Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0241/11
Data do Acordão:12/07/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IVA
DEDUÇÃO DE IMPOSTO
FACTURAS FALSAS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TEMPESTIVIDADE
INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I - A intempestividade do meio impugnatório implica a não pronúncia do tribunal sobre as questões suscitadas na petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, na medida em que a lide impugnatória não chega a ter o seu início, razão pela qual não é nula por omissão de pronúncia a sentença que tendo julgado intempestiva a impugnação deduzida, não se pronunciou sobre a questão da caducidade do direito à liquidação.
II - Até à revogação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º do CPPT o legislador admitia a possibilidade de ser deduzida reclamação graciosa no prazo de um ano com fundamento na preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial do facto tributário, considerando-se que se verificaria o fundamento da inexistência total ou parcial do facto tributário em caso de violação das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais.
III - Para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 70.º do CPPT, na redacção anterior à da Lei n.º 60-A/2005,de 30 de Dezembro, não se consubstancia no fundamento “inexistência do facto tributário” a reclamação dirigida contra a correcção meramente aritmética do IVA deduzido pelo sujeito passivo em virtude da consideração pela Administração tributária de terem sido simuladas as prestações de serviços tituladas pelas facturas desconsideradas (porque alegadamente falsas) para efeitos do direito à dedução do imposto suportado (artigo 19.º n.º 3 do CIVA).
Nº Convencional:JSTA00067290
Nº do Documento:SA2201112070241
Data de Entrada:03/14/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA DE 2009/11/30 PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IVA
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART2 E ART70 ART99 ART102 ART125
CPC96 ART660 N2
CIVA08 ART19 N3
L 60-A/2005 DE 2005/12/30
LGT98 ART75
CONST76 ART104 N2
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC449/11 DE 2011/10/12; AC STA PROC196/09 DE 2009/03/25; AC STA PROC802/08 DE 2009/02/11
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A……, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 30 de Novembro de 2009, que, nos autos de impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente na sequência do indeferimento de reclamação graciosa por ele interposta contra liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas a 2000, julgou improcedente a impugnação, por manifesta caducidade do direito de impugnar.
O recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A) Como se lê do teor da reclamação graciosa, bem como da impugnação judicial que interesse ao caso em crise nestes autos, o impugnante/recorrente pugna pela inexistência de facto tributário.
B) É isso que para ele está em causa.
C) Sendo acerca disso mesmo que se pronunciou a AT na decisão sobre a reclamação graciosa, conforme se alcança da proposta de decisão, a fls. dos autos, no ponto 1 – sob a epígrafe 2 da inexistência de facto tributário”.
D) O mesmo resulta do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, de fls. dos autos, no qual a AT se pronuncia sobre a inexistência de facto tributário”.
E) A AT considerou “ab initio” a possibilidade de inexistência de facto tributário, alegado pelo recorrente, ainda que, a final, não lhe desse a razão devida.
F) De facto, o que a AT entendeu que não haveria inexistência do facto tributário, mas antes um recurso a métodos indirectos, ou seja, uma avaliação indirecta nos termos do artigo 87 e 88 CPPT.
G) O Tribunal “a quo”, deveria ter-se pronunciado sobre a questão de saber se há ou não inexistência de facto tributário – residindo aqui o ponto de discórdia entre a AT e o recorrente.
H) Contendendo tal com a legalidade da liquidação, o que significa que o processo de impugnação é o próprio para apreciar essa alegada ilegalidade.
I) Só depois, decidindo eventualmente que não ocorre inexistência do facto tributário, é que o Tribunal “a quo” deveria decidir se sim ou não a reclamação é tempestiva.
J) Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10/09/2008, proferido no Processo n.º 0384/08, que diz que: “a inexistência ou não do facto tributário consubstancia uma questão relativa à ilegalidade da liquidação. Tendo o serviço de finanças decidido que não há inexistência do facto tributário e que por isso a reclamação graciosa foi intempestivamente apresentada, o tribunal, em sede de impugnação judicial, deve apreciar a questão inexistência ou não do facto tributário.”
