Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0115/20.9BALSB
Data do Acordão:02/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
JURISPRUDENCIA CONSOLIDADA
SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário:I - De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
II - A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo requisito para a sua admissibilidade a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e a decisão/acórdão fundamento e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
III - A existência de uma jurisprudência consolidada deve transparecer ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção.
IV - Não se verifica este último requisito se a orientação perfilhada na decisão recorrida é plenamente conforme à assumida em acórdão do Pleno da Secção, em que intervieram todos os Juízes Conselheiros em exercício.
Nº Convencional:JSTA000P27273
Nº do Documento:SAP202102240115/20
Data de Entrada:10/09/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A………..
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 115/20.9BALSB (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente identificada nos autos, inconformada com a decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. nº 786/2019-T - que julgou procedente o pedido pronúncia arbitral deduzido por A………….. (pedindo que seja declarada parcialmente a ilegalidade do acto tributário de liquidação do IRS com o n.º 20195005568487, de 26 de Julho de 2019, referente ao período de rendimentos de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2018, no montante de €83.072,78, “na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária em lugar de 50%”), determinando a anulação parcial, por ilegalidade resultante de oposição ao Direito originário da União, do acto tributário de liquidação do IRS com o n.º 20195005568487, no valor de €83.072,78, condenando ainda a AT à devolução da quantia indevidamente paga e ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios desde a data do trânsito da presente decisão até integral pagamento, veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, com base em oposição de acórdãos, apontando como acórdão fundamento, a decisão Arbitral proferida no Proc. nº 539/2018-T.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)


A.

O Acórdão arbitral recorrido (786/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral “a) Anular parcialmente, por ilegalidade resultante de oposição ao Direito originário da União, o acto tributário de liquidação n.º 20195005568487, no valor de € 83.072,78; b) Condenar a AT à devolução da quantia indevidamente paga e ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios desde a data do trânsito da presente decisão até integral pagamento; (…)”

B.
E sustenta o referido acórdão arbitral que “A questão da desconformidade inicial desse regime quando confrontado com as exigências do Direito da União - quer quando aplicado a residentes em países do Espaço Económico Europeu (incluindo, desde logo, os Estados-membros da União Europeia), quer quando aplicado a residentes em países terceiros - está juridicamente ultrapassada: houve pronuncia do TJUE, vinculativas para os Estados, seguidas pela jurisprudência nacional, e até a AT parece hoje reconhecer que tal regime não era sustentável face ao Direito da União. Por outro lado, a legislação interna mudou. Quer dizer que importa apurar se a questão da desconformidade que ora se coloca é a mesma - ou um seu prolongamento - ou é uma questão nova. Evidentemente, só no caso de se tratar de uma questão nova faz sentido equacionar a sua resolução de modo diverso da anterior.
Em Momento anterior – ao decidir sobre a questão do reenvio – já se deixou antecipar que há uma continuidade essencial, para o efeito em vista nos presentes autos, entre o regime pré e pós-lei orçamental para 2008 (Lei n.º 6-A/2007) e, mais, que a natureza da mudança introduzida na legislação era inapta para resolver o problema original. Portanto, atendendo aos elementos jurisprudenciais disponíveis, o juízo a fazer sobre um e outro regime não deve divergir.
(…)
Pode certamente duvidar-se de que inexistem diferenças entre a situação contributiva global dos residentes e não-residentes, mas o facto é que o TJUE tem entendido que tal diferença existe e é inadmissível (…)”.
C.
Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 539/2018-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:
“ 14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto: a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais-valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)2 do n.º 1 do artigo 10.º.
b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.
15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.
16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.
17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.
18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.
19. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.
19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.”
D.
Concluindo o Acórdão fundamento que:
“20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018.5005490173, relativa ao ano de 2017 e no valor de €47.034,56.
(…)
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada.
b) Julgar igualmente improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente. (…)”
E.
Verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS é aplicável aos não residentes.
F.
Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:
· as situações de facto sejam substancialmente idênticas;
· haja identidade na questão fundamental de direito;
· se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,
· a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.
G.
As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos.
H.
Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o se verificou.
I.
Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a tributação no âmbito de IRS, tendo em conta a aplicação do art. 43.º, n.º 2 do CIRS aos não residentes.
J.
As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adotaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.
K.
Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.

