Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | ARMINDO MONTEIRO | ||
Descritores: | CÚMULO JURÍDICO CONCURSO DE INFRACÇÕES MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA ÚNICA PREVENÇÃO ESPECIAL TRÂNSITO EM JULGADO CÚMULO POR ARRASTAMENTO REINCIDÊNCIA PLURIOCASIONALIDADE CÚMULO MATERIAL PENA DE PRISÃO PENA DE MULTA PRISÃO SUBSIDIÁRIA PENA CUMPRIDA DESCONTO IMAGEM GLOBAL DO FACTO COMPRESSÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/27/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Sumário : | I - O legislador penal repudiou abertamente o sistema de acumulação material de penas, que na sua pureza, não se mostra consagrado na generalidade das legislações, para adoptar um sistema de pena conjunta, erigido não de conformidade com o sistema de absorção pura por aplicação da pena concreta mais grave, nem de acordo com o princípio da exasperação ou agravação, que agrega a si a punição do concurso com a moldura do crime mais grave, agravada pelo concurso de crimes, mas antes de acordo com um sistema misto pontificando a regra da acumulação, por força do qual se procede à definição da pena conjunta dentro de uma moldura, cujo limite máximo resulta da soma das penas efectivamente aplicadas, emergindo a medida concreta da pena da imagem global do facto imputado e a personalidade do agente, sob a forma de cúmulo jurídico. II - Ao lado do “cúmulo jurídico regra”, previsto naquele art. 77.º, do CP, em que haverá lugar a aplicação de uma pena única, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, prevê-se, no art. 78.º, n.º 1, do CP, o caso de conhecimento superveniente do concurso, ou seja, quando posteriormente à condenação se denotar que o agente praticou anteriormente àquela condenação outro ou outros crimes. Neste caso são aplicáveis as regras do disposto no art. 77.º, do CP, segundo o n.º 1, do art. 78.º, do CP, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas. III - No concurso superveniente de infracções tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, se projecta retroactivamente (cf. Ac. do STJ, de 02-06-2004, CJ, STJ, II, pág.221). IV - A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, edição da FDUC, 2005, pág. 1324). V -Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, é de concluir que o agente é punido pelos factos individualmente praticados, não como um mero somatório, em visão atomística, mas antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). VI - Sem discrepância, tem sido pacífico o entendimento do STJ de que o concurso de infracções não dispensa que as várias infracções tenham sido praticadas antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer uma delas, representando o trânsito em julgado uma “barreira excludente“ (Ac. do STJ, de 25-06-2009, Proc. n.º 2890/01.9GBAB6.E.S1), excluindo-se do âmbito da pena única os crimes praticados posteriormente; o trânsito em julgado de uma dada condenação obsta a que se fixe uma pena unitária que englobando as cometidas até essa data se cumulem infracções praticadas depois deste trânsito. VII - O limite intransponível em caso de consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena de concurso é, como dito, o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar por qualquer crime praticado anteriormente; no caso de conhecimento superveniente de infracções aplicam-se as mesmas regras, devendo a decisão que condene por um crime anterior ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto. VIII - Se os crimes agora conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior e outra relativa aos factos praticados depois daquela condenação; a ideia de que o tribunal devia proferir aqui uma só pena conjunta, contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência, latu sensu, é a doutrina do Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, § 425, dando lugar a cúmulos separados e a pena executada separada e sucessivamente (neste sentido, também, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, pág. 247). IX - Orientação diversa, de todas as penas a ponderar, sem dicotomizar aquela situação, é a que se acolhe no chamado “cúmulo por arrastamento”, seguida em data anterior a 1997, mas hoje inteiramente rejeitada por este STJ, desde logo pelo Ac. de 04-12-97, CJ, STJ, V, III, pág. 246, podendo, actualmente, reputar-se unânime o repúdio da tese do cúmulo reunindo indistintamente todas as penas, “por arrastamento”, assinalando-se que ele “aniquila a teleologia e a coerência interna do ordenamento jurídico-penal, ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência” (comentário de Vera Lúcia Raposo, RPCC, Ano 13.º, n.º 4, pág. 592), abstraindo da conjugação dos arts. 78.º n.º 1, e 77.º n.º 1, do CP. X - E as razões por que a pena aplicada depois do trânsito em julgado, à partida, não deve ser englobada no cúmulo, resulta do facto de ao assim proceder o arguido revelar maior inconsideração para com a ordem jurídica do que nos casos de inexistência de condenação prévia, deixando de ser possível proceder à avaliação conjunta dos factos e da personalidade, circunstância óbvia para afastar a benesse que representa o cúmulo, defende Vera Lúcia Raposo, ob. cit. e Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, II, pág. 313 e Paulo Dá Mesquita, Concurso de Penas, págs. 45 e Ac. do STJ, de 15-03-2007, Proc. n.º 4797/06 - 5.