Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A878
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE PRÉ-NEGOCIAL
NULIDADE DO CONTRATO
ANULABILIDADE
CONTRATO
NEGÓCIO JURÍDICO
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: SJ200305130008781
Data do Acordão: 05/13/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Data: 10/17/2002
Texto Integral: S
Recurso: Revista.
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : No âmbito do conceito de responsabilidade pré-negocial abrangem-se não só casos de negócios nulos ou anuláveis, ou situações em que não chegou a celebrar-se qualquer negócio, por quebra das negociações, mas ainda os casos em que se celebrou validamento determinado negócio, mas em que, no respectivo processo formativo foram provocados danos que devam ser reparados pelo respectivo responsável.
Decisão Texto Integral: No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa:


A, B e C, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra, D, E, F. G, H, e I, pedindo a condenação dos RR a pagarem-lhes a quantia de 3.144.752$00 e juros, ou, em alternativa, a redução do preço da cessão de quotas da sociedade J.
Alegaram em resumo que os RR eram sócios de tal sociedade, tendo cedido aos A.A. as suas quotas, tendo então garantido que não haverá qualquer alteração das condições contratuais vigentes em 1 de Janeiro de 1990, no que se refere aos contratos de trabalho dos funcionários da sociedade, sendo certo que se verificou um aumento substancial do vencimento do 1º R, também trabalhador da empresa, pelo que tiveram de lhe pagar esses aumentos que correspondem ao valor peticionado.

Citados os RR, todos contestaram, defendendo-se, antes de mais, por excepção, arguindo a prescrição do eventual direito invocado pelos A.A., por ter decorrido mais de 3 anos para o exercício desse direito à eventual indemnização por facto ilícito. Por impugnação alegam, no essencial que as informações prestadas no contrato de cessão são verdadeiras, uma vez que o trabalhador cujo vencimento foi aumentado era efectivo, e aquelas informações se reportavam aos trabalhadores a prazo.

Os A.A. responderam à excepção alegando que a responsabilidade accionada é de natureza contratual não emergindo de facto ilícito.

Realizou-se audiência preliminar, na qual foi tentada, sem êxito, a conciliação das partes.

Proferido despacho saneador, conheceu-se da excepção da prescrição que foi julgada improcedente, tendo os R.R. interposto recurso dessa decisão que foi admitido com subida diferida.

Fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

Os A.A. requereram a gravação da prova a produzir em audiência o que foi deferido, mas, por lapso, não foi feita tal gravação o que originou reclamação dos A.A., arguindo a respectiva nulidade.

Tendo sido indeferida tal reclamação, recorreram desse despacho de indeferimento as A.A., recurso que foi admitido como de agravo, a subir diferidamente.

Realizado o julgamento foi lida a decisão sobre a matéria de facto, após o que foi proferida decisão final, que julgou a acção totalmente procedente, ordenando solidariamente os RR a pagarem aos A.A. a quantia de 3.144.752$00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Inconformados recorreram os RR. para o Tribunal da Relação de Lisboa, recurso que veio a ser admitido como apelação e subida imediata com efeito suspensivo.

Remetidos os autos ao Tribunal da Relação, foram conhecidas as duas apelações - a do despacho saneador que conheceu da excepção da prescrição e a da sentença final - que foram julgadas improcedentes.

Novamente inconformados, voltam a recorrer os RR apelantes, agora de revista, recurso que veio a ser recebido.

Conclusões

Apresentadas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões:

1 - O douto acórdão não soube qualificar devidamente os factos relativos à excepção peremptória da prescrição, o que manifesta erro no direito aplicável.

2 - Os recorrentes declararam na escritura, outorgada em Abril de 1990, e de acordo com a tese dos recorridos, secundada pelo acórdão aqui em crise, que a situação contratual dos trabalhadores da sociedade não sofria alterações desde Janeiro de 1990;

3 - Os recorridos, quando assumiram a gestão da sociedade (necessariamente logo após a escritura), constataram que um funcionário da empresa tinha sido objecto de aumento salarial em Março de 1990, isto é, cerca de 1 mês antes da celebração da escritura, ou seja, um mês antes da referida declaração.

