Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:087/18.0BALSB
Data do Acordão:11/28/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ANULAÇÃO
VÍCIO DE FORMA
Sumário:O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.
Nº Convencional:JSTA000P23887
Nº do Documento:SAP20181128087/18
Data de Entrada:01/30/2018
Recorrente:DIRECTORA GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A DIRECTORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada recorreu da decisão proferida pelo CAAD no processo 136/2017-T, em que era parte A…………….. LIMITED, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 152º do CPTA, por a mesma se encontrar em contradição, com o acórdão fundamento proferido em 7 de Setembro de 2011, por este STA, no processo nº 0416/11.

Alegou tendo concluído como se segue:
I- O presente Recurso para uniformização de jurisprudência destina-se a promover o valor da igualdade na aplicação do Direito, com vista a obter uma decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que, verificando-se idêntico quadro normativo, houve uma divergente interpretação legal que determinou decisões contraditórias, como acontece entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento invocado.
II- No que se refere aos requisitos da admissibilidade do presente recurso, nos termos do artigo 152° do CPTA, verifica-se a identidade dos factos, assim como das normas de direito que são aplicáveis às duas situações, quer do Acórdão fundamento, quer da decisão arbitral recorrida, pois que, estão em causa em ambas as situações liquidações de IRC que foram anuladas por padecerem de vício de forma de falta de fundamentação, e em ambas as situações foi interpretado e aplicado o artigo 43° da LGT de formas diametralmente opostas.
III- Pelo que, o thema decidendum do Acórdão fundamento, é efectivamente o mesmo da decisão recorrida existindo contradição de julgados entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, razão pela qual deve o presente Recurso ser admitido.
IV- E, atenta a incongruência de decisões proferidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no artigo 43° da LGT no que respeita ao direito a juros indemnizatórios em caso de ilegalidade de liquidação por vício de forma, importa por isso, proferir decisão que uniformize a jurisprudência sobre o assunto.
V- Na verdade, perante a mesma factualidade, e perante a aplicação da mesma disposição legal no que se refere ao direito a juros indemnizatórios em resultado da anulação de actos de liquidação com fundamento em vício de forma, sustenta a Entidade Recorrente no presente Recurso, que a uniformização de jurisprudência deve respeitar a decisão contida no acórdão fundamento proferido pelo STA no processo n°0416/11 de 7/09/2011, já que este fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos.
VI- Salvo o devido respeito, verifica-se que a decisão arbitral andou mal ao entender que, «(...) Do deferimento do pedido, deverá resultar o reembolso à Requerente dos montantes indevidamente pagos, com referência aos anos de 2012 e 2013, acompanhada dos respetivos juros indemnizatórios, computados nos termos do artigo 43.° da LGT
VII- No caso dos autos, a liquidação foi anulada em sede arbitral por procedência do pedido mas sustentada no vício de falta de fundamentação dos actos de liquidação.
VIII- Ora, em face disso, entendeu a decisão arbitral, que ficava “prejudicada a análise dos restantes vícios e ilegalidades apontados pela Requerente, nomeadamente, a violação do disposto no artigo 41.° do Código do IRS”.
IX- No entanto, no que respeita ao direito a juros indemnizatórios, a Decisão recorrida refere que: «Deste modo, tendo-lhe sido dada razão no âmbito do presente pedido arbitral, reconhecendo-se a ilegalidade do procedimento adotado pela AT e, em consequência, a ilegalidade dos atos de liquidação em crise, terá a Requerente que ser reembolsada desse montante, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios legalmente devidos, pelo tempo em que a Requerente se viu privada dessa quantia.»
X- Donde, a decisão arbitral, não apreciou a validade da relação jurídica fiscal subjacente à liquidação, não tendo concluído pela existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito dessa relação jurídica fiscal.
XI- Aliás, não foi feito qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária em face das disposições legais substantivas, pois que ficou consignado que essas questões ficavam prejudicadas com a declaração de ilegalidade por falta de fundamentação.
XII- Assim, não podia a decisão recorrida decidir que a anulação da liquidação por vício de falta de fundamentação preenchia os requisitos do artigo 43° da LGT, e que estava verificada a existência de erro imputável aos serviços condenando a entidade ora Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios ao Sujeito Passivo.
XIII- Deve, por isso, a decisão recorrida ser anulada nessa parte por se encontrar em contradição com a tese aqui propugnada e se encontra devidamente sustentada no Acórdão fundamento.