ª. XI - O cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido, tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas. XII - Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – Prof. Figueiredo Dias, op. cit . § 421. XIII - Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. XIV - A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa. XV - Quando o tribunal aplique em concurso uma única pena de multa como pena principal ou alternativa à de prisão, com uma multa substitutiva da prisão, nos termos do art. 43.º, do CP, tais penas devem acumular-se materialmente, atenta a sua diferente natureza. XVI - Se as penas parcelares forem de espécie diferente, o direito vigente abandona entre elas o sistema da pena única, e portanto o sistema da pena de conjunto e do cúmulo jurídico, para se seguir na essência, um sistema de acumulação material: a pena de prisão e a de multa são sempre, nos termos do art. 78.º, n.º 3, cumuladas entre si, a mesma situação vale, ainda, relativamente a penas mistas de prisão e de multa, bem como para o caso de penas sucedâneas, ou em caso de condenação em alternativa, nos termos do preceituado no art. 46.º, n.ºs 3 e 4, do CP, na tese perfilhada pelo Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, § 417, firme opositor à solução legal, defendendo de jure condendo, “que outro seria o regime justificável, isto porque o regime de concurso vale, plenamente, para a hipótese de penas diferentes, em que o agente é o mesmo, uma só e unitária e a personalidade do agente, merecendo uma avaliação unitária”. XVII - Uma pena subsidiária de prisão por incumprimento da multa, reduzida a 2/3, não passa a ser a pena principal e por isso não tem qualquer cabimento, dada a sua natureza diferenciada, que ela figurasse com outras penas em concurso. XVIII - A prisão subsidiária é uma prisão “pendente conditione”, que só em derradeira hipótese se cumpre depois de esgotantemente percorrido o iter que a ela corresponde, previsto no art. 49.º, n.ºs 2 e 3, do CP. XIX - No Ac. do STJ de 04-12-2008, disponível em www.dgsi.pt, acórdãos STJ, Proc. n.º 08P3628, decidiu-se não integrar o cúmulo jurídico a prisão subsidiária, pois esta prisão não é equivalente à pena de prisão, já que, ao contrário desta, pode cessar a qualquer momento pelo pagamento da importância ainda em dívida ou pela prova de que o não pagamento não é imputável ao não condenado. XX - A diversidade da natureza das penas impede o cúmulo jurídico impondo um cúmulo material, sem incidência uma vez cumprida tal prisão em alternativa no englobamento de que há-de emergir a pena única. XXI - A Lei 59/2007, de 04-09, suprimiu o requisito anterior que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena se achar cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto na pena única. XXII - Actualmente, o art. 78.º, n.º 1, do CP, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido, mas já não se, por exemplo, ela se mostrar extinta por qualquer outro motivo, designadamente por amnistia, mas sem abdicar das regras do concurso, entre as quais a da mesma natureza das penas em presença. XXIII - O legislador não fornece qualquer critério de ordem matemática, em termos de a compressão aritmética a observar na formação da pena de conjunto, não dever ultrapassar “1/3 e que muitas vezes se queda por 1/6 e menos”, à luz da jurisprudência do STJ, segundo diz, mas apenas um guia na formação da pena de concurso: o da atendibilidade da avaliação global dos factos e personalidade do agente, com o significado, contornos e amplitude já indicados. XXIV - A liberdade individual, de acordo com o princípio da ponderação de interesses conflituantes, só pode ser suprimida ou limitada “quando o seu uso conduza, com alta probabilidade, a prejuízo de outras pessoas que, na sua globalidade, pesa mais do que as limitações que o causador do perigo deve sofrer”, na expressão de Roxin, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, op. cit., pág. 430, nota 35. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : AA, de 29 anos, presentemente em cumprimento de pena de prisão no E. P. do Paços de Ferreira, foi condenado : Num primeiro cúmulo jurídico numa pena única de 9 (nove) anos de prisão, acrescido da pena de 190 (cento e noventa) dias de multa à taxa diária de €2,70 (dois euros e setenta); num segundo cúmulo numa pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão, ambas a ser cumpridas sucessivamente. O Colectivo, com proficiência , procedeu à síntese factual , em que assentou a condenação em cada processo. I . A pena de 9 anos de prisão, acrescida da multa de 190 dias de multa à taxa diária de 2 , 70 € , é o resultado das parcelares aplicadas : 1. No presente processo n.° 02/03.5GBSJM, no acórdão proferido em 20/04/2006, transitado em julgado em 04/04/2008, pela prática, em 28/01/2003, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 146°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, com referência aos arts. 132°, n.° 2, ai. g) e 142°, n.° 1 do mesmo diploma legal, de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, 8 (oito) meses de prisão pela prática de um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo art. 200°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, e em cúmulo jurídico na pena de 2 anos e 10 meses de prisão . Súmula dos factos : Durante a noite, o arguido e três outros companheiros tentavam rebentar a porta de uma casa, pertença do pai do arguido, quando foram surpreendidos por um guarda-nocturno; o arguido agrediu-o com um "pé de cabra", em ferro, desferindo-lhe uma pancada na zona do nariz; fugiram então do local o arguido e os companheiros, deixando o ofendido prostrado no solo; passados uns minutos, este levantou-se e caminhou 200 metros, com o "pé de cabra" cravado na carne, até ser socorrido por um vizinho. 