4 - Logo, o vício de que se queixam os recorridos, no caso de existir, terá que ser necessariamente anterior à celebração do negócio ou, quando muito, contemporâneo dessa mesma celebração:

5 - Desta forma, a conduta dos recorrentes, a gerar algum tipo de responsabilidade pelos factos descritos, terá que ser subsumida à responsabilidade pré-contratual ou pré-negocial, característica de um vício na formação do contrato (culpa in contrahendo);

6 - O prazo de prescrição aplicável a este tipo de responsabilidade é o prazo previsto no Art. 498 do C.C., por remissão do Art. 227 nº 2 ("A responsabilidade prescreve nos termos do Art. 498"), ou seja, o prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete;

7 - Tendo os recorridos conhecimento do direito pretensamente invocado pouco tempo após a escritura de cessão de quotas (11/4/90) quando assumiram a gestão corrente da sociedade cujas quotas adquiriram (ainda em 1990), o prazo de prescrição, de 3 anos, expirou ainda em 1993;

8 - Na sentença recorrida nada se provou quanto ao que as partes pretenderam ao declarar na escritura da cessão de quotas da J que os empregados da sociedade à excepção de três, que são efectivos, estão contratados ao abrigo de contratos a prazo, não tendo havido alteração a esta data das condições contratuais vigentes em 1/1/1990.

9 - Deve ser acolhida a interpretação segundo a qual o que se pretendeu acautelar com a referida cláusula foi que os trabalhadores da J que se encontravam ao abrigo de contratos a prazo em 1/1/90 assim permaneciam na data da outorga da escritura;

10 - Pretendeu-se através da referida cláusula, acautelar o facto de determinado número de trabalhadores da empresa, por sinal a sua esmagadora maioria, já que só três eram efectivos, estes a prazo a 1/1/90, e assim continuaram aquando da escritura de transmissão das quotas da J;

11 - Ao considerar que com tal declaração se pretendeu garantir a imutabilidade de toda e qualquer condição contratual de todo e qualquer trabalhador da empresa, o Tribunal de Relação conferiu-lhe um sentido, com o qual nenhum declaratário normal poderia razoavelmente contar, em clara violação do nº 1 do Art. 236 do C.C.;

12 - O Tribunal da Relação, seguindo a orientação da 1ª instância, violou expressamente a disposição legal prevista no Art 342 nº 1 do C.C. na medida em que, não tendo os recorridos provado os factos constitutivos do direito alegado, quanto á interpretação da cláusula contratual acima referida, decidiu, no entanto, a favor dos mesmos;

13 - O acórdão recorrido, na esteira da decisão da 1ª instância, violou as disposições legais contidas nos Arts. 236 nº 1, 342 nº 1 e 498 do C.C.

Nas suas contra-alegações, defendem os recorridos a confirmação do douto acórdão recorrido.

Os factos

São os seguintes os factos que as instâncias tiveram por provados:

A - Os RR. eram os anteriores sócios da empresa à data denominada "J", constituída em 20 de Julho de 1989, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o nº 700 e hoje denominada "L".

B - Por escritura pública outorgada em 11 de Abril de 1990, no 4º cartório notarial de Lisboa, os RR. cederam as suas quotas aos ora A.A., conforme documento de fls 11 a 32 cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo estes passado a assumir a gestão da sociedade.

C - Da referida escritura consta: "que os empregados da sociedade, à excepção de três que são efectivos, estão contratados ao abrigo de contratos a prazo, não tendo havido alteração a esta data das condições contratuais vigentes em 1 de Janeiro de 1990.

D - Tal escritura foi precedida de contrato promessa de fls 35 a 44, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

E - o R. D , era trabalhador efectivo da empresa (contrato de trabalho sem termo), tendo sido contratado em 2 de Novembro de 1989 mediante uma remuneração mensal de 45.000$00, acrescida de 10.500$00 de subsídio de refeição.

F - Um mês antes da escritura o referido R. foi aumentado na sua remuneração para 150.000$00 mensais, acrescida de 10.500$00 de subsídio de refeição.