XIV- E da análise da questão referida pelo Acórdão fundamento, foi decidido que, inexiste direito a juros indemnizatórios, quando a anulação do acto de liquidação se baseia unicamente em vício formal de falta de fundamentação.
XV- No Acórdão fundamento, encontra-se definido o conceito de “erro”, nos termos e para os efeitos do artigo 43° da LGT, onde se encontra definido que:
«(…) o direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Ou seja, a lei quis somente relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a Administração Tributária a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não relevando, assim, os vícios que, ferindo, embora, de ilegalidade o acto, não impliquem uma errónea definição daquela relação, não impliquem a existência de uma liquidação superior à legalmente devida (como acontece com os vícios formais ou procedimentais).
Na verdade, o reconhecimento judicial de um vício formal nada diz ou revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação tributária face às normas substantivas, pois que se limita a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar, não implicando, pois, a existência de um vício na relação jurídica tributária, nem a existência de um juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração
XVI- E o douto Acórdão fundamento conclui do seguinte modo: «Neste enquadramento, se o acto de liquidação é anulado por força de uma ilegalidade que não implica uma errada definição da situação tributária, isto é, de uma ilegalidade que não implica forçosamente que a prestação tributária seja legalmente indevida, não pode falar-se em direito a juros indemnizatórios à luz do artigo 43.° da LGT
XVII- Ora, forçoso é concluir, que os vícios de forma, tais como a falta de fundamentação, não são susceptíveis de serem considerados erro, para os efeitos do artigo 43° da LGT, pois que, esse vício não implica que tenha havido errada definição da relação jurídica tributária.
XVIII- Pelo que, a uniformização de jurisprudência deverá ser feita no sentido de respeitar o acórdão fundamento, porque está em total adesão àquilo que foi decidido por este douto Tribunal, em vários outros processos (tendo sido citados apenas dois entre muitos), assim, como também em Acórdãos do TCA Sul; Acórdãos nos quais, também estando em causa a anulação de liquidações por vício de forma foi entendido não ser de reconhecer o direito a juros indemnizatórios por não estarem preenchidos os pressupostos constantes do artigo 43.°da LGT.
XIX- A decisão recorrida, salvo o devido respeito, ao decidir em contrário ao entendimento do Acórdão fundamento, andou mal ao considerar verificados os pressupostos constantes do artigo 43° da LGT e ao condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, razão pela qual deve ser nessa parte, e substituída por outra que indefira o pedido de juros indemnizatórios.
XX- Pelo que ficou exposto, verifica-se que a decisão arbitral aqui recorrida, se encontra em contradição com a jurisprudência mais recentemente consolidada, pelo que deve este douto Tribunal admitir o presente recurso e, analisado o seu mérito, seja dado provimento ao mesmo, devendo ser uniformizada a jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, revogando-se a decisão arbitral recorrida naquela parte, com todas as legais consequências, designadamente determinando-se o indeferimento do pedido na parte respeitante ao direito a juros indemnizatórios, por não se encontrarem verificados os pressupostos do artigo 43° da LGT.
TERMOS EM QUE deverá considerar-se Procedente o presente recurso, anulando a decisão impugnada na parte recorrida e decidindo a questão controvertida deverá ser uniformizada a jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, com todas as legais consequências.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido da procedência do recurso revogando-se o decidido pelo tribunal arbitral na parte em que determinou que o reembolso fosse acompanhado dos juros em questão.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na decisão recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo de natureza interna, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro em cumprimento das Ordens de Serviço n.°s OI201501782/3, de 18/09/2015, o qual foi de âmbito parcial em sede de IRC e incidiu sobre os períodos de tributação de 2012 e 2013;
B) Daquele procedimento inspetivo resultou a realização de correções aritméticas, nos montantes de € 32.802,95 e de € 31.005,46, relativas, respetivamente, aos períodos de tributação de 2012 e de 2013;
O) No Relatório Final de Inspeção Tributária que foi elaborado no âmbito do referido procedimento inspetivo, as correções então efetuadas em sede de IRC, foram justificadas, no que ora releva, do seguinte modo:
i) Nos anos de 2012 e 2013, foram declarados pela Requerente os rendimentos e despesas relacionados com o imóvel de que a mesma é proprietária (evidenciados no Quadro n.° 1, reproduzido a págs. 5 do Relatório):
Quadro n°1