O recurso foi admitido por despacho de 14-10-2020.

Foi cumprido o disposto no artigo 25º nº 5 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

O Recorrido A…………… apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“(…)

§25 O recurso para uniformização de jurisprudência é um recurso de natureza extraordinária, tendo como fundamento a sanação de contradições de decisões judiciais relativamente a uma mesma questão fundamental de direito.

§26 A aplicação do regime previsto no artigo 152.º (Recurso para uniformização de jurisprudência) do CPTA «com as necessárias adaptações», impõe que seja considerada a jurisprudência arbitral (CAAD) recente consolidada sobre a mesma questão fundamental de direito na interpretação do número 3 deste preceito.

§27 A Decisão Arbitral recorrida (Processo n.º 786/2019-T) foi tomada no mesmo exacto sentido da jurisprudência recente e consolidada pelo CAAD sobre a matéria, sendo, igualmente, conforme com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, em 20 de Fevereiro de 2019.
§28 Assim, em aplicação do artigo 152.º (Recurso para uniformização de jurisprudência), número 3, do CPTA, «com as necessárias adaptações», o presente recurso para uniformização de jurisprudência não deveria ser admitido.
§29 Mesmo que o fosse, o que por mera hipótese se admite sem conceder, a sua eventual procedência não lograria nunca alcançar o objectivo único que justifica a sua existência, qual seja, o de «alinhar» a jurisprudência sobre a mesma questão fundamental de direito.
§30 Isto porque a Decisão Arbitral recorrida (Processo n.º 786/2019-T) foi tomada no mesmo exacto sentido da jurisprudência recente e consolidada pelo CAAD e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, em 20 de Fevereiro de 2019, sobre a matéria e está, consequentemente, «alinhada» com esta jurisprudência, não merecendo qualquer censura.
§31 Na verdade, a sua procedência constituiria mesmo a consubstanciação que a sua finalidade visa evitar.
Pelo exposto, não deve o presente recurso ser admitido; ou, se tal não for o caso, o que se admite sem conceder, deve ser negado in totum provimento ao recurso interposto pela Recorrente, por improcedente e não provado face à natureza e aos fins do tipo de recurso em causa - uniformização de jurisprudência -, devendo consequentemente manter-se na íntegra a douta sentença do Tribunal a quo, a qual não merece qualquer censura no julgamento da matéria de facto e na interpretação e aplicação do Direito e está conforme com jurisprudência recente e consolidada pelo CAAD e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, em 20 de Fevereiro de 2019.
Assim agindo cumprirão V.Ex.as, Venerandos Conselheiros, a Lei, fazendo a costumada e sã
J U S T I Ç A!”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso por se não mostrarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 152º do CPTA.

Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.




2. FUNDAMENTOS

2.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão arbitral recorrida o seguinte:

“…

III.1. FACTOS PROVADOS

a) O Requerente é um cidadão nacional, nascido em Arroios e residente na Áustria desde 15 de Janeiro de 2018 (Doc. 1, junto com o PPA);

b) No dia 24 de Agosto de 2018 o Requerente celebrou uma escritura de permuta de um prédio rústico, sito em …….., Odemira, descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4611, que tinha aquisição registada a seu favor de 14 de Agosto de 2008 (Doc. 2, junto com o PPA);

c) Conforme resulta dessa escritura, o Requerente recebeu em troca do referido prédio, a que foi atribuído o valor de €300.000,00, uma quota da Sociedade B……………… Lda., a que foi atribuído o valor de €80.000,00, e dois cheques, somando estes o valor de €220.000,00 (Doc. 2, junto com o PPA);

