Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
314/2002.S1.L1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: CESSÃO DE CRÉDITOS
DEVEDOR
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 11/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ CONTRATOS/ TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DÍVIDAS/ GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO/ PARTES - PROCESSO/ ACTOS PROCESSUAIS - SENTENÇA - RECURSOS
Doutrina: - ASSUNÇÃO CRISTAS, em anotação ao acórdão de 3 de Junho de 2004, Cadernos de Direito Privado, n.º 14, pp. 63, 64.
- L.M. PESTANA DE VASCONCELOS, A Cessão de Créditos em Garantia e a Insolvência, pp. 405, 408.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 406.º, 577.º, N.º1, 583.º, 707.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 26.º, 228.º, N.ºS 1 E 2, 660.º, N.º2, 721.º, 754.º, 755.º, N.º1 ALÍNEA B).
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 09/11/2000, CJSTJ, VIII – III -121;
-DE 03/6/2004, PROCESSO N.º 04B815, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
A citação para a acção de condenação no pagamento do crédito cedido, proposta pelo credor cessionário, pode produzir o mesmo efeito jurídico que a notificação prevista no art. 583º-1 C. Civil, cessando, com prática aquele acto judicial, a inoponibilidade da transmissão pelo cessionário ao devedor.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - “AA - Empresa de Serviços, S.A.”, intentou acção declarativa contra “BB - Indústrias Metálicas, Lda.”, pedindo condenação desta a pagar-lhe as quantias de: - Esc. 4 325 602$00 (21.576,01€), a título de dívida por despesas de desconto e reforma de letras suportadas pela “AA E.P.” e “AA, S.A.”, acrescida dos respectivos juros de mora no montante de Esc. 3 269 041 $00 (16.305,88€); - Esc. 1 315 665$00 (6.562,50€), a título de dívida de preço resultante da correcção da factura n.º 057647, acrescida dos respectivos juros de mora, no montante de Esc. 867.150$00 (4.325,32€); e, - Esc. 59 484 824$00 (296.708,52€) a título de preço resultante do não pagamento de chapa galvanizada fornecida pela “AA, E.P.” e “AA, S.A.”, à Ré, acrescida dos respectivos juros de mora no montante de Esc. 39 206 210$00 (195.559,40€), bem como, os juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 12%.
Alegou, em síntese, que, no âmbito da sua actividade comercial, a “AA”, como E.P. e, depois, como S.A., forneceu, entre 1983 e 1991, material siderúrgico à Ré, que esta não pagou às empresas fornecedoras ou à A., cessionária dos créditos, bem como, os encargos e despesas decorrentes das suas obrigações.

A Ré contestou.

Arguiu a excepção de ilegitimidade da Autora, por nunca ter aceite e sido notificada da cessão, e deduziu pedido reconvencional.

No despacho saneador relegou-se para final o conhecimento da excepção da ilegitimidade.

A final foi proferida sentença, com a seguinte parte decisória:

«Face ao exposto:
a)   Julgo improcedente a excepção de ilegitimidade activa deduzida e,
consequentemente, julgo a Autora parte legítima na presente acção;

b) Julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 300 200,11 (trezentos mil e duzentos Euros e onze Cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal aplicável para as operações comerciais, vencidos sobre a quantia de € 26 575,84 desde 18/2/1997 e sobre a quantia de € 273 624,28 desde a data da citação, e vincendos, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do restante peticionado;
c) Julgo totalmente improcedente por não provada a reconvenção deduzida e, em consequência, absolvo a Autora/reconvinda dos pedidos contra ela deduzidos».

A Ré apelou, mas a Relação confirmou o sentenciado.

Recorre novamente a Ré, agora de revista, recurso ainda limitado à questão da “legitimidade” da Autora, insistindo em que se “julgue a recorrida parte ilegítima (quer sob o ponto de vista substantivo, quer sob o ponto de vista processual), com a sua absolvição da Recorrente da instância.