2. No processo n.° 146/04.6TCPRT, da 1ª Vara Criminal do Porto, por acórdão proferido em 10/03/2005, transitado em julgado em 04/04/2005, de 9 (nove) e 10 (dez) meses de prisão, pela prática, em 15/05/2001 e em 02/07/2001, por dois crimes de deserção, p. e p. pelos arts. 72° e 74° do CJM, e em cúmulo jurídico na pena de 13 meses de prisão , suspensa na sua execução pelo espaço de 1 ano . Súmula dos factos : O arguido saiu sem licença ou autorização do quartel, em 15/05/2001, mantendo-se injustificadamente ausente até 01/07/2001, data em que foi capturado; no dia 02/07/2001, não se apresentou no quartel, como era seu dever, face à guia de marcha e requisição de transporte que, após interrogatório judicial motivado pelo anterior crime de deserção, com tal finalidade, lhe haviam sido conferidas; manteve-se ausente até 04/06/2002, data em que foi de novo capturado. 3. No processo n.° 109/03.9P6PRT, do 1º Juízo Criminal de Matosinhos, por acórdão proferido em 06/02/2004, transitado em julgado em 25/02/2004,de 10 meses de prisão, pela prática, em 26/02/2003, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 275°, n.°s 1 e 3, do Código Penal, com referência ao art. 3.º , n.° 1, al. f) do DL n.° 207-A/75 de 17 de Abril, de 18 meses de prisão pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347° do Código Penal , de um mês de prisão pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191° do Código Penal, de 2 meses de prisão pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153°, n.° 1 do Código Penal e dois meses de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 275°, n.° 3 do C. Penal, ex vi do art. 3º, n.° 1, al. f) do DL n.° 207-A/75 de 17/04, este em co-autoria . Súmula dos factos : O arguido e outros indivíduos seguiam num veículo automóvel, propriedade de outrém, de que se haviam apoderado uns dias antes; após uma perseguição automóvel movida pela polícia, que deu azo à condenação de um dos referidos companheiro do arguido pelo crime de condução perigosa, o veículo destes imobilizou-se; o arguido saiu do veículo com uma caçadeira, municiada e com a coronha cortada, pondo-se em fuga, veio a ser encontrado pelos agentes da polícia que o perseguiam, tendo um deles efectuado disparos para o ar, bem como ordenado ao arguido que entregasse a arma; este não obedeceu, antes a tendo atirado para o pátio de um infantário, aí existente; prosseguiu a fuga, escondendo-se no pátio de uma casa; sendo aí surpreendido pelo dono dela e por um seu familiar, que o detiveram, dirigiu àquele palavras ameaçadoras, de futura agressão; vistoriado o veículo em que seguira o arguido, e os companheiros, foram aí encontrados quatro cartuchos e um taco de madeira, com 60 cms de comprimento; 4. No processo n.° 56/01.9SFPRT, da 2ª Vara Criminal do Porto, por acórdão proferido em 02/12/2004, transitado em julgado em 20/12/2004, pela prática, em 07/12/2001, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21° do DL n.° 15/93 de 22/01, na pena de 4 anos de prisão, de 90 dias de multa, à taxa diária de € 2 (dois euros), pela prática de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo art. 359° do Código Penal. Em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de quatro anos de prisão e 60 dias de multa, a € 2 diários, perfazendo € 120 . Súmula dos factos: O arguido, juntamente com outros dois indivíduos, detinha pacotes ou embalagens contendo 4,336 g de heroína, 17,350 g de cannabis, 50 mg de cocaína e 3,740 g de cocaína (pesos líquidos), que destinavam à venda; no momento da detenção, o arguido forneceu identificação falsa e, ulteriormente, perante o juiz de instrução, após advertência da sanção em que incorria caso faltasse à verdade quanto à sua identificação, deu de novo falsa identificação, assinando o auto de declarações e a notificação do despacho judicial com o nome falso que indicara; 5.No processo n.° 925/01.6PASJM, do 2º Juízo do T. J. de S. M. da Feira, por sentença proferida em 07/07/2003, transitada em julgado em 29/09/2003, pela prática, em 07/11/2001, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art 146° e 132°, n.° 2, ai. a) na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por um período de 2 anos e 6 meses . Súmula dos factos : O arguido entrou na residência do ofendido e, com uma verga de ferro de 60 cms de comprimento e uma argola numa das extremidades, desferiu-lhe várias pancadas em diferentes partes do corpo, designadamente da cabeça, fazendo-o sangrar abundantemente; fugindo o ofendido para o exterior, o arguido seguiu no seu encalço, tendo-o no percurso agredido por várias vezes com o referido ferro; já no exterior, desferiu uma pancada nas costas do ofendido, fazendo-o tombar no solo; já com ele caído, desferiu-lhe vários pontapés, até que foi impedido de continuar a agressão por outro indivíduo; o arguido agiu da forma descrita em virtude de o ofendido, na noite do dia anterior, juntamente com outro indivíduo, e encontrando-se ambos alcoolizados, ter atirado pedras às porta e janelas da sua casa, danificando-as, sendo que no interior desta se encontrava somente a sua companheira e o seu filho de dois meses de idade, pois o arguido encontrava-se na altura a trabalhar como padeiro, o que era do conhecimento do ofendido. 6 .No processo comum n.° 569/OO.OPJPRT, da 4ª Vara Criminal do Porto, por acórdão proferido em 15/07/2004, transitada em julgado em 22/04/2005, pela prática, em 06/04/2000, em co-autoria, de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelo art. 210°, n.