d) Em 20 de Junho de 2019 o Requerente entregou a declaração Modelo 3 do IRS relativa ao ano de 2018, do qual constava o seu estatuto de não residente e a opção pela tributação segundo o regime geral (Doc. 3, junto com o PPA);

e) Do Anexo G a essa declaração (Mais-valias e outros incrementos patrimoniais) constava o valor envolvido na permuta (€300.000,00 - que representavam, na prática, a totalidade do rendimento auferido pelo Requerente nesse ano (O rendimento global excedia o produto da permuta em €304,59. Por outro lado, havia retenções na fonte no valor de €1.012,50, decorrentes de uma renda de sublocação no valor de €4.050,00.)) e o valor de aquisição do imóvel permutado (€1.474,57) - (Doc. 3, junto com o PPA);

f) Em Agosto de 2019 o Requerente foi notificado do acto tributário de liquidação do IRS com o n.º 20195005568487, de 26 de Julho de 2019, referente ao ano de 2018, no montante de €83.072,78 (Doc. 4, junto com o PPA (Na Informação nº 1616/19 da Divisão de Administração da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, com data de 12 de Dezembro de 2019, constante do PA, o montante referido, certamente por lapso, era de €84.072,78));

g) Em 22 de Agosto de 2019 o Requerente procedeu ao pagamento integral do montante liquidado (Doc. 5, junto com o PPA).

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não há outros factos necessários à decisão da causa que não tenham sido estabelecidos.

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO

Os factos dados como provados resultam directamente dos documentos juntos aos autos e anteriormente identificados.”


Por sua vez, o acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto:
“(…)
1 - O Requerente era residente à data de 2017, em Madrid, Espanha, ou seja, era residente num Estado-Membro da União Europeia, como comprovou;
2 - O Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais (Doc. 6).
3 - Verifica-se pelo Rosto da Declaração Mod. 3 que no quadro 8 B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
4 - E verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).
5 - Os referidos bens alienados e rendimentos declarados foram todos auferidos
todos em território português e eram os seguintes:
3.1 - Fração autónoma designada pela letra C, a que corresponde o ………….., destinado à habitação, do prédio urbano sito na ………….., n.º….., Letras …..., freguesia de Santa Isabel, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Campo de Ourique sob o artigo 807 (Doc. 4), por escritura de 15/09/2017, pelo preço de €255,000,00 (Doc. 3).
A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €90.000,00, por escritura pública de 20/04/2015 (Doc. 2).
3.2 - Fração autónoma designada pela letra F, a que corresponde o …………., destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua …………, n.º ….., em Alcântara, concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 539 (Doc. 4), por escritura de venda de 21/03/2017, pelo preço de €155,000,00 (Doc. 5).
A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €55.000,00, por escritura
pública de 10/11/2015 (Doc. 4).
3.3 - Participações sociais vendidas 06/10/2017, pelo montante de €21.290,10, que havia adquirido em 26/08/2014, pelo preço de €19.805,40.
3.4 - Rendimentos prediais de €4.300,00 respeitantes às rendas relativas às duas frações autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta.
6 - A sua declaração foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem à liquidação n.º 2018.5005367017, com um montante de imposto a pagar de €46.551,36 (Doc. 7), posteriormente retificada por uma 2.ª liquidação com o n.º 2018.5005490173, com um valor de imposto a pagar de €47.034,56, originando um estorno do montante também a pagar, em relação à 1.ª liquidação, de €483,20 (Doc.8).
7 - O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 em 24-08-2018 e também de €483,20 na mesma data, num total de €47.034,56 (Doc.s 9 e 10).
8 - Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o n.º 2018.5005367017, conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e coletável de €167.980,58 e a coleta de €47.034,56 (à taxa de 28%).
9 - O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 e também de €483,20, num total de €47.034,56, em 24-08-2018 (Doc.s 9 e 10).
B) - Factos não provados
Não existem factos invocados que não se mostrem comprovados nos autos.
C) - Fundamentação dos factos provados
Todos os factos anteriormente descritos e invocados pelo Requerente (não há processo administrativo) têm por base prova documental junta aos autos, considerando-se, portanto, provados e não contestados e relevam para a decisão a proferir.

