68.03.24, lavrada a f1s. 27 do Lº A-148 do 1º Cartório Notarial de Lisboa, constituiu-se a sociedade civil sob a forma de sociedade por quotas de responsabilidade, E- -Administração de Propriedades Própria, Lª; b)- teve como objecto a compra de um lote de terreno com a área de 525 m², sito à Quinta do Torrão, Costa de Caparica, concelho de Almada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº 11424 a fls. 33 do Lº B-22 com projecto aprovado para construção de um prédio para habitação ou outros fins dos seus associados e a administração do mesmo prédio após a sua construção; c)- no § 1 do art. 3 do respectivo pacto social estabeleceu-se que o sócio F, titular de uma quota no valor nominal de 30.000$00, tem o direito de destinar a habitação e de administrar o fogo constituído pelo 2º andar letra ‘E’ do prédio a que se refere o pacto social; d)- no § 2º daquele art. 3 do pacto social estabeleceu-se que tal direito só pode ser alterado ou extinto com expressa concordância do seu titular; e)- mais se estabeleceu no pacto social da E - cláusula 5º - que cada sócio tem o direito a administrar sem restrições e com carácter exclusivo em relação aos demais sócios os fogos do prédio relacionados com a quota de que cada um é titular segundo o referido no § 1º do art. 3; f)- foi dispensada a autorização especial da sociedade para a cessão de quotas a favor de associados ou de estranhos - cláusula 4ª do pacto; g)- por escritura de 68.04.22, de fls. 20 a 22 v do Lº 2524-D de escrituras diversas do 1° Cartório Notaria! de Lisboa, F cedeu a sua quota a G; h)- por escritura de 68.04.26, exarada a fls. 36-38 do Lº 2524-D de escrituras diversas do 1º Cartório Notarial de Lisboa, a E comprou o terreno referido na al. b); i)- em 73.01.09 já se encontrava concluído o prédio que a E se propusera construir no referido terreno; j)- por contrato de 73.05.09 a Sociedade H, por si ou como mandatária, prometeu vender ao embargante, e este prometeu comprar-lhe, a quota com direito ao 2º andar, letra ‘E’ do referido prédio; k)- a fracção é objecto de penhora ordenada e efectivada no processo de execução; L)- no contrato aludido na al. j) foi convencionado o preço de 250.000$00 por conta do qual, a título de sinal e princípio de pagamento, o embargante entregou a quantia de 100 000$00, no acto do contrato; m)- as chaves do andar foram entregues ao embargante no próprio dia da outorga do contrato promessa, data a partir da qual os embargantes dele tomaram posse; n)- o restante da dívida seria liquidado após entrega das chaves, ou seja 150.000$00, seria liquidado pelo embargante, como melhor lhe conviesse, mas num prazo máximo de vinte anos com amortização mínima de 1.000$00 mensais sempre paga adiantadamente e liquidada independentemente de quaisquer outras amortizações ou antecipações; o)- sobre os quantitativos em dívida após a entrega das chaves, e somente com incidência sobre o saldo ou saldos resultantes das amortizações feitas, convencionou-se que seria contado a favor da promitente vendedora um juro calculado na base de 6,5% anual pago adiantadamente por semestre, sem direito a reembolso; p)- para a falta da integral liquidação do quaisquer prestações ou juros vencidos, na exacta data prevista contratualmente, convencionou-se o imediato vencimento de toda a dívida que, nesse caso, deveria ser integralmente liquidada até 60 dias da data da falta verificada; q)- a quota prometida vender com direito a habitar e a administrar com carácter exclusivo o 2º andar letra ‘E’, referia-se ao edifício E pertencente à sociedade com a mesma denominação; r)- em 77.04.05, a Sociedade de Construções H enviou uma carta ao embargante declarando que o juro previsto na cláusula 7ª do contrato-promessa era alterado a partir daquela data, passando a ser e por enquanto, calculado na base de 12,5% ao ano; s)- não se tendo conformado com tal alteração, o embargante insistiu no pagamento da quantia que entendia dever nos termos contratuais, o que a Girassol não aceitou, tendo o embargante instaurado, pela 1ª Secção do 6º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, com o nº 10275, uma acção com processo especial de consignação em depósito, contra a Sociedade de Construções H; t)- na pendência da acção referida na al. s), a H, por