° 1, 22°, 23° e 73°, todos do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de 18 meses . Súmula dos factos : O arguido, mancomunado com outros três co-arguidos, abeirou-se do ofendido e pediu-lhe 100$00. Enquanto aqueles se mantinham a curta distância; perante a recusa do ofendido, o arguido dirigiu-lhe vários insultos e chamou os co-arguidos; o ofendido logrou refugiar-se num estabelecimento comercial e chamar a polícia, não sem antes ter recebido um pontapé de um dos arguidos; já depois de o ofendido se ter refugiado no estabelecimento, os arguidos, encostaram-se ao vidro do estabelecimento, sem medo de serem reconhecidos ou identificados . 7. No processo comum n.° 98/03.6COAZ, do 2.º Juízo Criminal do T. J. de Oliveira de Azeméis, por sentença proferida em 12/07/2005, transitada em julgado em 26/09/2005, pela prática, em 02/05/2003, de um crime de coacção na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs . 154°, n.°s 1 e 2, 23°, n.°s 1 e 2 e 73°, n.° 1, al. a), todos do Código Penal, na pena de 19 meses de prisão. Síntese factual : O arguido emprestou à ofendida a quantia de € 100, quantia que ela não lhe devolvia, apesar dos sucessivos pedidos dele nesse sentido; decidiu dirigir-se a casa dela para, com suficiente intimidação, obter dela essa quantia; com um outro indivíduo, bateu numa janela e quanto a ofendida veio ver o que se passava, empurrou-a para trás, partindo os vidros; saltou para o interior, e encostando-lhe uma faca ao pescoço, disse-lhe que a mataria se não lhe entregasse a apontada quantia em dinheiro; dando conta da presença do companheiro da ofendida, que vinha já em seu auxílio, puseram-se o arguido e o seu camarada em fuga, anunciando contudo o arguido à ofendida que no dia seguinte voltariam No âmbito deste processo, por acórdão de 14/11/2006, transitado em julgado em 24/11/2006, foi realizado cúmulo jurídico superveniente de penas, englobando a referida pena de 19 meses de prisão, bem como as penas impostas ao arguido nos processos n.° 925/01.6PASJM, 109/03.9P6PRT, 172/03.2SFPRT, 146/04.6TCPRT, 56/01.9SFPRT, tendo-lhe sido imposta a pena única de 8 anos de prisão e 60 dias de multa, à taxa diária de € 2, o que perfaz € 120. 8 No processo comum n.° 132/03.3PJPRT, do 2º Juízo Criminal do Porto, por sentença proferida em 07/11/2007, transitada em julgado em 14/12/2007, pela prática, em 19/09/2003, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º , n.° 2 do DL n.° 2/98 de 03/01, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 3, perfazendo a quantia de € 480 € . Súmula dos factos : O arguido circulou , conduzindo , o veículo ligeiro de matrícula ...-...-PH , nas ruas do Porto , sem que fosse titular de carta de condução , pena essa extinta pelo pagamento . II. 9. O segundo cúmulo , de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão, engloba as penas parcelares aplicadas : No processo n.° 172/03.2SFPRT, da 2a Vara Criminal do Porto, por acórdão proferido em 03/05/2005, transitado em julgado em 18/05/2008, de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática, em 04/12/2003, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204°, n.° 2, al e) do Código Penal Durante a noite o arguido partiu a porta de acesso a um estabelecimento de mercearia e apropriou-se de bens desse comércio no valor de 200€ No processo comum n.° 08/04.7GASJM, do 1.º Juízo Criminal de Santa Maria da Feira, por acórdão proferido em 09/06/2005, transitado em julgado em 24/06/2005, pela prática, entre Agosto a 16 de Setembro de 2004, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n.° 1 do DL n.° 15/93 de 22/01, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão. Resumo factual : O arguido e um outro co-arguido, AA, mudaram-se para uma casa na Arrifana, passando a dedicar-se à venda de produtos estupefacientes; um outro co-arguido, BB, auxiliava-os, recebendo deles em troca produto estupefaciente para seu consumo, bem como, por vezes, algum dinheiro; em meados de Agosto de 2004, o arguido e o co-arguido AA encontravam-se já a vender diariamente, pelo menos, 40 doses de heroína e outras tantas de cocaína; no dia 16/09/2004 foram encontradas na casa do ora arguido e do aí co-arguido AA, entre o mais, 250 pacotes de heroína, com o peso líquido de 19,603 g, bem como 18 pacotes e uma pedra de cocaína com o peso líquido global de € 15,929 g rs . III Mais se provou que : 10 .0 arguido é oriundo de um agregado familiar de precária condição económica, pautado pelo comportamento agressivo do progenitor, em consequência dos seus hábitos alcoólicos. 11. Ao longo do seu processo de desenvolvimento, particularmente durante a infância, era muitas vezes deixado em casa sozinho, ausentando-se os pais para o trabalho, não havendo um acompanhamento educativo próximo. 12.0 seu percurso escolar foi marcado por elevada falta de assiduidade e desinteresse pelos conteúdos curriculares, a par de um comportamento indisciplinado, tendo abandonado a escola com 14 anos, quando já consumia haxixe. Não concluiu senão a 4a classe de escolaridade. 13. Iniciou então o seu trajecto profissional, o qual foi sempre pautado pela irregularidade, com significativos períodos de inactividade laboral, tendo exercido actividade nas áreas da jardinagem e panificação. 14. A partir dos 16 anos, passou a integrar grupos conotados com condutas desviantes, tornando-se incompatível o desempenho de actividade profissional com o estilo de vida, acentuadamente nocturno, que mantinha. 15. A partir dos 18 anos agudizou-se a sua dependência de estupefacientes, nomeadamente de cocaína, sem que tenha efectuado qualquer tentativa de tratamento clinicamente orientada. 