         Para tanto, argumenta nas conclusões da alegação que [expurgadas de algumas repetições], se transcrevem:

1. O presente recurso de revista vem interposto do acórdão, que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença na qual, além do mais, se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa suscitada pela aqui recorrente, tendo-se considerado que a recorrida era parte legítima na acção, tendo a mesma sido julgada (parcialmente) procedente.

2. Na acção, intentada contra a ora recorrente, a recorrida invocou ser cessionária de um crédito sobre a recorrente, que lhe foi cedido em 29/11/1996, tendo alegado que tal cessão de créditos havia sido notificada à recorrente e que esta, desde aquela notificação, se dirigira à recorrida e esta se dirigira àquela nas respectivas qualidades de devedor e credor.

3. A aqui recorrente contestou aquela acção e deduziu reconvenção, tendo, além do mais, invocado a ilegitimidade (substantiva e processual) da recorrida, atendendo a que a invocada cessão de créditos e o contrato, que constitui o documento n.º 1 junto com a petição inicial, nunca haviam sido notificados ou levados ao conhecimento da recorrente, que esta jamais tinha aceite a cessão e que nunca a recorrente se havia dirigido à recorrida ou esta àquela nas qualidades de devedora e credora.

4. Sendo que aquela notificação, conhecimento ou aceitação da sobredita cessão de créditos eram essenciais para que a cessão fosse eficaz relativamente à recorrente, conforme decorria da cláusula 53 do contrato de cessão de créditos junto aos autos (com a petição inicial, como documento n.°1) e do disposto no artigo 583°, 1, do Código Civil.

5. Acontece que, discutida a causa, a recorrida não logrou fazer prova (como lhe cabia) de que a alegada cessão de créditos havia sido notificada à recorrente, nem conseguiu, também, fazer prova de que a recorrente se dirigira à recorrida e esta se dirigira àquela nas qualidades de devedora e credora (conforme decorre das respostas negativas - "Não provado" - aos pontos 1 ° e 2° da base instrutória).

6. Porém, nem no acórdão recorrido, nem na sentença da 1ª Instância, se retiraram quaisquer ilações/consequências das respostas negativas.

7. A recorrente entende, porém, que a recorrida deveria ter sido julgada parte legítima e a recorrente deveria ter sido absolvida da instância.

8. Ao contrário do que se sustenta no douto acórdão recorrido (e na sentença da 1ª Instância a título subsidiário), não se podem atribuir à citação os efeitos do n.º 1 do artigo 583° do Código Civil, na "medida em que, integrando a causa de pedir, esse é um elemento que deverá fazer parte do elenco dos factos articulados na petição inicial".

9. (…).

10. A notificação à recorrente da cessão de créditos de 29/11/1996 tinha que ser prévia à propositura da acção. Os requisitos de validade e de eficácia daquela cessão de créditos teriam que estar já na titularidade da recorrida no momento da instauração da acção. A citação para a acção não vale nem substitui a notificação prevista no n.º 1 do artigo 583° do Código Civil para que a cessão de créditos produza efeitos perante o devedor cedido.

11. (…).

12. E igual entendimento se retira, também, do disposto no artigo 376°, n.º 3, aI. b), do C. P. Civil, ao exigir a prova (prévia) da notificação da cessão ao devedor. A prova da notificação da cessão ao devedor deve ser junta à habilitação do cessionário, sendo a notificação, por isso, necessariamente, prévia à dedução da habilitação, não se bastando a lei com a mera citação do devedor para os termos da habilitação do cessionário, exigindo antes a notificação prévia da cessão ao devedor.

13. Ora, a cessão de créditos invocada pela recorrida nunca foi do conhecimento, nem foi notificada ou levada ao conhecimento da recorrente, nem produziu efeitos quanto a esta, sendo certo que aquela notificação era essencial para que a cessão do crédito fosse eficaz relativamente à recorrente, como decorre da cláusula 53 do contrato de cessão do crédito junto aos autos com a p. i.) e, bem assim, do disposto no artigo 583°, 1, do Código Civil, pelo que aquela cessão é inoponível e ineficaz relativamente à recorrente.

