Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0492/16.6BESNT
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
COLIGAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "ultra petita", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
II - No processo judicial tributário o excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma.
III - Em sede do exame da legitimidade, activa ou passiva, nas relações com pluralidade de interessados, surge-nos a figura da coligação de autores e de réus (cfr.artºs.36, 37 e 577, al.f), ambos do C.P.Civil), regime de aplicação subsidiária ao processo tributário "ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P.T., o qual tem por fundamento, além do mais, a ideia da obtenção de ganhos ao abrigo do princípio de economia processual (cfr.artºs.6, nº.1, e 130, ambos do C.P.Civil).
IV - Assim nos aparece a possibilidade de coligação de opoentes, em sede de processo de oposição à execução fiscal. Adaptando-se o regime processual civil à oposição à execução fiscal, será admissível a coligação de opoentes verificando-se os seguintes pressupostos, não cumulativos:
a-Quando a causa de pedir (factos jurídicos de que emerge o pedido de extinção ou suspensão da execução fiscal) seja a mesma e única face a todos os opoentes coligados;
b-Quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência;
c-Quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas (coligação fundada na conexão jurídica existente entre os fundamentos dos pedidos formulados).
V - Não se verificando qualquer dos referidos pressupostos, a coligação de oponentes constitui excepção dilatória, nos termos do artº.577, al.f), do C.P.C., pelo que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, atento o disposto no artº.278, nº.1, al.e), do mesmo diploma.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27311
Nº do Documento:SA2202103100492/16
Data de Entrada:02/02/2021
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A………….. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.68 a 72 do processo, a qual julgou procedente a presente oposição intentada pelo ora recorridos e enquanto revertidos, A…………….. e B……………., visando a execução fiscal nº.1562-2012/104479.6 e apensos, a qual corre seus termos no 1º. Serviço de Finanças de Sintra e tem por objecto a cobrança coerciva de dívidas de coimas e encargos de processos de contra-ordenação, no valor total de € 6.801,55.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.87 a 94 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 12-07-2017, a qual julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal n.º 1562201201044796 e apensos, deduzida por A…………., NIF …….. e B………….., NIF ………., revertidos no citado processo de execução fiscal, que corre termos no Serviço de Finanças de Sintra 1 e havia sido originariamente instaurado contra a sociedade “C…………., LDA.”, com o NIF …………, para a cobrança de dívidas fiscais referentes a coimas, já devidamente identificadas nos autos, no montante de € 6.801,55 (seis mil, oitocentos e um euros e cinquenta e cinco cêntimos) e acrescido;
2-A coligação de oponentes à execução fiscal, deverá entender-se permitida nos termos previstos no Código de Processo Civil (CPC) – artigo 36. ° e seguintes - que é de aplicação subsidiária ao processo tributário, nos termos da alínea e), do artigo 2.° do CPPT, prevendo aquela disposição legal que será permitida a coligação de oponentes “quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência”;
3-Atento que, tratando-se de responsabilidade que para além de subsidiária é solidária - mas entre si - a qual resulta quanto à relação material controvertida do disposto na parte final do corpo do artigo 24.° da LGT, quer quanto à alínea a), quer quanto à alínea b), ou seja, não há solidariedade relativamente ao devedor originário, razão pela qual não é de aplicar a norma contida no artigo 36.° do CPC, da qual resultaria como possível a dita oposição única;
4-Nas situações como as do caso em apreço, em que está em causa a possibilidade de vários responsáveis subsidiários poderem deduzir uma única oposição contra um acto de reversão que tinha sido deduzido com base no disposto no artigo 23.° e 24.° da Lei Geral Tributária (LGT), tem vindo a decidir-se de ser excluída a dita possibilidade. - Assim, especificamente no acórdão da secção de Contencioso Tributário de 18.10.2006 proferido no processo n.º 0232/06;
5-Não obstante os semelhantes efeitos jurídicos, decorrentes do eventual acolhimento e consideração de ambas as causas de pedir já antes enunciadas, em que está em causa a apreciação da legitimidade substantiva de ambos os oponentes, ainda assim, na sua génese, temos causas de pedir diferentes e, portanto, os pedidos dos oponentes coligados não estão entre si numa relação de dependência, pois estes se podem conhecer autonomamente e, sobretudo, pode a final ser julgado improcedente o pedido de um dos oponentes e procedente o pedido do outro;
