Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19/08.3PSPRT
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAÚL BORGES
Descritores: MEDIDA CONCRETA DA PENA
FUNDAMENTAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REGISTO CRIMINAL
CERTIDÃO
VALOR PROBATÓRIO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PREVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
REGIME DE PROVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO O RECURSO
Sumário :
I - Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena o juiz serve-se do critério global contido no art. 71.º do CP (preceito que a alteração introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, deixou intocado, como de resto aconteceu com o art. 40.º), estando vinculado aos módulos/critérios de escolha da pena constantes do preceito.

II - Como se refere no Ac. do STJ de 28-09-2005 (CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173), na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71.º do CP têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores) como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

III - Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.

IV - O dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo – total, no caso dos Tribunais da Relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das Relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.

V - A intervenção do STJ em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, sendo entendido de modo uniforme e reiterado que «no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras de experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.

VI - Como é sabido, a intervenção do STJ há-de, em princípio, confinar-se à matéria de direito, salvo se, a título excepcional, se tornar imperativo para uma boa decisão de direito a ampliação e melhor esclarecimento da matéria de facto, desejável e necessária, e ainda possível com os elementos disponíveis no processo, relativamente aos quais não foram aproveitadas todas as potencialidades de dação de factos importantes, de informações, de enquadramento da vida global do arguido, para a descoberta da verdade material, estando em causa aqui documentos juntos e indicados no texto da decisão como suporte probatório do que foi firmado em sede de matéria de facto.

VII - O CRC, bem como as certidões extraídas de processos, são documentos autênticos, constituindo prova tarifada/legal/vinculada e fazendo prova plena dos factos neles atestados – arts. 362.º, 363.º, n.º 2, 369.º, 371.º, n.º 1, e 372.º do CC, e art. 169.º do CPP, este dando o valor probatório dos documentos autênticos por idêntico ao do direito probatório material condensado no CC.
VIII - Estando em causa a prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, e tendo em consideração que:
- o arguido foi condenado, com referência a conduta de 29-05-2003, por um crime de tráfico de estupefacientes, em pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, sujeita a acompanhamento, pena que veio a ser declarada extinta por decisão de 04-12-2007, e, com referência a conduta de 24-01-2003, por um crime de condução intitulada, em pena de multa, que pagou;
- o arguido é jovem, pois à data da prática dos factos tinha 24 anos;
- a qualidade do produto transportado é reveladora de média ilicitude dentro daquela que caracteriza o tipo legal, por se tratar de substância incluída na Tabela I-C anexa ao DL 15/93, considerada como droga leve;
- a quantidade apreendida, pouco mais de 15 kg, releva para aferição de uma visão global do facto, na perspectiva da perigosidade que envolve, pois, caso chegasse ao destino e entrasse no mercado, era susceptível de ser distribuída por grande número de pessoas, permitindo a sua repartição por elevado número de doses individuais;
- está em causa uma conduta única, um acto isolado de transporte;
- o arguido funcionava como correio, no desempenho de uma actividade em que estava ausente o objectivo do lucro, procurando tão-só angariar 100 g de haxixe para seu consumo;
- agiu com dolo directo e intenso, substanciado na relevante quantidade transportada;
- as razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração – que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição – são muito elevadas, impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme;
- no que concerne à conduta posterior, o arguido tem aproveitado o tempo de reclusão para frequentar a escola, o que tem feito com assiduidade e aproveitamento, mostrando empenho na aprendizagem, frequentando o 3.º ciclo, o que demonstra vontade de procurar a sua reinserção social, não sendo despiciendo anotar que na anterior experiência de contacto com o sistema de justiça deu resposta positiva no quadro de acompanhamento a que ficou subordinada a suspensão da anterior condenação;
afigura-se adequado e proporcional fixar a pena próximo do limite mínimo legal, ou seja, em 4 anos e 6 meses de prisão.

IX - O STJ tem vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução da pena de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.

X - O TC, no Ac. n.º 61/2006, de 18-01-2006 (in DR II Série, de 28-02-2006), julgou inconstitucionais, por violação do art. 205.º, n.º 1, da CRP, as normas dos arts. 50.º, n.º 1, do CP, 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, ambos do CPP, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos.

XI - Esta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como decorre do art. 50.º do CP.

XII - Circunscrevendo-se estas, a partir de 01-10-1995, de acordo com o art. 40.º do CP (intocado na revisão da Lei 59/2007), à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventiva – de prevenção geral e especial – que o julgador tem de se orientar na opção em causa.

XIII - Como refere Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518), pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade». E acrescenta: para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto.

XIV - Adverte ainda o citado Professor – § 520 – que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». «Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa».

XV - Trata-se de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza – assumida sem ausência de risco – de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.

XVI - A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.