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2.2. DE DIREITO

2.2.1.- Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos

O presente recurso para uniformização de jurisprudência respeita à decisão arbitral proferida no processo n.º 786/2019-T, do CAAD, que julgou procedente o pedido pronúncia arbitral deduzido por A……………. (pedindo que seja declarada parcialmente a ilegalidade do acto tributário de liquidação do IRS com o n.º 20195005568487, de 26 de Julho de 2019, referente ao período de rendimentos de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2018, no montante de €83.072,78, “na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária em lugar de 50%”), determinando a anulação parcial, por ilegalidade resultante de oposição ao Direito originário da União, do acto tributário de liquidação do IRS com o n.º 20195005568487, no valor de €83.072,78, condenando ainda a AT à devolução da quantia indevidamente paga e ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios desde a data do trânsito da presente decisão até integral pagamento, por alegada oposição com o decidido na decisão arbitral proferida no Proc. nº 539/2018-T (acórdão fundamento).

Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, na redacção aplicável, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

Como já foi enunciado, o presente recurso tem fundamento na oposição de julgados, impondo-se aferir previamente da verificação dos pressupostos substantivos de que depende o conhecimento do seu mérito. Que são, esquematicamente, os seguintes:

[1.º] que a decisão recorrida tenha apreciado o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);

[2.º] que exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);

[3.º] que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].

[4.º] que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Avançando, diga-se ainda como se refere no Ac. deste Tribunal (Pleno) de 4 de Junho de 2014, Proc. nº 01763/13, www.dgsi.pt, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Tal significa que para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Analisando:

Desde logo, cabe notar que não se suscitam dúvidas quanto à verificação dos respectivos requisitos processuais, previsão legal do recurso, tempestividade e legitimidade do recorrente.

Por outro lado, com referência à verificação, in casu, do preenchimento dos pressupostos substanciais do recurso, procedendo ao exame da decisão arbitral recorrida, que se pronunciou sobre o mérito da pretensão e pôs termo ao processo, e a decisão arbitral fundamento, conclui-se, que existe identidade substancial das situações de facto tratadas em cada uma delas: ambas trataram da tributação de mais-valias resultantes de vendas de imóveis situados em Portugal, por residentes em Estados-Membros, à data dos factos, da União Europeia (Áustria, no caso da decisão recorrida, Espanha, no caso da decisão fundamento), tendo sido aplicada a taxa de 28% ao rendimento coletável.

Nesta sequência, as decisões em confronto pronunciaram-se sobre a mesma questão fundamental de direito, a não aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias em 50%, de acordo com o disposto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, a residentes noutro Estado-Membro da União Europeia.

Ora, sobre esta mesma questão de direito, uma e outra perfilharam soluções opostas.

A decisão arbitral recorrida entendeu que a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto em 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um residente noutro Estado, sendo aquela unicamente aplicável a residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os não residentes, referindo que “… considerando o disposto no artigo 43º, nº2 do CIRS, deparamo-nos, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do TFUE. Este entendimento tem sido mantido em diversas decisões arbitrais posteriores, como vem invocado pelos Requerentes. Entendimento esse, por sua vez, confirmado pela jurisprudência do STA. É que, aos olhos da jurisprudência arbitral citada pelos Requerentes e corroborada pelos nossos tribunais superiores a opção de equiparação, introduzida no sistema tributário português, após a prolação do Acórdão Hollmann, constante dos n.ºs 8 a 10 do artigo 72.º do Código do IRS, vigentes à data do facto tributário, não permite afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restritiva do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS a sujeitos passivos residentes.”.