6-Da mesma forma, tendo em consideração o n.º 4 do artigo 581.º do CPC, que nos refere que a causa de pedir é o facto ou o conjunto de factos concretos geradores do direito invocado pelos autores e em que estes baseiam o seu pedido, sempre se diga que os Oponentes sustentam a presente Oposição com fundamento na prescrição da dívida exequenda, bastando, para tal, a mera perscrutação do § 3.º e 4.º da respectiva petição inicial;
7-A prescrição da dívida exequenda, invocada por ambos os Oponentes como causa de pedir, apesar de integrar o mesmo fundamento de oposição à execução fiscal, não constitui a mesma causa de pedir, pois está dependente de factos diferentes para um e outro Oponente, sendo, designadamente, que eventuais causas de interrupção e suspensão serão diferentes para um e outro; o que equivale a dizer que os factos não serão os mesmos relativamente a ambos os Oponentes e também as regras de direito a aplicar poderão não ser as mesmas;
8-Atente-se, a este respeito, ao entendimento vertido no Acórdão do STA de 27-04-20165, proc. n.º 0339/15, segundo o qual “Também no que respeita à prescrição, invocada por ambos os recorrentes, os factos relevantes, nomeadamente os relativos a eventuais causas de interrupção e de suspensão, serão diferentes para um e outro dos oponentes (…) “Portanto não estamos perante a mesma e única causa de pedir e, sendo diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos não depende da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito. Por outro lado, os pedidos formulados pelos recorrentes não estão entre si numa relação de prejudicialidade, pois que podem ser apreciados autonomamente, sendo que um poderá ser julgado procedente e outro improcedente”;
9-Pelo exposto, os Oponentes encontravam-se impedidos de se coligarem, pelo facto de nos encontrarmos, no caso em apreço, não perante uma causa de pedir única, mas perante diversas causas de pedir, e, nesta conformidade, estamos perante uma coligação ilegal de autores, excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta ao conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da Fazenda Pública da instância, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º e da alínea f) do artigo 577.º, ambos do CPC, aplicável ex vi a alínea e) do artigo 2.º do CPPT;
10-Contudo, mesmo que assim não se entenda, reza o n.º 1 do artigo 125.º do CPPT que “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”;
11-A apreciação, pelo Juiz, de questões de que não deveria ter tomado conhecimento justifica plenamente a nulidade da sentença, pois que o excesso de pronúncia se traduz numa violação do princípio do dispositivo que contende com a liberdade e a autonomia das partes; por outras palavras, ao Juiz apenas compete a resolução de questões que lhe tenham sido postas, vide, neste sentido, A.Reis, CPCAnotado (reimpressão), Coimbra Editora, vol.V, pág. 141, e A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág.688;
12-Encontrando-se sempre o Juiz vinculado ao cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, aplicável ex vi a alínea e) do artigo 2.º do CPPT, o qual postula que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o impuser o conhecimento oficioso de outras”;
13-No caso concreto através de uma perfunctória leitura da petição inicial, vislumbra-se que o que os Oponentes pretendem invocar é a prescrição da dívida exequenda e que a insolvência gera a inaptidão da sociedade para desenvolver dívidas de carácter fiscal; ou seja, não existem, nos presentes autos, quaisquer laivos expositivos expendidos pelos Oponentes no sentido de mutilar a reversão contra si operada pelo órgão de execução fiscal com fundamento em falta de culpa pela insuficiência patrimonial da sociedade;
14-Efectivamente, sabemos que em matéria de reversão do processo de execução fiscal e nos termos do disposto no artigo 8.º do RGIT, as questões relativas à culpa dos revertidos assumem contornos jurídicos bem distintos das questões relativas à prescrição e à insusceptibilidade, por insolvência, da sociedade originar dívidas de carácter fiscal, isto é, são questões jurídicas distintas, que consubstanciam diferentes causas de pedir e que devem ser dirimidas isoladamente pelo Tribunal;
15-Portanto, questão da culpa dos Oponentes pela insuficiência patrimonial da sociedade não foi alegada na competente petição inicial de Oposição à execução fiscal, não constitui causa de pedir e estava completamente arredada dos presentes autos, não sendo, sequer, de ponderar a possibilidade do seu conhecimento oficioso; tendo o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, ao decidir como efectivamente o fez, ido muito além do conhecimento das questões que lhe foram suscitadas pelas partes, o que acarreta um vício de nulidade da Sentença por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, o qual se invoca para todos os efeitos legais;
16-Desta forma, com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao assim não decidir, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria factual e jurídica relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
X
O T.C.A. Sul, em decisão sumária, julgou procedente a excepção de incompetência absoluta, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, mais sendo competente a Secção de Contencioso Tributário do S.T.A. (cfr.decisão exarada a fls.116 a 128 do processo físico).
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.140 a 142 do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.69 a 71 do processo físico):
1-A Fazenda Publica prosseguiu com a execução fiscal nº1562201201044796 e aps., que corre termos no 1º Serviço de Finanças de Sintra, por dívida de coimas aplicadas em 2012 a 2014, por reversão da execução instaurada contra a Sociedade “ C……………, Ldª”, na pessoa de A………….. e B………........ (cfr Informação constante de fls 31 e segs, e autos de execução apenso);
2-Em face da constatação da insuficiência de bens em nome da sociedade para solver a dívida exequenda, tendo-se determinado a notificação dos oponentes para o exercício do direito de audição antes da decisão de reversão da execução, conforme despacho de 08.01.2016, tendo os revertidos exercido tal faculdade legal – cfr. Despachos e Ofícios de fls 9 a 15 e resposta de fls 17 v.e 18, do Proc exe. Apenso;
3-Por despacho proferido em 11.02.2016, pelo Chefe de Finanças de Sintra 1, e com base nos elementos constantes do processo, foi determinado a reversão da execução contra os oponentes, cujo conteúdo se dá por reproduzido, tendo-se citado os revertidos para a execução – cfr Despacho de fls 24, Despacho de Reversão de fls 24 v. a 27. e Oficio de citação de fls 28 a 33, do proc exe. Apenso;
4-Da certidão da C.R.Comercial de Sintra relativa à sociedade devedora originária consta que foram nomeados gerentes da sociedade, os oponentes, obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente, tendo sido declarada a insolvência da sociedade, em 16.03.2011 – cfr Informação do Juizo de Comércio da C.G.L.- Norioeste, de fls 6 e Informação dos serviços de fls 31 e segs, dos autos e ”Certidão Permanente” da C.R.C de Sintra, de fls 5 v a 7v. ., do proc. exe. apenso.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Dos factos constantes da oposição, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade acima descrita…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…".
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a presente oposição, com fundamento na ilegitimidade dos oponentes quanto às coimas aplicadas, mais declarando a extinção do processo executivo contra os mesmos revertido.
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em síntese, que a questão da culpa dos oponentes pela insuficiência patrimonial da sociedade não foi alegada na petição inicial de oposição à execução fiscal, mais não sendo matéria de conhecimento oficioso. Que o Tribunal "a quo", ao decidir como efectivamente o fez, foi muito além do conhecimento das questões que lhe foram suscitadas pelas partes, o que acarreta um vício de nulidade da sentença por excesso de pronúncia (cfr.conclusões 10 a 15 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar uma nulidade da decisão recorrida devido a excesso de pronúncia.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei) ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "ultra petita", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado "questões" e, por outro, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das "questões") integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados.
E recorde-se que o objecto do recurso está dependente do objecto inicial da acção definido, essencialmente, a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos artºs.264 e 265, do C.P.Civil (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.49 a 58 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.57; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o excesso de pronúncia (vício de "ultra petita"), como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/09/2010, rec.1149/09; ac.S.T.A-2ª. Secção, 10/03/2011, rec.998/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 11/07/2019, rec.557/07.5BECBR; ac.S.T.A-2ª.Secção, 3/06/2020, rec.546/11.5BEBRG; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.366 e seg.).
"In casu", desde logo, se dirá que no articulado inicial (cfr.p.i. junta a fls.2 a 4 do processo físico), os opoentes e ora recorridos estruturaram os seguintes fundamentos/ causas de pedir para a presente oposição (recorde-se que a causa de pedir se pode definir como o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, não bastando a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão para que se verifique o preenchimento de tal exigência legal - cfr.artº.581, nº.4, do C.P.Civil; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª.Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.245; José Alberto dos Reis, Comentário ao C.P.Civil, II Volume, Coimbra Editora, 1945, pág.369 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes e Outros, Código de Processo Civil Anotado, I Volume, Almedina, 2019, pág.605):
1-A ilegalidade da reversão da execução efectuada, sendo os opoentes parte ilegítima na execução, visto que as dívidas em causa são posteriores à declaração de insolvência da sociedade executada originária, assim não sendo da sua responsabilidade mas antes do Administrador da insolvência (cfr.artºs.4 a 9 do articulado inicial);
2-Prescrição das dívidas exequendas revertidas, dado que notificadas a ambos os oponentes após o decurso do prazo de quatro anos, contado a partir de 2012 (cfr.artº.3 do articulado inicial).
Pelo que, tendo a sentença recorrida julgado procedente a presente oposição, com fundamento na ilegitimidade dos oponentes quanto às coimas aplicadas, mais declarando a extinção do processo executivo contra os mesmos revertido, o Tribunal "a quo" moveu-se dentro dos parâmetros das questões que lhe foram postas pelas partes, assim não incorrendo em pronúncia excessiva e, por consequência, se julgando improcedente este esteio do recurso.