carta de 77.09.01, notificou o embargante para comparecer no 20º Cartório Notarial, no dia 9 de Setembro de 1977, a fim de outorgar a escritura de compra e venda referida no contrato, invocando a cláusula 8ª do mesmo; u)- no dia fixado o embargante compareceu no Cartório, tendo comparecido também G, que então declarou expressamente que ali comparecia para dar cumprimento ao contrato celebrado entre a Sociedade H e o embargante, respeitante à cessão de quota com direito a administrar e habitar o 2º andar, letra ‘E’ do prédio em causa; v)- o embargante na situação aludida na al. u) declarou não querer outorgar a escritura de compra e venda, por lhe ser exigida não só uma taxa de juro não contratualmente prevista, como também por se pretender fosse feita a liquidação integral do preço em dívida apesar de no contrato se prever para tal um prazo máximo de 20 anos; x)- em 77.10.03 a H contestou a acção de consignação em depósito e ali alegou, entre outras coisas, que interveio no contrato-promessa não como dona da quota prometida ceder, mas como mandatária da Sociedade de Construções H; y)- a acção de consignação em depósito veio a ser julgada procedente por sentença de 79.02.01, transitada em julgado, e que julgou extinta a obrigação do embargante no tocante ao pagamento da prestação ou amortização do mês de Maio de 1977 e juros vencidos entre 77.05.08 e 77.11.08; w)- na acção de consignação em depósito referida na al. s), o embargante depositou todas as prestações mensais de 1.000$00 cada, até Fevereiro de 1979, inclusive, tendo depositado também juros previstos na cláusula 7ª até 79.05.08 e à taxa de 6,5% anual que a sentença aludida considerou ser o único exigível; z)- em 79.03.07, a então mandatária do embargante, enviou uma carta à Girassol, insistindo em que o seu constituinte pretendia efectivamente proceder ao pagamento das quantias devidas nos termos o nos prazos constantes do contrato-promessa, pedindo que a informassem sobre qual a posição que tomavam quanto a tal questão; a-1)- com data de 79.05.28, a referida mandatária do embargante endereçou nova carta à H, transmitindo-lhe que o seu constituinte pretendia, ao abrigo do contrato-promessa, proceder ao pagamento de todos os montantes ainda em dívida, por forma a que ficasse integralmente liquidado o preço por que foi ajustada a compra e venda da quota estando na disposição de efectivar aquele pagamento no caso outorga da escritura definitiva; b-1)- a Girassol respondeu à mandatária do embargante, reportando-se às - cartas de 79.03.07 e 79.05.28, por carta de 79.06.04, alegando que o embargante não cumprira o contrato, pelo que por tal motivo aquele ficava resolvido; c-1)- em 79.11.20, G, pela 1ª Secção do 5º Juízo Cível da Comarca de Lisboa com o nº 4623 instaurou contra os ora embargantes uma acção em que deduziu os seguintes pedidos: serem condenados a - 1)- reconhecer que não cumpriram as obrigações decorrentes do contrato-promessa em causa, perdendo integralmente as quantias pagas; 2)- restituir-lhe o andar, objecto da quota, livre e desocupado em bom estado de funcionamento; 3)- indemnizá-lo no montante que se apurasse em liquidação de sentença; d-1)- na petição inicial da acção referida na al. c-1), G, alegou que a Sociedade de Construções H, ao outorgar o contrato-promessa agira como seu representante; e-1)- na réplica G desistiu do pedido de os embargantes serem condenados a reconhecer que não cumpriram as obrigações decorrentes do contrato-promessa, perdendo integralmente as quantias pagas, mantendo os pedidos de restituição do valor e indemnização; f-1)- a acção referida na al. c-1) veio a ser decidida por sentença de 83.07.29, em que os ora embargantes foram absolvidos da instância relativamente aos pedidos formulados nas sub-alíneas 2) e 3), confirmada por acórdão da Relação de Lisboa de 85.01.31, transitado em julgado; g-1)- pela 1ª Secção do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa com o nº 2476, G e a E, vieram a instaurar contra os ora embargantes, uma nova acção em que formularam os seguintes pedidos: serem condenados a - 1)- reconhecer que não cumpriram as obrigações decorrentes do contrato-promessa; 2)- a restituir-lhes, livre e desocupado, e em bom estado de funcionamento, o andar em causa; 3)- indemnizá-los com uma quantia computada em 3.000$00 por cada mês de ocupação ilegal e abusiva; h-1)- o Tribunal da Comarca de Lisboa veio a ser julgado territorialmente incompetente para o julgamento dessa acção, passando a mesma a correr termos pela 1ª Secção do então 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Almada com o nº 264/88; i-1)- a acção veio a ser julgada improcedente por sentença de 88.02.08, transitada em julgado, e que absolveu o embargante de todos os pedidos formulados pelos autores, absolvendo a ré mulher da instância relativamente ao pedido de perda das quantias entregues com relação ao contrato promessa, e do pedido restante; j-1)- a E, que constitui o prédio em regime de propriedade horizontal em 71.01.28, vendeu à embargada D a fracção identificada na al. c), em data posterior ao trânsito em julgado da sentença referida na al. i-1); k-1)- na acção referida na al. j-1) a então proprietária do prédio e da fracção, juntamente com o titular inscrito da quota que dá direito a utilizá-la, vieram reivindicar a respectiva propriedade com a consequente entrega do andar; l-1)- até Abril do 1977 inclusive o embargante cumpriu o estipulado no contrato promessa; m-1) em 79.03.06, depois do trânsito da sentença referida na al. i-1), o embargante dirigiu-se aos escritórios da H, para ali proceder à liquidação da amortização correspondente àquele mesmo de Março, tendo sido recusado o respectivo recebimento; n-1)- em face da posição assumida pela H no que se refere aos factos referidos nas als. z) a b-1), o embargante entendeu não ter de proceder a mais qualquer outra amortização; o-1)- os embargantes habitam o andar, sobretudo em fins-de-semana, férias e outros períodos festivos; p-1)- os embargantes emprestam o andar a familiares e amigos; q-1)- os embargantes pagam os encargos de condomínio na parte que respeita ao andar bem como as respectivas taxas e contribuições e r-1)- contribuem na proporção da respectiva permilagem para obras em partes comuns do prédio e s-1)- são convocados e intervêm em assembleias gerais de condomínio; t-1)- todos os restantes condóminos os consideram donos e proprietários do andar e u-1)- o mesmo acontece com familiares e amigos; v-1)- "D, Lª.", hipotecou a favor do BNU a fracção autónoma penhorada; x-1)- a hipoteca está registada sob a inscrição nº 36239, de 92.02.27; y-1)- a penhora está registada sob a inscrição nº 10852, de 96.02.14, convertida em definitiva em 96.10.10. Decidindo: - 1.- Os embargantes fizeram assentar a sua pretensão na posse e, subsidiariamente, no direito de retenção. A sentença considera-os, por ter havido tradição e concluir pelo animus possidendi, como possuidores, pelo que fez proceder os embargos. A Relação confirmou-a por entender que, interpretando o acordo de vontades relativo à traditio, se quis que o promissário adquirisse a posse, além de os embargantes, por exercerem o poder de facto, beneficiarem da presunção do art. 1.252-2 CC e de pelo pacto social da E se ter esvaziado o direito de propriedade desta sobre as fracções relacionadas com a quota de que cada sócio é titular (em voto de vencido a procedência dos embargos era negada, por inexistir animus - não alegado nem provado e não se o poder presumir - e, por o direito de retenção não permitir o uso de embargos de terceiro contra a penhora dessa mesma coisa). 2.- Por contrato de 73.05.09, a H, por si ou como mandatária, prometeu vender ao embargante e este prometeu comprar uma quota da "E, Lª.", pela qual adquiriria o direito a habitar a fracção autónoma designada pela letra ‘E’, e nessa mesma altura foram-lhe entregues as chaves respectivas; a partir dessa data passou a habitá-la, dela gozando e fruindo. Conquanto o contrato prometido não tenha chegado a ser celebrado, o embargante e sua mulher continuam a habitar a fracção, a qual veio, anos mais tarde, a ser penhorada na execução que o credor hipotecário move a "D, Lª.", que a comprara à "E, Lª". 3.