14. Pois que, nos termos do disposto no artigo 583°, n.º 1, do Código Civil, a cessão de créditos apenas produz efeitos em relação ao devedor, desde que lhe seja notificada, ou desde que ele a aceite, constituindo aquelas notificação e ou aceitação requisitos de eficácia e de oponibilidade da cessão do crédito ao devedor.

15. Acresce que, ao contrário do que se refere no douto acórdão recorrido (e na sentença da 1ª Instância), a cessão de créditos em apreço não ocorreu por força da entrada em vigor do DL 424/93, de 31/12, mas sim por virtude da formalização do contrato de cessão de créditos de 29 de Novembro de 1996. O DL 424/93, de 31/12, como dele consta, não criou em concreto, nem denominou/identificou, sequer, quaisquer sociedades (nomeadamente, a recorrida), nem, também, transferiu, em concreto, quaisquer créditos para qualquer uma das sociedades a constituir. Aquele DL determinou apenas um procedimento (sem sequer um prazo definido), ou seja, que a AA, S.A. procedesse à constituição de novas sociedades, sendo o capital social destas realizado por entradas em espécie, mediante transmissão do património daquela. Tratando-se de sociedades ainda a constituir (inexistentes) nada poderia, por força da entrada em vigor do citado DL, ser transmitido ou ser adquirido por aquelas (nomeadamente, os créditos da ex-AA, S.A.).

16. Sem o contrato de cessão de créditos de 29 de Novembro de 1996, que não foi notificado, nem do conhecimento da recorrente, não se poderia saber, em concreto, para qual das sociedades que iriam ser constituídas se iriam transmitir em concreto os créditos da ex-AA, S.A., nomeadamente, o invocado crédito sobre a recorrente.

17. Através do DL 424/93, de 31/12, ela, recorrente (ou quem quer que fosse), jamais poderia ficar a saber da cessão do crédito em causa, ou da criação ou sequer da denominação social da sociedade recorrida (AA - Empresa de Serviços, S.A.), e jamais poderia ficar a saber, também, que património em concreto iria ser transmitido para cada uma das novas sociedades a constituir, e jamais poderia ficar a saber se os créditos da ex-AA, S.A. sobre ela recorrente iriam ser objecto de transmissão e, em caso afirmativo, jamais poderia ficar a saber para qual das novas sociedades constituendas iria ser transmitido o crédito. Pelo que não está, em causa, nos autos, com o devido respeito, se a recorrente tomou, ou não, conhecimento do teor do citado DL e de não lhe aproveitar a ignorância da Lei.

18. (…).

20. O douto acórdão recorrido violou, pois, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente, o disposto nos artigos 583°, 1 e 342°, 1, do C. Civil e nos artigos 494°, aI. e), 493°, 2 e 495° do C. P. Civil.

21. Pelo que, à luz do que precede e do mais que, doutamente, será suprido, e na procedência do presente recurso, deverá pois aquele acórdão ser revogado e substituído por outro que julgue a recorrida parte ilegítima (quer sob o ponto de vista substantivo, quer sob o ponto de vista processual) e que absolva a recorrente da instância, com todas as demais consequências legais.

         A Autora respondeu em apoio do julgado.

         2. - A questão a apreciar e responder reconduz-se a saber se, não tendo a Ré/devedora/cedida sido notificada do contrato de cessão de créditos à Autora, antes da instauração da acção, a cessão lhe é inoponível pela ora credora/cessionária.

3. - De entre a factualidade assente, releva para conhecimento do objecto do recurso a que segue.

  1. A Ré exerce a indústria de revestimento a P.V.C, de chapas galvanizadas e procede à comercialização das mesmas já revestidas - al. A) dos factos assentes.

