Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOÃO SILVA MIGUEL | ||
Descritores: | RECURSO PENAL HOMICÍDIO ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA PENA DE PRISÃO MEDIDA DA PENA IMAGEM GLOBAL DO FACTO BEM JURÍDICO PROTEGIDO ILICITUDE CULPA DOLO PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 07/15/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO O RECURSO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA A VIDA. | ||
Doutrina: | - Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, 1993, 302/303, 306. - Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, 41-45, e bibliografia citada. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 410.º, N.ºS 2 E 3, 412.º, N.º1. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º2, 71.º, N.ºS 1 E 2, 72.º, N.ºS 1 E 2, 73.º, 131.º, 132.º, N.º2, AL. J). LEI N.º 5/2006, DE 23-02: - ARTIGO 86.º, N.º 3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 25/11/2009, PROCESSO N.º 490/07.0TAVVD.S1; -DE 15/12/2011, PROCESSO N.º 706/10.6PHLSB.S1; -DE 17/12/2014, PROCESSO N.º 937/12.4JAPRT.P1.S1, E DE 15/01/2015, PROCESSO N.º 92/14.5YFLSB. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - O recorrente foi condenado pela autoria de um crime de homicídio, na forma consumada, p. e p. pelo art. 131.º do Código Penal, com a agravante do artigo 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão. II - Pressuposto material de aplicação do regime da atenuação especial da pena do artigo 72.º do CP, arquitetado como válvula de segurança do sistema, é a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, na análise de uma visão integral do facto, considerando o pleno das circunstâncias que enformaram os factos. III - Nenhum destes requisitos se mostra presente nos factos alegados pelo recorrente, nem em outros factos provados, como justificativos da aplicação daquele regime, pois, como se refere no acórdão, «o dolo foi direto e muito intenso, dada a proximidade do disparo que atingiu a vítima, quase à “queima-roupa”, e o arguido apontou a arma para a cabeça, a muito elevada ilicitude, como são muito elevadas as exigências de prevenção geral, sendo a pena necessária para sancionar a ofensa à ordem jurídica violada». IV - Acresce que, entre os motivos invocados – contrato de mútuo não cumprido e o emprego de expressões verbais injustas – que antecederam, rodearam e levaram à prática do facto ilícito e o resultado deste, há uma desmedida desproporção, que não pode ser nem racionalmente entendida, nem razoavelmente justificada para a aplicação do regime. V - A determinação da pena concreta obedece a parâmetros rigorosos que têm como elementos nucleares de referência a prevenção e a culpa ─ n.os 1 e 2 do artigo 71.º do CP. VI - Tendo apenas destacado, favoráveis ao arguido, as suas condições pessoais, por referência à sua idade e atividade profissional que exerceu, sendo considerado pessoa trabalhadora, bem inserida profissionalmente e estimada pelos amigos, e a ausência de antecedentes criminais, mostra-se adequada a pena aplicada pela 1.ª instância. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, n.º 32/14.1PEAMD, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Instância Central de Sintra – 1ª Secção Criminal – Juiz 2, AA foi submetido a julgamento, e, na procedência parcial da acusação contra ele deduzida e, em consequência, da convolação jurídica operada, condenado, por acórdão de 12 de dezembro de 2014, como autor material de: «um crime de homicídio (simples), na forma consumada, p. e p. pelo art.º 131.º do Código Penal, com a agravante do art. 86.º, n.º 3, da Lei das Armas (Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro, n.º 17/2009, de 6 de maio, n.º 26/2010, de 30 de Agosto, e n.º 12/2011, de 27 de Abril) na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão. (…) um crime de detenção de arma proibida previsto punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), com referência ao artigo 3.º, n.º 3, da Lei das Armas (Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro, n.º 17/2009, de 6 de Maio, n.º 26/2010, de 30 de Agosto, e n.º 12/2011, de 27 de Abril) na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão: e, Em cúmulo jurídico das penas parcelares condenar o arguido na pena única de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses de prisão.» 