Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02056/09.1BELRS 0515/18 |
Data do Acordão: | 09/16/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANIBAL FERRAZ |
Descritores: | SISA IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS LOCAÇÃO FINANCEIRA LOCAÇÃO DE IMÓVEIS |
Sumário: | I - O disposto no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de agosto, na sua redação originária, deve ser interpretado no sentido de que o termo da vigência do contrato de locação financeira tanto ocorre no final do contrato, como nas situações em que as partes, ao abrigo do próprio contrato, põem termo ao mesmo, mediante a opção de compra antecipada do imóvel, objecto da locação financeira. II - O sentido desta interpretação veio a ser cimentada pela nova terminologia utilizada e firmada pelo art. 117º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro, onde, além da referência, expressa, ao IMT, se postula, sem reservas, a isenção deste tributo para as transmissões por compra e venda a favor do locatário, no exercício do direito de opção de compra previsto no regime jurídico do contrato de locação financeira, isto é, tanto no termo do prazo fixado para a sua vigência, como, na data em que suceda a efetivação antecipada de compra do bem locado, possibilidade conferida, em geral, pelo quadro legal da figura contratual em apreço. Por outras palavras, agora, como antes, está isento de Sisa/IMT o locatário (financeiro) que exerce a opção de comprar o bem, objeto do contrato, no fim da vigência (total) deste e/ou em momento anterior (a esse final), a coberto da possibilidade (legal e contratual) de antecipar aquela mesma opção. |
Nº Convencional: | JSTA000P26358 |
Nº do Documento: | SA22020091602056/09 |
Data de Entrada: | 05/23/2018 |
Recorrente: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A........., LDA. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ***
Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I. O/A representante da Fazenda Pública (rFP), recorre da sentença proferida, no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 8 de janeiro de 2018, que julgou procedente impugnação judicial, apresentada, pela sociedade A……….., Lda., com os sinais dos autos, contra decisão de indeferimento de reclamação graciosa e que visou ato, de liquidação, adicional, de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), respeitante a acordo de rescisão de contrato de locação financeira imobiliária, compra e venda e respetiva avaliação. O recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com este quadro conclusivo: « I - Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor e Vosso douto entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da constante na sentença recorrida e, portanto, conduzir a uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal ad quo. Assim sendo, somos levados a concluir pela existência de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objeto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris. II - Visa o presente recurso reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal “ad quo”, decisão essa com a qual não nos podemos conformar e cuja matéria de facto e de direito respeita a liquidação adicional de IMT no valor de € 24 096,18, por referência a um contrato de rescisão de locação financeira, compra e venda e respectiva avaliação, nos termos do art.° 38.° do CIMI relativamente a imóvel objecto de “1.ª transmissão no âmbito do IMI”. III - Refere a decisão recorrida que “Vem sindicado o indeferimento da reclamação graciosa interposta da liquidação adicional de IMT de 2007, identificada em E), defendendo a impugnante que o cálculo da liquidação adicional não reflecte o critério legal do art° 12° n°4, regra 14 do CIMT, uma vez que, no caso não pode falar-se em termo da vigência do contrato, uma vez que foi objecto da antecipação, designada por “rescisão”, sendo que os contratos de locação financeira subordinam-se ao princípio da neutralidade fiscal que resulta do preâmbulo e do art° 3° do DL n° 311/82, de 04-08.” IV - A questão controvertida, tal como a decisão do Tribunal ad quo a definiu, consiste em saber se na aquisição se verificou antecipadamente ao termo do contrato de locação financeira não haverá isenção de IMT, por falta de norma que o determine, sendo