K) Ora, o Tribunal “a quo”, limitou-se, sem mais, e sem qualquer fundamentação, a decidir que “não obstante nela ter o impugnante invocado a “inexistência de facto tributário” os fundamentos aduzidos não correspondem à alegada inexistência de facto tributário, mas a errónea qualificação e quantificação do acto tributário”.
L) Contudo, não assiste qualquer razão ao Tribunal “a quo” quando refere que “uma vez que o despacho que decidiu a reclamação não chegou a entrar no mérito da mesma, não apreciando a legalidade da liquidação, não podem os impugnantes servir-se da notificação daquela decisão para efeitos de contagem do prazo para impugnar. Se tal fosse possível, estaria aberta a porta para, decorrido que fosse aquele prazo, “ficar” de novo em tempo para impugnar qualquer liquidação, bastando para tal reclamar graciosamente, ainda que já tivesse decorrido o prazo para o efeito”.
M) A impugnação judicial é o meio adequado a conhecer da inexistência do facto tributário alegado pelo recorrente.
N) Os factos alegados na impugnação, que consubstanciam a inexistência do facto tributário, sempre seria de um ano o prazo para apresentar reclamação graciosa, pelo que a impugnação é tempestiva, e o “meio processual próprio para impugnar a decisão de indeferimento de recurso hierárquico, interposto de decisão de reclamação graciosa, que confina a apreciação da legalidade do acto de liquidação (neste sentido veja-se acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09/10/2008, proferido no processo 0567/08).
O) Ainda neste mesmo sentido veja-se o Acórdão do STA de 2/04/2009, proferido no processo 0125/09, que dispõe que “ainda que na reclamação graciosa não tenha sido apreciada a legalidade do acto de liquidação, é sempre possível impugnar judicialmente a decisão de indeferimento da reclamação graciosa. Tendo a reclamação sido indeferida por a mesma ser intempestiva, a impugnação dessa decisão de indeferimento tem também de incidir sobre esse fundamento, mas não se tem de limitar ao mesmo, podendo ser discutida a legalidade das liquidações.”
Sem prescindir,
P) O Tribunal “a quo”, também não se pronunciou acerca da caducidade invocada pelo recorrente.
Q) Ignorou que o imposto sobre o valor acrescentado é um imposto de obrigação única, e não um imposto periódico, pois incide sobre factos tributários de carácter instantâneo.
R) No presente caso a liquidação adicional resulta da aplicação de métodos indirectos. (cfr. art. 45.º nº 2 da LGT), daí se infere que o prazo para a AT proceder à liquidação é de 3 anos.
S) Sucede que, alguns dos alegados factos tributários são referentes ao 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2000 e do 1.º e 2.º trimestre de 2001, e o projecto do relatório de inspecção apenas foi notificado ao contribuinte em 03/08/2004, ou seja, mais de 3 anos após a prática do acto tributário.
T) Assim, verificada a falta de liquidação e notificação do respectivo imposto dentro do respectivo prazo de caducidade, ocorre a sua inexigibilidade, excepção que desde já se invoca com as legais consequências (cf. art. 45.º nº 2 da LGT).
U) É possível a invocação da caducidade em sede de impugnação judicial, como defende Jorge Lopes de Sousa, CPPT anot., 2006, Áreas Editora, pág. 706, visto que “estando já esgotado o prazo de caducidade, a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade consistirá um obstáculo definitivo à prática de um acto de liquidação válido, pelo que será de aventar a hipótese de conhecer daquela como fundamento da inutilidade superveniente da lide”.
V) O Tribunal “a quo”, omitiu a pronúncia sobre tais factos, padecendo assim de omissão de pronúncia.
W) Assim, a AT violou as normas de incidência tributária, nomeadamente os art.s 82º nº1, 19º, nº3 do CIVA, art. 104, nº2 da CRP e art. 75º da LGT.
Termos em que V/Exas., Venerandos Conselheiros, decidindo em conformidade com o supra alegado, farão a costumada JUSTIÇA.
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Ministério Público não emitiu parecer (fls. 223, verso, dos autos).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
Importa em primeiro lugar averiguar se, como alegado, a sentença recorrida padece da omissão de pronúncia que o recorrente lhe assaca (cfr. conclusão V) das suas alegações de recurso), em virtude de não se ter pronunciado acerca da caducidade invocada pelo recorrente na sua petição de impugnação (cfr. as conclusões P) a V) das alegações de recurso).
Improcedendo a invocada omissão de pronúncia, haverá que julgar se, como decidido, é intempestiva a impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente na sequência do indeferimento (por intempestividade) da reclamação graciosa que interpusera.
5 – Matéria de facto
Para decidir a questão da tempestividade da impugnação, a sentença recorrida fixou os seguintes factos:
1. Na sequência de acção de inspecção, o impugnante foi notificado pessoalmente, em 23.12.2004, das seguintes liquidações adicionais de IVA e juros, efectuadas em conformidade com o relatório e resultado da inspecção:
- liquidação n.º 04370439, relativa a IVA do ano de 2000, no valor de € 27713,91, correspondente ao valor total da correcção ao 1.º, 2.º, 3.º e 4.º, trimestre de 2000;
- liquidações n.ºs 04370428, n.º 04370437, n.º 04370436 e n.º 04370435, relativas, respectivamente a juros compensatórios de IVA do 4T, 3T, 2T e 1T de 2000. – cf. relatório da inspecção e processo de reclamação graciosa, no apenso, nomeadamente, quanto à notificação, fls. 123 e 131.
2. O prazo de pagamento das liquidações referidas terminava a 31 de Janeiro de 2005 – cf. liquidações a fls. 126 e segs. do apenso.
3. Em 30.12.2005 o ora impugnante apresentou reclamação graciosa contra as referidas liquidações e juros, nos termos do art. 70.º, nº 2 e 102 do CPPT, com fundamento na “inexistência de facto tributário”, cujos fundamentos aqui se dão por reproduzidos – cfr. fls. 41ss do apenso
4. A reclamação foi indeferida, por despacho de 6.02.2008, notificado a 22.02.2008 – cf. fls. 154ss do apenso.
5. Conforme resulta do despacho de indeferimento, aqui dado por reproduzido “A reclamação é apresentada nos termos do artigo 70, n.º 2 do CPPT – “inexistência de facto tributário” -, no entanto, e nos termos do n.º 3 do art. 70 do mesmo Código, só se considera “que se verifica o fundamento da inexistência, total ou parcial, do facto tributário em caso de violação de normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo dos benefícios fiscais” – Verifica-se, assim, que o prazo para o pagamento voluntário ocorreu em 2005.01.31 e a reclamação foi apresentada em 2005.12.30, o que ultrapassa o prazo de 90 dias referido no nº 1 do art. 102, por imperativo do estabelecido no nº 1 do art. 70, ambos do Código de Procedimento e Processo Tributário, pelo que a sua intempestividade obsta à apreciação do mérito da causa. (…)”
6. A presente impugnação judicial foi apresentada em 12.03.2008 – cf. fls. 111 dos autos.
6 – Apreciando
6.1 Da alegada omissão de pronúncia
Alega o recorrente (cfr. conclusão V) das suas alegações de recurso) que o tribunal “a quo” omitiu a pronúncia sobre a caducidade invocada pelo recorrente na sua petição inicial de impugnação (cfr. conclusões P) a V) das suas alegações de recurso), padecendo assim a sentença recorrida de omissão de pronúncia.