2. Inconformado com o decidido, interpôs recurso do acórdão condenatório diretamente para este Supremo Tribunal, restrito à medida concreta da pena aplicada, concluindo a motivação nos seguintes termos: «1ª) O Arguido foi condenado em cúmulo jurídico das penas parcelares (crime de homicídio simples – 16 anos de prisão e crime de detenção de arma proibida – 1 ano e 6 meses de prisão) na pena única de 16 anos e 6 meses de prisão. 3. Na resposta à motivação do recurso, o Ministério Público na 1.ª instância, em extensa argumentação, refere, relativamente à pretensão do recorrente de atenuação especial da pena, que «[n]ão estamos perante nenhum caso “extraordinário” ou “excepcional”. Estamos simplesmente perante um caso normal e perante uma pena de prisão aplicada de forma justa ao caso», pois «não resultaram provados factos que permitam concluir que a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro da moldura penal abstracta escolhida pelo legislador para o tipo respectivo, mas por outra medida da pena atenuada nos limites máximo e mínimos»; e quanto à medida da pena de prisão a aplicar, que, de acordo com o recorrente, deveria «ser muito inferior à que efectivamente foi aplicada, tendo sido violado pelo douto Tribunal “a quo” a norma do art.º 71.º do Código Penal», O arguido atentou contra o bem mais precioso – a vida humana – matou uma pessoa, e centra-se agora em sede de recurso em manifestar que lhe assiste o direito de se reintegrar na sociedade e de “fazer a sua vida”», sendo muito elevadas as «exigências de prevenção geral (…), já que o crime praticado pertence ao elenco dos crimes mais graves do nosso ordenamento jurídico (…)», tendo o recorrente agido «de forma particularmente insensível atendendo a que a vítima não estava em condições de se defender e, actuou (…) de forma desproporcional face aos direitos que pretendia fazer valer», tendo revelado «uma personalidade perigosa e violenta, verdadeiramente criminógena, face a todo o circunstancialismo que envolveu a actuação do arguido face à sua ex-companheira», não tendo confessado «nada que pudesse negar, excepto a intenção de matar», sendo a culpa elevada, «[r]azões pelas quais (…) o recurso não merece provimento quanto a qualquer das questões levantadas pelo recorrente, não tendo sido violada qualquer norma legal imperativa.» 4. Neste Supremo Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, depois de destacar que, «mesmo não sendo objeto de controvérsia», «que, perante o acervo factual definitivamente fixado – [e que não é já objeto de controvérsia] –, nos não merece qualquer reparo a qualificação jurídica operada pela 1.ª Instância, isto mesmo na parte em que afastou as convocadas circunstâncias qualificativas da alínea b), e) e j) do n.º 2 do art. 132.º do CPP, como insuscetíveis de, no caso concreto, evidenciar uma densidade acrescida de culpa do arguido na prática do homicídio». Sobre a alegada aplicação da atenuação especial da pena, pronuncia-se pela sua rejeição, por a «ideia estruturante deste instituto, como é sabido, é a de que a atenuação especial da pena funciona como válvula de segurança. Significa ela que a atenuação especial da pena deve abranger apenas aqueles casos em que se verifique a ocorrência de circunstâncias que se traduzam numa diminuição acentuada da culpa ou da necessidade da pena – casos verdadeiramente excecionais em relação ao comum dos casos previstos pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respetivo tipo legal de crime. Em tais hipóteses, porém, a atenuação especial é obrigatória - “o tribunal atenua”, diz a lei, após a revisão de 1995 – segundo um critério de discricionariedade vinculada e não dependente do livre arbítrio do tribunal», mas «nessa perspetiva, o facto tem de revestir uma tal fisionomia que se possa dizer, face à imagem especialmente atenuada que dele se colha, que encaixá-lo na moldura penal prevista para a realização do tipo seria uma violência» ou, noutros termos, «que, sendo as molduras penais correspondentes aos diversos tipos de crime pensadas para, dentro de uma latitude suficientemente ampla, nelas caber a vasta gama de situações que a vida real nos oferece, desde as mais simples às mais complexas, por vezes sucede que uma dada situação, por excecional, não se amolda a nenhuma das gradações comportáveis pela moldura penal, nomeadamente quando o caso reveste uma fisionomia particularmente pouco acentuada em termos de gravidade