euros

Rubricas20122013
Rendas Recebidas (campo E01 anexo E, IES)49.530,2858.727,24
IMI (campo E102 anexo E, IES)2.952,042.95204
Despesas manutenção (campo E02 anexo E, IES)31.788,9533.045,48
Resultado líquido negativo (campo E05 anexo E, IES)0,000,00
Resultado fiscal (campo 301/302, quadro 09, mod. 22)14.791,2922.729,72

ii) Nos anos de 2012 e 2013, as rendas recebidas corresponderam às seguintes faturas (evidenciadas nos Quadros n.°s 2 e 3, reproduzidos respetivamente a págs. 5 e 6 do Relatório):

Quadro n° 2
Nº faturaDataInício ocupaçãoNoitesRendimento
531-12-201221-07-2012 - 2 semanas
14
49.530,28
31-05-2012- 5 semanas
35
13-07-2012 - 8 noites
8
16-08-2012 - 11 noites
11
19-09-2012 - noites
6
TOTAL74

Quadro nº 3
Nº faturaDataInício ocupaçãoNoitesRendimento
828-07-201305-07-2013 - 15 noites
15
10.398,85
927-07-201320-07-2012 - 1 semana
7
5.930,23
1028-07-201304-08-2013 - 2 semanas
14
11.793,08
1110-08-201317-08-2013 - 14 semanas
14
11.724,13
1210-08-201310-08-2013 - 5 semanas
35
18.880,95
TOTAL
85
58.727,24


iii) No Anexo 1 ao Relatório Final de Inspeção Tributária “estão discriminadas as despesas suportadas, tendo sido elaborados com base nos documentos facultados pelo sujeito passivo” (pág. 6 do Relatório);
iv) As importâncias recebidas a título de renda pela Requerente “são consideradas rendimentos prediais (categoria F do IRS, artigo 8º”) (pág. 6 do Relatório);
v) “As despesas suscetíveis de serem dedutíveis aos rendimentos prediais encontram-se previstas no artigo 41.º do CIRS “Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8º, deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontram documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis que incide sobre o valor dos prédios….cujo rendimento tenha sido englobado” - redação em vigor em 2012”(págs. 6 e 7 do Relatório);
vi) “No Anexo 1, coluna «Despesas enquadráveis no artigo 41.º do CIRS», estão identificadas as despesas suscetíveis de serem dedutíveis aos rendimentos prediais (pág. 7 do Relatório);
vii) Tratando-se de um imóvel arrendado durante alguns períodos, “as despesas dedutíveis deverão ser consideradas proporcionalmente tendo por base o número de dias do arrendamento, ou seja, 74 dias em 2012 e 85 em 2013, conforme resulta do quadro nº 2, o que corresponde a 20,22% (74/365) e 23,29% (85/365)”(pág. 7 do Relatório);
viii) Aplicando tais percentagens aos valores considerados nos termos do artigo 41.° do CIRS, temos o seguinte (evidenciado no Quadro n.° 4 reproduzido a págs. 7 do Relatório):

Quadro n°3
20122013
% ocupação (1)20,22%23,29%
Despesas dedutíveis (2)9.575,5521.436,49
Despesas aceites (3)=(1)x(2)1.936,044.992,06

ix) O rendimento líquido da categoria F, nos montantes constantes do Quadro n.° 4 (evidenciado a págs. 8 do Relatório) “corresponde à matéria tributável em sede de IRC

Quadro n°4
20122013
Rendimento bruto - Rendas (1)49.530,2858.727,24
Deduções (2)1.936,044.992,06
Rendimento líquido (3)=(1)-(2)47.594,2453.735,18
Resultado declarado (4)14.791,2922.729,72
Correção efetuada (5)=(3)-(4)32.802,9531.005,46

x) Apurou-se, assim, IRC a pagar adicionalmente no montante de € 4.920,44, no ano de 2012, por aplicação da taxa de 15%, nos termos da alínea f) do n.° 4 do artigo 87.° do CIRC e, no ano de 2013, no montante de € 7.751,37, por aplicação da taxa de 25% em 2013, nos termos da mesma norma;
xi) Os Quadros constantes do Anexo 1 do Relatório evidenciam a seguinte informação:


Fatura nºDataDescritivoValorFornecedorDespesas enquadráveis no artº 41 do CIRS
imi pago em 20132.952,03
11 faturas2012 *Eletricidade3.725,19EDP
13 faturas2011 *água6.286,37…………..
12 faturas2012 *gás1.324,56………………
12 faturas2012*Manutenção1.845,00…………………..… Ltd
18318-01-2012quota anual200,00……………. Quinta do Lago
l7 faturas2012*Serviços de limpeza e segurança social dos serviços de limpeza2.935,42…………………… Ldt
90102-03-2012Serviços de segurança1.672,53………………….. Lda
2 faturas2012*Serviço de manutenção 21.065,50…. Serviços de manutenção de propriedades
14 faturas2012 *Serviço de manutenção jardim9.575,55........ – jardins e manutenção9.575,55
2544, 9402012 *Detergentes237,77…………………. Ltd
2 faturas2012 *Mão de obra, diferencial 4 palas modulo de ignição, bomba submersível794,29…………………….
3 faturas2012*Mão de obra e deslocação e material67,96…………………… Ltd
4431-03-2012Fixação de varão para cortinado, subst. Lâmpadas, mão de obra, deslocação e materiais63,88……………………. Ltd
63423-04-1012renovação extintor73,80…………………….. Ltd
624-01-2012 inspeção gás45,00......... – gabinete de engenharia
seguro1.650,40…………………………
TOTAL34.515,259.575,55
*O valor apresentado engloba várias faturas com o mesmo descritivo, emitidas pelo fornecedor identificado no ano em análise

Fatura nºDataDescritivoValorFornecedorDespesas enquadráveis no artº 43 CIRSObservações
imi pago em 20142.952,03
seguro 1.699,82……………..
353619-07-2013lâmpadas43,27……………… Ltd
337630-06-2013mão de obra e deslocação31,98…………..…. Ltd
473128-06-2013Reparação da máquina de lavar louça49,59........................49,59
75728-08-2013Prestação de serviços74,41…………………
102925-07-2013Fornecimento e instalação fechadura95,94………….... Lda
147976222-05-2013injeções termitas1.061,49………. Portugal
441312-04-2013pintura portões, substituição chão cozinha, pintura das paredes da sala11.481,55…………….. Ltd11.481,55
804283019-11-2013reparação frigorífico245,37…………….. Lda245,37
316326-04-2013renovação extintor73,80……………… Ltd
12 faturas2013*Serviços de manutenção1.845,00…………..…. Ltd
15 faturas2013*Jardinagem, manutenção, bomba para fogo, casinha, plantas, vasos, portão, projetor, jardinagem- construção13.733,52…………..… Lda6.642,00Foi aceite manutenção do jardim
2 faturas2013*Serviço de manutenção 21.065,50…….. Serviços de Manutenção de propriedades
12 faturas2013*água e tarifas6.078,05…………
4906723-10-2013Reparação instalação de gás65,9565,95
Total40.597,2721.436,49
* O valor apresentado engloba várias faturas com o mesmo descritivo, emitidas pelo fornecedor identificado no ano em análise

D) Foram emitidos em nome da Requerente a demonstração de liquidação de IRC n.° 2016 8310032115, de 28 de janeiro de 2016, a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.° 2016 00000016514 e a demonstração de acerto de contas n.° 2016 00001049703, ambas datadas de 1 de fevereiro de 2016, por referência ao período de 2012, bem como, a demonstração de liquidação de IRC n.° 2016 8310032137, de 28 de janeiro de 2016, a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.° 2016 00000016844 e a demonstração de acerto de contas n.° 2016 00001068871, ambas de 2 de fevereiro de 2016, por referência ao período de 2013;
E) A Requerente procedeu, em 29 de março de 2016, ao pagamento do imposto e dos juros compensatórios apurados naquelas liquidações, no montante total de € 5.439,71;
F) A Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças de Loulé, Reclamação Graciosa contra os atos de liquidação de IRC de 2012 e 2013 identificados no ponto D) do probatório;
G) Através do Oficio n.° 11366, de 17 de outubro de 2016, da Direção de Finanças de Faro, a Requerente foi notificada do Projeto de Indeferimento Parcial da referida Reclamação Graciosa, com os fundamentos que aí constam;
H) Por Ofício n.° 12946, de 24 de novembro de 2016, da Direção de Finanças de Faro, a Requerente foi notificada da decisão final proferida no processo de reclamação graciosa referido nos pontos F) e G) do probatório, tendo sido mantida a decisão de deferimento parcial projetada;
I) Na sequência da decisão referida no ponto H) do probatório, foram emitidos atos de liquidação de IRC e Juros Compensatórios n°s 2016 8310036935 e 2016 8310036957, com referência, respetivamente, a 2012 e 2013.