E considerou também que as alterações legislativas ocorridas em 2007 não eliminaram aquele carácter discriminatório, ponderando que “… Desde logo, há que registar que a solução introduzida pelo legislador para obviar à discriminação contida na supramencionada norma nacional, não garante que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões efetuadas por não residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, seja apenas considerado em 50% do seu valor, tal como acontece com os residentes, por força do disposto no art.º 43.º/1 e 2 do CIRS.

Efectivamente, o regime dos n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º do CIRS não dispõe sobre a base da incidência, mas apenas sobre a taxa aplicável aos rendimentos referidos nos n.ºs 1 e 2 do mesmo art.º 72.º, sendo por isso verdade, como reitera a Requerida em sede arbitral, que aquele regime não implica a tributação de todos os rendimentos auferidos pelos não residentes, mas apenas da mais valia.

Com efeito, do regime em questão, não resulta uma alteração da base de incidência, sendo os rendimentos tributados os mesmos, e estando apenas prevista uma alteração da taxa aplicável, que deixa de ser a dos n.ºs 1 e 2 daquele art.º 72.º, e passa a ser a que resulta do art.º 68.º, nº1 do CIRS (o que quer dizer, desde logo, que tal taxa pode ser inferior à consagrada nos n.ºs 1 e 2 daquele art.º 72.º - desde que a taxa média seja inferior a 28% - ou superior).

Todavia, assim sendo, como é, continua a verificar-se a discriminação proscrita pelo Acórdão Hollmann, entre residentes e não residentes.

Assim, concluiu que o disposto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, quando não aplicável a não residentes, viola o disposto no artigo 63.º, n.º 1 do TFUE e que a não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS aos não residentes é ilegal, o que determinou a anulação, nessa parte, da liquidação impugnada.

A decisão arbitral fundamento, por seu turno, entendeu que a liquidação impugnada, resultante da não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não padecia de ilegalidade por violação do Direito da União Europeia, designadamente dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do TFUF, defendendo que a legislação nacional, pelo menos após as alterações introduzidas pela Lei do Orçamento de Estado para 2008 ao artigo 72.º do Código do IRS, pôs cobro à discriminação negativa dos não residentes, na medida em que veio a conceder-lhes a possibilidade de verem a mais-valias tributadas de harmonia com as regras aplicáveis aos residentes, desde que, para tanto, façam essa opção. E, assim, julgou improcedente o pedido e manteve na ordem jurídica a liquidação impugnada.

Neste enquadramento, é de concluir que há oposição na solução perfilhada nas duas decisões, recorrida e fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito.

Porém, para que o recurso seja admissível é necessário que se verifique, como referimos, um outro pressuposto, que a decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 152.º n.º 3 do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT). Quanto a ele, Recorrido e Ministério Público, entendem que não está preenchido.

E também é esse o nosso entendimento. Na verdade, recentemente o Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, apreciou a questão fundamental de direito que importaria dirimir neste recurso, no acórdão de 09/12/2020, proferido no processo 075/20.6BALSB, tendo uniformizado jurisprudência no seguinte sentido:

«o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.»

O que significa que a decisão recorrida está em conformidade com aquela que é a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, de acordo com os critérios que têm vindo a ser definidos – cf., por todos, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de dezembro de 2012, proferido no processo n.º 0932/12, no qual ficou dito que «a jurisprudência consolidada deve transparecer ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o art. 17º, nº 2, do actual ETAF) ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção».

Em conclusão, não se encontra preenchido o requisito de admissão do recurso previsto no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, o que determina que dele não se conheça (neste sentido, Acs. deste Tribunal (Pleno) de 20-01-2021, Procs. nºs 71/20.3BALSB e 108/20.6BALSB, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Razão porque se decide não tomar conhecimento do recurso.




3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..

Comunique ao CAAD.




Lisboa, 24 de Fevereiro de 2021

Pedro Vergueiro (Relator)

O Relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Srs. Conselheiros integrantes da Formação de Julgamento - os Senhores Conselheiros Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.

Pedro Nuno Pinto Vergueiro