16. No início da idade adulta estabeleceu o relacionamento amoroso com a sua ainda companheira, de que nasceram dois filhos, actualmente com cerca de 8 e 5 anos de idade. 17. Esteve preventivamente preso de Abril a Outubro de 2000, no E. P. do Porto. Esteve ainda preventivamente preso, de Junho a Dezembro de 2002, à ordem do processo n.° 146/04.6TCPRT. 18. Antes da actual reclusão, encontrava-se desempregado e a viver com o agregado constituído, numa habitação pertença dos pais, situada em Arrifana, dependendo do subsídio de desemprego da sua companheira e do apoio prestado pelos progenitores de ambos. 19.Encontra-se preso desde 17/09/2004, data em que entrou no E. P. do Porto. O seu comportamento em meio prisional motivou já a aplicação de várias sanções disciplinares, por posse de objectos não autorizados, envolvimento em agressões mútuas, atitudes incorrectas para com elemento de vigilância, posse de estupefacientes, posse de telemóveis, e ainda por provocar danos em bens da administração. Apesar da transferência para o E. P. de Paços de Ferreira, mantém a mesma postura, tendo a última punição ocorrido em Junho do corrente ano, estando presentemente colocado em medida cautelar (regime 111). 20. Já na prisão, apesar do fraco empenho revelado, conseguiu concluir o curso de pastelaria e panificação e o 6.º ano de escolaridade, manifestando depois preferência pelo desempenho laboral, prejudicado na respectiva assiduidade pelas condutas por si adoptadas. Abandonou o sector da sapataria depois de seis meses de actividade no mesmo, encontrando-se desde então inactivo. 21. Tem apoio psicológico, por si solicitado. Assume dificuldades no abandono do consumo de haxixe. 22. Apresenta baixa ressonância crítica da sua actividade transgressiva passada, bem como da sua situação no meio prisional. Verbaliza, porém, arrependimento, expressando que a privação da liberdade tem sido vivida com penosidade, nomeadamente pelo afastamento do crescimento dos filhos. 23. A companheira continua a prestar-lhe apoio, visitando-o no estabelecimento com os filhos. Revela receptividade para o acolher aquando da sua libertação. Arrendou uma casa de tipologia 1, em Maceda. ************************ IV. O arguido no processo acima identificado, não se conformando com a decisão proferida interpôs recurso para este STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões : O Acórdão do Tribunal a quo violou o art. 77° n.° 1 e 3 e 78." n.° 1, do Código Penal; No caso dos autos, no processo recorrido cumularam-se, primeiramente, as penas dos processos 569/00.0PJPRT, 146/04.6TCPRT, 925/01.6PASJM, 56/01.9SFPRT, 02/03.5GBSJM, 109/03.9P6PRT, 98/03.0GCOAZ e 132/03.3SFPRT e, no segundo cúmulo, as penas relativas aos processos 172/03.2SFPRT, 184/03.6SFPRT e 08/04.7GASJM; Sendo forçoso, in casu, existirem duas penas únicas de cumprimento sucessivo, a escolha das penas que compõem cada um dos cúmulos deveria ter sido efectuada de acordo com os arts. 77.° e 78.º do Código Penal, de tal modo que se demonstrasse reverter no resultado mais favorável para o arguido; Como na operação de formação da pena única se parte da pena mais elevada e, de algum modo, se "acrescenta" uma parcela da soma das restantes, de acordo com um determinado factor de compressão, pois não é usual somarem-se todas as penas em concurso, verifica-se que, quanto mais penas se agrupam no mesmo concurso de crimes, maior é o factor de compressão, já que a tendência é a de não aproximar a pena única do máximo legal de 25 anos; Ou seja, na operação de formação de uma pena única para um número "x" de penas parcelares partir-se-á da pena mais elevada e acrescentar-se-á, por hipótese, 1/3 da soma das restantes; mas se o número de penas parcelares for duas vezes "x", acrescentar-se-á à pena mais elevada, já não 1/3 da soma das restantes, pois a pena única ficaria demasiado alta, mas, por hipótese, 1/5 ou 1/6; Desta forma, o arguido beneficiará não em termos absolutos, mas relativos, em caso de muitas penas parcelares em que umas estão em concurso outras não, da reunião num só cúmulo do maior número possível de penas parcelares; Assim, afigura-se acertado, porque mais favorável para o arguido, terem-se efectuado dois cúmulos jurídicos para apurar as duas penas únicas de cumprimento sucessivo, um com os processos 569/00.0PJPRT, 146/04.6TCPRT, 925/01.6PASJM, 56/01.9SFPRT, 02/03.5GBSJM, 109/03.9P6PRT, 98/03.0GCOAZ e 132/03.3SFPRT e outro com os processos 172/03.2SFPRT, 184/03.6SFPRT e 08/04.7GASJM; Com o que não se concorda, porque desproporcional, por excesso, face à prova produzida é com o quantitativo apurado nas duas penas unitárias; Considerando as penas parcelares abrangidas pelo primeiro cúmulo, estamos perante, para efeitos de cúmulo jurídico, de uma moldura com um máximo de 14 (catorze) anos e 73 (setenta e três) dias de multa e mínima de 4 (quatro) anos de prisão, a que acrescem os 60 (sessenta) dias de multa do Processo n.° 56/01.9SFPRT (arts. 77°, n.°s 1 a 3, e 78.°, n.° 1, do Código Penal); Considerando as penas parcelares abrangidas pelo segundo cúmulo, estamos perante, para efeitos de cúmulo jurídico, de uma moldura com um máximo de 9 (nove) anos de prisão e mínima de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão (arts. 77°, n.°s 1 a 3, e 78.°, n.