No acórdão fundamento deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A- A impugnante é uma sociedade comercial, cujo objecto social é a exploração de hotéis.
B- Em 31/05/1999 a impugnante apresentou a declaração de IRC (modelo 22), relativamente ao exercício de 1998, acompanhada dos anexos 22-A e 22-D, tendo autoliquidado imposto no montante de Esc. 192.242.549$00.
C- O imposto mencionado na alínea anterior foi pago em 02/06/1999, através da guia 42801021180.
D- Foi emitida e remetida à impugnante a liquidação n.º 2310192002, referente a IRC do exercício de 1998, no montante de Esc. 1.728.673$00, sendo o montante de Esc. 1.691.806$00 respeitantes a juros compensatórios liquidados ao abrigo do art.° 84.° do CIRC e o montante de Esc. 36.868$00 referentes a juros liquidados ao abrigo do art.° 86.° do CIRC.
E- A impugnante procedeu ao pagamento dos juros mencionados na alínea anterior em 03/12/1999.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos.
Dispõe o artigo 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo da qual foi o presente recurso interposto, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Também se colhe do n.º 3 do mesmo preceito legal que ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.
Há, assim, primeiramente, saber se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA (rec. n.º 0416/11) invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após - caso seja de reconhecer a existência de tal oposição -, se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).
Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)».

Vejamos se tais pressupostos se verificam nos casos dos autos.
Na decisão recorrida anulou-se o acto tributário com o seguinte fundamento:
Em face do exposto, verifica-se que os atos de liquidação de IRC e Juros Compensatórios ora contestados padecem ab initio do vício de falta de fundamentação, consubstanciada na insuficiência do Relatório de Inspeção, considerando o Tribunal que esse vício é insuscetível de ser suprido posteriormente à emissão dos próprios atos de liquidação.
Assim, declara-se a ilegalidade dos atos de liquidação em crise, referentes ao IRC de 2012 e de 2013 e, bem assim, da decisão de deferimento parcial proferida no processo de Reclamação Graciosa relativa a tais atos, por violação do disposto nos artigos 77.º da Lei Geral Tributária, nos artigos 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo, no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e, por fim, no artigo 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Como o contribuinte já havia procedido ao pagamento do imposto liquidado e acrescidos, ordenou-se o reembolso à Requerente dos montantes indevidamente pagos, com referência aos anos de 2012 e 2013, acompanhada dos respetivos juros indemnizatórios, computados nos termos do artigo 43.º da LG.T.

Por sua vez no acórdão fundamento, 0416/11, de 07.09.2011, decidiu-se, tal como resulta do respectivo sumário:
I – O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
II – A anulação de um acto de liquidação baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.

Como bem se percebe da leitura superficial do acórdão deste STA e da decisão do CAAD é manifesto que ocorre oposição e contradição entre ambas, enquanto que na decisão recorrida se considerou legalmente adequada a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios na sequência de anulação de acto tributário em razão da sua falta de fundamentação, já no acórdão fundamento se entendeu que a anulação de um acto tributário em consequência de vício de forma da falta de fundamentação não dava origem ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 43º, n.º 1 da LGT.