  2. A AA, primeiro, enquanto E.P. e, posteriormente, enquanto S.A., produzia material siderúrgico, no qual se incluía chapa galvanizada - al. B).

  3. No âmbito da sua actividade comercial, a AA, como E.P. e, depois, como S.A., forneceu, entre 1983 e 1991, este tipo de produto à Ré - al. C).

  4. - Durante esse período, a Ré encomendou, comprou e recebeu milhares de toneladas de chapa galvanizada à AA - al. D).

  5. A Ré, não só não efectuou o pagamentos de muitos dos fornecimentos de chapa galvanizada que lhe foram feitos pela AA, E.P., como também não pagou à A. os encargos e despesas decorrentes da forma do cumprimento das suas obrigações, tal como acordado com a Autora - al. E).

  6. A sua conta-corrente apresenta um saldo negativo - al. F).

  7. Face às dificuldades financeiras da Ré, a AA, E.P. e,
posteriormente, a AA, S.A., com o acordo da Ré, sacaram letras sobre a Ré pelo montante de parte do material que era fornecido à Ré,
obrigando-se esta a aceitar e a pagar pontualmente as letras - al. G).

  8. Assim, a AA, quer como E.P., quer como S.A., enquanto sacadoras, apresentavam as letras aos bancos para, através de desconto, obter o pagamento da quantia nelas titulada - al. H).

  9. Ficou acordado entre a AA e a ré, que esta se responsabilizava pelo pagamento de todas e quaisquer despesas que fossem devidas pelos descontos das letras, bem como, quando fosse caso disso, por todas as despesas pelas reformas de letras a efectuar - al. I).

  10. O desconto dessas letras junto das Instituições Bancárias originou despesas e encargos que foram suportados pela AA, primeiro enquanto empresa pública e depois na forma de sociedade anónima, despesas e encargos esses que não foram reembolsados pela Ré - al. J).

11. Face às dificuldades financeiras da Ré, esta efectuava muitas vezes pagamentos parciais das facturas que eram emitidas sobre os produtos que adquiria, garantindo o pagamento do montante ainda por liquidar mediante o aceite de letras pelo respectivo montante - al. L).

  12. Chegado o momento de vencimento dessas letras, sucedia amiúde que a Ré efectuava apenas um pagamento parcial, reformando a letra inicialmente emitida por outra de montante equivalente ao valor da divida, com data de vencimento posterior - al. M).

  13. Em 31/03/1994, por reunião da Assembleia Geral da então AA, S.A., foi aprovado o projecto de cisão daquela, com a criação de três novas sociedades anónimas, entre as quais a AA - Empresa de Serviços, S.A., ora Autora - resposta ao ponto 4º da base instrutória.

  14. Na mesma assembleia, e em consonância com o disposto no D.L. 424/93, foi também aprovada a alteração dos estatutos da AA, S.A., que foi transformada em S… G…de P… S…, com a denominação AA - S.G.P.S., S.A. - resposta ao ponto 5º.

  15. Em 29 de Novembro de 1996, a AA - SGPS, S.A. cedeu à ora Autora todos os créditos de que era titular, litigiosos ou não litigiosos, presentes e futuros, independentemente da sua natureza e características, com todos os encargos inerentes - resposta ao ponto 6º da base instrutória.

  (…).

            4. - Mérito do recurso.

            4. 1. - Ponto prévio

Embora a questão colocada como objecto do recurso venha qualificada como excepção de ilegitimidade activa, de natureza processual, pedindo-se, em conformidade, a absolvição da instância da Recorrente, parece claro tratar-se de problema a situar apenas no campo da legitimidade substantiva, prendendo-se com a efectiva titularidade do direito pela Autora e respectivas condições de exercício, que não já, ou ainda, com o modo como a relação jurídica litigiosa foi apresentada em juízo, ou, nas palavras da lei, como é configurada pelo autor (art. 26º CPC).