que, no OE para 2011 essa regra foi alterada suprimindo-se o segmento relativo ao “termo de vigência do contrato de locação”, pelo que, eventualmente mais favorável e tendente a uma isenção. V - Entendeu o Tribunal a quo que: “Prevendo-se expressamente no contrato que a aquisição poderia ser antecipada, relativamente ao prazo inicialmente estabelecido, teremos que concluir, forçosamente, que o mesmo contrato chega ao seu termo de vigência por força dessa opção de compra antecipada, contratualmente estabelecida, ou seja, respeitando as condições nele estabelecidas quanto à compra e venda do imóvel objecto do contrato, assim se respeitando a neutralidade fiscal legalmente consagrada.» VI - Assim sendo, a primeira questão será desde logo precisar que a possibilidade de rescisão antecipada do contrato sem penalização só poderia ocorrer após o sétimo ano de vigência do contrato (cláusula constante do acordo em conformidade com o DL Decreto-Lei n° 149/95, de 24 de Junho), ou seja em 2009, mas nunca em 2007, tal como aconteceu. VII - E, na verdade, apenas com a Lei n.° 55-A/2010 de 31 de Dezembro - Orçamento do Estado para 2011, foi alterada de modo significativo a redacção do Decreto-Lei n.° 311/82, conforme consta do art.° 117.° do OE onde se passou a prever que: “Está isenta de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no exercício do direito de opção de compra previsto no regime jurídico do contrato de locação financeira, da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre o imóvel locado.». Contudo não foi conferida a esta norma natureza interpretativa pelo que não poderia ser aplicada tal previsão à data dos factos: 2008. VIII - A segunda questão prende-se ainda com o já referido segmento decisório na parte em que sustenta a sua interpretação por via do princípio da neutralidade fiscal legalmente consagrada. IX - Sem conceder, não tendo a sociedade impugnante, salvo melhor entendimento, respeitado as condições contratuais, já que as partes rescindiram antecipadamente o mencionado contrato de locação financeira, considerando-o de nenhum efeito a partir daí, também não poderia a decisão recorrida ter determinado de direito o seu termo de vigência por força dessa opção de compra antecipada e contratualmente não estabelecida, o que com erro, fundamentou ao abrigo do princípio da neutralidade fiscal. X - Segundo Miguel Reale em seu livro Lições preliminares de Direito, os princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico na sua aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas (in wikipédia). Ou seja, os princípios gerais do direito são os alicerces do ordenamento jurídico, informando o sistema independentemente de estarem positivados em norma legal, ou não. XI - No entanto, no que respeita às regras de determinação da matéria tributável devem considerar-se abrangidas pela reserva de lei parlamentar. Da maior importância será nesse sentido ressalvar que a extensão da reserva de lei abrange a incidência temporal (momento em que se gera ou torna exigível o imposto). Tal princípio da legalidade tributária está consagrado no art.° 103.º n.° 2 da CRP, dele emanando a reserva de lei, se conjugado com o art.° 165.° n.° 1, alínea i) da CRP. XII - Não obstante, de acordo com o que referem Diogo Leite Campos na LGT por si anotada e comentada, é o art.° 8.° da LGT que regulamenta, precisamente, o principio constitucional da legalidade tributária. Concluindo, tais princípios foram ofendidos. XIII - No caso concreto do IMT e no que respeita às normas em causa, as mesmas visam a incidência real ou seja, é a qualidade específica do rendimento ou da fonte de que provêm, que, como realidade, centraliza e comanda todo o regime do fenómeno tributário, e as próprias isenções, deduções, e eventuais discriminações decorrentes da especialidade ou da função económica ou social do rendimento ou da fonte em causa. Já por outro lado, “as isenções são normas de direito substantivo, de dispensa de vinculação ao normativo de incidência em que estão incluídas, de realidades nelas compreendidas que, por motivos filiados em razões de política económica e social, se entende conveniente não tributar...” XIV - Seguindo pois Vítor António Duarte Faveiro, na sua obra “Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português” — I