Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ00013198 | ||
| Relator: | MARTINS DA FONSECA | ||
| Descritores: | REGIME DE BENS DO CASAMENTO APLICAÇÃO DA LEI NO ESPAÇO LEI APLICAVEL CASAMENTO NO ESTRANGEIRO | ||
| Nº do Documento: | SJ199112170813571 | ||
| Data do Acordão: | 12/17/1991 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Referência de Publicação: | BMJ N412 ANO1992 PAG484 | ||
| Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 17856/85 | ||
| Data: | 02/28/1991 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Área Temática: | DIR CIV - DIR FAM. DIR INT PRIV. | ||
| Legislação Nacional: | CCIV867 ARTIGO 1098 ARTIGO 1105 ARTIGO 1107 ARTIGO 1108. CCIV66 ARTIGO 12 ARTIGO 53 N2 ARTIGO 1717. DL 47344 DE 1966/11/25 ARTIGO 5 ARTIGO 15. CONST82 ARTIGO 15 N1 ARTIGO 36. | ||
| Sumário : | I - Aos casamentos celebrados entre portugues e estrangeira, em data anterior ao Codigo Civil vigente, e em territorio estrangeiro aplica-se o regime estatuido no artigo 1107 do Codigo de seabra. II - O regime constante dos artigos 53 e 1717 do Codigo Civil actual não se lhe aplica. III - Aquele preceito do artigo 1107, não se tornou inconstitucional. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A agravou para o Tribunal da Relação de Lisboa do despacho do Meritissimo Juiz do 11 Juizo Civel da comarca de Lisboa que julgou improcedente a oposição levantada no inventario subsequente a acção de divorcio por mutuo consentimento requerida por si e pela agravada B. O agravante defendeu que ao seu casamento com a agravada se aplica o regime de separação de bens decorrente da lei inglesa, pelo que não deve haver inventario, por sua vez, a agravada considera que o regime de bens aplicavel e o da comunhão geral em resultado da aplicação ao caso concreto do Codigo Civil de 1867, pelo que se torna necessaria a partilha dos bens do ex-casal. Ja nas alegações para a Relação agravante e agravado defendem os seus pontos de vista com elevado brilho, tendo juntado "pareceres" de ilustres juristas, que abordam o problema com preclara sapiencia. Na Relação de Lisboa em douto acordão confirmou-se a decisão impugnada. Dai novo recurso de agravo, agora, para o Supremo Tribunal de Justiça. Das alegações constam os seguintes pontos conclusivos: 1. As situações constituidas no estrangeiro sem conexão apreciavel com a ordem interna portuguesa, sob a veste de lex fori, e que so mais tarde entram no espaço portugues, não tem de ser valoradas a luz da lei portuguesa, vigente na epoca da constituição; 2. Essas situações vem impregnadas pela ordem interna estrangeira e, definitivamente modeladas, apenas sofrem efectiva impregnação nacional, a força da intervenção necessaria da regra de conflitos portuguesa, quando se põe, no concreto, o problema da lei competente para as regular; 3. Assim, perante sucessão de regras de conflitos, em Portugal, ha-de aplicar-se retroactivamente a ultima, se no seu tempo ocorreu impregnação correlativa; 4. So pelo divorcio o casamento do agravante com a agravada se conexionou significativamente com a ordem juridica portuguesa, atraves do artigo 53, n. 2, do Codigo Civil de 1966; 5. Não era possivel, pois, aplicar-se, a respeito, o artigo 1107 do Codigo Civil de 1867, nem a primitiva redacção do citado artigo 53, n. 2 (anterior ao Decreto-Lei n. 496/77), que alias violam o principio da igualdade dos sexos, consagrado, no limbo matrimonial, pelos artigos 13, n. 2 e 36, n. 1, da Constituição de 1976; 6. De sorte que, a partir do novo regime constitucional e ate ao aparecimento do referido Decreto-Lei, por força do repudio da violação daquele principio e com eliminação imposta v. g., pelo artigo 293, n. 1, da Lei Fundamental, teria de preencher-se a lacuna sobrante pelo reconhecimento da impregnação inglesa ou por norma essencialmente semelhante a adoptada por aquele Decreto-Lei (artigo 18, n. 1, tambem da Lei Fundamental); 7. Superada que foi aquela lacuna pela nova redacção do artigo 53, n. 2, do Codigo Civil de 1966, passa esta, naturalmente, a intervir, mesmo sobre factos passados; 8. De toda a maneira, e a lei inglesa a competente para resolver o problema do regime de bens do casamento em jogo, porque a ela ficaram radicalmente presos, sem mais, quando se consorciaram, o agravante e a agravada; 9. Esta solução e, alias, a que assegura a melhor observancia do principio da harmonia internacional de julgados; 10. Houve, pois, violação do artigo 53, n. 2, do Codigo Civil de 1966, na sua formulação actual, pelo que o douto acordão recorrido deve ser revogado e substituido por decisão que julgue procedente a oposição deduzida pelo agravante contra o inventario e que ordene o arquivamento dos autos, dando por finda a instancia sem haver lugar a partilha. A agravada pede a confirmação do