° 1, do Código Penal); Assim, e face ao supra exposto, o acórdão que aplicou no primeiro cúmulo jurídico uma pena única de 9 (nove) anos de prisão, acrescido da pena de 190 (cento e noventa) dias de multa à taxa diária de €2,70 (dois euros e setenta) e, no segundo cúmulo, uma pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão não colheu os melhores ensinamentos sobre a aplicação das normas legais atinentes e pecou, por excesso, face à prova produzida; A sensível inferior compressão das penas que foi usada no Acórdão recorrido, ao arrepio das regras mais comummente aceites pelo STJ (que, em regra, não ultrapassa 1/3 e que muitas vezes se queda por 1/6 e menos) deveria, no mínimo, ter merecido um especial cuidado na fundamentação das medidas das duas penas conjuntas; É que, sendo forçosa a existência de duas penas únicas de cumprimento sucessivo, a escolha das penas que compõem cada um dos cúmulos não é arbitrária, devendo, antes, ser efectuada de acordo com os arts. 77." e 78." do Código Penal, mas do modo que se demonstre ter o resultado mais favorável para o arguido, o que não se verifica; Ponderada globalmente toda a matéria dada como provada, bem como a demais resultante dos autos, atendendo ao limite mínimo e máximo da moldura penal aplicável ao arguido, e ao disposto no artigo 77.°, n.° 2, do Código Penal, sempre o Acórdão de que se recorre nos presentes autos, não poderia ter aplicado, uma pena superior a 7 (sete) anos e (três) meses de prisão, acrescida de 60 dias de multa no primeiro cúmulo e de 7 (sete) anos de prisão e 30 (trinta) dias de multa no segundo; Foram violadas, entre outras, as disposições dos arts. 71.°, 77.° e 78." do Código Penal. Acompanhando o douto voto de vencido, também se considera que mal andou o Acórdão recorrido quando decidiu que o cúmulo jurídico não abrange a pena de prisão subsidiária aplicada após não cumprimento da pena de multa; Com efeito, também entendemos que a melhor solução seria a de ter englobado no cúmulo das penas efectuado em segundo lugar a pena a pena de multa de 60 dias referente ao processo n.° 184/03.6SFPRT que, entretanto, foi declarada extinta; O que está em causa, tanto na pena de prisão como na de prisão subsidiária, é a privação de liberdade de um cidadão, decorrente de uma sanção derivada de uma condenação criminal, cumprida em estabelecimento prisional durante um determinado período de tempo, sendo esta a questão essencial a que não pode fugir-se; A ficção jurídica entre a natureza da prisão como pena privativa de liberdade e a prisão subsidiária como sanção penal de constrangimento perde todo o sentido quando em concreto se atenta na exequibilidade de ambas onde não há nem deve haver qualquer distinção; A própria ratio que subjaz à execução da pena de prisão não pode justificar uma finalidade diferente consoante se trate, na sua concreta execução, de uma pena de prisão ou de uma pena de prisão subsidiária; Nesse sentido não faz qualquer sentido impedir a realização de um cúmulo jurídico de condenações decorrentes de uma pena de prisão e de uma prisão subsidiária, sendo certo que tendo uma autonomia dogmática inequívoca, em qualquer momento em que o condenado pague a multa, extinguindo-se a pena de prisão subsidiária, pode, e deve, ser refeito o cúmulo; Em face do exposto, deveria o douto acórdão sub iuditio ter procedido ao cúmulo jurídico das penas de prisão com a pena de prisão subsidiária de 60 (sessenta) dias do processo n.° 184/03.6SFPRT, por ser a única fórmula que, em concreto, não prejudica o arguido no cumprimento da pena única; Na verdade, a não cumulação das duas penas de diferente natureza conduz, in casu, a um resultado que contraria os próprios fundamentos do direito penal, nomeadamente o princípio de que não haverá mais do que uma condenação pelo mesmo crime (ne bis in idem). Deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências, designadamente, a anulação da decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que aplique, no primeiro cúmulo jurídico, uma pena não superior a 7 (sete) anos e (três) meses de prisão, acrescida de 60 dias de multa e, no segundo cúmulo, de 7 (sete) anos de prisão e 30 (trinta) dias de multa. Deverá, outrossim, ser dado provimento ao presente recurso, decretando-se a anulação da decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que proceda ao cúmulo jurídico das penas de prisão com a pena de prisão subsidiária de 60 (sessenta) dias do processo n.° 184/03.6SFPRT, V. Colhidos os legais vistos , pronunciando-se a EXm.ª Procuradora Geral Adjunta neste STJ ,por uma redução a 7 anos de prisão por cada pena de concurso , cumpre decidir : O arguido foi condenado em vários processos e penas , efectuando o tribunal da condenação dois cúmulos , distintos e autónomos , metodologia que não contesta , mas apenas as penas de concurso , que tem por excessivas e a não inclusão numa daquelas operações de uma pena de prisão em alternativa da pena de multa , mais concretamente da pena imposta no P.º n.º 184/03.6SPRT, do Tribunal de Pequena Instância criminal do Porto , de 60 dias de multa à taxa diária de 5 € , pena essa convertida subsidiariamente em 40 dias de prisão , entretanto declarada extinta pelo cumprimento . O legislador penal repudiou abertamente o sistema de acumulação material de penas , que , na sua pureza, não se mostra consagrado na generalidade das legislações , para adoptar um sistema de pena conjunta , erigido não de conformidade com o sistema de absorção pura por aplicação da pena concreta mais grave , nem de acordo com o princípio da exasperação ou agravação , que agrega a si a punição do concurso com a moldura do crime mais grave , agravada pelo concurso de crimes , mas antes de acordo com um sistema misto pontificando a regra da acumulação , por força do qual se procede à definição da pena conjunta dentro de uma moldura cujo limite máximo resulta da soma das penas efectivamente aplicadas , emergindo a medida concreta da pena da imagem global do facto imputado e a personalidade do agente , sob a forma de cúmulo jurídico ( cfr. Profs . Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário do Código Penal , pág. 283 e Figueiredo Dias , in Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime , págs .277 a 284 ) , nos termos dos art.ºs 77.º n.ºs 1 e 2 , do CP . Ao lado do cúmulo jurídico regra , previsto naquele art.º 77 .º em que haverá lugar a aplicação de uma pena única quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, considerando-se na medida da pena se considerarão os factos e a personalidade do agente , prevê-se , no art.º 78.º n.º 1 , do CP , o caso de conhecimento superveniente do concurso , ou seja quando posteriormente à condenação se denotar que o agente praticou anteriormente àquela condenação outro ou outros crimes , são aplicáveis as regras do disposto no art.º 77.º , do CP , segundo o n.º 1 , do art.º 78.º , do CP , não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas . No concurso superveniente de infracções tudo se passa como se , por pura ficção , o tribunal apreciasse , contemporâneamente com a sentença , todos os crimes praticados pelo arguido , formando um juízo censório único , projectando –o retroactivamente ( cfr. Ac. deste STJ , de 2.6.2004 , CJ , STJ , II , 221 ) . A formação da pena conjunta é , assim , a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando ( cfr. Prof. Lobo Moutinho , in Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português , ed. Da Faculdade de Direito da UC , 2005 , 1324 ) Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto , em caso de cúmulo jurídico de infracções , de concluir é que o agente é punido , de certo que pelos individualmente praticados , mas não como um mero somatório , em visão atomística , mas antes de forma mais elaborada , dando atenção àquele conjunto , numa dimensão penal nova fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado , no dizer do Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime , págs . 290 -292 ; cfr. , ainda , os Acs . deste STJ , in P.ºs n.º s 776/06 , de 19.4.06 e 474/06 , este daquela data , levando –se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção , tanto geral , como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente ( exigências de prevenção especial de socialização ) . Sem discrepância tem sido pacífico o entendimento neste STJ de que o concurso de infracções não dispensa que as várias infracções tenham sido praticadas antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer uma delas , representando o trânsito em julgado uma “ barreira excludente “ ( cfr. Ac. deste STJ , de 25.6.2009 , P.º n.º 2890/01.9GBAB 6 .E .S1 ) excluindo-se do âmbito da pena única os crimes praticados posteriormente ; o trânsito em julgado de uma dada condenação obsta a que se fixe uma pena unitária que englobando as cometidas até essa data se cumulem infracções praticadas depois deste trânsito . Cfr. , neste sentido , os Acs. deste STJ , de 7.2.2002 , CJ , STJ , Ano X, TI, 202 e de 6.5.99 , proferido no P.º n.º 245/99 . O limite intransponível em caso de consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena de concurso é , como dito , o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar por qualquer crime praticado anteriormente ; no caso de conhecimento superveniente de infracções aplicam-se as mesmas regras , devendo a decisão que condene por um crime anterior ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira , se o tribunal , a esse tempo , tivesse tido conhecimento da prática do facto – cfr. Ac. deste STJ , de 17.3.2004 , in CJ , STJ , I , 2004 , 229 e segs . e de 15.3.2007 , in Rec.º n.º 4796 /06 , da 5.ª Sec. , de 11.10.2001, P.º n.º 1934/01 e de 17.1.2002 , P.º n.º 2739/01 . Se os crimes agora conhecidos forem vários , tendo uns ocorrido antes de condenação anterior e outros depois dela , o tribunal proferirá duas penas conjuntas , uma a corrigir a condenação anterior e outra relativa aos factos praticados depois daquela condenação ; a ideia de que o tribunal devia proferir aqui uma só pena conjunta , contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência , latu sensu , é a doutrina do Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , § 425, dando lugar a cúmulos separados e a pena executada separada e sucessivamente , neste sentido , também , Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário ao Código Penal , pág. 247 . Orientação diversa , de todas as penas ponderar , sem dicotomizar aquela situação , é a que se acolhe no chamado “ cúmulo por arrastamento “ , seguida em data anterior a 1997 , mas hoje inteiramente rejeitada por este STJ , desde logo pelo Ac. de 4.12.97 , in CJ , STJ , V, III, 246, podendo , actualmente , reputar-se unânime o repúdio da tese do cúmulo reunindo indistintamente todas as penas, “ por arrastamento “ , assinalando-se que ele “ aniquila a teleologia e a coerência interna do ordenamento jurídico-penal , ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência ( Comentário de Vera Lúcia Raposo , RPCC , Ano 13.º , n.º 4 , pág. 592) “ ,abstraindo da conjugação dos art.ºs 78.º n.º 1 e 77.º n.º 1 , do CP . E as razões por que a pena aplicada depois do trânsito em julgado , à partida , não deve ser englobada no cúmulo , aplicando-se , antes , as regras da reincidência , resulta do facto de ao assim proceder o arguido revelar maior inconsideração para com a ordem jurídica do que nos casos de inexistência de condenação prévia , deixando de ser possível proceder à avaliação conjunta dos factos e da personalidade , circunstância óbvia para afastar a benesse que representa o cúmulo , defende Vera Lúcia Raposo , in R e v . cit . , págs 583 a 599 ; idem Germano Marques da Silva , in Direito Penal Português , Parte Geral , II , 313 e Paulo Dá Mesquita , Concurso de Penas , pág. 45 e segs .Cfr. , ainda , Ac. deste STJ , de 15.3.2007 , P.º n.º 4797/06-5.ª Sec. O cúmulo retrata , assim , o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido , tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas . Imprescindível na valoração global dos factos , para fins de determinação da pena de concurso , é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo ; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa , dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes , meramente acidentes de percurso ,que toleram intervenção punitiva de menor vigor , expressão de uma pluriocasionalidade , sem radicar na personalidade , tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro –Prof. Figueiredo Dias , op. cit . § 421 . Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção , descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida , enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica , normativamente imperativos . A avaliação da personalidade é de feição unitária , conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecânicamente por uma adição criminosa. VI . Um obstáculo legal à formação da pena única é o que encontra tradução no art.º 77.º n.º 3 , do CP , por força do qual sendo as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa , a diferente natureza delas mantém –se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 e 2 . Ao arguido foi aplicada a pena de 60 dias de multa pela prática de um crime de condução ilegal de viatura , pena principal essa que , nos termos do art.º 49.º n.º 1 , do CP , se converte , não sendo paga , e é cumprida , em prisão subsidiária , reduzida a 2/3 no tempo correspondente e que se distingue da multa resultante da substituição da prisão , sempre que se comine prisão em medida não excedente a um ano –art.º 43.º n.º 1 , do CP . Assim , escreve o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque , op . cit ., pág. 209 , no caso de não pagamento de tal multa derivada desta substituição , obrigatória , como regra , ressurge , então , a prisão –n.º2 , do art.º 43 -, distinguindo-se esta pena de prisão substituída por multa da prisão subsidiária desde logo por o incumprimento da pena substitutiva de multa dar azo ao cumprimento por inteiro da pena de prisão , ao invés do incumprimento da pena principal de multa , que dá lugar à substituição por prisão com a duração reduzida a 2/3 . E quando o tribunal aplique em concurso uma única pena de multa como pena principal ou alternativa à de prisão , segundo o dualismo previsto no tipo , com uma multa substitutiva da prisão , nos termos do art.º 43.º , do CP , tais penas devem acumular-se materialmente , atenta a sua diferente natureza. Assim Paulo Dá Mesquita , in Concurso de Penas , pág. 28 ; no mesmo sentido Paulo Pinto de Albuquerque , ainda op. cit . , pág . 284, para quem a hipótese é de “ verdadeira acumulação material de penas , mantendo-se autonomamente as penas de multa “ , pois se trata de penas “ com natureza distinta , cujo incumprimento tem consequências muito diversas” , citando os Acs. da Rel . Coimbra de 4.1.2006 , in CJ , XXXI , I , 41 e da Rel. Lisboa ,de 12.12.2006 , in CJ , , XXXI , V , 138 . “ Se as penas parcelares forem de espécie diferente , o direito vigente abandona entre elas o sistema da pena única , e portanto o sistema da pena de conjunto e do cúmulo jurídico , para se seguir na essência , um sistema de acumulação material : a pena de prisão e a de multa são sempre , nos termos do art.º 78.º n.º 3 , cumuladas entre si ; a mesma situação vale , ainda , relativamente a penas mistas de prisão e de multa , bem como para o caso de penas sucedâneas ( ou “ condenação em alternativa” , nos termos do art.º 46.º n.ºs 3 e 4 ) , isto é uma prisão resultante do não pagamento de uma pena de multa “ , na tese perfilhada pelo Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , § 417 , firme opositor à solução legal , defendendo “ de “jure condendo “ que outro seria o regime justificável , isto porque o regime de concurso vale, plenamente , para a hipótese de penas diferentes , em que o agente é o mesmo , uma só e unitária e a personalidade do agente , merecendo uma avaliação unitária . Uma pena subsidiária de prisão por incumprimento da multa, reduzida a 2/3, não passa a ser a pena principal e por isso não tem qualquer cabimento , dada a sua natureza diferenciada , que ela figurasse com outras penas em concurso , vista a função que já se lhe assinalou de “ forma de coacção a fim de pressionar o réu a satisfazer a multa” , no Ac. RC . de 2.5.85 , CJ , III , 102 , citado no Ac . da Rel Porto de 9.5.2006 ,in P.º n.º 75/2006 , -5 . A prisão subsidiária é uma prisão “ pendente conditione “ , que só em derradeira hipótese se cumpre depois de esgotantemente percorrido o “ iter” a ela obstando previsto no art.º 49.º n.ºs 2 e 3 , do CP . VII . No Ac deste STJ de 4.12.2008, in www.dgsi.pt, acórdãos STJ, Processo 08P3628, já se decidiu não integrar o cúmulo jurídico a prisão subsidiária, pois esta prisão não é equivalente à pena de prisão, já que, ao contrário desta, pode cessar a qualquer momento pelo pagamento da importância ainda em dívida ou pela prova de que o não pagamento não é imputável ao não condenado. |