Com efeito, a A. alegou factos que, a demonstrarem-se, lhe permitiriam o reconhecimento do direito que a Ré questiona, isto é, configurou devidamente a relação jurídica em lide, como seu sujeito activo.

Assim sendo, não está em causa o pressuposto processual, vale dizer, uma questão de pressupostos formais, mas, verdadeiramente, o concurso de requisito de direito substantivo de procedência da acção, ligado, como adiante se verá, à exigibilidade da obrigação, o que ressalta com nitidez de o núcleo do thema decidendum residir na interpretação e determinação do conteúdo do art. 583º do C. Civil quanto às condições de eficácia da cessão em relação ao devedor.

Objecto do recurso é, pois, a interpretação de norma de direito substantivo ou material, para ajuizar se a A. detém, ou não, a posição de credora da R. com direito de acção imediata contra esta.

Daí que o mesmo tenha sido admitido como revista, sendo certo que, fosse a questão de natureza puramente processual, lhe caberia a espécie de agravo – arts. 721º-, 754º e 755º-1-b), todos do CPC.  

Ultrapassada, em consequência, a apreciação da excepção dilatória da ilegitimidade activa, enquanto pressuposto processual, que se tem por verificado, à luz do que se dispõe no n.º 2 do referido art. 26º.

4. 2. - Oponibilidade da cessão à Ré.    

4. 2. 1. - A Recorrente sustenta que, exigindo a lei a notificação (prévia), aceitação ou conhecimento da cessão ao devedor para que a mesma produza efeitos, factos que a Recorrida não provou, deveria concluir-se pela sua absolvição, pois que a citação para a acção não vale nem substitui a notificação prevista no n.º 1 do art. 583º C. Civil, como se decidiu.

Mais defende, contrariando a fundamentação subsidiariamente aduzida no acórdão recorrido, que não pode fazer-se assentar o conhecimento da cessão na mera publicação dos Decretos-Lei nºs. 853/76, 113/91e 424/93.

 

Nesta conformidade, a questão a abordar em primeiro lugar é se a citação para a acção de condenação no pagamento do crédito cedido, proposta pelo credor cessionário, pode produzir o mesmo efeito jurídico que a notificação prevista no art. 583º-1 C. Civil.

Só em caso de resposta negativa deverá apreciar-se a questão subsidiariamente colocada (art. 660º-2 CPC).

4. 2. 2. – Entre a “AA SGPS, SA”. e a “AA - Empresa de Serviços, SA.”, ora Autora, foi celebrado em 29 de Novembro de 1996, o contrato de cessão de créditos com base no qual esta última, demandou a Ré, para lhe exigir o correspondente pagamento.

 

A A. alegou, mas não provou, ter notificado a cessão à Ré anteriormente à instauração da acção.

Cabendo à A. demonstrar a prática desse acto, tem de se considerar a invocada notificação como efectivamente omitida (art. 342º-1 C. Civil).

 A cessão de créditos, como negócio jurídico de transmissão da titularidade de direitos de crédito, configura um contrato pelo qual o credor transmite a terceiro um direito de crédito, independentemente do consentimento do respectivo devedor – art. 577º-1 C. Civil.

Ocorre, então, uma modificação subjectiva no vínculo obrigacional, correspondente à substituição do credor originário por um novo credor, mantendo-se os demais elementos da relação obrigacional (objecto e sujeito passivo).

Do regime legal, que é o geral em matéria de direito dos contratos, decorre, pois, como é entendimento pacífico, que os efeitos da cessão se produzem imediatamente entre as partes, isto é, por mero efeito do contrato  (art. 406º C. Civil).

Assim, por via do referido contrato a Autora, ora Recorrida, viu para si transmitido o crédito da Sociedade cedente e adquiriu a qualidade de credora da Ré-recorrente, pois que não se questiona a validade do contrato de cessão nem a sua eficácia imediata inter partes.