G - Os A.A. não reconheceram tal aumento tendo procedido ao depósito dos vencimentos anteriormente praticados em conta bancária.

H - Em 30 de Outubro de 1991, O R. D desvinculou-se da empresa invocando justa causa para a rescisão do contrato, devido ao não pagamento das remunerações actualizadas.

I - Em 6 de Novembro de 1991, a sociedade enviou ao referido R. a carta de fls 33 que aqui se dá por reproduzida, expressando que pagou a remuneração a que o R. tinha direito.

J - O R. instaurou contra a sociedade acção que correu no 5º Juízo, 2ª secção do Tribunal de Trabalho de Lisboa, sob o nº 856/92, na qual veio a sociedade a ser condenada a pagar àquele R., por justa causa do despedimento do mesmo, a quantia de 3.144.752$00, acrescida de juros à taxa legal desde 1/10/92, conforme documento de fls 88 a 97 e certidões de fls 145 a 157, que aqui se reproduzem.

1 - Não ocorreu qualquer outra alteração dos contratos de trabalho da empresa no período em causa.

2 - O R. D desempenhava as funções próprias de caixa, tendo, com o aumento em questão, passado a ganhar mais do que os operadores da bolsa, trabalhadores mais qualificados na empresa.

Fundamentação

Como é sabido, as conclusões limitam o objecto do recurso, de modo que, tendo em conta as que foram alinhadas pelos RR. recorrentes, são duas as questões suscitadas na revista.
- A primeira consiste em saber se o direito à indemnização invocado pelos A.A. nesta acção está ou não prescrito.
- A segunda consiste em interpretar a declaração / informação contida na escritura de cessão de quotas documentada nos autos (fls 12 e seg.) e que consta das últimas 6 linhas de fls 17, para daí concluir se os RR. faltaram à verdade, falseando a informação ou não prestaram falsa informação.

1ª Questão

É manifesto que, descritos os factos em que fundamentaram a acção os A.A. os qualificam juridicamente como integrando uma hipótese de abuso de direito, colocando-se, assim, no âmbito da responsabilidade extra-contratual, sem sequer se esquecerem de citar o preceito legal correspondente - Art. 483 do C.C. - (cf. artigo 30 da p.f.).
Posteriormente, arguida a prescrição, vieram os A.A enquadrar os mesmos factos em nova qualificação, defendendo então que a indemnização que peticionavam se funde no incumprimento de uma das cláusulas do contrato da cessão, sendo que, finalmente, em sede de contra-alegações consideram que a dita indemnização emerge do cumprimento defeituoso ex vi do Art. 798 do C.C.
A decisão de 1ª instância que, em sede do saneador julgou improcedente a excepção de prescrição arguida pelos RR, teve o caso como integrado no âmbito da responsabilidade contratual sem explicar porquê, daí que seria aplicável o prazo ordinário de prescrição, posição que, ao que parece alterou na sentença final, onde novamente discutiu sumariamente a questão da prescrição, por entretanto ter entendido estar-se perante uma situação de responsabilidade pré-negocial.
O douto Acórdão recorrido limitou-se a ter por correcta a decisão contida no saneador sem mais considerandos.

Como se trata de uma questão de direito, pode este S.T.J. apreciar e qualificar a situação.
E, sendo assim, em termos de enquadramento jurídico dos factos que fundamentam o pedido, a posição que nos parece correcta é a constante da sentença final e das alegações dos recorrentes (apenas quanto à qualificação jurídica, já não quanto à tese de prescrição).
De facto, sem entrar em grandes considerações, dir-se-á que ao que nos parece, a situação fáctica descrita nos autos integra um caso de responsabilidade "in-contrahendo", ou seja, um caso de responsabilidade pré-contratual ou pré-negocial.