XVII - Atendendo a que:
- estamos perante um arguido que contava 24 anos de idade à data da prática dos factos;
- o mesmo está inserido no respectivo agregado familiar, contando com o apoio da mãe e da namorada, com quem, segundo o relatório social e os factos provados, mantém uma relação afectiva há 7 anos, vivendo em comum;
- a perspectiva de garantia de emprego é elemento de suma importância, podendo o arguido ter ao seu alcance um instrumento poderoso de afirmação no sentido da sua inserção social;
- no âmbito do anterior cumprimento de pena de substituição, que teve lugar ao longo de 18 meses, o arguido teve resposta e avaliação positiva;
- está preso há mais de 16 meses, tendo adoptado comportamento adequado às rotinas e regras institucionais, para além de ter reiniciado os estudos, o que faz com empenho e proveito;
- a condenação anterior, só por si, não constituirá obstáculo à concessão de uma nova e eventualmente derradeira oportunidade de arrepiar caminho;
mostram-se reunidas as condições para que seja decretada a suspensão da execução da pena aplicada, impondo-se como regra de conduta a obrigação de o arguido começar a trabalhar, aceitando a oferta que lhe foi feita, e de prosseguir a aprendizagem que vem exercendo, e sendo a suspensão acompanhada de regime de prova, de decretar obrigatoriamente, como decorre da parte final do n.º 3 do art. 53.º do CP.
Decisão Texto Integral:
No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 19/08.3 PSPRT, da 3ª Vara Criminal da Comarca do Porto, Círculo Judicial do Porto, foram submetidos a julgamento os arguidos AA, solteiro, empregado fabril, nascido a 02-09-1983, na freguesia de Miragaia, concelho do Porto, filho de F... A... S... M... e de M... A... P... C... M..., residente na Rua ..., nº ..., Apartamento ..., no Porto, e actualmente preso preventivamente à ordem destes autos desde 05/01/08 (mas detido no dia anterior);
e BB, com os sinais dos autos, sendo imputada a ambos a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C a este diploma anexa, e quanto ao arguido BB, ainda com referência aos artigos 75º e 76º do Código Penal (reincidência).

Por acórdão de 26 de Janeiro de 2009, foi deliberado:
a) Absolver o arguido BB
b) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C a este diploma anexa, na pena de cinco anos e seis meses de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, dirigido ao Tribunal da Relação do Porto, apresentando a motivação de fls. 462 a 465, que remata com as seguintes conclusões:
1 - A conduta do arguido integra a previsão do artigo 21 n° 1 do D.L 15/93, porém, o tribunal atento à factualidade favorável apurada quanto a este arguido, conjugado com o facto de não se ter provado ser ele o dono do produto estupefaciente, destiná-lo à venda a terceiros, isto é, ser ele, a usufruir do lucro da sua venda, mas um mero detentor, transportador do referido produto, que embora já em quantidade, é considerado uma droga leve - haxixe, ponderando ainda que tal conduta constituiu um acto isolado e que o arguido tendo beneficiado de uma medida de natureza probatória entre 2005 a 2007, esta no seu termo foi avaliada como positiva, aplicou, na perspectiva da defesa uma pena excessiva.
2 - Na verdade, o arguido confessou os factos, tem um comportamento adequado às regras institucionais, frequentando a escola no E.P, com aproveitamento e assiduidade, beneficia do apoio do agregado familiar, que está integrado, não sendo conotado com a prática de ilícitos, estando sedimentada a relação afectiva que mantém com a companheira.
Perspectivando a reintegração no agregado familiar, e tendo ocupação laboral garantida.
3 - Os critérios que presidem à medida concreta da pena são os indicados no art.º 70 do CP.
4 - A existência do critério de determinação da medida da pena exprime pois, que a fixação do quantum da pena concreto se deve fazer com base na culpa e prevenção, afastando-se assim definitivamente, quer a ideia de que o Juiz deve partir do “meio” da moldura penal do crime para encontrar a pena concreta, quer a dualidade de procedimento, fazendo funcionar as circunstâncias atenuantes e agravantes gerais
5 - No caso concreto, atento ao circunstancialismo pessoal apurado quanto ao recorrente e descrito no ponto 3, aliado ao facto de não se ter apurado que a droga que o arguido tinha na sua posse fosse destinada à venda a terceiros. Ser de condição sócio económica modesta.
6 - Face aos critérios legais (arts 70 e 71 do CP) o recorrente deveria ser punido atento as razões aduzidas na motivação do recurso ora interposto, a pena aplicada deveria ser fixada em 4 anos e 3 meses de prisão.
No provimento do recurso pede a revogação da decisão recorrida.

O Mº Pº respondeu conforme fls. 473 a 475, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 476, mas para o Supremo Tribunal de Justiça, por estar em causa apenas uma questão de direito.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, a fls. 485-488, emitiu douto parecer no sentido de se fixar a pena próxima dos 5 anos, atendendo essencialmente ao tipo de estupefaciente “canabis” e porque “relativamente aos antecedentes criminais não ficou expressamente provado quais as condições pelo crime de tráfico”.
Sendo a partir daí possível colocar a questão da suspensão da execução, opina pela negativa, defendendo que as circunstâncias dadas como provadas não são suficientes para poderem ser tidas em conta e por do relatório social parecer resultar a sua fragilidade e a prognose não ser muito favorável embora o trabalho já estivesse assegurado.
Defende em suma que o recurso poderá obter provimento quanto à medida da pena, que poderá ser fixada até 5 anos.

Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do CPP, o recorrente veio a fls. 492, dar por reproduzido o teor da motivação do recurso apresentado, não se opondo ao parecer do Exmo. Procurador.

Não tendo sido requerida audiência, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do artigo 411º, n.º 5, do CPP.

Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção dos vícios decisórios ao nível da matéria de facto e nulidades previstas no artigo 410º, nº 2 e nº 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido (artigo 412º, nº 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os horizontes cognitivos do Tribunal Superior.


Questão a decidir

O recorrente discorda apenas da medida da pena aplicada, entendendo que deveria ser fixada em 4 anos e 3 meses de prisão.


Factos Provados

Vem definitivamente assente que:

1 – No dia 4 de Janeiro de 2008, cerca das 23 horas e 30 minutos, na Rua ...., nesta cidade e comarca do Porto, os arguidos AA e BB seguiam no veículo ligeiro de passageiros da marca «Fiat», modelo «Punto», matrícula «...-...-...», pertencente à mãe do arguido BB, apesar de ainda não registado em seu nome, mas conduzido pelo AA, já que aquele não é titular de carta de condução, tendo sido abordados por agentes da PSP numa normal operação de fiscalização de trânsito.
2 – Quando um dos agentes pediu ao arguido AA que mostrasse os documentos da viatura, este demonstrou nervosismo, atitude que levou o dito agente a ordenar-lhes que saíssem da viatura.
3 – Nessa altura, e após sair, o arguido AA contornou o veículo e, alegando que vinha do treino e que ainda tinha ali o saco, retirou-o do lugar do «pendura», onde seguia o arguido BB, e colocou-o cá fora, no solo, ao seu lado.
4 – Por suspeitar de que algo de ilícito se encontrasse no saco, o agente policial em causa solicitou ao arguido AA que lhe mostrasse o conteúdo do saco, ao que o mesmo anuiu, assim verificando que o mesmo continha três volumes de um produto de cor castanha, acondicionados com fita adesiva, que aparentava ser «haxixe».
5 – Submetido a exame pericial, tal produto, entretanto apreendido, revelou tratar-se de «canabis» (resina), com o peso líquido de 15. 043,570 gramas.
6 – Nessa mesma ocasião, e na sequência de revistas efectuadas:
6.1 – ao arguido AA foi apreendida a quantia de trinta e dois euros e setenta cêntimos, em numerário, e um telemóvel «Nokia 1200», avaliado em vinte euros, pertença do mesmo;
6.2 – ao arguido BB foi apreendido um telemóvel «Nokia 1200», avaliado em vinte euros, e a quantia de vinte euros em numerário.
7 – Na mesma altura foi ainda apreendida a referenciada viatura, avaliada em oitocentos euros.
8 – O arguido AA detinha o referido e apreendido produto estupefaciente com o fito de, em circunstâncias não cabalmente esclarecidas, o entregar a pessoa não identificada, a troco de pelo menos cem gramas de «haxixe», para seu ulterior consumo.
9 – O arguido AA conhecia as características estupefacientes do referido produto que detinha e transportava para entregar a terceiro nos moldes narrados, bem sabendo que a mera detenção e transporte de tal produto, porque não autorizada, era proibida e punida por lei.
10 – No apurado contexto, agiu o arguido AA de forma livre, deliberada e consciente.
11 – O arguido AA sofreu já condenações anteriores pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de condução sem habilitação legal, tudo como melhor consta do respectivo certificado de registo criminal junto a fls. 353 a 355, bem como da certidão de fls. 366 a 379, documentos aqui tidos como reproduzidos.
12 – Alguns aspectos da personalidade e «modus vivendi» do arguido AA mostram-se vertidos no relatório social junto a fls. 408 a 411 dos autos, aqui tido como reproduzido como parte integrante deste Acórdão, salientando-se, do mais que ali consta, que:
12.1 – o seu processo de desenvolvimento decorreu no agregado familiar de origem, caracterizado por uma situação económica modesta e por uma dinâmica familiar onde a mãe assumiu um papel de liderança, nomeadamente no processo educativo dos dois descendentes, adoptando uma postura protectora e permissiva, contrariamente ao pai, que se alheou das suas responsabilidades parentais, e os avós paternos constituíram-se igualmente como figuras afectivas de relevo dado que, face às actividades profissionais desempenhadas pelos progenitores, assumiram frequentemente tarefas de natureza educativa;
12.2 – apresenta um percurso irregular aos níveis académico e profissional, tendo concluído o 6º ano após várias reprovações e desempenhado trabalhos indiferenciados e em regime temporário, revelando dificuldades em se vincular ao desempenho regular de uma actividade laboral;
12.3 – há cerca de sete anos que mantém uma relação afectiva e já há algum tempo que o casal vive em comum, ora de forma autónoma, ora no agregado de familiares de um e de outro;
12.4 – no período de 27/12/2005 a 27/06/2007 foi acompanhado pelos serviços de reinserção social no âmbito de uma medida de natureza probatória avaliada no seu termo de forma positiva;
12.5 – à data dos factos residia numa habitação arrendada com a namorada, activa profissionalmente e responsável pelos encargos relativos às despesas domesticas, ao passo que o mesmo não trabalhava com regularidade, fazendo trabalhos pontuais indiferenciados, e no seu quotidiano privilegiava essencialmente a convivência com os seus pares, revelando grande imaturidade e escasso sentido de responsabilidade no que respeita à assunção dos vários papéis associados a uma vida familiar autónoma;
12.6 – preso no Estabelecimento Prisional do Porto desde 05/01/2008, o mesmo tem adoptado um comportamento genericamente adequado às rotinas e regras institucionais, registando uma sanção disciplinar de três dias por posse de telemóvel, em Abril do ano passado, sendo que desde o início do ano lectivo frequenta o 3º ciclo, com assiduidade e aproveitamento;
12.7 – é regularmente visitado pela sua família, projectando, quando restituído à liberdade, retomar a vivência em comum com a namorada, que revela receptividade para lhe prestar o apoio necessário;
12.8 – a presente situação de reclusão teve grande impacto emocional para a progenitora e namorada, contrariamente ao arguido, que não demonstra grande intimidação, nem apreensão pela sua situação jurídico-penal, atitude relativamente à qual não será alheia a sua imaturidade.
13 – O arguido AA tem emprego prometido na firma «B...-H...» e também beneficia de apoio da mãe.

Da motivação da convicção consta para além do mais o seguinte:
«4 – Isto, a par dos examinados documentos de fls. …fls. 353 a 355 (CRC do arguido AA, com os referenciadas averbamentos), 366 a 379 (certidão referente a condenação do arguido AA), 408 a 411 (RSJ do arguido AA), 413 (declaração da firma «B...-H...» da qual consta a promessa de emprego do arguido AA), únicos que importa destacar».
Apreciando.

Medida da pena – redução?

O recorrente vem condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, a que cabe a moldura penal abstracta de 4 a 12 anos de prisão, entendendo ter sido condenado em pena excessiva, assim impugnando a medida concreta da pena aplicada e pretendendo a sua redução para 4 anos e 3 meses.
A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação constante do artigo 40º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».
Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o nº 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375º, nº 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368º, e aquela prevista no artigo 369º, com eventual apelo aos artigos 370º e 371ºdo CPP).
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.
Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71º do C. Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.
Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.
Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
A intervenção do Supremo Tribunal em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras de experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, in Sumários, de 30-10-2003, CJSTJ 2003, 3, 208, de 11-12-2003, processo 3399/03-5ª, de 04-03-2004, processo 456/04-5ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, 220, de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, 229 e 235, de 15-11-2006, 2555/06-3ª, de 14-02-2007, processo 249/07-3ª, de 08-03-2007, processo 4590/06-5ª, de 12-04-2007, processo 1228/07-5ª, de 19-04-2007, processo 445/07-5ª, de 10-05-2007, processo 1500/07-5ª.
Ainda de acordo com o mesmo Professor, nas Lições ao 5º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril/Junho de 2002, pág. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:
“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E termina: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

Volvendo ao nosso caso.
O recorrente neste particular invoca em concreto os pontos alinhados nas conclusões 1ª e 2ª.
O acórdão recorrido sobre a medida da pena pronunciou-se nestes termos:
«Atender-se-á, pois, ao algo reduzido grau de ilicitude dos factos praticados (devendo salientar-se aquilo que de nefasto traz a droga aos consumidores, mesmo tratando-se de drogas «leves») e à intensidade do dolo (na sua forma directa).
Ter-se-á ainda em conta a apurada situação pessoal de tal arguido, consoante o retratado no respectivo relatório social e atrás salientado (os consumos, só por si, nada justificam), devendo atentar-se também nos seus registados antecedentes criminais, anotando-se uma condenação por tráfico, a fazer sobressair peculiares razões de ordem preventiva especial.
Por outro lado, não poderão esquecer-se as vincadas preocupações de ordem preventiva geral que subsistem neste tipo de ilícito, mormente quando se trata deste tipo de actuações, pois que sem elas por certo a droga não chegaria aos consumidores.
Neste contexto, e considerando, pois, as razões de reprovação e prevenção, estas acentuadas, tanto em sede geral, como especial, bem como a dosimetria abstracta da pena em apreço (prisão de 4 a 12 anos), tem-se como justo e equilibrado aplicar ao referido arguido a pena de cinco anos e seis meses de prisão, necessariamente efectiva».


Apreciando.

Abordar-se-á desde já a questão dos antecedentes criminais do recorrente, que importa clarificar.
Um dos factores a ter em conta na dosimetria penal é justamente a conduta anterior do agente, a «conduta anterior ao facto» como referido no artigo 71º, nº 2, alínea e), do Código Penal.
Quanto a antecedentes criminais deu-se por provado no acórdão recorrido:
11 – O arguido AA sofreu já condenações anteriores pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de condução sem habilitação legal, tudo como melhor consta do respectivo certificado de registo criminal junto a fls. 353 a 355, bem como da certidão de fls. 366 a 379, documentos aqui tidos como reproduzidos.
Estamos face a uma deficiente factualização da história delitual do arguido, com a produção de uma afirmação generalista, limitando-se a remeter para documentos constantes dos autos, não se esclarecendo, nomeadamente, se o arguido no que respeita ao tráfico de estupefacientes, foi condenado por crime de tráfico de menor gravidade, ou pelo tipo base, ou se qualificado, qual o produto estupefaciente traficado, qual a espécie de pena aplicada a um e outro crime, qual a respectiva duração, se se mostram extintas ou não as penas aplicadas.
A matéria de facto relevante e pertinente neste domínio mostra-se narrada de forma deficiente, incompleta, truncada, nada esclarecedora, não se tendo levado em devida conta e em toda a sua extensão os elementos constantes dos suportes disponíveis, constituídos pelo certificado de registo criminal e por certidão junta ao processo.
Como é sabido, a intervenção deste Tribunal há-de em princípio confinar-se à matéria de direito, salvo se, a título excepcional, se tornar imperativo para uma boa decisão de direito, a ampliação e melhor esclarecimento da matéria de facto, desejável e necessária, e ainda possível com os elementos disponíveis no processo, relativamente aos quais não foram aproveitadas todas as potencialidades de dação de factos importantes, de informações, de enquadramentos da vida global do arguido, para a descoberta da verdade material, estando em causa aqui documentos juntos e indicados no texto da decisão como suporte probatório do que foi firmado em sede de matéria de facto.
O certificado de registo criminal junto aos autos, bem como a certidão extraída do processo n.º 16/03.5PCPRT, são documentos autênticos, constituindo prova tarifada/legal/vinculada, e fazendo prova plena dos factos nele atestados – artigos 362º, 363º, nº 2, 369º, 371º, nº 1 e 372º do Código Civil e artigo 169º do Código de Processo Penal, este dando o valor probatório dos documentos autênticos por idêntico ao do direito probatório material condensado no Código Civil.
Sendo assim há que ver o que resulta dos elementos disponíveis.
Compulsado o certificado de registo criminal de fls. 353 a 355, como resulta de fls. 354, no processo comum colectivo n.º 378/01.9PWPRT, da 1ª Vara Criminal do Porto -1ª secção, com referência a factos de 29-05-2003, por acórdão de 15-07-2004, transitado em julgado em 27-12-2005, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelos artigos 21º e 22º (sic) do DL 15/93, de 22-01, foi o arguido condenado na pena de 13 meses de prisão, suspensa pelo período de 18 meses, com acompanhamento.
Por decisão de 04-12-2007 foi declarada a extinção de tal pena, nos termos do artigo 57º, n.º 1, do Código Penal.
No boletim de fls. 355, respeitante ao processo comum colectivo n.º 16/03.5PCPRT da 1ª secção da 3ª Vara Criminal do Porto, consta a referência a crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21º do DL n.º 15/93 e a um crime de condução sem habilitação legal, ambos praticados em 24-01-2003, referindo-se condenação, por acórdão de 14-03-2005, transitado em 11-04-2005, na pena de 90 dias de multa, julgada extinta pelo pagamento por decisão de 16-09-2005.
Ora, pela análise da certidão do acórdão proferido nesse processo n.º 16/03.5PCPRT, junta de fls. 366 a 379, retira-se que o arguido nesse processo se encontrava acusado de um crime de tráfico de menor gravidade e de um crime de condução sem carta, considerando-se, a final, quanto à droga, estar-se perante uma contra-ordenação, p. p. pelo artigo 2º da Lei n.º 30/00, de 29/11, estando em causa posse de canabis (resina), ficando ainda provado que o arguido destinava todo o produto estupefaciente apenas ao seu consumo - ponto 4 a fls. 368 dos autos.
Resulta do exposto que arguido foi condenado com referência a conduta de 29 de Maio de 2003, por um crime de tráfico de estupefacientes, em pena de 13 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 18 meses, sujeita a acompanhamento, pena que veio a ser declarada extinta em 04-12-2007, e com referência a conduta de 24 de Janeiro de 2003, por um crime de condução intitulada, foi condenado em pena de multa, que pagou.

Vejamos agora os outros factores de determinação da pena.
O arguido é jovem, pois à data da prática dos factos tinha 24 anos.
Há que atender à qualidade do produto transportado, reveladora de média ilicitude dentro daquela que caracteriza o tipo legal, por se tratar de substância incluída na Tabela I –C , anexa ao DL 15/93, considerada como droga leve.
A ter em consideração a quantidade apreendida, pouco mais de 15 quilos, sendo esta relevante para aferição de uma visão global do facto, nesta perspectiva, pela perigosidade que envolve, pois caso chegasse ao destino e entrasse no mercado era susceptível de ser distribuída por grande número de pessoas, permitindo a sua repartição por elevado número de doses individuais.
Há que ter em conta estar-se perante uma conduta única, um acto isolado de transporte.

Em causa, como resulta do assente no ponto de facto provado n.º 8, a posse e transporte da canabis, destinando-se o produto a entrega a outrem, ou seja, o arguido funcionava como correio, no desempenho de uma actividade em que estava ausente o objectivo de lucro, procurando tão só angariar 100 gramas de haxixe para seu consumo.
Resulta evidente do presente processo e do referido processo de 2003, que se trata de consumidor, bastando ter em atenção a decisão proferida naquele processo que procedeu à convolação para a contra-ordenação da Lei n.º 30/2000.
Quanto à modalidade do dolo, o recorrente agiu com dolo directo e intenso, substanciado na relevante quantidade transportada.

As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme.
No que concerne à conduta posterior, tem-se por certo que o arguido tem aproveitado o tempo de reclusão para frequentar a escola, o que tem feito com assiduidade e aproveitamento, mostrando empenho na aprendizagem, frequentando o 3º ciclo, o que demonstra vontade de procurar a sua reinserção social, não sendo despiciendo anotar que na anterior experiência de contacto com o sistema de justiça deu resposta positiva no quadro de acompanhamento a que ficou subordinada a suspensão da anterior condenação.
Nestes termos, ponderando globalmente todos os factores assinalados, porque a reacção criminal não poderá ultrapassar a medida da culpa, afigura-se-nos adequado e proporcional fixar a pena próximo do limite mínimo legal, ou seja, em 4 anos e 6 meses de prisão.


