Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
042459
Nº Convencional: JSTJ00014418
Relator: VAZ DE SEQUEIRA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO
PENAS ACESSÓRIAS
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ199204090424593
Data do Acordão: 04/09/1992
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N416 ANO1992 PAG353
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIAL.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE.
Legislação Nacional: DL 430/83 DE 1983/12/13 ARTIGO 23 N1 ARTIGO 34 N2.
Sumário : I - Como tem vindo a entender recentemente o Supremo Tribunal de Justiça, a pena acessória de expulsão de estrangeiro do País não pode, ser aplicada automaticamente, mas apenas quando a necessária factualidade, seu pressuposto, conste da acusação e da pronúncia.
II - Esta orientação entronca-se no entendimento do Tribunal Constitucional, expresso no acordão 224/90, que, em caso paralelo, declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade das normas do artigo 46, n. 2, alíneas a) e e), do Código da Estrada, por violação do n. 4 do artigo 30 da Constituição.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de
Justiça:
Pelo tribunal colectivo do circulo de Portimão, foi submetido a julgamento.
A, solteiro, pedreiro, nascido a 4 de Julho de 1964, natural da Ilha de Santiago, Cabo Verde, residente, antes de preso, no Rocha-Tunel, Praia da Rocha, apos o tribunal ter julgado extinta por amnistia da Lei 23/91 de 4 de Julho os restantes tres arguidos, B, C e D, identificados nos autos e tambem acusados pelo Ministerio Publico, embora tão so como consumidores de estupefacientes.
Efectuado o julgamento o arguido A, como autor de um crime de trafico de quantidades diminutas de estupefacientes p. e p. pelo artigo 24 n. 1 do Decreto-Lei 430/83 de 13 de Dezembro, com referencia as tabelas I-A e I-C anexas a este diploma, foi condenado na pena de dois anos e dois meses de prisão e sessenta mil escudos de multa.
Face ao disposto no artigo 14 n. 1, alinea a) e c) da
Lei 23/91 de 4 de Julho, foram julgados perdoados ao arguido, um ano de prisão e metade do valor da pena de multa.
E, para alem do mais, nos termos do artigo 34 ns. 1 e 2 do Decreto-Lei 430/83, foi condenado na pena cessoria de expulsão do pais por um periodo de cinco anos.
Inconformado com o decidido, o arguido A recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, produzindo atempadas motivações.
Nestas, o recorrente quer:
1) que a pena aplicada se aproxime do seu limite minimo;
2) ... seja suspensa na sua execução;
3) ... bem como não se ordene a sua expulsão de Portugal.
O representante do Ministerio Publico no Tribunal recorrido respondeu, pugnando em sentido contrario ao do arguido A, pois entende que o acordão deve ser integralmente confirmado.
Chegados os autos a este mais alto tribunal, teve dos mesmos vista o Excelentissimo Senhor Procurador Geral
Adjunto.
Corridos que foram os vistos legais, teve lugar a audiencia de julgamento que decorreu com o formalismo devido.
E assim chegado o momento de apreciar e decidir:
Vem provada, em sede factual, o seguinte e ao que importa: - desde, pelo menos, Setembro de 1990, o arguido A vinha sendo referenciado na P.J. como vendedor de produtos estupefacientes;
- vivia ele, no edificio Rocha-Tunel, onde nas proximidades, a P.S.P., em 1 de Outubro de 1990 montou uma operação de vigilancia, uma vez que constava que ai viviam individuos de raça negra que se dedicavam a venda de produtos estupefacientes.
- cerca das 23 horas do dito dia 1 de Outubro, o arguido A sendo interceptado pelos guardas da
P.S.P., foi-lhe encontrada, na sua posse, um saco plastico contendo um po e duas barras de um produto compacto...
- ... que, sendo examinados no Laboratorio de Policia Cientifica, conheceu-se tratar de 1,021 gramas de heroina e 6,523 gramas de "Cannabis Sativa L", constando este de um triturado de sumidades integrando folhas, flores e frutos, compactados por prensagem, servindo de lingote a resina da planta.
- na mesma altura foi encontrado na posse do arguido A a quantia de 51000 escudos, dos quais, cerca de vinte mil escudos eram provenientes da venda de produtos estupefacientes.
- naquele local, o arguido vendeu a E e ao D produtos estupefacientes, recebendo como contrapartida dinheiro.
- o arguido A conhecia as caracteristicas e a natureza dos produtos que trazia consigo, os quais destinava a venda a quem se mostrasse interessado.
- o mesmo arguido não se encontra documentado como cidadão estrangeiro residente...
- ... determinou-se deliberada, livre e conscientemente e sabia que a sua conduta lhe estava vedada por lei;
- confessou parcialmente os factos.