decidido. Corridos os vistos legais cumpre decidir. I. Materia de Facto: Consideram-se provados os seguintes factos: Em 22-4-1950, agravante e agravada casaram civilmente um com o outro, numa cidade inglesa perante o Conservador do Registo de Casamentos. Nessa data, o agravante tinha a nacionalidade portuguesa - que ainda hoje se mantem -, sendo a agravada de nacionalidade inglesa. Antes e ao tempo do casamento, agravante e agravada residiam em Inglaterra. Os nubentes não realizaram qualquer convenção antenupcial sobre o regime de bens matrimoniais. O casamento foi transcrito na 2 Conservatoria do Registo Civil do Porto. Apos o casamento, o casal fixou a sua residencia em Inglaterra onde permaneceu por mais de tres anos. Mais tarde, o casal veio a fixar residencia em Portugal, onde residiam a data da dissolução do casamento por divorcio. A sentença, que decretou o divorcio por mutuo consentimento, transitou em julgado e foi decretada pelo tribunal de Lisboa. II. O Direito 1. Aplicabilidade do artigo 1107 do Codigo de Seabra. Agravante e agravada casaram em Inglaterra, no ano de 1950. Aquele tinha e tem a nacionalidade portuguesa, sendo a agravada de nacionalidade inglesa. Ao tempo vigorava em Portugal, o Codigo Civil de Seabra. Quanto as relações patrimoniais dos conjuges, ou mais concretamente quanto ao regime supletivo de bens no casamento dispunha o artigo 1107, então aplicavel: "Se o casamento for contraido em pais estrangeiro entre portugues e estrangeira, ... e nada declararem nem estipularem os contraentes relativamente a seus bens, entender-se-a que casaram conforme o direito comum do pais do conjuge varão ...". Assim no dominio temporal daquele diploma, quando o casamento tivesse lugar no estrangeiro entre portugues e estrangeira, e nada tivessem convencionado relativamente ao regime de bens, o regime de bens a que o casamento ficava submetido era o da comunhão geral de bens nos termos do artigo 1098 do referido Codigo. De harmonia com o mencionado artigo 1107 o momento a que se atende para fixar o regime de bens, e o da celebração do casamento. Alias, este entendimento e confirmado pelo artigo 1098 onde se preceitua: "Na falta de qualquer acordo ou convenção, entende-se que o casamento e feito segundo o costume do reino". De acentuar ainda, ate que era comummente entendido: "que o momento a que se atende para fixar a nacionalidade do conjuge varão e o da celebração do casamento. E o que deriva do proprio texto do artigo 1107 que, ao fixar a lei competente para a convenção, tem expressamente em vista o momento do casamento. Alias, exigencias de varias ordens impõem a estabilidade da convenção na constancia do matrimonio. No nosso direito interno, o artigo 1105 do Codigo Civil expressamente consignou o principio". (cfr. Vasco Taborda Ferreira, Sistema do Direito Internacional Privado segundo a lei e a jurisprudencia, pagina 63 sublinhados nossos). Ao tempo era assim irrecusavel, que a Lei aplicavel, era a portuguesa e o regime estatuido o da comunhão geral de bens, nos termos dos artigos 1107, 1098 e 1108, todos do Codigo então em vigor. E, tal regime resultava de normas imperativas, visto o disposto no artigo 1105 de igual diploma. Não havera assim que apelar para a vontade presumida ou hipotetica dos nubentes. As alterações constantes do Codigo de 1966 terão implicações no regime então instituido? O Codigo actual passou a considerar como regime de bens supletivo o da comunhão de adquiridos. Simultaneamente estatuiu que se o casamento for celebrado entre nubentes de nacionalidade diversa, a lei aplicavel sera a do pais da residencia habitual comum (artigo 1717 e 53, n. 2). Para se dar resposta a interrogação atras formulada importa considerar diversos preceitos do Decreto-Lei n. 47344, de 25/XI/66. Assim: os artigos 5 e 15, bem como o artigo 12 do Codigo Civil. De harmonia com o artigo 5 a aplicação das novas disposições ficam subordinadas as regras do artigo 12. Salvo o devido respeito, por opinião contraria, não se ve razão suficiente para não se concluir que a questão não esteja resolvida pelo referido artigo 5. E que não parece legitimo contestar que as normas de conflitos de leis contidas no Codigo Civil, devam ter-se por disposições, para os efeitos deste artigo. Ora, de harmonia com o artigo 12 do Codigo Civil em principio a lei so dispõe para o futuro, e em caso de duvida, so visa factos novos. Parece irrecusavel tambem não se estar perante a excepção prevista no preceito, e haver direitos adquiridos. Não se justifica, serem atingidos pela retroactividade duma norma, que não e imposta pelo legislador. Ainda, que assim não fosse, justificar-se-ia uma interpretação extensiva do artigo 15 ja citado, ou quando se entendesse não ser caso de tal interpretação, a sua aplicação por analogia para