A fl. 227 dos autos a Meritíssima Juíza “a quo” sustentou a inexistência de omissão de pronúncia porquanto conclui-se na sentença ora recorrida pela caducidade do direito de impugnar, pelo que, nos termos do n.º 2 do art. 660 do CPC, não tinha de conhecer das demais questões suscitadas. Por outro lado, a caducidade do direito de impugnar constitui excepção peremptória que, nos termos do n.º 3 do art. 493 do CPC, impede o conhecimento do mérito da causa.
Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) constitui causa de nulidade da sentença, entre outras, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, considerando-se como tais, nos termos do n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
No caso dos autos, o não conhecimento da questão da caducidade invocada pelo recorrente deriva da consideração pelo tribunal ”a quo” de que a impugnação entrou fora de prazo, pelo que é manifesta a caducidade do direito de impugnar (cfr. sentença recorrida, a fls. 159 dos autos), razão pela qual necessariamente se teria de abster de conhecer do(s) pedido(s), porque não deduzido em tempo.
Constitui, de facto, jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal – cfr., entre outros, os acórdãos de 21 de Maio de 2008 (rec. n.º 293/08), de 3 de Dezembro de 2008 (rec. n.º 803/08), de 11 de Fevereiro de 2009 (rec. n.º 802/08), de 25 de Março de 2009 (rec. n.º 196/09) e de 12 de Outubro de 2011 (rec. n.º 449/11) -, que a intempestividade do meio impugnatório implica a não pronúncia do tribunal sobre as questões suscitadas na petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso (o que nem sequer é o caso da caducidade do direito à liquidação, ao contrário do que sucede na prescrição), na medida em que a lide impugnatória não chega a ter o seu início.
Se o tribunal recorrido, ao julgar que caducara o direito de deduzir impugnação, fez errado julgamento é questão que não importa para a apreciação da nulidade da sentença, antes para a apreciação do seu mérito da decisão.
Improcede, pois, a arguição de nulidade por “omissão de pronúncia”.
6.2 Da intempestividade da impugnação deduzida
A sentença recorrida, a fls. 156 a 160 dos autos, julgou intempestiva a impugnação deduzida pelo recorrente, pois embora a impugnação tenha sido apresentada na sequência do indeferimento de reclamação graciosa, a reclamação era ela própria intempestiva, razão pela qual foi indeferida (porque apresentada no prazo de um ano previsto no então n.º 2 do artigo 70.º do CPPT sem que substancialmente se invocassem vícios integrantes da inexistência, total ou parcial, do facto tributário, antes correspondentes a errónea qualificação e quantificação do facto tributário). Considerou a sentença recorrida que o prazo de que o contribuinte dispunha para reclamar (ou impugnar) era o 90 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 70.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), in casu contados desde 31 de Janeiro de 2005, pelo que tendo apresentado reclamação graciosa em 30.12.2005, à data da sua apresentação encontrava-se expirado o prazo legal para o efeito (cfr. sentença recorrida a fls. 158 a 159 dos autos).
Mais ponderou a sentença a questão de saber se tendo a reclamação sido indeferida por extemporaneidade, poderia o impugnante deduzir o presente processo, concluindo negativamente por ter entendido que uma vez que o despacho que decidiu a reclamação não chegou a entrar no mérito da mesma, não apreciando a legalidade da liquidação, não podem os impugnantes servir-se da notificação daquela decisão para efeitos de contagem do prazo para impugnar, pois que se tal fosse possível, estaria aberta a porta para, decorrido que fosse aquele prazo, “ficar” de novo em tempo para impugnar qualquer liquidação, bastando para tal reclamar graciosamente, ainda que já tivesse decorrido o prazo para tal efeito (cfr. sentença recorrida, a fls. 159 dos autos).