- encontra-se em Portugal desde 1983, exercendo a profissão de servente de pedreiro onde aufere cinco mil escudos por dia.
Perante a factualidade assente, entende-se que o arguido cometeu o crime por que vinha acusado, ou seja o do artigo 23 n. 1 do Decreto-Lei 430/83, certo que os 6,523 gramas de haxixe não são quantidade diminuta, excedendo largamente o necessario para consumo individual durante um dia que, segundo tem sido opinado, não excede os 2,5 gramas/dia. Porem proibido que esta a "reformatio in pejus" pelo artigo 409 do
Codigo de Processo Penal, e o recorrente e apenas o arguido, duvidas não ha que não lhe podera ser imposta sanção superior a que lhe foi imposta pelo Colectivo, no tocante a pena de prisão.
No entendimento dado pela instancia, a pena imposta e mais que equilibrada e ponderada, muito abaixo do limite minimo do crime efectivamente cometido - 6 a 12 anos de prisão.
Repare-se que a favor do arguido tão so milita o facto de não ter aqui antecedentes judiciarios ou criminais e ter confessado parcialmente os factos.
A primeira circunstancia apontada não traduz nem equivale a beneficiar o arguido do "bom comportamento anterior".
E a segunda e bem diversa - ao inves do que pretende o recorrente - do arrependimento. Este pode inexistir ainda quando se confesse de pleno os factos cometidos.
E, sem mais, basta so anotar-se que dos factos provados não consta o arrependimento do arguido.
Não se descortina que concorra qualquer circunstancia que diminua por forma acentuada a ilicitude ou a culpa.
O dolo e intenso e muito grave a ilicitude, certo que em crimes desta natureza age-se com intuito lucrativo, exigindo-se, pelas gravissimas consequencias que produz na sociedade, não perder de vista a prevenção geral e a especial.
O arguido, que a querido fazer passar-se como um rapaz muito jovem, tinha 27 anos de idade e admira-se que se fale na situação familiar do mesmo que, como vem provado, e solteiro e vive so.
Dentro da optica que presidiu ao sancionamento da conduta do arguido verifica-se terem estado sempre presentes as directrizes do artigo 72 do Codigo Penal.
Em crimes de trafico de drogas, por uma forma geral, nunca o tribunal chega a concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade.
E o caso que nos ocupa não escapa a generalidade apontada.
De acentuar ate que as necessidades de reprovação e prevenção do crime exigem dos tribunais que tais realidades não se percam de vista.
O que se alinhou leva linearmente a conclusão de que nem o artigo 72 nem o artigo 48 do Codigo Penal foram violados.
Quanto ao ultimo ponto focado pelo recorrente: não pretende ser expulso do Pais.
A mesma foi decretada com base no n. 2 do artigo 34 do Decreto-Lei 430/83.
Porem, jurisprudencia mais recente deste Supremo
Tribunal de Justiça, tem entendido que a pena acessoria de expulsão de estrangeiro do Pais, não pode ser aplicada automaticamente, mas apenas quando a necessaria factualidade, sem pressuposto, conste da acusação e da pronuncia - cfr. Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 1991 in Col. Jur. Pag. 31/32.
In casu, assim se não procedeu e o tribunal mostrou-se pelo automatismo da expulsão.
A orientação ora seguida por este Alto Tribunal, entronca-se a final num problema de constitucionalidade duvidosa do preceito acima referido e face ao acordão 224/90 do Tribunal Constitucional que, com força obrigatoria geral, declarou a inconstitucionalidade das normas do artigo 46 n. 2 alineas a) e c) do Codigo da Estrada, por viciação do n. 4 do artigo 30 da Constituição.
Estar-se-ia face a um lugar paralelo, e não pode levar a quebra da unidade do sistema.
E ate razoavel supor que o arguido apos o cumprimento da pena imposta se encontre socialmente recuperado de modo a não se impor a sua expulsão do Pais.
E as penas acessorias, como as principais, so devem ser aplicadas na medida em que seja necessario.
Destarte, vingo neste ultimo ponto a pretensão do recorrente.
Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, concede-se parcial provimento ao recurso
- tão so no tocante a sua expulsão do Pais, que não se decreta - confirmando-se no mais a decisão recorrida, considerada a alteração incriminatoria retro mencionada.
Custas na proporção do rendimento pelo arguido 2/3.
Lisboa, 9 de Abril de 1992
Vaz Sequeira,
Lucena e Valle,
Lopes de Melo,
Cerqueira Vahia.
Decisão impugnada:
Acordão de 91.09.30 do Tribunal de Circulo de Portimão.