volume — Introdução ao Estudo da Realidade Tributária - Teoria Geral do Direito Fiscal, deve entender-se além do mais que: “O princípio do exclusivismo, na factologia do tipo de incidência, significa que o tipo legal deve conter, entre si mesmo, todos os elementos necessários para aplicação da lei (Prof. Alberto Xavier obra citada pág. 327). Cada tipo tributário contém uma valoração definitiva das situações jurídicas que são o seu objecto, ou seja da realidade prevista. De onde resulta “a irrelevância da vontade dos órgãos de aplicação do direito na configuração dos tipos”: não podem “acrescentar “certos elementos estranhos ao tipo da norma, nem “dispensar” elementos que na norma se contenham. O que quer dizer, pois que “os elementos do tipo legal são necessários, mas também suficientes para a produção do efeito jurídico em causa”. “A tipicidade do Direito tributário é pois segundo uma certa terminologia, uma tipicidade fechada - contém em si todos os elementos para a valoração dos factos e produção dos efeitos, sem carácter de qualquer recurso a elementos a ele estranhos e sem tolerar qualquer valoração que se substitua ou acresça ao tipo legal”. XV - Ora, como bem refere o professor Duarte Faveiro: “É manifesto porém que o princípio da neutralidade nunca poderia ser nem foi havido como um princípio absoluto.... Perdendo todo o seu rigor à medida que se atribuíram ao estado fins sociais de promoção e não apenas de guarda ou de garantia dos direitos e das liberdades dos movimentos. E, “Na Constituição de 1976, ... é esse papel expressamente consagrado no artigo 105°, como carácter prioritário em relação à função financeira do imposto, enquanto se atribui a este, através da coordenação com o art.° 85°, a incumbência de distribuir o rendimento e a riqueza produzida mediante a optimização do emprego das forças produtivas de que o imposto, quando não é neutral, é por sua natureza ou um elemento promotor ou um elemento destrutivo da estrutura económica vigente” (pág. 97). XVI - Pelo que, com o muito devido respeito, o douto Tribunal “ad quo”, face a tudo o que supra foi exposto, ao decidir que a liquidação adicional de IMT, no valor de € 24 096,18, por referência a um contrato de rescisão de locação financeira, compra e venda e respectiva avaliação nos termos do art.° 38.° do CIMI, relativamente a imóvel objecto de “1.ª transmissão no âmbito do IMI” não é devida, errou na aplicação do direito, não podendo como tal manter-se na ordem jurídica. Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA» * A recorrida (rda) contra-alegou e concluiu: « 1. Nos termos da regra 14ª do n°4 do artigo 12° do Código do IMT, no caso o valor dos bens imóveis ou do direito de superfície constituído sobre os imóveis locados, adquiridos pelo locatário, através de contrato de compra e venda, no termo da vigência do contrato de locação financeira e nas condições nele estabelecido, o IMT incidirá sobre o valor residual determinado ou determinável, nos termos do respectivo contrato. 2. No caso vertente, não se pode falar em termo da vigência do contrato, uma vez que o contrato foi objecto da antecipação, designada por “rescisão”, pelo que, no âmbito de uma interpretação literal, e uma vez que não se verificou o termo do contrato, em virtude da antecipação, não é correcto aplicar-se o valor do capital em dívida. 3. Anteriormente a esta aquisição, tinha sido já pago o IMT, calculado nos termos legais, sobre o valor do capital em dívida no contrato de locação financeira dos autos, não sendo correcto o valor de 110.799,49 euros, correspondente ao capital em dívida no contrato de locação financeira, que serviu de base à liquidação adicional do IMT, devendo este imposto incidir sobre o valor residual do contrato. 4. Em reforço deste entendimento, dir-se-á ainda que, se a aquisição tivesse tido lugar através de um mútuo bancário com hipoteca, o imóvel ficaria registado em nome do comprador, independentemente da existência da hipoteca a favor do Banco mutuante, e nesse caso, poderia haver antecipação do pagamento do empréstimo, sem qualquer pagamento de IMT. Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a douta decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!» * O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, concluindo que o recurso não merece provimento, devendo a sentença impugnada ser confirmada. * Cumpridos os ditames legais, compete conhecer e decidir. ******* # II. Na sentença, em sede de julgamento factual, vem expresso: « A) Em 04-07-2002 a impugnante celebrou, na qualidade de locatária, um contrato de locação financeira imobiliária, com o B…….., SA, pelo prazo de 15 anos, tendo por objecto a fracção designada pela letra “…”, correspondente ao armazém designado pelo número ….., do prédio urbano sito em …….., Freguesia de ……., descrito na Conservatória do registo Predial de Alenquer, sob o nº 1121 da mesma freguesia e inscrito na matriz predial sob o artº 5887 e tendo ficado convencionado pelas partes a possibilidade de rescisão antecipada do contrato sem penalização após o sétimo ano de vigência do contrato (doc. nº 3, da pi); B) Em 25-07-2007, entre a impugnante e o B……., SA foi celebrado por escritura pública, um acordo de “Rescisão e Compra e Venda”, relativo à fracção autónoma identificada no contrato de locação financeira referido em A), com o VPT de € 110.352,20, tendo aí ficado a constar, nomeadamente (doc. nº 4, da pi): “(...). Que, estando no melhor acordo, pela presente, rescindem antecipadamente o mencionado contrato de locação financeira, considerando-o de nenhum efeito a partir de hoje, restituindo a locatária o imóvel ao locador. II — Que por via do acto precedente, o representado do primeiro, pelo preço de cento e dez mil setecentos e noventa e nove euros e quarenta e nove cêntimos, que ora recebe, vende o sobredito imóvel, à sociedade representada do segundo outorgante, que o aceita. C) A impugnante liquidou IMT em 24-07-2007, no montante de € 7.201,97, calculados sobre o valor de venda de € 110.799,49; D) A impugnante entregou declaração Modelo 1, de IMI, vindo o imóvel a ser objecto de avaliação nos termos do CIMI, tendo-lhe sido atribuído o VPT de € 481.510,00 (fls. 14 e 15, do pa); E) Em 23-01-2008 foi emitida a liquidação nº 0000001612558, junta a fls. 16, do pa, onde consta:
F) Em 24-06-2008 a impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação identificada no ponto anterior, com fundamento na violação do disposto no artº 3º do DL nº 311/82, de 04-08 (fls. 49 a 52, do pa apenso); G) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Alenquer de 22-09-2009, a reclamação graciosa foi indeferida, com os fundamentos da informação de fls. 66 a 68, do pa, que se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais; H) A impugnante foi notificada do indeferimento referido em G) por ofício datado de 30-09-2009; I) A impugnação considera-se proposta a 21-10-2010.» *** A decisão/sentença de 1.ª instância, posta em crise neste apelo, sem que o haja feito explícita e separadamente, debruçou-se e decidiu, ao que conseguimos descortinar, a questão de saber se a liquidação adicional, também, impugnada nestes autos, “não reflecte o critério legal do artº 12º nº 4, regra 14 do CIMT, uma vez que, no caso não pode falar-se em termo da vigência do contrato, uma vez que foi objecto da antecipação, designada por “rescisão”, sendo que os contratos de locação financeira subordinam-se ao princípio da neutralidade fiscal que resulta do preâmbulo e do artº 3º do DL nº 311/82, de 04-08.”. Depois da caracterização do contrato de locação financeira e da convocatória do decidido em dois arestos do STA, o julgador assumiu, em síntese, que assistia razão à impugnante, porquanto, “Prevendo-se expressamente no contrato que a aquisição poderia ser antecipada, relativamente ao prazo inicialmente estabelecido, teremos que concluir, forçosamente, que o mesmo contrato chega ao seu termo de vigência por força dessa opção de compra antecipada, contratualmente estabelecida, ou seja, respeitando as condições nele estabelecidas quanto à compra e venda do imóvel objecto do contrato, assim se respeitando a neutralidade fiscal legalmente consagrada. Não se vê, como não aplicar ao caso a jurisprudência do STA, sendo que a situação sob análise nestes autos, não deixa de ser a mesma.”. Ao assim julgado e decidida procedência da impugnação judicial, a rte assaca o cometimento de erro (de julgamento), na medida em que “…, os factos dados como provados devem levar, na aplicação das normas substantivas, a solução diversa…”, fundamentalmente, porque “a possibilidade de rescisão antecipada do contrato sem penalização só poderia ocorrer após o sétimo ano de vigência do contrato (…), ou seja em 2009, mas nunca em 2007, tal como aconteceu”; “apenas com a Lei n.