Dispõe o Art. 227 do C.C. que "quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte".
Fundamenta-se uma tal responsabilidade na tutela da confiança, exigindo-se da parte de cada um dos contratantes um comportamento leal e honesto, comportamento esse que abrangerá um conjunto de deveres que só casuisticamente podem ser determinados, entre eles o de informar, comunicar ou esclarecer o outro contratante dos elementos negociais relevantes para a formação da vontade de contratar. Ultrapassada pelas legislações modernas a fase inicial (devido aos estudos de JHERING) em que este tipo de responsabilidade se colocava apenas a respeito da celebração de negócios nulos ou anuláveis, a evolução legislativa orientou-se no sentido de alargar cada vez mais os horizontes da responsabilidade pré-negocial "até englobarem no seu conceito, quer as hipóteses de negócio inválido e ineficaz, quer aquelas em que se haja estipulado um negócio válido e eficaz, surgindo, todavia, do processo formativo danos a reparar, quer ainda, as situações em que não se tenha celebrado negócio algum, por virtude de ruptura de fase negociatória ou decisória (Cf. Prof. Almeida Costa - Direito" das obrigações - 4º ed - 203).

Ora, se regressarmos aos autos, veremos que, não há, propriamente, a violação de qualquer cláusula contratual.
A informação/declaração dos RR. referente à situação contratual dos empregados da sociedade, não constitui uma cláusula que deva ser cumprida, antes se traduz numa informação condicionante, um pressuposto relevante da formação da vontade de contratar por parte dos cessionários aqui A.A., os quais, como resulta da escritura de 11/4/1990 e do contrato-promessa documentado a fls 35 e seg,. procuraram colher informações exaustivas sobre a situação financeira, económica, contabilística e fiscal da sociedade cujas quotas iam adquirir, por cessão, aos anteriores sócios aqui RR, informações essas que evidentemente, tinham por relevantes para formarem a sua decisão de contratar.
E foi uma dessas informações, a relacionada com a situação contratual dos empregados da sociedade, que na perspectiva dos AA foi falseada pelos RR, o que acabou por lhes causar prejuízos, na medida em que tiveram de pagar ao R. D, à data da escritura, sócio e empregado da sociedade, a quantia global de 3.144.752$00, com o que não contavam, face à informação prestada pelos RR, entre eles o próprio D.
Daí, entendermos ser na responsabilidade pré-negocial que se deve encontrar o fundamento do pedido.

Mas, sendo assim, por força do disposto no Art. 227 nº 2 do C.C., a responsabilidade dos RR prescreve nos termos do Art. 498 do C.C., portanto, no caso, no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos...

Será então que têm razão os recorrentes ao defenderem a prescrição do direito dos A.A. à indemnização?

Cremos que não têm qualquer razão.
No caso concreto, sendo certo que os AA., ainda em 1990, após a escritura de 11/4, quando assumiram a gerência da empresa, logo se aperceberam da falsidade parcial da informação / declaração dos RR, prestada no contrato de cessão, quanto á situação contratual dos respectivos empregados, na medida em que, contra o que fora declarado, o R. D, viu o seu vencimento aumentado dos 45.000$00 mensais contratados em 2/11/89, para os 150.000$00 mensais atribuídos um mês antes da escritura de cessão, pelo que em relação a esse empregado ocorreu alteração das condições contratuais vigentes em 1/1/90, não pode, todavia, contar-se desde esse conhecimento, o prazo prescricional, pela simples mas clara razão de que, nesse momento, não obstante a desconformidade entre o declarado pelos RR e a realidade, não tinham os A.A. qualquer direito à indemnização que aqui peticionam, pois não pagaram ao R. as quantias correspondentes à diferença de vencimentos, por entenderem que não lhe eram devidas.
Isto é, nesse momento, a falta de verdade da dita informação/declaração, ainda não tinha causado aos A.A. qualquer tipo de prejuízo, pelo que, evidentemente, ainda não tinha nascido na esfera jurídica dos A.A. o direito de serem ressarcidos pelos RR.
O prejuízo só surgiu a partir do trânsito do acórdão do tribunal da Relação documentado a fls 148/152, que confirmou a sentença de 1ª instância (doc. a fl. 88/97) proferida pelo Tribunal de Trabalho que condenou no pagamento ao R. D da importância global de 3.144.752$00 (quantia aqui peticionada). Portanto, só com esta condenação é que surgiu o direito à indemnização.
Ora, o dito acórdão foi proferido em 16/10/96 e a presente acção foi instaurada em 13/5/97, por conseguinte muito antes de ter decorrido o prazo prescricional de 3 anos referido no Art. 498 nº 1 do C.C.
Tendo sido esse o sentido da decisão recorrida, é claro que não merece censura.
2ª Questão