da infração, seja por via da culpa/ilicitude, seja por via da necessidade da pena», ora, «da análise da matéria de facto considerada provada não se extraem elementos que permitam o recurso à drástica alteração da moldura penal prevista para o facto, no sentido da sua atenuação especial. Não se vislumbra, com efeito, que as palavras proferidas pela vítima – que, diga-se, bem vistas as coisas, nem sequer se relacionavam com a falta de pagamento ao arguido da quantia em dívida –, permitam atenuar de forma acentuada, não prevista pelo legislador e portanto não abarcada pela moldura penal estabelecida pelo preceito incriminador, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. E, permita-se-nos a repetição da mesma ideia, tal como este Supremo Tribunal tem repetidamente afirmado na sua jurisprudência, a atenuação especial da pena deve abranger apenas aquelas situações verdadeiramente excecionais em relação ao comum dos casos previstos pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respectivo tipo legal de crime.» Quanto à medida da pena, refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto que aqueles mesmos factos podem «constituir fundamento de atenuação, apenas de carácter geral», porquanto «a pena cominada – de 16 anos de prisão – terá excedido, posto que não na dimensão defendida pelo recorrente, quer a medida permitida pela culpa, quer a necessária à satisfação das finalidades da punição», por não terem sido devidamente ponderados os fatores decorrentes da: «relação existente entre o arguido e a vítima, que, se bem que a longo tempo [cerca de 10 anos antes], viveram em condições análogas às dos cônjuges e tiveram mesmo um filho em comum, o que não pode deixar de agravar a sua culpa»: «existência do empréstimo contraído com o arguido e a falta de pagamento de qualquer das prestações a que a vítima se tinha comprometido, sem fundamento justificado, o que configura fator de diminuição da culpa do agente», das «palavras proferidas pela vítima, quer no telefonema ocorrido na véspera, quer no momento que imediatamente precedeu, e desencadeou, a conduta homicídio, o que também não pode deixar de atenuar a culpa», da «confissão do arguido, e o facto de ele se ter entregado às autoridades policiais, juntamente com a arma do crime, em ato seguido à prática do homicídio, o que não deixa de influir, reduzindo-as, nas necessidades de prevenção especial» e «a idade do arguido, hoje com 52 anos, a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção social e profissional, também fatores de alguma atenuação das necessidades de prevenção especial», numa pena «a graduar entre os 13 e os 14 anos de prisão, (…) com a necessária repercussão, na mesma proporção, na medida da pena única do concurso». 5. Dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente veio responder, afirmando, além do mais, que «concluir por uma pena entre os 13 e os 14 anos de prisão, não se tem em consideração que o fim último de qualquer pena é a reintegração do agente na sociedade e uma pena de 13 anos levará a que quando o arguido saia da prisão não se encontre em idade apta e conveniente para trabalhar e estabelecer a sua vida», pelo que «deverá ser aplicada ao arguido uma pena junto ao limite mínimo da moldura penal abstrata para o crime de homicídio simples, especialmente atenuada nos termos das alíneas b), c) e d) do n.º 2 do art. 72.º CP.» 6. Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o recurso é apreciado em conferência [artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP]. 7. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir. Constitui jurisprudência assente que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, questões relativas aos vícios da decisão quanto à matéria de facto, a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e às nulidades, a que alude o nº 3 do mesmo preceito, é pelo teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, onde resume as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se define e delimita o objeto do recurso. A esta luz e não merecendo reparo a qualificação jurídica efetuada na 1.ª Instância, as questões, cuja reapreciação é requerida, tal como resultam das conclusões formuladas, respeitam, no essencial, à atenuação especial da pena, prevista nos artigos 72.º e 73.º do CP, que o recorrente entende que devia ter beneficiado (Conclusões 1.ª a 24.ª e 37.ª) e à medida concreta da pena unitária aplicada, que o recorrente tem por «elevadíssima» e «exageradíssima» (Conclusões 17.ª a 37.ª). a. Matéria de facto provada Antes de abordar a questão da atenuação especial da pena, descreve-se a matéria de facto dada como provada e não provada: Quanto a «factos não provados», refere-se no acórdão que «[n]ão resultaram provados outros factos, dentre os alegados, com interesse para a decisão da causa e que se encontrem em contradição com a factualidade antes elencada.» Tendo em atenção esta matéria de facto, o recorrente entende que deveria ter beneficiado da atenuação especial da pena e, quanto à pena concreta, que esta se situasse «perto do limite mínimo» de «2 anos e 2 meses». b. Atenuação especial da pena (artigo 72.º do CP) 1. O artigo 72.º do Código Penal (CP), com a epígrafe «Atenuação especial da pena», estabelece no n.º 1, que o tribunal atenua especialmente a pena, nos termos indicados no artigo subsequente, quando existirem circunstâncias que diminuam acentuadamente a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, enunciando o n.º 2, de forma exemplificativa, vários pressupostos da atenuação especial, entre os quais se incluem ter a conduta do agente sido determinada por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida [alínea a)], ter havido atos de arrependimento sincero do agente [alínea b)], e ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta [alínea c)], nos quais o recorrente funda o pedido, por os entender presentes na matéria de facto provada. Para Figueiredo Dias a atenuação especial da pena tem subjacente a necessidade de uma «válvula de segurança» do sistema para responder a situações especiais em que «existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao “complexo” normal de casos» Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, 1993, p. 302. ; «princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena, e, portanto, das exigências de prevenção» Idem, p. 303.. Sobre os «factores de atenuação especial», relativamente às circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 72.º do Código Penal, que constituem exemplos ilustrativos da situação especialmente atenuada contida na cláusula geral do nº 1, em que «outras situações que não as descritas naquelas alíneas podem (e devem) ser tomadas em consideração, desde que possuam o efeito requerido de diminuir, por forma acentuada, a culpa do agente ou as exigências da prevenção » e «as próprias situações descritas naquelas alíneas não têm o efeito “automático” de atenuar especialmente a pena, só o possuindo se e na medida em que desencadeiem o efeito requerido» Idem, p. 306.. A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se pautado por idêntico entendimento, quando afirma que «[p]ressuposto material da atenuação da pena, autónomo ou integrado pela intervenção valorativa das situações exemplificativamente enunciadas no art. 72.º do CP, é a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção», «[n]a análise a fazer há que ter uma visão integral do facto, atender ao pleno das circunstâncias que enformaram os factos; a emissão de uma declaração de arrependimento por parte do arguido tem de ser entendida com a verdadeira amplitude e o alcance que tem, pois uma coisa é declarar arrependimento no que pode ser uma declaração de circunstância determinada pelas circunstâncias, outra a corresponder a uma interiorização do mal da conduta» Acórdão de 25 de novembro de 2009, processo n.º 490/07.0TAVVD.S1. Entre outros no mesmo sentido podem consultar-se os de 17 de dezembro de 2014, processo n.º 937/12.4JAPRT.P1.S1 e de 15 de janeiro de 2015, processo n.º 92/14.5YFLSB. 2. Para fundamentar e justificar a atenuação especial da pena, o recorrente apela aos factos provados sob os n.os 2, 4, 5 e 11.º, tal como menciona o arrependimento sincero (conclusão 13.ª), que não tem correspondência nos factos provados e que, por isso, não é de atender. Respeitam aqueles factos, no essencial, a ter emprestado €25 000 à vítima para esta adquirir a exploração de um estabelecimento de café, ficando ela com o compromisso de pagar mensalmente €500 ao recorrente, o que ela não cumpriu nem lhe entregou qualquer importância e, no dia 11 de janeiro de 2014, à noite, quando a contatou por telefone, ela respondeu que «já não gostava dele e se morassem juntos «lhe havia de colocar os cornos todos os dias», expressão similar que usou, no dia seguinte, logo de manhã, depois de a procurar no café, e ela lhe respondeu «Vai-te embora, és um porco sujo, vais ser um cabrão toda a vida, vou-te pôr os cornos». O Senhor Procurador Geral Adjunto afasta a aplicação da atenuação especial da pena, afirmando: «[n]ão se vislumbra, (…), que as palavras proferidas pela vítima – que, diga-se, bem vistas as coisas, nem sequer se relacionavam com a falta de pagamento ao arguido da quantia em dívida –, permitam atenuar de forma acentuada, não prevista pelo legislador e portanto não abarcada pela moldura penal estabelecida pelo preceito incriminador, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena», posto que «a atenuação especial da pena deve abranger apenas aqueles casos em que se verifique a ocorrência de circunstâncias que se traduzam numa diminuição acentuada da culpa ou da necessidade da pena – casos verdadeiramente excecionais em relação ao comum dos casos previstos pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respetivo tipo legal de crime». 3. Na leitura do acórdão não se faz referência à atenuação especial, o que se não entende ter sido devido a omissão, porquanto a decisão recorrida ponderou todo o circunstancialismo verbal, anterior e concomitante ao evento, e afastou a qualificação do ilícito, por motivo fútil ou com frieza de ânimo. Ao ter reputado esse circunstancialismo idóneo a desqualificar o crime induz que não o considerou apto a atenuar especialmente a pena, face à elevada intensidade do dolo, que é direto, e à ilicitude, também muito elevada. Como tem sido assinalado por este Supremo Tribunal, é pressuposto material de aplicação do regime da atenuação especial da pena, previsto no artigo 72.º do CP, a diminuição acentuada da ilicitude do facto e da culpa do agente, da necessidade da pena e um abrandamento das exigências de prevenção. Nenhum destes requisitos se mostra presente nos factos alegados pelo recorrente, nem em outros factos provados, como justificativos da aplicação daquele regime, pois, como se refere no acórdão, «o dolo foi direto e muito intenso, dada a proximidade do disparo que atingiu a vítima, quase à “queima-roupa”, e o arguido apontou a arma para a cabeça», a ilicitude «é muito elevada, como são muito elevadas as exigências de prevenção geral», sendo a pena necessária para sancionar a ofensa à ordem jurídica violada. Por último, entre os motivos invocados – contrato de mútuo não cumprido e o emprego de expressões verbais injustas – que antecederam, rodearam e levaram à prática do facto ilícito e o resultado deste, há uma desmedida desproporção, que não pode ser nem racionalmente entendida, nem razoavelmente justificada para a aplicação do regime. Em face do exposto, os factos alegados e o contexto em que ocorreram não configuram as exigências previstas na lei para a atenuação especial da pena pretendida pelo recorrente, nessa parte improcedendo o recurso. c. Determinação da pena e pena única 1. Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do CP, a pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa (nº 2 do artigo 40.º do CP). Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros fatores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do CP). Sobre a determinação da pena e a caracterização dos elementos assinalados, este Supremo Tribunal tem afirmado que Segue-se o acórdão de 15 de dezembro de 2011, processo n.º 706/10.6PHLSB.S1. Na doutrina, veja-se Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 41-45, e bibliografia citada.: «Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objetivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP). Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências. Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto ótimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.). Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites ótimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstrata correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão atuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231). Ora, os fatores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração.» 2. O acórdão recorrido afirma, relativamente à determinação e medida da pena, que o crime de homicídio simples, na forma consumada, «é punível em abstracto com prisão cujo limite mínimo é de 10 anos e 8 meses e cujo limite máximo é de 21 anos e 4 meses (homicídio simples com a agravação de 1/3 nos limites mínimo e máximo)», devendo a pena a aplicar atender à «culpa do arguido e considerando os fins das penas aludidos no art. 40.º do Código Penal, as exigências especificas da prevenção da prática futuros crimes pelo ora arguido e da sua reintegração na sociedade, por um lado, e as exigências da prevenção geral da criminalidade, por outro lado», tendo também presentes «os critérios a que alude o art.º 71.º do Código Penal, mormente o circunstancialismo que depõe a favor e contra o arguido». Observando esses critérios, e atendendo a que «o dolo foi directo e muito intenso», a «ilicitude, dentro da moldura penal apurada, é muito elevada, como são também muito elevadas as exigências de prevenção geral», tendo apenas destacado, como favoráveis ao arguido «as suas condições pessoais, por referência à sua idade e actividade profissional que exerceu, sendo considerado pessoa trabalhadora, bem inserida profissionalmente e estimada pelos amigos» e a «ausência de antecedentes criminais», atenta a «a enorme gravidade do crime e, principalmente, das suas consequências», justificam «que, pelo homicídio simples, com a agravação do uso de arma, se aplique a pena de 16 (dezasseis) anos de prisão, pois é a que melhor corresponde à necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto e às expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada». O acórdão descreve, pois, com detalhe os critérios adotados e os factos de suporte da pena concreta aplicada. 3. O recorrente reage à medida desta pena, qualificando-a de «elevadíssima» (conclusão 23.ª) e exageradíssima» (conclusão 28.ª), «contrária aos fins das penas» (conclusão 27.ª) e «que eu em muito ultrapassa a medida da culpa» (conclusão 29.ª), devendo a mesma ser fixada «perto do limite mínimo, tendo em conta a atenuação especial da pena resultante das atenuações acima referidas, é mais do que suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção, pelo que deveria ter sido esta a aplicada ao arguido», limite mínimo concretizado nos «2 anos e 2 meses» de prisão (Conclusão 16.ª). No essencial invoca em seu benefício: à idade (conclusão 17.ª), a confissão (conclusões 24.ª e 33.ª), e o arrependimento (conclusões 32.ª e 33.ª). 4. Por seu turno, o Senhor Procurador-Geral Adjunto sustenta que a pena imposta – de 16 anos de prisão – terá excedido a medida permitida pela culpa e a satisfação das finalidades da punição, por não terem sido devidamente ponderado contra o arguido a relação existente entre ele e a vítima, ainda que finda há cerca de 10 anos, mas que agora fora objeto de reaproximação, e, a favor dele a «existência do empréstimo contraído com o arguido e a falta de pagamento de qualquer das prestações, sem fundamento justificado, por parte da vítima, como se tinha comprometido, as «palavras proferidas pela vítima, quer no telefonema ocorrido na véspera, quer no momento que imediatamente precedeu, e desencadeou, a conduta homicida», a confissão do arguido e o ter-se entregado às autoridades policiais, juntamente com a arma do crime, em ato seguido à prática do homicídio, e a idade do arguido, hoje com 52 anos, com ausência de antecedentes criminais e a sua inserção social e profissional., também fatores de alguma atenuação das necessidades de prevenção especial», afigurando-se-lhe adequada uma pena a graduar «entre os 13 e os 14 anos de prisão». 5. O crime de homicídio simples, na forma consumada, agravado de 1/3 nos limites mínimo e máximo, pelo uso da arma, é punível em abstrato com a pena de prisão, com o limite mínimo de 10 anos e 8 oito meses e o limite máximo de 21 anos e 4 meses. Tendo em conta os critérios normativos para a determinação da medida concreta da pena e os factos dados como provados, a pena individualizada foi fixada em 16 anos de prisão. Quanto ao pedido do recorrente, dir-se-á que dos três elementos por si invocados – a idade, a confissão e o arrependimento -, apenas o primeiro é expressamente mencionado no acórdão e foi ponderado na determinação da pena; nada se dizendo quanto aos demais por não terem sido dados como provados e, nessa medida, não poderem ser considerados. Relativamente ao alegado pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto, acompanha-se a ponderação dos fator agravativo que resulta do relacionamento análogo aos dos cônjuges entre o recorrente e a vítima, ainda que terminado há cerca de dez anos, mas de que nasceu uma filha, e de que ficaram alguns laços, só assim se compreendendo o empréstimo feito por ele. Já não se acompanha a posição do mesmo Ilustre Magistrado quando pondera que tenha sido a verbalização das palavras e expressões que foram dirigidas ao recorrente pela vítima, na manhã de 12 de janeiro de 2014, quando a procurou e com ela se encontrou no café da mesma, que desencadearam o facto ilícito, porquanto verbalizações de idêntico conteúdo já a vítima lhe tinha dirigido na noite anterior, nessa medida sendo afastada qualquer ideia de surpresa e reação inopinada a uma situação inesperada. De facto, nessa noite, ao pedido de devolução da quantia emprestada formulado ao telefone pelo recorrente, a vítima ripostou que já não gostava dele e se morassem juntos «lhe havia de colocar os cornos todos os dias», tendo aquele ficado acordado nessa noite a pensar em tais palavras. Neste contexto, o incumprimento do contrato desloca-se para segundo plano, para sobressair apenas ressentimento pessoal, porventura por se sentir usado pela vítima. É o impacto das palavras que lhe foram dirigidas que o leva a munir-se do revólver que levou consigo, quando procurou a vítima. E quando se encontrou com ela, na manhã seguinte, imediatamente a questionou sobre o teor da «conversa telefónica entabulada na noite anterior», por esta se entendendo as expressões que ela lhe tinha dirigido – de que já não gostava dele e que lhe colocaria os cornos todos os dias -, encaixando-se a resposta da vítima – Vai-te embora, és um porco sujo, vou-te pôr os cornos toda a vida – neste tipo de diálogo. Também destas expressões da vítima sobressai que a reação do recorrente se deve essencialmente às palavras que ela lhe dirigiu, e que o levou a empunhar e disparar o revólver, que trazia consigo, a cerca de um metro da vítima. Sendo o conteúdo e sentido das palavras e expressões usadas pela vítima na manhã do dia 12 de janeiro idênticos às que tinham sido proferidas na conversa da noite anterior, não se pode afirmar que o recorrente foi surpreendido com expressões que o tivessem perturbado, por qualquer razão, nomeadamente por poder ter pensado que tinha sido «usado» pela vítima. Antes habilita a concluir que aquele, na sequência da conversa havida na noite anterior com a vítima, ao ter levado consigo a arma com que disparou sobre ela, se não tinha formado antes a resolução de lhe tirar a vida, o ato que praticou compreende-se num quadro em que a morte pudesse sobrevir, como veio a acontecer. Essa circunstância não configurando premeditação, por não estarem presentes os requisitos integradores [artigo 132.º, n.º 2, alínea j), do CP], não deixa de militar seriamente em desfavor do recorrente. Por isso, o incumprimento do contrato por parte da vítima, apesar de ter acontecido, tem, neste contexto, reduzido valor atenuativo. As demais circunstâncias mencionadas – idade, apresentação do recorrente às autoridades em ato seguido ao crime, e a entrega da arma – foram, no essencial e sem reparo ponderadas na decisão recorrida. Em razão de todo o exposto, e pelo que mais consta do acórdão recorrido, a medida concreta de 16 anos de prisão de prisão, como pena imposta pelo crime de homicídio simples, agravado, imputado ao recorrente, mostra-se adequada, respeitando, sem os ultrapassar, os limites da sua culpa, tal como se mostra adequada a pena única de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses de pena de prisão, pelo cúmulo das penas parcelares impostas pelo aludido crime de homicídio simples agravado e pelo crime de detenção de arma proibida, não sendo de censurar o acórdão recorrido. Improcede, assim, também nesta parte o recurso interposto. Termos em que acordam na 3.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, no recurso interposto por AA, em: a) Negar provimento ao recurso, mantendo o acórdão recorrido; b) Fixar as custas a cargo do requerente, em 5 unidades de conta (UC) de taxa de justiça (artigos 513.º, 514.º e 524.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e publicado como seu Anexo III, objeto de retificação e alterações posteriores, nomeadamente pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro. * (Texto elaborado e revisto pelo relator (artigo 94.º, n.º 2, do CPP) Os Juízes Conselheiros, João Silva Miguel Armindo Monteiro |