resolver a questão. Tal interpretação, sera de admitir ate porque a nova lei permanece fiel a orientação tradicional do nosso direito, de harmonia com a qual e imutavel o regime de bens, convencional ou legal. E dai resultaria que a regra constante do artigo 53 do Codigo Civil so valera para os casamentos celebrados na vigencia do actual Codigo (vide Parecer da Professora Madalena Magalhães Colaço). Dir-se-a, que no caso devera falar-se antes em interpretação extensiva e não em analogia. Isto porque a norma do artigo 15 se deve aplicar por identidade ou maioria de razão. E igualmente de considerar que tudo indica que pelo casamento a agravada adquiriu a nacionalidade portuguesa e que o ex-casal, de ha muito residia em Portugal, onde foi decretado o divorcio (cfr. Base LVII da Lei n. 2098). III. Problema da inconstitucionalidade da norma do artigo 1107 do Codigo de Seabra No caso a inconstitucionalidade arguida esta sediada na fiscalização concreta. Não se pode esquecer que não e facil resolver os problemas suscitados pela articulação da declaração de inconstitucionalidade, com a fiscalização concreta. Nomeadamente, na hipotese em apreço havera de ter em atenção que a eventual inconstitucionalidade iria atingir uma norma ha muito revogada. Obviamente esta dificuldade não impossibilitaria tal declaração, caso existisse. Mas não se deve ignorar este aspecto, e outro ainda mais significativo. Que norma se iria repristinar? Alguma constante das Ordenações. Mas seguramente o conteudo não seria diferente. E, então? Por outro lado, quem invoca a inconstitucionalidade e justamente o conjuge varão. Torna-se, ou melhor e o defensor dos "direitos da mulher". E, a mulher, cujos direitos estariam ofendidos, propugna pela sua validade. O direito constitucional, como os demais direitos substantivos, e servido por um processo, o processo constitucional, que sem embargo de certas "Nuances", não e um direito processual autonomo. Isto não significa, porem, que a especificidade de direito constitucional não justifique a criação de regras processuais muito proprias. No processo de fiscalização concreta ou incidental - caso dos autos -, a inconstitucionalidade de certa norma e levantada atraves de um incidente. Para que se possa suscitar o incidente e necessaria a verificação de certos requisitos que na doutrina processual gerada se designam por pressupostos processuais. O reconhecimento da legitimidade processual activa as partes para suscitarem tal incidente justifica-se pelo facto do incidente ou excepção ser um meio idoneo de eles defenderem interesses subjectivos (cfr. Gomes Canotilho Direito Constitucional 4 edição - 799). Isto poderia levar-nos a concluir que o recorrente não tinha legitimidade, na hipotese em apreço para suscitar o incidente da legitimidade. Mas a conclusão sera controversa. E que o mesmo autor a proposito dos requisitos objectivos acrescenta: "E uma questão objectiva, por a questão da inconstitucionalidade dever ser suscitada ex offici", e julgada independentemente do seu acolhimento ou rejeição trazer beneficios a qualquer das partes processuais (obra citada pagina 795). Podera porem argumentar-se: uma coisa e a legitimidade das partes (requisito subjectivo), outra o dever do Juiz de não aplicar normas inconstitucionais. E ainda a este tipo de fiscalização não se aplicam as considerações feitas pelo eminente constitucionalista a proposito da fiscalização sucessiva: "Não e um processo contraditorio no qual as "partes "litigam" pela defesa de direitos subjectivos (obra citada pagina 812). Isto porque as partes na fiscalização concreta podem litigar para o reconhecimento de um direito subjectivo. Mas ainda que se entenda que o recorrente carece de legitimidade para suscitar o incidente o Tribunal não pode deixar de apreciar as questões da (in)constitucionalidade. Mas havera alguma inconstitucionalidade? A norma constitucional violada seria a constante do artigo 36 da C.R.P., onde se estatui a igualdade dos conjuges no tocante a capacidade civil e politica e a manutenção e educação dos filhos. Ora, não se ve que uma Norma de Conflitos, alias favoravel, a mulher no caso ponha em crise aqueles principios. Não se deve esquecer a natureza da norma de conflitos e restrita a um aspecto puramente pontual e referente, ao tempo a uma estrangeira, na ocasião sediada noutro pais (cfr. n. 1, do artigo 15 da C.R.P.). Tudo isto aponta no sentido de não se justificar a declaração de inconstitucionalidade. Nestes termos negam provimento ao recurso, e confirmam a decisão recorrida. Custas pelo recorrente. Lisboa, 17 de Dezembro de 1991. Martins da Fonseca, Vassanta Tamba, Meneres Pimentel. Decisões impugnadas: I- Despacho de 79.12.10 do 11 Juizo Civel de Lisboa; II- Acordão do tribunal da Relação de Lisboa de 91.02.28. |