O recorrente dissente do julgado alegando, igualmente e em síntese, que os oponentes e ora recorridos estavam impedidos de se coligarem, pelo facto de nos encontrarmos, no caso em apreço, não perante uma causa de pedir única, mas perante diversas causas de pedir, e, nesta conformidade, face a coligação ilegal de autores, excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta ao conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da Fazenda Pública da instância, nos termos dos artºs.278, nº.1, al.e), e 577, al.f), ambos do C.P.Civil, aplicáveis "ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P.T. (cfr.conclusões 2 a 9 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Em sede do exame da legitimidade, activa ou passiva, nas relações com pluralidade de interessados, surge-nos a figura da coligação de autores e de réus (cfr.artºs.36, 37 e 577, al.f), ambos do C.P.Civil), regime de aplicação subsidiária ao processo tributário "ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P.T., o qual tem por fundamento, além do mais, a ideia da obtenção de ganhos ao abrigo do princípio de economia processual (cfr.artºs.6, nº.1, e 130, ambos do C.P.Civil; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.996/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/06/2013, rec. 551/13).
Assim nos aparece a possibilidade de coligação de opoentes, em sede de processo de oposição à execução fiscal. Adaptando-se o regime processual civil à oposição à execução fiscal, será admissível a coligação de opoentes verificando-se os seguintes pressupostos, não cumulativos:
1-Quando a causa de pedir (factos jurídicos de que emerge o pedido de extinção ou suspensão da execução fiscal) seja a mesma e única face a todos os opoentes coligados;
2-Quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência;
3-Quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas (coligação fundada na conexão jurídica existente entre os fundamentos dos pedidos formulados).
Não se verificando qualquer dos referidos pressupostos, a coligação de oponentes constitui excepção dilatória, nos termos do artº.577, al.f), do C.P.C., pelo que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, atento o disposto no artº.278, nº.1, al.e), do mesmo diploma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, III volume, pág.542 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.159 e seg.; José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III Volume, Coimbra Editora, 1946, pág.145 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes e Outros, Código de Processo Civil Anotado, I Volume, Almedina, 2019, pág.67 e seg.).
"In casu", conforme aludido supra, os opoentes apresentaram-se em coligação a deduzir o articulado inicial da presente oposição a execução, fundando a mesma nas seguintes causas de pedir:
1-A ilegalidade da reversão da execução efectuada, sendo os opoentes parte ilegítima na execução, visto que as dívidas em causa são posteriores à declaração de insolvência da sociedade executada originária, assim não sendo da sua responsabilidade mas antes do Administrador da insolvência (cfr.artºs.4 a 9 do articulado inicial);
2-Prescrição das dívidas exequendas revertidas, dado que notificadas a ambos os oponentes após o decurso do prazo de quatro anos, contado a partir de 2012 (cfr.artº.3 do articulado inicial).
O Tribunal "a quo", em decisão tabelar, constante da sentença recorrida e em sede de saneamento da instância, considerou legal a coligação dos opoentes nos termos do citado artº.36, do C.P.Civil.
Haverá, portanto, que saber se tais causas de pedir podem fundar a coligação dos opoentes e ora recorridos, para tanto devendo enquadrar-se na previsão do artº.36, do C.P.Civil.
Pensamos que sim.
Expliquemos porquê.
Conforme se alcança da petição inicial apresentada pelos oponentes, estes invocam a sua ilegitimidade para a execução, com o argumento de que as dívidas que constituem a quantia exequenda foram constituídas posteriormente à declaração de insolvência da executada originária, mais não sendo nessa altura responsáveis pelos destinos da sociedade insolvente, mas sim o administrador judicial. Invocam, igualmente, a prescrição da dívida exequenda, por lhes ter sido notificada, a ambos, após o decurso do prazo de 4 anos.
Portanto, os fundamentos da oposição (a alegada ilegitimidade dos revertidos e a prescrição da dívida exequenda), consubstanciam esteios similares a ambos os opoentes, tal como as causas de pedir em que suportam esses alicerces da oposição, ou seja, a alegação de que a dívida foi constituída após a declaração de insolvência da sociedade executada originária, tal como o argumento de terem sido notificados (ambos) da dívida após o decurso do prazo de 4 anos.
Assim sendo, entendemos que a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez dos pressupostos da coligação de autores/opoentes, ao abrigo do artº.36, nº.1, do C.P.Civil, dado que as causas de pedir estruturadas no articulado inicial da presente oposição abrangem ambos os oponentes (e dependem, essencialmente, da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito), mais devendo concluir-se pela regularidade da instância relativamente à parte activa (cfr. ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.996/10).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 10 de Março de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator) - Paulo José Rodrigues Antunes - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.