Alega, porém, o recorrente, em síntese, que pugna pela inexistência de facto tributário, pelo que o Tribunal “a quo”, deveria ter-se pronunciado sobre a questão de saber se há ou não inexistência de facto tributário – residindo aqui o ponto de discórdia entre a AT e o recorrente, sendo o processo de impugnação o próprio para apreciar essa alegada ilegalidade. Mais alega que os factos alegados na impugnação consubstanciam a inexistência do facto tributário pelo que sempre seria de um ano o prazo para apresentar reclamação graciosa, pelo que a impugnação é tempestiva (cfr. as conclusões A) a N) das suas alegações de recurso, supra reproduzidas).
Vejamos.
Como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Abril de 2009 (rec. n.º 125/09), citado pelo recorrente nas suas alegações de recurso e respectiva conclusão O), ainda que na reclamação graciosa não tenha sido apreciada a legalidade do acto de liquidação, é sempre possível impugnar judicialmente a decisão de indeferimento da reclamação graciosa. Tendo a reclamação sido indeferida por a mesma ser intempestiva, a impugnação dessa decisão de indeferimento tem também de incidir sobre esse fundamento, mas não se tem de limitar ao mesmo, podendo ser discutida a legalidade das liquidações (sublinhados nossos).
No caso dos autos, como se extrai da petição inicial de impugnação apresentada (a fls. 25 a 43 dos autos), o impugnante nenhuma censura dirigiu à decisão de indeferimento por extemporaneidade da reclamação graciosa. Foi apenas em resposta à excepção de caducidade do direito de impugnar suscitada pela Fazenda Pública na sua contestação (a fls. 133 a 136 dos autos), que veio então alegar não ser extemporânea a impugnação apresentada, porquanto o impugnante baseou a sua impugnação na inexistência do facto tributário e, por outro lado, a impugnação foi apresentada no prazo legal após o indeferimento da reclamação graciosa, pelo que, ante os factos invocados, que consubstanciam a inexistência de facto tributário, sempre seria de um ano o prazo para apresentar reclamação graciosa, pelo que a presente impugnação está em tempo e não é extemporânea (cfr. réplica a fls. 142 e 143 dos autos).
Não obstante o alegado, o prazo de impugnação judicial não é, nem nunca foi, diverso, nos casos em que o fundamento invocado é o da inexistência do facto tributário ou de outros fundamentos de impugnação.
Nos termos do artigo 102.º do CPPT o termo inicial do prazo de impugnação difere, fundamentalmente, em função do tipo de acto impugnado, que não do fundamento da impugnação deduzida, o que, aliás, bem se compreende atento a que os fundamentos da impugnação podem consistir em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT) e podem ser invocados como fundamentos desta, a título principal ou subsidiário, vários vícios geradores daquele valor jurídico negativo.
Não obstante, até à revogação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º do CPPT (operada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro – OE/2006) o legislador admitia a possibilidade de ser deduzida reclamação graciosa no prazo de um ano com fundamento na preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial do facto tributário (cfr. o n.º 2 do artigo 70.º do CPPT, na redacção anterior à da Lei n.º 60.º-A/2005), considerando-se que se verificaria o fundamento da inexistência total ou parcial do facto tributário em caso de violação das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais (cfr. o n.º 3 do artigo 70.º do CPPT, na redacção anterior à da Lei n.º 60.º-A/2005).
Em caso de indeferimento da reclamação “graciosa” deduzida com aquele fundamento poderia ainda o interessado “aproveitar” do prazo de 15 dias posterior à notificação para deduzir impugnação judicial (do indeferimento da reclamação), na qual o acto reclamado seria apreciado (mesmo que o indeferimento da reclamação tivesse sido motivado pela extemporaneidade da reclamação, no pressuposto, claro está, de tal decisão administrativa ser impugnada e não dever ser confirmada pelo tribunal).