° 55-A/2010 de 31 de Dezembro - Orçamento do Estado para 2011, foi alterada de modo significativo a redacção do Decreto-Lei n.° 311/82, conforme consta do art.° 117.° do OE onde se passou a prever que: “Está isenta de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no exercício do direito de opção de compra previsto no regime jurídico do contrato de locação financeira, da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre o imóvel locado”, não tendo, contudo, sido conferida, a esta norma, natureza interpretativa, era inviável ser aplicada a factos ocorridos em 2008 (?); e, finalmente, a sentença peca, “na parte em que sustenta a sua interpretação por via do princípio da neutralidade fiscal legalmente consagrada.”. Antes de avançarmos, embora o enquadramento factual, da situação julganda, seja linear e objetivo, importa focalizar este cenário: em 4 de julho de 2002, a impugnante celebrou, na condição de locatária, um contrato de locação financeira imobiliária, pelo prazo de 15 anos, mas onde ficou, expressamente, clausulado, a possibilidade de rescisão antecipada do contrato, sem penalidades, após o sétimo ano de vigência do mesmo. No dia 25 de julho de 2007, as partes (locador e locatária) celebraram, por escritura pública, um acordo denominado “Rescisão e Compra e Venda”, mediante o qual rescindiam, antecipadamente, o contrato de locação financeira em causa, restituindo a locatária o imóvel envolvido ao locador que, por sua vez, o vendia à sociedade até, então, locatária (impugnante). No dia anterior (24 de julho), esta tinha liquidado IMT de € 7.201,97, calculado sobre o valor de venda declarado (€ 110.799,49). Posteriormente, a impugnante entregou declaração Modelo 1, de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) (IMI)., na sequência do que ao imóvel foi atribuído o VPT (Valor Patrimonial Tributário.) de € 481.510,00 e, consequentemente, surgiu a liquidação adicional, operando a diferença entre o IMT pago (€ 7.201,97) e aquele que passou a ser devido em função do resultado da avaliação (€ 31.298,15), em cédula de IMI. No ano de 2007 (Bem como na atualidade, na redação da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março.), o artigo (art.) 12º nº 4, regra 14ª, do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), estatuía que, o disposto nos números anteriores tinha de ser entendido, sem serem prejudicadas as regras que enumerava, entre as quais a de que “O valor dos bens imóveis ou do direito de superfície constituído sobre os imóveis locados, adquiridos pelo locatário, através de contrato de compra e venda, no termo da vigência do contrato de locação financeira e nas condições nele estabelecidas, será o valor residual determinado ou determinável, nos termos do respectivo contrato;”. Por outro lado, para o mesmo tempo, o art. 3º do Decreto-Lei n.º 311/82 de 4 de agosto estabelecia: « » Este último veio a ser alterado pelo art. 117º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro (entrada em vigor a 1 de janeiro de 2011), passando a estatuir: « Está isenta de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no exercício do direito de opção de compra previsto no regime jurídico do contrato de locação financeira, da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre o imóvel locado.» Coligidos estes normativos, nucleares para a abordagem seguinte, podemos avançar que o ponto central da discórdia, assumida pela rte, se situa na interpretação a dar ao, comum, inciso, dos reproduzidos arts. 12º nº 4, regra 14ª do (CIMT) e 3º do Decreto-Lei n.