Assim definido o âmbito da divergência entre a decisão do CAAD e deste Supremo Tribunal e, consequentemente, deste recurso, há que decidir.
A questão que aqui vem colocada já não é nova e tem sido decidida por este Supremo tribunal de modo uniforme em sentido contrário ao propugnado na decisão do CAAD.
Entre muitos outros podem ver-se os acórdãos proferidos nos processos 080/07 de 21.01.2007, 0244/08 de 01.10.2008, 0622/08 de 29.10.2008, 0892/09 de 02.12.2009, 0945/08 de 21.01.2009, 0369/09 de 09.09.2009, 665/09 de 04.11.2009, 0942/09 de 20.01.2010, 01091/09 de 03.02.2010, 0876/09 de 08.06.2011, 0416/11 de 07.09.2011, bem como o acórdão do Tribunal Constitucional proferido no processo n.º 203/13 de 22.01.2014.
Assim, e não havendo razão de facto ou de direito para alterar esta doutrina que vem sendo seguida ao longo do tempo, apenas se reafirmará o que se deixou escrito no acórdão fundamento:
Segundo o disposto no nº 1 do artigo 43º da LGT, «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
O que significa que o direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Ou seja, a lei quis somente relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a Administração Tributária a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não relevando, assim, os vícios que, ferindo, embora, de ilegalidade o acto, não impliquem uma errónea definição daquela relação, não impliquem a existência de uma liquidação superior à legalmente devida (como acontece com os vícios formais ou procedimentais).
Na verdade, o reconhecimento judicial de um vício formal nada diz ou revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação tributária face às normas substantivas, pois que se limita a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar, não implicando, pois, a existência de um vício na relação jurídica tributária, nem a existência de um juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração.
Sobre esta questão, o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Na anotação 5ª ao artigo 61.º do “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado” a fls. 472.) pronuncia-se em termos impressivos e que, por isso, não resistimos a citar: «A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão “erro” tem um âmbito mais restrito do que a expressão “vício”.
Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão “vícios” quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101º (arguição subsidiária de vícios) e 124º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos deste Código. Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão “erro”, tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios.
Esta é, aliás, uma restrição que se compreende. Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade.
Mas o reconhecimento judicial de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência de esse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, justifica-se que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.
Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas.
Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.
Por isso se justifica que, nestas situações, não se comprovando a existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.
Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual.
Na verdade, perante o simples reconhecimento judicial de um vício de forma ou de incompetência fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária; se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização); verdadeiramente, a regra aplicável, a mesma em ambos os casos, é a de não impor deslocações patrimoniais sem uma prova positiva da existência de uma situação, ao nível da relação tributária, em que elas devem ocorrer.
Assim, compreende-se que, nos casos em que há uma anulação de um acto administrativo ou de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que devia assentar, casos em que há a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, seja atribuída uma indemnização (no caso sob a forma de juros), e não seja feita idêntica atribuição nos casos em que a decisão judicial não implica a antijuricidade material da exigência daquela prestação.».
Neste enquadramento, se o acto de liquidação é anulado por força de uma ilegalidade que não implica uma errada definição da situação tributária, isto é, de uma ilegalidade que não implica forçosamente que a prestação tributária seja legalmente indevida, não pode falar-se em direito a juros indemnizatórios à luz do artigo 43.º da LGT.
Esta já era, aliás, a leitura que a jurisprudência vinha fazendo do preceituado no artigo 24.º do Código de Processo Tributário, pese embora o preceito fosse bem mais equívoco, dispondo, tão somente, que havia direito a juros indemnizatórios «quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços» - cfr. os Acórdãos do STA proferidos em 17/11/04, no Rec. nº 772/04, em 27/06/07, no Rec. nº 080/07 e em 5/05/99, no Rec. nº 05557A.
No caso vertente, a anulação dos juros compensatórios liquidados à Impugnante resultou de vício formal de falta de fundamentação, e não de qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido dessa prestação tributária à luz das normas substantivas.
Consequentemente, face às considerações que antecedem e dado que a Administração Tributária pode, perante o julgado, e desde que elimine o referido vício formal do acto de liquidação, praticar novo acto de igual conteúdo e proceder à liquidação do mesmo montante de juros compensatórios por ser esse montante legalmente devido em face das normas substantivas, não pode concluir-se, à luz do artigo 43.º da LGT, que se encontram reunidos os requisitos para a Impugnante poder ser indemnizada por ter ficado desprovida da quantia paga em resultado da liquidação anulada.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
-conceder provimento ao recurso e, em consequência, uniformizar jurisprudência com o seguinte sentido:
O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.
-anular parcialmente a decisão arbitral recorrida, no que respeita aos juros indemnizatórios, com os fundamentos atrás expostos.
Custas pela recorrida.
D.n.

Lisboa, 28 de Novembro de 2018. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo.