Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98A026
Nº Convencional: JSTJ00036870
Relator: MARTINS COSTA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PENHORA
PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE
REGISTO PREDIAL
Nº do Documento: SJ199803100000261
Data do Acordão: 03/10/1998
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 225/97
Data: 07/01/1997
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CRP84 ARTIGO 6 N1 ARTIGO 2 N1 A N ARTIGO 5 N1.
CPC67 ARTIGO 1037 ARTIGO 1042 B.
CCIV66 ARTIGO 1268 ARTIGO 819.
Sumário : 1 - Os embargos de terceiro deduzidos contra a penhora assentam na presunção de o embargante, possuidor dos bens penhorados, ser o titular do respectivo direito de propriedade.
2 - Tais embargos improcedem, a despeito da posse do embargante, se os bens penhorados pertenciam ao executado e este os vendeu ao embargante, depois de efectuada a penhora, a qual veio a ser inscrita no registo predial antes do registo da compra e venda.
Decisão Texto Integral: Acordam do Supremo Tribunal de Justiça:

I - Por apenso a execução ordinária para pagamento de quantia certa, instaurada por A contra B, foram deduzidos embargos de terceiro por C e marido D, pretendendo o levantamento da penhora efectuada naquela execução pela exequente e a restituição da posse dos bens penhorados.
Recebidos os embargos, a exequente-embargada contestou e houve resposta dos embargantes.
Procedeu-se a julgamento e, pela sentença de fls. 133 e segs., foram os embargos julgados improcedentes.
Em recurso de apelação, revogou-se a sentença, com procedência dos embargos e levantamento da penhora.
Neste recurso de revista, a embargada pretende a revogação do acórdão da Relação e a subsistência da sentença da 1ª instância, com base, em resumo, nas seguintes conclusões:
- tem a qualidade de terceiro, para efeito do registo predial;
- a penhora dos bens prevalece sobre o acto da sua disposição, em face da regra da prioridade do registo;
- a posse dos embargantes tem natureza precária e não lhe é oponível;
- foi violado o disposto nos arts. 5, 6 e 7 do Cód. R. Predial, 262, 819, 1251 a 1253 e 1265 a 1268 Cód. Civil e 1037 do Cód. P. Civil.
Os embargantes, por sua vez, sustentam dever negar-se provimento ao recurso.
II - Factos dados como provados:
Na referida execução, foram penhorados a moradia 31 da Urbanização Villa Ipanema, sita em Vilamoura, e 1/54 do lote 55 da mesma urbanização, estando esses imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob ns. 00634/161285 e 01581/141186, respectivamente.
Essas penhoras, efectuadas em 27-03-95, foram inscritas no registo predial em 04-07-95, pela apresentação n. 158.
Os bens penhorados estavam inscritos nesse registo em nome da executada B.
Por escritura de 26-06-95, a B, representada por D, marido da C, declarou vender a esta aqueles bens imóveis.
Essas aquisições foram inscritas no registo predial em 04-07-95, pela representação n. 159.
Pelo menos desde 1992, os embargantes pagam a água, luz, condomínio e seguros daqueles prédios, fizeram neles obras e aí recebem os amigos, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém,

III - Quanto ao mérito do recurso:
A situação concreta que se discute no processo resume-se do seguinte modo: a penhora dos bens foi efectuada numa data (27-03-95) em que eles eram propriedade da executada e estavam inscritos no registo predial em seu nome; posteriormente (em 26-06-95) a executada vendeu os bens à embargante C; a penhora e a venda foram inscritas no registo predial na mesma data (04-07-95) mas o registo daquela considera-se como feito em primeiro lugar, em face do número de ordem das respectivas apresentações, nos termos do art. 6 n. 1 do Cód. Reg. Predial.
Nestas circunstâncias, é de julgar improcedentes os embargos, mantendo-se a penhora, tal como se decidiu na 1ª instância.
A penhora incidiu sobre bens pertencentes à executada e foi por isso licitamente requerida e efectuada, nos termos dos arts. 817 do Cód. P. Civil (aqui aplicável sem as alterações introduzidas em 1995/96, salvo quanto à generalidade das normas respeitantes à tramitação do recurso - arts. 16 e 25 de DL 329-A/95, de 12-12).
Em princípio, pelo art. 819 do Cód. Civil, "... são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados", o que significa que o dono dos bens os pode alienar, validamente, mas a execução prossegue como se eles continuassem a pertencer ao executado, ficando pois o adquirente sujeito à posterior venda para satisfação dos fins da acção executiva.
É assim irrelevante o facto de, depois da penhora, a executada ter procedido à venda dos bens à embargante.
A mesma solução se impõe pelas "regras do registo", ressalvadas pelo cit. art. 819: tanto a penhora como a compra e venda de bens imóveis são factos sujeitos a registo (art. 2 n. 1 a) e n) do Cód. Reg. Predial); no caso, além de a penhora ter sido efectuada antes da venda, o respectivo direito do exequente prevalece sobre o direito do comprador, nos termos do cit. art. 6 n. 1 desse Código, por gozar da chamada prioridade do registo; deste modo, também o registo da aquisição a favor da embargante não afectou, de qualquer modo, o direito resultante da penhora.
Não importa sequer aqui o disposto no art. 5 n. 1 do cit. Cód. Reg. Predial, segundo o qual "os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo", nem o decidido, para uniformização de jurisprudência, no acórdão deste tribunal de 20-05-97, onde se adoptou o conceito amplo de "terceiros", como "todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente".
Na verdade, tendo ambos os actos (a penhora e a compra e venda) sido inscritos no registo predial, a questão resolve-se, a favor do exequente, pela apontada regra da prioridade do registo, a qual prescinde do facto de os titulares dos registos serem ou não "terceiros".
De-resto, mesmo por aplicação do aludido conceito amplo de "terceiros", sempre prevaleceria o acto da penhora, por ter sido inscrito no registo em primeiro lugar.
Finalmente, não interessa tomar aqui posição sobre a questão da prova da posse dos embargantes sobre os bens penhorados, uma vez que ela não é susceptível de influenciar a decisão do recurso.
O direito a restituição de bens penhorados, em embargos de terceiro, com fundamento na posse desses bens, previsto no art. 1037 do cit. Cód. P. Civil, assenta na presunção, prevista no art. 1268 do Cód. Civil e comum à generalidade das acções possessórias, de que "o possuidor goza ... da titularidade do direito ...".
Trata-se de simples presunção legal, ilidível por prova em contrário (art. 350 n. 2 do cit. Cód. Civil), e a própria lei processual prevê a improcedência dos embargos se for feita a prova de que "o direito de propriedade sobre os bens ... pertence à pessoa contra quem a diligência foi promovida" [(art. 1042 b)].
Ora, como já se notou, a penhora foi requerida e efectuada contra a executada, então proprietária dos respectivos bens, e o registo desse acto prevalece sobre o da posterior alienação dos bens à embargante, pelo que se deve ter como excluída a referida presunção em que se basearam os embargos.
Em conclusão:
Os embargos de terceiro deduzidos contra penhora assentam na presunção de o embargante, possuidor dos bens penhorados, ser o titular do respectivo direito de propriedade (arts. 1037 do Cód. P. Civil e 1268 do Cód. Civil).
Tais embargos improcedem, apesar da posse do embargante, se os bens pertenciam ao executado e este os vendeu ao embargante, depois de efectuada a penhora, a qual veio a ser inscrita no registo predial antes do registo da compra e venda (arts. 1042 b) do Cód. P. Civil, 819 do Cód. Civil e 6 n. 1 do Cód. Reg. Predial).
Pelo exposto:

Concede-se a revista.
Revoga-se o acórdão recorrido, subsistindo a sentença da 1ª instância.
Custas dos recursos pelos embargantes.
Lisboa, 10 de Março de 1998.
Martins da Costa,
Pais de Sousa,
Machado Soares.