Da suspensão da execução da pena

O recorrente não deduziu pedido nesse sentido, mas atenta a medida da pena ora aplicada, impõe-se pronúncia sobre a concessão ou denegação de aplicação no caso presente da pena de substituição, havendo que averiguar se a pena cominada deve ou não ser objecto de suspensão na sua execução.
O Supremo Tribunal tem vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão - acórdãos de 11-05-1995, processo n.º 47577; de 04-06-1996, processo n.º 47969, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 186; de 27-06-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 204; de 17-02-2000, processo n.º 1162/99-5ª, SASTJ, nº 38, pág. 82; de 14-02-2000, processo n.º 2769/00-5ª, SASTJ, nº 46, pág. 54; de 24-05-01, CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 201; de 08-11-2001, processo n.º 3130/01; de 14-11-2001, processo n.º 3097/01; de 29-11-2001, processo n.º 1919/01; de 20-02-2003, CJSTJ 2003, tomo1, pág. 206; de 02-12-2004, processo n.º 4219/04; de 19-01-2005, processo n.º 123/05; de 09-06-2005, processo n.º 1678/05; de 09-11-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 209; de 08-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 203; de 10-05-2006, processo n.º 1184/06-3ª; de 21-09-06, processo n.º 3132/06; de 14-03-2007, processo n.º 617/07-3ª; de 18-04-07, processo n.º 1120/07-3ª; de 19-04-2007, processo n.º 1424/07-5ª; de 10-10-2007, processo n.º 3407/07-3ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 210; de 14-11-07, processo n.º 3305/07-3ª; de 20-02-2008, processo n.º 118/08-3ª.
O Tribunal Constitucional no acórdão nº 61/2006, de 18-01-2006, in DR, II Série, de 28-02-2006, julgou inconstitucionais, por violação do art. 205º, nº 1, da CRP, as normas dos artigos 50º, nº 1, do Código Penal e 374º, nº 2 e 375º, nº 1, do CPP, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos.
No presente recurso o recorrente não colocou esta possibilidade, sendo certo que apenas num cenário de atenuação especial da pena, nos termos gerais do artigo 72º do Código Penal, ou por força de uma redução na medida da pena aplicada, poderia equacionar-se tal eventualidade (note-se que não obstante a medida concreta pedida pelo recorrente não é formulado o pedido de suspensão de execução, o que obviamente, não obsta à sua ponderação no sentido da sua consideração ou denegação).
Face à pena aplicada no acórdão de 1ª instância não era possível ventilar a hipótese, por encontrar-se ultrapassado o limite de 5 anos.
Com a pena ora fixada a questão é diferente, impondo-se um outro tipo de abordagem, já que se mostra preenchido o pressuposto formal, pois que a pena quedou-se por patamar inferior ao limite estabelecido para a ponderação da suspensão da execução no artigo 50º do Código Penal.
Atenta a dimensão da pena ora fixada, poderá colocar-se a questão de saber se será de considerar a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena imposta, nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal.
Com a 23ª alteração do Código Penal introduzida com a Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, foi modificado o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão e alterou-se o tempo de suspensão, passando a dispor o nº 1 do artigo 50º: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Estabelece o nº 5 que o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.
A partir de 15 de Setembro de 2007 alargou-se assim o campo de aplicação daquela pena de substituição a penas de prisão até 5 anos, em vez do limite anterior de 3 anos.
A aplicação desta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como decorre do citado artigo 50º.
Circunscrevendo-se estas, a partir de 1 de Outubro de 1995, de acordo com o artigo 40º do Código Penal (intocado na revisão da Lei nº 59/2007), à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas – prevenção geral e especial – que o julgador tem de se orientar na opção ora em causa.
Como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518, pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – “bastarão para afastar o delinquente da criminalidade”. E acrescentava: para a formulação de um tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade , ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.
Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.
Adverte ainda o citado Professor - § 520 - que apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - , a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime».
Reafirma que “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”.
Como refere H. H. Jescheck, Tratado, versão espanhola, volume II, págs. 1152 e 1153, «A suspensão da execução da pena «une o juízo de desvalor ético - social contido na sentença penal ao chamamento, pela ameaça de executar no futuro a pena, à própria vontade do condenado para reintegrar-se na sociedade». É uma pena, porque oriunda de condenação produtora de antecedentes criminais. É uma medida de correcção, enquanto busca, v.g., a reparação do delito ou «prestações socialmente úteis». Aproxima-se das medidas de ajuda social, se no domínio respectivo se desenham instruções que «afectam o comportamento futuro do condenado». E tem uma coloração sócio-pedagógica activa, pelo «estímulo ao condenado para que seja ele mesmo quem com as suas próprias forças possa durante o regime de prova reintegrar-se na sociedade».
Trata-se de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza – assumida sem ausência de risco - de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência solene e que em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.
Como se referia nos acórdãos do STJ de 04-06-1996 e de 27-06-1996, do mesmo relator, ambos proferidos no âmbito de crimes de tráfico de estupefacientes, in CJSTJ 1996, tomo 2, págs. 186 e 204, estamos perante um poder-dever, um poder vinculado do julgador, que terá, obrigatoriamente, de suspender a execução da pena de prisão, sempre que se verifiquem os pressupostos do artigo 50º do Código Penal, realçando-se que a suspensão da execução da pena de prisão é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, como unanimemente salientado.
Conforme se pode ler no acórdão do STJ de 25-06-2003, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 221, o instituto em causa “Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.
A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.
Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
A suspensão de execução da pena, enquanto medida com espaço autónomo no sistema de penas da lei penal, traduz-se numa forte imposição dirigida ao agente do facto para pautar a sua vida de modo a responder positivamente às exigências de respeito pelos valores comunitários, procurando uma desejável realização pessoal de inclusão, e por isso também socialmente valiosa”.
Como se extrai do acórdão de 31-01-2008, processo n.º 2798/07-5ª “São sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que estão na base do instituto, permitindo substituir uma pena institucional ou detentiva, por outra não detentiva, isoladamente aplicada ou associada à subordinação de deveres que se impõem ao condenado, destinados a reparar o mal do crime e (ou) de regras de conduta, estabelecidas com o fim de melhor reinserir aquele socialmente em ordem ao acatamento dos valores comunitários, cujo respeito, pelo afastamento do condenado da criminalidade (e não pela sua regeneração) se pretende obter”; do mesmo modo no acórdão de 17-01-2008, processo n.º 3762/07 - 5ª.
Como se referia no acórdão de 11-01-2001, processo n.º 3095/00-5ª, na apreciação da situação há que ter em atenção os seguintes elementos ou indicadores: a personalidade da arguida, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível, as circunstâncias do facto punível.
Para aplicação da pena em causa necessário se torna que o julgador se convença que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido e que foi caso acidental, esporádico, ocasional na sua vida e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delitivas e ainda que a pena de substituição não coloque em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos.

No caso concreto estamos perante um arguido que à data da prática dos factos contava 24 anos de idade.
Há que atender às condições pessoais, familiares e económicas do arguido, inserção no respectivo agregado familiar, contando com o apoio da mãe e da namorada, com quem, segundo o relatório social e facto provado n.º 12.3, mantém uma relação afectiva há sete anos, vivendo em comum, sendo salientada a receptividade da namorada para lhe prestar o apoio necessário.
A perspectiva de garantia de emprego é elemento de suma importância nesta apreciação, podendo o arguido ter ao seu alcance um instrumento poderoso de afirmação no sentido de uma querida inserção social.
No caso em apreciação, há que ter em conta que as anteriores condutas relacionadas com estupefacientes, aqui se incluindo o caso de responsabilidade contra - ordenacional por consumo, se processou num quadro em que o arguido tinha 19 anos de idade (em causa factos de 24-01-2003 e de 29-05-2003) e era consumidor de drogas, o que veio a ser “confirmado” com a motivação da sua conduta no presente caso.
Não pode deixar de ter-se em consideração a resposta e avaliação positiva no âmbito do anterior cumprimento de pena de substituição, que teve lugar ao longo de 18 meses, de 27-12-2005 a 27-06-2007, correspondente ao tempo de suspensão da condenação no processo n.º 378/01.9PWPRT, como se retira do ponto de facto provado n.º 12.4 “no período de 27/12/2005 a 27/06/2007 foi acompanhado pelos serviços de reinserção social no âmbito de uma medida de natureza probatória avaliada no seu termo de forma positiva”.
O arguido está preso há mais de 16 meses, tendo adoptado comportamento adequado às rotinas e regras institucionais, como se vê do ponto de facto provado n.º 12.6, para além de ter reiniciado os estudos, o que faz com empenho e proveito.
Nessas condições a condenação anterior só por si não constituirá obstáculo à concessão de uma nova e eventualmente derradeira oportunidade de arrepiar caminho.
A situação de reclusão permitiu ao arguido regressar ao ensino, frequentando desde o início do ano lectivo o 3º ciclo com assiduidade e aproveitamento, o que como se referiu acima, deve ser realçado e estimulado.
No aludido relatório social de fls. 408 a 411, dado por reproduzido no ponto de facto provado n.º 12, o IRS identifica como principais prioridades no processo de reinserção social do arguido, a aquisição de competências sociais e pessoais, designadamente aos níveis escolar e profissional que lhe confiram níveis de responsabilização e promovam maior maturidade de molde a estruturar o quotidiano de acordo com padrões de conduta e de vida estáveis e normativos.
Neste quadro, porque sempre serão de evitar riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão, e assumindo por outra via, o risco que sempre estará presente em decisões deste tipo, com projecção e avaliação da sua justeza no futuro, suspender-se-á a execução da pena nos termos do artigo 50º do Código Penal.
A simples ameaça da execução da pena como medida de reflexos sobre o comportamento futuro será suficiente para dissuadir a recorrente de futuros crimes, evitará a repetição de comportamentos delituosos por parte do arguido, dando-se crédito ao seu sentido de responsabilidade e à capacidade de resposta e inserção social nos próximos quatro anos e meio.
Como se refere no acórdão de 19-12-2007, processo n.º 4088/07-3ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 261, a medida constitui uma chamada à razão do condenado reforçada pelo facto de poder vir a executar no futuro, a prisão, para que não volte a incorrer em nova situação criminal, sendo também uma pena de correcção, de ajuda social e sócio-pedagógica.
Sendo certo que todo o juízo de prognose sobre um futuro comportamento comporta inevitavelmente algum risco, o mesmo será, porém, mitigado com a imposição de sujeição a regras de conduta e a regime de prova; a suspensão da execução da pena, associada a tal sujeição e ao regime de prova, a efectivar de acordo com o que vier a ser determinado pelo IRS, contribuirá para a ressocialização do arguido.
Nesta perspectiva, crê-se ser fundada a esperança de que a socialização em liberdade possa ser lograda e não saírem defraudadas as expectativas comunitárias de reposição/ estabilização da ordem jurídica, da confiança na validade da norma violada e no cumprimento do direito, nem será demasiado arriscado conceder uma oportunidade ao arguido, suspendendo a execução da pena, por haver condições para alcançar a concretização da socialização em liberdade, enfim, a finalidade reeducativa e pedagógica, que enforma o instituto, e que face ao disposto no nº 5 do artigo 50º, terá duração igual à da pena de prisão e a contar do trânsito desta decisão.
A carência de continuação de prisão efectiva não se apresenta manifesta, sendo de conceder uma oportunidade ao arguido, constituindo a substituição da pena um sério aviso e uma solene advertência no sentido de que o recorrente terá de pautar a sua vida de acordo com a lei.
Nestes termos, considera-se estarem reunidas as condições para que seja decretada a suspensão da execução da pena aplicada.
Nos termos do artigo 52º, nº 1, alínea a), do Código Penal, impor-se-á como regra de conduta a obrigação de o arguido começar a trabalhar, aceitando a oferta que lhe foi feita e foi dada por provada no ponto de facto n.º 13, dedicando-se a essa actividade, bem como de prosseguir a aprendizagem que vem exercendo.
Atendendo à medida da pena aplicada, a suspensão será acompanhada de regime de prova, que é de decretar obrigatoriamente, como decorre da parte final do nº 3 do artigo 53º do Código Penal.
Na versão actual decorrente da redacção dada pela Lei 59/2007, dispõe tal preceito que o regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade ou quando a pena de prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos.
Tal regime assentará em plano de reinserção social, elaborado pela entidade competente, na sequência do já certificado no relatório de fls. 411 e executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.

Pelo exposto, acordam neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido AA, revogando o acórdão recorrido, fixando a pena em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e declarando a sua suspensão pelo período de 4 anos e 6 meses, sujeita a regras de conduta, como a obrigação de o arguido começar a trabalhar, aceitando a oferta que lhe foi feita, dedicando-se a essa actividade, bem como de prosseguir a aprendizagem que vem exercendo e a regime de prova, em moldes a definir pelos serviços competentes.
Passem-se mandados de libertação imediata.
Sem custas.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94º, n.º 2, do CPP

Lisboa, 14 de Maio de 2009

Raúl Borges (Relator)
Fernando Fróis