Coisa diferente, de resto, não resulta do art. 583º, ao ressalvar apenas que os efeitos da cessão não se produzem em relação ao devedor – de boa fé, como resulta do n.º 2 do preceito - em momento anterior ao conhecimento da mesma.

         

            Condiciona, portanto, a lei a eficácia da cessão em relação ao devedor ao conhecimento, por este, de que o crédito foi cedido, seja por via de notificação, seja de aceitação ou, apenas, por dela saber por qualquer outra fonte ou meio de conhecimento.

            Por isso, como se escreveu no ac. deste Tribunal de 03/6/2004 (proc. 04B815), o que resulta das normas do art. 583º é que “o que torna a cessão eficaz em relação ao devedor é o facto de este a conhecer e esse conhecimento pode revelar-se de várias maneiras entre as quais a notificação de um dos contraentes da cessão”.

         Numa palavra, a eficácia da cessão está unicamente condicionada ao conhecimento dela pelo devedor cedido.

4. 2. 3. - Importará, então, entrando no núcleo central da questão, tomar posição sobre se foi ou não dado conhecimento da cessão à Recorrente, designadamente através do acto de citação.

         A razão de ser da exigência do conhecimento da cessão decorre como bem se compreende, da necessidade a protecção do interesse do devedor em saber, a cada momento, quem é o seu credor pois que, em princípio, não admite a lei eficácia liberatória da prestação feita ao credor aparente, havendo, enfim, que proteger a boa fé do devedor que confia na aparência de estabilidade subjectiva do contrato, frustrada pela omissão de informação do primitivo credor cedente. Se, nesse caso, cumpre perante este, cumpre perante quem crê ser ainda seu credor, não devendo, por isso, ser prejudicado (cfr. arts. 707º e 583º-2 C. Civil).  

         Como se extrai do regime acolhido pelos arts. 583º a 585º, no seu conjunto, ao consagrar a ineficácia relativa da cessão enquanto o devedor não teve conhecimento da transferência do direito, e em que, “perante ele, aparentemente, a situação não se modificou (…), a lei protege a confiança do devedor nessa aparência, impedindo que, até ao momento em que este teve conhecimento seguro da alteração no lado activo da relação, essa modificação na titularidade do crédito lhe seja oposta” (L.M. PESTANA DE VASCONCELOS, “A Cessão de Créditos em Garantia e a Insolvência”, 405).   

            Dirige-se, deste modo, a tutela da lei, a impedir que a modificação da obrigação quanto ao credor venha a prejudicar os meios de defesa a que o devedor poderia ter recorrido, caso ela não se tivesse verificado, meios que só lhe ficam vedados quando assentem em factos posteriores ao conhecimento da cessão (cfr. A. e ob. cit., 408).

         O desiderato legal é, pois, em qualquer caso, que o devedor, como terceiro relativamente ao contrato de cessão, não veja a sua situação alterada, no sentido do agravamento, por via da transferência do direito de crédito.

         Por isso, a notificação, enquanto comunicação do facto, visa, tão só, a protecção do devedor de boa fé, que deve manter-se a coberto dos riscos de um negócio a que foi alheio, marcando, a um tempo, os termos inicial e final de utilização dos meios de defesa oponíveis pelo devedor.

         4, 2. 4. - A citação, como acto pelo qual se dá conhecimento a uma pessoa de que foi proposta contra ela determinada acção, de cujo conteúdo lhe é dado conhecimento, contém, como a notificação judicial, a potencialidade de dar conhecimento de um facto, no caso, do contrato de cessão (cfr. art. 228º-1 e 2 CPC).

         Cumprirá, pois, a mesma função.

         Sendo, como dito, o conhecimento o elemento relevante quanto à eficácia da cessão e ao momento a que se reporta, o que interessa determinar é se a citação é, ou não, um acto que dê a conhecer ao devedor a transferência do direito, seja, ou não, equiparável à notificação.

         Assim, como faz notar ASSUNÇÃO CRISTAS, em anotação ao acórdão de 3 de Junho de 2004 (“Cadernos de Direito Privado”, n.º 14, pg. 63), “mesmo que se conclua que a citação não é o mesmo que notificação, ainda será necessário sustentar que ela não produz o conhecimento da transmissão por parte do devedor”.

         Ora, se determinante é o “conhecimento” é indiferente, do ponto de vista do efeito jurídico, classificar a citação como notificação ou simples modo de conhecimento, e não se vê como sustentar que a citação não seja meio idóneo de transmissão ao devedor do pertinente e adequado “conhecimento”.

         Daí que, como decorrência lógica do regime que se deixou enunciado, poderá afirmar-se que se a ineficácia da cessão relativamente à pessoa do devedor perdurou até à data da citação, porque não tinha conhecimento do contrato, essa ineficácia cessará no momento da citação.

         Com efeito, “uma vez citado, o devedor cedido não está mais numa situação de ignorância que deva ser protegida, ainda que pretenda contestar, invocando mesmo a invalidade ou a ineficácia da transmissão, não poderá ignorar a transmissão (ainda que hipotética) e cumprir com eficácia perante o antigo credor. Se assim fizer, se cumprir perante o anterior credor, o cessionário poderá invocar o n.º 2 do art. 583º e exigir novo pagamento” (A. e Rev. cit., 64).

         Com o “conhecimento” da transmissão, que se concretiza através da citação para a acção – ficando o cedido ciente da existência da cessão e da impossibilidade de invocar o seu desconhecimento (art. 583º-2 cit.) -, o direito do cessionário, que até então era inoponível ao devedor cedido, protegido pela ineficácia, passa a gozar da exigibilidade que antes daquele acto a ineficácia relativa condicionava.

         4. 2. 5. - Resta, a terminar, fazer alusão expressa à tese da Recorrente sobre a necessidade de notificação prévia à instauração da acção, transcrevendo, mais uma vez, como resposta, as palavras da anotação referida: “Admitir que o cessionário não poderá propor acção contra o devedor sem o ter notificado previamente gera uma situação algo curiosa, pois também o antigo credor (cedente), no rigor técnico, o não poderá fazer, porquanto já não é credor, a este careceria legitimidade e àquele faltaria um elemento essencial da causa de pedir”, fundamento este invocado pelo ac. deste Supremo de 09/11/2000 (CJSTJ, VIII – III -121) para afastar como efeito da citação o previsto no art. 583º-1.

         4. 2. 6. - Conclui-se, em conformidade com o expendido, que, por via da citação para a acção, a Ré teve conhecimento da cessão do crédito, transmissão que, a partir desse momento, se tornou plenamente eficaz, com a consequente exigibilidade da dívida pela Autora cessionária, sem necessidade da prática de outro acto, nomeadamente instauração de nova acção.

           Pelo que, respondendo à questão, como inicialmente proposta, se deixa afirmado que a citação para a acção de condenação no pagamento do crédito cedido, proposta pelo credor cessionário, pode produzir o mesmo efeito jurídico que a notificação prevista no art. 583º-1 C. Civil, cessando, com prática aquele acto judicial, a inoponibilidade da transmissão pelo cessionário ao devedor.

         4. 3. – Conhecimento da cessão pela Ré, por via de publicações legais.

Perante a solução encontrada para a questão principal, a questão subsidiária inicialmente enunciada fica, como antedito, com o conhecimento prejudicado.

        

         5. - Decisão.

         De harmonia com o exposto, acorda-se em:

         - Negar a revista;

         - Confirmar a decisão impugnada; e,

         - Condenar a recorrente nas custas.

Lisboa, 6 Novembro 2012

Alves Velho (Relator)

Paulo Sá

Garcia Calejo