No caso dos autos, e ao contrário do alegado, a sentença recorrida não deixou de analisar, embora sumariamente, a questão da tempestividade da reclamação (a propósito da questão da tempestividade da impugnação), que implicava decidir se o fundamento aí invocado sob o nomen iuris “inexistência do facto tributário” se traduzia verdadeiramente nesse fundamento.
Fê-lo nos termos seguintes (cfr. sentença recorrida, a fls. 158/159):
«Como melhor resulta da reclamação e ainda do despacho de indeferimento da mesma, não obstante nela ter o impugnante invocado a “inexistência de facto tributário” os fundamentos aduzidos não correspondem à alegada inexistência de facto tributário, mas a errónea qualificação e quantificação do acto tributário.
Sobre o conceito de incidência, cfr. Jorge de Sousa, in CPPT anotado, 4º ed., Pag.347, de resto, citado e transcrito na contestação apresentada pela F.P.» (fim de citação).
Trata-se, é certo, de uma apreciação sumária da questão (e em grande medida remissiva), mas nem por isso desacertada.
De facto, aquilo que na reclamação graciosa o então reclamante designou por inexistência do facto tributário (números 1. a 26. da petição de reclamação, a fls. 42 a 45 do apenso administrativo junto aos autos) respeita, quanto ao IVA, à correcção de natureza meramente aritmética do valor do imposto deduzido levada a cabo pela Administração tributária com base na consideração de que os valores corrigidos corresponderiam a operações simuladas (facturas falsas), em relação às quais está vedado o legislador veda o direito à dedução (cfr. o n.º 3 do artigo 19.º do CIVA), juízo do qual o reclamante discorda e reclama (cfr. os números 1. a 12. da petição de reclamação, a fls. 42 a 44 do apenso administrativo). E embora tenha o impugnante vindo alegar (cfr. o n.º 7 da réplica, a fls. 142 dos autos) que tais factos se traduzem por parte da AT na violação de normas de incidência tributária, nomeadamente do art. 82º nº1, 19º, nº3 do CIVA, art. 104, nº2 da CRP e art. 75º da LGT, nenhuma das invocadas normas constitui norma de incidência tributária – que, como é sabido, são as que definem os sujeitos da relação jurídica de imposto (incidência subjectiva) e a riqueza sobre a qual o imposto recai (incidência objectiva) – pelo que a sua violação não se consubstancia, para efeitos de aplicação dos números 2 e 3 do artigo 72.º do CPPT (na redacção anterior à da Lei n.º 60-A/2005), na “inexistência de facto tributário”.
Bem andou, pois, a sentença recorrida ao julgar intempestiva a impugnação deduzida no prazo de 15 dias contados da notificação do indeferimento da reclamação graciosa, pois que a reclamação foi ela própria deduzida intempestivamente: como bem julgado, para invocar tempestivamente os fundamentos invocados na reclamação teria o reclamante de a ter deduzido no prazo fixado no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT (correspondente, ao tempo, ao prazo de impugnação judicial estabelecido no artigo 102.º do CPPT), e não no prazo de um ano previsto no então n.º 2 do artigo 70.º do CPPT, pois que os fundamentos concretamente invocados não correspondem substancialmente à inexistência do facto tributário tal como definido pelo legislador para efeitos de dedução de reclamação graciosa nos termos dos então vigentes n.º 2 e 3 do artigo 70.º do CPPT, na medida em que não traduzem na violação de normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais. Consequentemente, como bem decidido, para que a impugnação deduzida o tivesse sido tempestivamente, teria de tê-lo sido dentro dos 90 dias seguintes ao termo do prazo para pagamento do imposto liquidado (no caso dos autos, ocorrido a 31 de Janeiro de 2005, conforme o n.º 2 do probatório fixado), sendo manifestamente intempestiva a impugnação que apenas foi apresentada no dia 12 de Março de 2008 (cfr. o n.º 6 do probatório fixado).
Improcedem, deste modo, as alegações do recorrente, estando o seu recurso votado ao insucesso.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Dulce Neto.