Vejamos agora a 2ª questão

A informação/declaração contida na escritura de cessão e aqui em causa é do seguinte teor: " que os empregados da sociedade, à excepção de três, que são efectivos, estão contratados ao abrigo de contratos a prazo, não tendo havido alteração até esta data das condições contratuais vigentes em um de Janeiro de mil novecentos e noventa".

Segundo os recorrentes, o que quiseram dizer foi apenas que, na altura da escritura (11/4/90), não tinham ocorrido alterações das condições contratuais vigentes em 1/1/90, apenas em relação aos empregados contratados a prazo, pois foi isso mesmo que se pretendeu garantir.
Seria esta a interpretação que se imporia a um declaratário normal colocado na posição de real declaratário (isto é na posição dos A.A.) de acordo com o disposto no Art. 236 nº 1 do C.C.

Salvo o devido respeito, não nos parece ser assim.
Nada autoriza afirmar-se que "Se individualizou expressamente o facto de se tratarem de contratos "a prazo", pois, como é evidente, igualmente se individualizou, até com maior precisão os contratos "efectivos" indicando-se o seu número.
Portanto, a expressão "não tendo havido alteração até esta data das condições contratuais vigentes em 1/1/90, não pode dizer-se ligada exclusivamente aos empregados contratados a prazo, ou aos efectivos, antes abrange todos os empregados da empresa.
È este, na nossa opinião, o sentido objectivo que um declaratário normal retiraria do texto interpretado, inserido no seu contexto integral (a escritura de cessão), já que esse sentido está suficientemente expresso na sua letra.
De resto é o que melhor se coaduna com o interesse manifestado pelos A.A. em recolherem toda a informação importante sobre as condições de funcionamento da empresa cujas quotas iam adquirir aos RR, interesse esse bem revelado pelas diversas informações colhidas pelos A.A. e que constam quer do contrato-promessa prévio (documentado nos autos) quer da parte inicial da escritura de cessão.
Nem existe qualquer elemento objectivo que, no que toca aos encargos laborais da empresa com os seus empregados, permita restringir o interesse dos A.A. à informação sobre se na data da cessão, o número dos contratos a prazo se mantinha inalterado em relação à data referência de 1/1/90, como pretendem os recorrentes.
A expressão "condições contratuais vigentes em 1/1/90", que, como se disse está ligada quer aos trabalhadores com contrato a prazo quer aos efectivos, abrange igualmente não só a situação acima referida, como os valores salariais pagos a uns e a outros.

Alegaram finalmente os recorrentes que, não se tendo provado os pontos 1º e 2º da base instrutória, ficou por demonstrar qual a interpretação correcta a dar à declaração dos RR aqui em causa, sendo certo que essa prova pertencia aos A.A.
Assim ao interpretarem o texto com o sentido favorável aos A.A. as instâncias violaram o disposto no Art. 342 n. 1 do C.C.
Não parece que seja assim.
Por um lado, os quesitos em questão, afiguram-se-nos meramente conclusivos, visto que não contém matéria de facto que eventualmente ajudasse, à interpretação do texto, antes contém a própria interpretação.
De qualquer modo, tidos por não provados é como se não tivessem sido elaborados.
Fica-nos apenas o texto e a escritura em que está inserido, a qual, como é evidente, tem de ser interpretado de acordo com os critérios legais que são os previstos no Art. 236 e seg. do C.C. interpretação essa que constitui matéria de direito, podendo, por conseguinte, ser apreciada por este Tribunal de Revista.
Não houve, pois, qualquer violação do Art. 342 n. 1 do C.C., nem de qualquer das outras disposições legais citadas nas doutas conclusões.

Decisão.

- Termos em que decidem negar revista.
- Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 13 de Maio de 2003.

Moreira Alves,
Lopes Pinto,
Alves Velho.