Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
97P482
Nº Convencional: JSTJ00032478
Relator: OLIVEIRA GUIMARÃES
Descritores: ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
Nº do Documento: SJ199710300004823
Data do Acordão: 10/30/1997
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N470 ANO1997 PAG462
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Indicações Eventuais: MAIA GONÇALVES IN COD PROC PENAL ANOT 2ED PAG232.
MAIA GONÇALVES IN COD PROC PENAL ANOT 10ED PAG571.
Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: CPP87 ARTIGO 69 N1 N2 ARTIGO 401 N1 B ARTIGO 404 ARTIGO 420 N4.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1991/07/03 IN BMJ N409 PAG355.
ACÓRDÃO STJ DE 1995/05/25 IN BMJ N447 PAG365.
Sumário : I - Decorre do artigo 69 do CPP que, é indubitavelmente o assistente, um sujeito processual de direitos processuais específicos, mas, por ser mero colaborador do Ministério Público, é um sujeito processual subordinado (com excepções, como a que ocorre no concernente aos crimes de natureza particular, hipótese em que, embora o Ministério Público continue a ser o único titular da acção penal, o assistente assume uma posição constitutiva.
II - Embora a alínea c) do n. 2 do artigo 69 do CPP alargue o âmbito da actuação processual do assistente em sede de recursos relativamente ao que se lhe permite em sede de acusação por crimes públicos (alínea d) do n. 2 do citado artigo), consentindo que o dito asssistente recorra mesmo que o Ministério Público o não faça e não admitindo que ele acuse se o Ministério Público não acuse também, tal possibilidade não envolve alargamento do conceito do interesse em agir em domínios que exorbitarem do significado que deve atribuir-se a expressões como "decisões que os afectem ou "contra eles proferidas".
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Perante o Colectivo da 3. Vara Criminal do Círculo do
Porto, respondeu, em processo comum, o identificado arguido A, havendo sido condenado, como autor de dois crimes de burla agravada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 313 n. 1 e 314, alínea c), do Código Penal de
82 nas penas parcelares de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão e 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, o que, operado o respectivo cumulo jurídico, consubstanciou a pena única de 3 (três) anos de prisão.
Mais foi condenado o arguido, em decorrência do pedido cível formulado e que por parcialmente provado e procedente se teve, no pagamento da quantia de 802975 escudos acrescida de juros desde 27 de Janeiro de 1995
à taxa de 15 por cento até 30 de Setembro de 1995 e 10 por cento até integral pagamento e juros à taxa de 15 por cento desde 4 de Abril de 1990 sobre 3500000 escudos até 27 de Janeiro de 1995 e da qantia de
5200000 escudos acrescida de juros desde 29 de Junho de
1990, à taxa de 15 por cento até 30 de Setembro de 1995 e 10 por cento até integral pagamento.
A pena criminal aplicada ao sobredito arguido foi declarada suspensa na sua execução pelo período de 2 anos com a condição de, no prazo de 1 ano, demonstrar ter indemnizado a ofendida em pelo menos 1000000 escudos.
Inconformada com o decidido, interpôs a assistente B recurso para este Supremo Tribunal, impetrando, em corolário da sua motivação e das conclusões desta extraídas, a revogação do acórdão recorrido "aplicando-se ao arguido a pena de prisão de sete anos ou, quando assim se não entenda, ser revogada a suspensão da execução da pena e, se ainda assim se não entendesse, ser tal suspensão condicionada à prova do pagamento, no prazo de um ano da quantia em que o arguido foi condenado a título de indemnização, incluindo os respectivos juros..." (cfr. folhas 214 verso - 215).
Na sua contra motivação pugnou o arguido pela manutenção do decidido enquanto que o digno magistrado do Ministério Público rematou conclusivamente a sua resposta no sentido de o recurso dever ser rejeitado por manifestamente improcedente ou se assim não for entendido condenar-se então o arguido na pena única de seis anos de prisão.
Nesta alta instância, o Excelentíssimo Procurador Geral
Adjunto, perante o contexto da resposta do digno
Procurador junto do tribunal "a quo" aduziu o que passa a transcrever:
"Levanta a questão prévia da rejeição do recurso por não ter a recorrente legitimidade para recorrer no que respeita à medida da pena. O problema não tem tido solução unânime na jurisprudência, conforme, aliás, salienta o ilustre magistrado na sua resposta.