- Ainda antes de se considerar qual o objecto do concreto contrato-promessa há que realçar um aspecto - o instituto jurídico da posse não se confunde com a ocupação material da coisa - e, por outro lado, ter presente qual a origem dessa utilização. As obrigações emergentes de um contrato-promessa são obrigações de facere, excepto se os seus outorgantes lhe tiverem conferido alcance real - dele só nasce a obrigação de contratar. A traditio é um acordo autónomo do contrato-promessa muito embora possa surgir, e in casu surgiu, em consequência deste ter sido celebrado e por este ver a sua vida condicionada. O promitente-adquirente, ainda quando utilizador da coisa prometida transmitir é um detentor (em nome alheio) e não um possuidor (formal ou causal) - a posse do promitente alienante, o seu exercício, prossegue através de outrem (o detentor), é esse exercício que permitiu àquele consentir que o embargante utilizasse a coisa. Por outras palavras, em 73.05.09 não se iniciou posse (mas mera detenção - art. 1.253 CC) do embargante e prosseguiu a posse (causal) da promitente-alienante através daquele, o detentor (CC- 1.252,1). Não sendo a traditio realizada em consequência de um acto de alienação do direito de propriedade (apenas se refere este direito real por outro não poder ser in casu considerado) e sim de um acto destinado a proporcionar o direito pessoal do gozo da coisa (salvo prova de situação excepcional por parte do promitente-adquirente; estes direitos envolvem, no que se assemelham aos direitos reais de gozo sem, todavia, o serem, sempre um poder de uso, de fruição ou de utilização da coisa, de conteúdo variável consoante a natureza do direito), tendo em vista a sua futura alienação, não se pode concluir pelo animus correspondente a um direito real nem concluir pela inversão do título. Baseando-se a detenção, o uso e fruição da coisa entregue em meras expectativas, por maiores e mais fundadas que sejam as do promitente-adquirente à celebração do contrato prometido, só há detenção - esses concretos detenção, uso e fruição não configuram só por si actos que integrem uma verdadeira posse (pela entrega antecipada da coisa apenas obtém o corpus, apenas é conferido um direito precário). Os poderes que exerce sobre a coisa, que sabe ainda não ter adquirido, correspondem ao direito de crédito do promitente-adquirente perante o promitente-alienante - uma pessoa pode gozar directamente de poderes imediatos (de detenção, de uso ou de fruição) sobre a coisa, independentemente de ser titular de um direito real, mas no exercício de um simples direito pessoal de gozo (vd., A. Varela in RLJ 124/347 e nota 1 à 2ª coluna). 4.- Cumpre ao terceiro que embarga alegar (para, mais tarde, vir a provar) factos que integram os elementos constitutivos da posse (CC- 1.251) - corpus (poder de facto, traduz-se no exercício de actos materiais externos e visíveis ou na possibilidade física desse exercício) e animus (traduz-se na intenção de agir como titular do direito real correspondente aos actos materiais praticados). Invocar, na petição de embargos, o corpus mas não o animus possidendi é insuficiente e, mais categoricamente insuficiente, se se alega que não actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, isto é, que apenas detém o prédio enquanto, na expectativa da celebração do contrato prometido, a traditio se mantiver. Invocando-se um contrato-promessa e a traditio para que se possa concluir pela posse necessário é que se alegue estar-se perante uma situação excepcional - v.g., a coisa ter sido «entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade. Tais actos não são realizados em nome do promitente-vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real. O promitente-comprador actua, aqui, uti dominus, não havendo, por conseguinte, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse» (aut. e op. cits., p. 348). Não se alegou o animus nem tão pouco factos que permitissem por ele concluir (não é possível confundi-la com o que alegado foi para demonstrar a publicidade da detenção e a convicção de terceiros) e o tribunal, vinculado, em sede de matéria de facto, ao articulado pelas partes (CPC- 664 e 264 -2), tão pouco deles, se provados mas não alegados tivessem sido, na medida em que se não trataria de factos instrumentais e sim essenciais à procedência da pretensão dos embargantes. Acresce que estes se colocaram, desde sempre, em posição em que recusam o animus. Com efeito, afirmam ter-lhes sido entregue a fracção autónoma designada pela letra ‘E’ por força do acordo de traditio facilitado pelo imediatamente anterior contrato-promessa, sobre o qual vem mantida, ao longo dos anos, uma situação de litigiosidade judicial, situação em que essa sua posição contratual não foi alterada nem requerida foi a execução específica do contrato-promessa; por outro lado, reconhecem expressamente a posição de promitente-adquirente quando, independentemente de se saber de que lado está a razão, a celebração do contrato prometido foi recusada apesar de ter sido querida (pelo embargante - als. t) e v); pela sociedade H - als. z) a b-1)) e quando pretendem amortizar (als. m-1) e n-1)). Negando esse elemento constitutivo da posse é claro que não lhes pode aproveitar a presunção quer da posse (CC- 1.252,2) quer da titularidade do direito (CC- 1.268,1), estão a contradizê-la e a afastar. Ininvocável também o princípio da aquisição processual (CPC- 515) quer de per si quer por aqui requerer que se verificasse o condicionalismo do nº 3 do art. 264 CPC, e tal não o revelam os autos. Ainda que, porventura, outra devesse ser a conclusão, o certo é não ter o embargante demonstrado que os seus actos materiais de detenção, uso e fruição correspondem ao exercício do direito de propriedade - havia que ter definido o conteúdo do acordo que com o promitente-alienante concluiu aquando da traditio (nada se opõe, a lei permite-o, que, por acordo, por ex., um locatário, um comodatário ou um promitente-adquirente pratiquem actos como os descritos nas als. o-1) a s-1)); porém, tal como nos autos vêem desenhados os factos eles resultam da posição contratual de promitente-adquirente e de uma forte expectativa em se vir a tornar proprietário celebrando-se o contrato prometido. Os embargantes, detentores daquela fracção autónoma, não invocaram a inversão do título (CC- 1.265) - e só ela podia dar lugar à posse - nem alegaram factos que, se provados, permitissem por ela concluir. Afirmando-se que os embargantes apenas são detentores da fracção autónoma deixou de oferecer qualquer interesse analisar o real objecto do contrato-promessa de aquisição da quota, o pacto social da E e a harmonização a estabelecer entre estes (o contrato-promessa e o pacto social) e o facto de o embargante não ter adquirido a qualidade de sócio (não obstante, o que pela prova se configura é os actos que os embargantes praticam sobre o imóvel integrarem tão somente o previsto nos estatutos da E - habitar e administrar o bem, apenas isso). 5.- Subsidiariamente, alegaram os embargantes como fundamento da sua pretensão o direito de retenção. Para o invocar com eficácia (ainda sem se discutir em que termos esta se manifestaria) necessário seria que os embargantes tivessem vindo alegar que eram credores de indemnização resultante do não cumprimento imputável à outra parte (CC- 755,1 f)), o que não sucedeu - não se arrogam credores de indemnização nem a definem, apenas se arvoram credores duma prestação de facere, da celebração do contrato prometido. O não-cumprimento definitivo do contrato-promessa pela alienação da coisa a terceiro (facto imputável ao promitente-alienante) torna o promitente-adquirente credor de uma indemnização (CC - 442) gozando este de um meio coercivo sobre aquele - o direito de retenção, direito real de garantia que não de gozo. Execução instaurada pelo credor hipotecário, não pelo promitente-alienante. Porque direito real de garantia goza o detentor do direito de ser pago com preferência sobre os demais credores do devedor, pode fazer valer o seu direito de crédito numa fase posterior (CPC- 864-1 b) e CC- 759) mas não pode deduzir embargos de terceiro com vista a se opor à penhora acto que não ofende uma posse inexistente. Este direito de retenção, a existir (o seu reconhecimento processa-se na fase de convocação de credores e verificação dos créditos, no apenso de reclamação de créditos - arts. 864-1 c), 865-1 e 4 e 868 CPC), não infirma a validade do direito de crédito hipotecário do exequente - apenas autoriza o credor do direito à indemnização a no local e momento próprio reclamar o seu crédito e a vê-lo graduado no lugar que lhe competir. Termos em que, por se julgarem improcedentes os embargos de terceiro, se revoga o acórdão. Custas pelos embargantes. Lisboa, 27 de Abril de 2004 Lopes Pinto Pinto Monteiro Lemos Triunfante |