º 311/82 de 4 de agosto, “…, no termo da vigência do contrato de locação financeira…”. Concretamente, tendo, na sentença recorrida, sido entendido que tal “termo”, obviamente, ocorria quando decorrido, no final, (d)o prazo contratualizado, bem como, nas situações de antecipação, por acordo das partes, em que o contrato era concluído, terminado, mediante o exercício da opção de compra do imóvel, por parte do locatário, a rte discorda, pela tripla ordem de razões supra identificada. Em primeiro lugar, importa registar que a decisão sob crítica não defendeu e operou com a redação conferida ao normativo, cuja leitura nos ocupa, pelo art. 117º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro, pois, somente tendo esta iniciado vigência a 1 de janeiro de 2011, pelas, elementares, regras de aplicação das leis no tempo, não podia regular factos ocorridos em 2007/2008, tanto mais que, como aponta a rte, tal normativo não tem caráter interpretativo (nem a sentença o afirma) (Eventualmente, a rte pretendeu reagir contra a transcrição, aí feita, de uma parcela da fundamentação de acórdão do STA, onde foi feita a comparação entre as duas redações do 3.º do Decreto-Lei n.º 311/82 de 4 de agosto). Assim sendo, a exegese seguinte irá considerar a redação, com as devidas adaptações, do art. 3º do Decreto-Lei n.º 311/82 de 4 de agosto, antes da transformação (em que todos estão de acordo, profunda, significativa e de sentido, objetivamente, novo). Como decorre do cenário factual que acima traçámos, o contrato de locação financeira imobiliária, outorgado, pela impugnante, na condição de locatária, a 4 de julho de 2002, em conformidade com o quadro legal regulador aplicável, previa o prazo máximo de duração de 15 anos, mas, também, em paralelo, a possibilidade, consensualizada, de rescisão antecipada, sem penalização, após o sétimo ano, ou seja, depois de 4 de julho de 2009. Ora, para a rte (Ver, conclusão VI.), aparentemente, o primeiro vício da sentença está em não ter concluído que a rescisão antecipada só podia acontecer em 2009 e não no decurso do ano de 2007. Como é óbvio e não necessita de alongadas explicações, este raciocínio é inócuo para o julgamento da questão decidenda, porquanto da (possível) violação do acordado, pelos contraentes, nesta matéria, nenhumas implicações podem ser tiradas em sede de tributação, da locatária/impugnante, em IMT, pois, o quadro legislativo deste tributo não previa qualquer incidência para situações do género; no limite, o desrespeito em causa, apenas, podia determinar consequências na relação entre locador e locatária, designadamente, a cobrança de uma penalização monetária pelo primeiro (contudo, mesmo esta pode (podia) ter sido afastada, no momento da antecipação sem respeito pelo prazo mínimo, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (Cf. art. 405º do Código Civil (CC))). Neste ponto, impõe-se, então, definirmos qual a melhor leitura/interpretação da condição, “…, no termo da vigência do contrato de locação financeira…”, capaz de proporcionar, à impugnante/rda, no ano de 2007, o direito de não pagar (isenção) sisa (entenda-se, IMT (Art. 28º nº 2 do Decreto-Lei nº 287/2003 de 12 de novembro.)), respeitante à transmissão, por compra e venda, a seu favor, enquanto locatária, no termo da vigência do contrato de locação financeira e nas condições nele contratualizadas, da propriedade sobre o imóvel locado. A jurisprudência pretérita deste Supremo Tribunal, com especial ênfase, derramada no acórdão de 18 de junho de 2014 (0805/13), debruçando-se sobre situações factuais equivalentes, similares (No caso do aresto identificado estava em causa a celebração, em 27 de dezembro de 2002, de um contrato de locação financeira imobiliária, pelo período de 10 anos, mas onde ficou, expressamente, clausulado, entre o mais, a possibilidade do exercício do direito de opção de compra, a partir do quinto ano de vigência. No dia 31 de maio de 2004, as partes (locador e locatária) celebraram escritura pública de resolução parcial do convénio, tendo a locatária liquidado IMT de € …, calculado sobre o valor de venda declarado (€ …). Posteriormente, a adquirente entregou declaração Modelo 1, de IMI, na sequência do que ao imóvel foi atribuído o VPT de € … e, consequentemente, surgiu a liquidação adicional, operando a diferença entre o IMT pago (€ …) e aquele que passou a ser devido em função do resultado da avaliação (€ …), em cédula de IMI.), à destes autos, com argumentos sólidos e atuais (ou melhor, até confirmados pela evolução legislativa), fixou o entendimento de que “o disposto no artigo 3º do Decreto-lei n.º 311/82, de 04/08, na sua redacção originária, deve ser interpretado no sentido de que o termo da vigência do contrato de locação financeira tanto ocorre no final do contrato, como nas situações em que as partes, ao abrigo do próprio contrato, põem termo ao mesmo, mediante a opção de compra antecipada do imóvel, objecto da locação financeira.”. Como, já, deixámos antever, continuamos seguros de que o correto é, mesmo no presente, defender que, em situações do género, o contrato de locação financeira se extinguiu, “por força da opção de compra antecipada, nos termos das cláusulas contratuais que previamente haviam sido estabelecidas e portanto, é forçoso concluir que o mesmo chegou ao seu fim no termo de vigência do contrato a que se referia o dito artigo 3º, tanto mais, que esse termo resultou de uma conjugação da vontade das partes. De resto, só esta interpretação permite fazer uma aplicação da norma que vai ao encontro do espírito com que o legislador editou o DL n.º 311/82. Na verdade sempre foi sua intenção, “...tendo em vista assegurar um adequado grau de neutralidade fiscal, isenta-se de sisa a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no termo da vigência do contrato de locação financeira e realizada nas condições nele estabelecidas, da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre os imóveis locados e estabelece-se uma disciplina que permite a isenção do imposto de transacções dos bens adquiridos pelas sociedades de locação financeira, quando locados a empresas que, se os adquirissem directamente, poderiam beneficiar dessa isenção”, cfr. preâmbulo daquele DL. Ou seja, o legislador teve em vista expressamente que a compra e venda a favor do locatário fosse realizada nas condições nele estabelecidas (no contrato), no termo da vigência do contrato de locação financeira. Prevendo-se expressamente no contrato que a aquisição poderia ser antecipada, relativamente ao prazo inicialmente estabelecido, teremos que concluir, forçosamente, que o mesmo contrato chega ao seu termo de vigência por força dessa opção de compra antecipada, contratualmente estabelecida, ou seja, respeitando as condições nele estabelecidas quanto à compra e venda do imóvel objecto do contrato, assim se respeitando a neutralidade fiscal legalmente consagrada.”. Esta nossa segurança sobre os intentos do legislador, quanto ao funcionamento da isenção de Sisa/IMT, positivada na redação original do 3º do Decreto-Lei n.º 311/82 de 4 de agosto (aplicável, in casu), tal como a própria rte (parece) concordar (Conclusão VII)., veio a ser cimentada pela nova terminologia utilizada e firmada pelo art. 117º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro, onde, além da referência, expressa, ao IMT, se postula, sem reservas, a isenção deste tributo para as transmissões por compra e venda a favor do locatário, no exercício do direito de opção de compra previsto no regime jurídico do contrato de locação financeira, isto é, tanto no termo do prazo fixado para a sua vigência, como, na data em que suceda a efetivação antecipada de compra do bem locado, possibilidade conferida, em geral, pelo quadro legal da figura contratual em apreço. Por outras palavras, agora, como antes, está isento de Sisa/IMT o locatário (financeiro) que exerce a opção de comprar o bem, objeto do contrato, no fim da vigência (total) deste e/ou em momento anterior (a esse final), a coberto da possibilidade (legal e contratual) de antecipar aquela mesma opção. Só falta olharmos para a crítica da rte, dirigida à sentença escrutinada, no sentido de que esta erra ao sustentar a sua interpretação por via do princípio da neutralidade fiscal e dizermos que fez bem, como resulta do acabado de expor, na medida em que tal corresponde à valoração de um elemento muito importante e decisivo na fixação do pensamento/vontade do legislador, quanto ao alcance a dar, casuisticamente, aos normativos que cria. Aliás, perscrutado o conteúdo das conclusões IX a XVI, temos a sensação que tal apontamento só visou estabelecer a ponte para apelar a princípios constitucionais, como o da legalidade tributária, e, sem qualquer tipo de correlação concluir que o mesmo foi ofendido pelo julgado; pretensão que, de modo algum, nos merece debruce e muito menos, acolhemos. ******* # III. Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso. * Custas a serem suportadas pela recorrente. * [Texto redigido em meio informático e revisto, com versos em branco] Lisboa, 16 de setembro de 2020. – Aníbal Ferraz (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia. |