A não se entender, como defende o Ministério
Público, na resposta, nada obstará, então, no conhecimento do recurso.
Assim, e no caso de não se registar, promovo que, concluindo o exame preliminar, se designe dia para a audiência" (cfr. folha 246 verso).
Recolhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência para ajuizar da questão prévia suscitada.
Cabe decidir.
Como é sabido e constitui jurisprudência pacífica deste
Supremo Tribunal, o âmbito de um recurso afere-se pelas conclusões que o recorrente retira da respectiva motivação.
Donde que o do ora em análise se reconduza às vertentes do propugnado agravamento da pena aplicada, da questionada razoabilidade da suspensão da execução da mesma pena ou da extensão que deveriam assumir os deveres condicionantes de tal suspensão, alternativas estas que, em suma, integram, no seu conspecto global, discordância do recorrente sobre a dosimetria punitiva escolhida e seus efeitos derivantes.
O que há pois que decidir, desde logo e para já, é se no actual Código de Processo Penal de 1987, detém o assistente legitimidade para recorrer impetrando o agravamento da pena imposta ao arguido ou questionando a bondade da suspensão da execução da pena aplicada ou da extensão do que a condicione.
Preceitua o artigo 69 do Código de Processo Penal no seu n. 1 que "Os assistentes tem a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei".
E excepção a este ditame será o que se estipula na alínea c) do n. 2 do normativo citado ou seja a da possibilidade de o assistente poder "interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério
Público o não tenha feito".
Da simples leitura deste artigo 69 logo se pode concluir que, sendo indubitavelmente o assistente um sujeito processual por titular de direitos processuais específicos é, porém, por ser mero colaborador do
Ministério Público, um sujeito processual subordinado
(com excepções como a que ocorre no concernente aos crimes de natureza particular, hipótese em que, embora o Ministério Público continue a ser o único titular da acção penal, o assistente assume uma posição constitutiva).
Podem aqueles referidos direitos processuais do assistente resumir-se no seguinte tríptico: intervenção, acusação e recurso.
Quanto a este último que principalmente interessa ao
"thema decidendi":
Estatui e esclarece a lei que o direito de recurso existe ainda que o assistente recorra desacompanhado do
Ministério Público, sendo óbvio que para este efeito é irrelevante a natureza do ilícito penal em causa.
Pressuposto porém desse direito de recorrer, é que a decisão de que se trata AFECTE o assistente, cabendo aqui dizer que a expressão normativa "que os afectem" tem de considerar-se equivalente à consignada na alínea b) do n. 1 do artigo 401, do Código de Processo Penal ou seja a de "contra eles proferidas", pois não fazia sentido lógico que se revestissem de significado diverso (não se percebendo bem, como justamente anota
(COSTA PIMENTA, in Código de Processo Penal Anotado, 2. edição, página 232, a razão do emprego de expressões diversas) já que uma decisão proferida contra um sujeito processual necessariamente o afecta e uma decisão que o afecte - nos seus interesses - não pode deixar de ser contra ele proferida, para além de que não ocorre razão para que os preceitos citados - artigo
69 n. 2, alínea c) e 401 n. 1, alínea b) - se envolvem de repercussão diferente.
As decisões que afectam os assistentes terão pois que ser as que contra eles se profiram e que, contra eles se proferindo, lhes atinjam os direitos e os interesses e lhes tolham e coarctem as pretensões desde que, claro está, sejam recorríveis.
Em atenção haverá que ter ainda o disposto no n. 2 do artigo 401, do Código de Processo Penal que consagra a regra de que "Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir".
E, a este propósito, caberá relevar que, ressalvado o
Ministério Público, só terá interesse em agir para efeito de interposição de recurso, quem tiver necessidade de lançar mão desse meio para sustentar e salvaguardar o seu direito (cfr., MAIA GONÇALVES,
Código de Processo Penal Anotado, 6. edição, anotação 4 ao artigo 401, página 571).
Tendo em atenção o artigo 69, do Código de Processo
Penal escreveu-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, de
25 de Maio de 1995 (cfr. B.M.J., 447, página 365):
"Ao interpretar tal disposição legal, tem este
Supremo Tribunal entendido ultimamente que o assistente não pode recorrer, quando o Ministério
Público o não tenha feito, a pedir unicamente o agravamento da pena imposta ao acusado, ou a condenação deste por crime diverso, mais grave, nos casos em que a acusação respeita a crime público e tenha sido deduzido apenas pelo representante do Ministério Público, uma vez que o seu interesse, no processo penal, não é o da concretização de um dado ilícito penal ou de uma determinada medida da pena, mas o de ser decretada uma punição penal pela conduta ilícita do referido acusado, contrariamente ao que resultava dos
últimos tempos da vigência do Código de Processo
Penal de 1929.
Na verdade, a sua posição de assistente não é afectada pela natureza da condenação ou pela medida da pena aplicada ao arguido, especialmente quando se tenha limitado a aderir à acusação deduzida pelo Ministério Público, como ocorreu no caso presente, e, por isso o citado n. 2, alínea c), daquele artigo 69 impede-lhe a interposição de um recurso que tenha por objecto qualquer das mencionadas pretensões, o que, de resto, resulta igualmente do comando do artigo 401, ns. 1, alínea b) e 2, do mesmo Código (o assistente só pode recorrer da decisão contra ele proferida, e não pode recorrer quem não tiver interesse em agir), uma vez que, como se frisou, o assistente não tem, no caso, interesse em agir, e que, repete-se, a decisão condenatória não é proferida contra ele".
Tem-se por evidente que o entendimento expressado no aresto a que pertence a passagem transcrita, não pode deixar de aplicar-se - para além da hipótese, nele focada, do pedido do agravamento da pena - também aos casos em que se impetra - como no presente - o afastamento da suspensão da execução da pena ou a sujeição dessa suspensão a condicionantes mais rigorosos, aspectos intimamente ligados à vertente dosimétrica e igualmente às hipóteses - como a "sub judice" - em que o assistente, embora sem se limitar a aderir à acusação deduzida pelo Ministério Público - e sem que tenha havido somente acusação do Ministério
Público - a perfilhar substancialmente na factualidade descrita e com ela inteiramente se identificou na incriminação proposta (cfr. folhas 24 e seguintes e 27 e seguintes).
Sem quebra do respeito que merece entendimento contrário ao veiculado pelo acórdão que citamos (cfr. entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Julho de 1991, B.M.J., 409, página 355) e sem olvidar a alguma reserva que flui da lúcida declaração de voto aposta no acórdão que albergou a passagem transcrita (o de 25 de Maio de 1995), pesando ainda a circunstância de não ser uniforme a jurisprudência quanto a esta matéria (é ela já objecto de um recurso para fixação de jurisprudência, interposto em outro processo e que se acha pendente), propendemos para a tese de que o assistente detém um interesse processual que não consiste na concretização de um dado ilícito penal ou de uma determinada medida da pena mas antes o de ser decretada uma punição penal pela conduta delituosa do arguido.
Daí que, não sendo a sua posição afectada nem os seus interesses processuais atingidos pela natureza da condenação ou pela medida da pena, suas "nuances" ou efeitos, aplicada ao acusado, carece o assistente de legitimidade para a interposição de um recurso que se limite a ter por objecto - como, in casu, acontece - impetrar agravamento punitivo ou questionar o benefício da suspensão da execução da pena (que, no fundo, é também uma modalidade sancionatória).
Não está aqui configurada decisão que o afecta ou que contra ele haja sido proferida; e não estando, falta ao assistente interesse em agir e apenas detém legitimidade para recorrer quem tem esse interesse.
Interesse que, v.g., já se visionará nos casos da decisão absolutória (designadamente se invocados os vícios do n. 2 do artigo 410, do Código de Processo
Penal, propiciadores de reenvio) ou naqueles em que, como fundamento do seu recurso, discuta "a existência ou a medida de uma eventual concorrência de culpas entre o arguido e o próprio assistente ou a pessoa que este represente, ou quando a actuação do assistente ou do seu representado tenha servido de fundamento a uma declaração da provocação do arguido, especialmente atenuativa da pena a aplicar ao mesmo", como vem consignado na Conclusão V do sumário do citado acórdão de 25 de Maio de 1995.
O cerne do problema não está pois tanto no simplesmente dizer-se que o direito de punir é faculdade do Estado, representado pelo Ministério Público, só a este pertencendo a legitimidade para discutir a pena - já que, quer ela seja discutida por este, quer pudesse sê-lo ou possa sê-lo pelo assistente, é sempre no
Tribunal de recurso que cabe o veredicto e, com ele, o exercício do "jus puniendi", limitando-se aqueles sujeitos processuais a colocar-lhe a questão - mas sobretudo no aferir do "interesse em agir", interesse não configurável, no que toca ao assistente, se o recurso se confina ao aspecto da determinação da sanção já que este, por si só, não afecta o mesmo assistente, nem a medida daquela prefigura decisão que o afecte ou que possa considerar-se contra ele proferida.
De resto, não pode nem deve alargar-se, a belo prazer, em processo penal, o conceito de interesse afectado, assim como em sede de direito penal, não se torna lícito alargar o de interesse penalmente protegido (só pode ser assistente o titular desse interesse), isto por muito que, em teoria, sempre possa descortinar-se uma vertente afectada, quer no plano adjectivo, quer no substantivo mas sem que isso sirva de trampolim, num caso para estender o âmbito do interesse em agir e, no outro, para amplificar a possibilidade de se ser titular do interesse que a lei quis proteger com a incriminação.
Diga-se, aliás, que, sem este rigor, não se compreenderia facilmente, no domínio processual, que estando o assistente inibido de deduzir acusação por crimes públicos e semi-públicos se desacompanhado do
Ministério Público (artigo 69 n. 2, alínea b), do
Código de Processo Penal) e estando condicionado na que deduza, independentemente da do Ministério Público - e este "independentemente" apenas significa que se trata de um acto processual distinto da acusação do
Ministério Público, praticado num prazo diverso e podendo conter factos diversos desde que não consistam numa alteração substancial da acusação pública (artigo
284 n. 1, do Código de Processo Penal), não significando portanto que lhe não deva preexistir a acusação do Ministério Público - pudesse, no tocante a recursos, libertar-se, em absoluta, da oficialidade e da subordinação ao Ministério público, discutindo a medida da pena que aquele, não recorrendo, se absteve da discutir.
Embora a alínea c) do n. 2 do artigo 69, do Código de
Processo Penal alargue o âmbito da actuação processual do assistente em sede de recursos relativamente no que se lhe permite em sede de acusação por crimes públicos ou semi-públicos (alínea b) do n. 2 do referido artigo
69), consentindo que o dito assistente recorra mesmo que o Ministério Público o não faça e não admitindo que ele acuse se o Ministério Público não acusar também, tal possibilidade não envolve alargamento do conceito do interesse em agir a domínios que exorbitem do significado que deve atribuir-se a expressão como
"decisões que os afectem" ou "contra eles proferidas".
Haverá, pois, sob pena de ocorrer um desfasamento incurial, que adequar e ajustar aquele interesse ao espírito que subjaz no n. 1 do artigo 69, do Código de
Processo Penal.
Uma última e breve nota:
In casu, o Ministério Público não recorreu.
De todo o modo, na sua resposta, o magistrado do
Ministério Público junto do tribunal "a quo" opinou sobre a medida da pena que, no seu modo de ver e em alternativa ao entendimento de que o recurso deveria ser rejeitado, justificava um computo de 6 anos de prisão, obstativo de suspensão.
Tal opinativo, expressado em contra motivação tem de haver-se por irrelevante; nem é recurso, nem vale sequer como recurso subordinado que, em processo penal, apenas se admite quando diga respeito a matéria de indemnização cível (artigo 404, do Código de Processo
Penal).
À luz do exposto, afigura-se evidente a ilegitimidade do recorrente, o que acarreta, em consequência, a impossibilidade de conhecer o recurso que interpôs.
Desta sorte e face a tal ilegitimidade, rejeita-se o recurso por manifesta improcedência (artigo 420 n. 1, segunda parte, do Código de Processo Penal).
Vai o recorrente condenado em 4 ucs (artigo 420 n. 4, do Código de Processo Penal) e em mais 3 ucs de taxa de justiça, custas que couberem e procuradoria mínima
(cfr. MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado,
6. edição, nota 4 ao artigo 420, página 599).
Lisboa, 30 de Outubro de 1997.
Oliveira Guimarães,
Sá Nogueira,
Costa Pereira.
Decisão impugnada:
3. Vara Criminal do Porto - Processo 174/95.