Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 023/18.3BEBJA 0821/18 |
Data do Acordão: | 06/26/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL RECLAMAÇÃO ACTO VENDA EFEITO SUSPENSIVO NULIDADE PROCESSUAL |
Sumário: | I - Perante a instauração de reclamação contra o acto que determina a venda do bem penhorado sob imputação de diversas ilegalidades - como seja a de o valor do bem ter sido fixado sem respeito pelas normas legais e erro sobre a qualidade do bem anunciado – o órgão de execução fiscal fica impedido de realizar quaisquer actos e diligências processuais que consubstanciem actos de execução do acto reclamado, pois, tal como tem sido frisado pela jurisprudência, a execução tem de ser sustada até haver decisão definitiva quanto à legalidade do acto impugnado, sendo esse efeito suspensivo imprescindível para assegurar a tutela judicial efectiva dos direitos ou interesses do reclamante. II- A consumação da venda antes da decisão da reclamação constitui um desvio ao formalismo prescrito na lei, constituindo uma irregularidade processual submetida ao regime contido no art.º 201º do CPC e que determina a nulidade processual de todos os actos praticados. III – A posterior improcedência da reclamação não é susceptível de sanar os actos ilegais realizados e de os converter, de forma retroactiva, em actos válidos, sendo ilegal o despacho do órgão de execução fiscal que, desconsiderando a nulidade processual cometida, se limita a determinar a adjudicação do imóvel à sociedade que o adquirira naquele acto de venda. |
Nº Convencional: | JSTA000P24703 |
Nº do Documento: | SA220190626023/18 |
Data de Entrada: | 04/12/2019 |
Recorrente: | A............ UNIPESSOAL, LDA. |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. A…………, LDA, com os demais sinais dos autos, interpôs recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, exarado em 19/07/2018, que negou provimento ao recurso jurisdicional que interpusera da sentença de improcedência da reclamação judicial que deduzira contra o acto do órgão de execução fiscal que determinou a adjudicação do imóvel vendido na execução fiscal nº 0320-2010/1002230.9. 1.1. Apresentou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo: 1. O recurso de revista previsto no artigo 150º do CPTA é admissível no âmbito do contencioso tributário (vide, Acórdão desse STA de 16/05/2012, proferido no Recurso nº 0357/12). 2. Para efeitos de admissão do recurso, a importância fundamental da questão que constitui o seu objeto resulta quer da sua relevância jurídica quer social. 3. E a necessidade de melhor aplicação do direito deriva da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito (vide, entre outros, o Acórdão desse STA de 30-05-2007, proferido no Recurso nº 0285/07). 4. Tal questão radica em aferir, se tendo sido apresentada reclamação nos termos do artigo 276º do CPPT, com subida imediata, contra ato que determina a venda de bem penhorado, podem continuar a ser praticados no processo de execução fiscal atos decorrentes do despacho reclamado, enquanto aquela se encontrar pendente. 5. Tais como a aceitação de propostas, o envio ao proponente de “Documento Único de Cobrança” e respetiva “Declaração de Não Inibição de Aquisição de Bem(s) em Processo de Execução Fiscal”, a emissão de guias para pagamento de Imposto Municipal sobre as Transações Onerosas de Imóveis (IMT) e Imposto de Selo (IS), recebimento do preço da aquisição e recebimento dos respetivos impostos liquidados. 6. Ora, por um lado, a solução jurídica do caso não resulta evidente, pelo contrário, depende de operações lógicas e jurídicas que se afiguram complexas. E, 7. Por outro lado, resulta claro que a questão em causa ultrapassa os limites do caso concreto, sendo suscetível de se repetir nos seus traços teóricos num número indeterminado de casos futuros, que serão todos aqueles em que apresentada reclamação nos termos do artigo 276º do CPPT, contra o ato que designa a venda de bem penhorado, continuem a ser praticados no processo de execução fiscal atos decorrentes do ato reclamado, enquanto aquela se encontrar pendente. 8. Assim, nos seus traços teóricos, a questão em causa reveste importância fundamental, resultando a admissão do presente recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, devendo em consequência o presente recurso ser admitido. 9. O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sendo garantido aos interessados o direito de reclamação dos atos materialmente administrativos que atinjam os seus direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 103º da LGT). 10. Uma vez apresentada a reclamação, vai esta prosseguir os seus trâmites no tribunal tributário, para onde é expedido o processo de execução fiscal em conjunto com aquela, para que o juiz possa apreciar o ato atacado. 11. Razão pela qual, o processo de execução sai da esfera do órgão de execução fiscal ficando este impedido de praticar quaisquer atos naquele, mormente atos de execução do ato colocado em causa na reclamação (neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos desse STA de 5/08/2015, proferido no Recurso nº 0990/15 e de 25/03/2015, tirado no Recurso nº 0249/15). 12. Na data designada para a venda já havia sido apresentada a reclamação, razão pela qual se encontrava o órgão de execução fiscal impedido de praticar atos de execução do ato objeto daquela. 13. De facto, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras entidades (artigo 205º da CRP). 14. A partir do momento em que a reclamação apresentada contra o despacho em causa deu entrada, estava impedida a prática de qualquer ato daquele decorrente. 15. Porquanto a legalidade do mesmo despacho iria ser apreciada pelo tribunal competente para o efeito. 16. Razão pela qual, não deveria ter sido mantida a data da venda e a consideração das propostas apresentadas, nem praticados os atos posteriores decorrentes do despacho reclamado que consubstanciaram a venda, traduzidos no envio ao proponente de “Documento Único de Cobrança” e respetiva “Declaração de Não Inibição de Aquisição de Bem(s) em Processo de Execução Fiscal” e emissão das guias para pagamento de IMT e IS. 17. Nem deveria o preço da aquisição e os respetivos impostos liquidados, terem sido recebidos. 18. Mais, não deve prevalecer entendimento vertido no douto Acórdão ora recorrido, no sentido de que, tendo a reclamação sido julgada improcedente por Acórdão do TCA Sul, transitado em julgado, “(…) Não se vislumbra qualquer ilegalidade consequente que afete o despacho ora reclamado, pela razão de que o mesmo não foi praticado como acto consequente de qualquer acto que tenha sido declarado inválido”. 19. Porquanto, “a lei não esclarece o que sucede se a administração tributária der seguimento à execução e estiver pendente a reclamação com subida imediata, mas parece seguro que os atos que ofendam o efeito de suspensão da decisão reclamada são ilegais e o reclamante pode contra eles deduzir nova reclamação” (transcrição do Acórdão do TCA SUL de 23/02/2017, tirado no Recurso nº 568/16.0BEALM). 20. Reclamação que a ora Recorrente, quando de tais atos foi notificada, apresentou, reagindo contra o despacho na origem dos presentes autos que ordenou a adjudicação do bem, com base em atos ilegais anteriormente praticados. 21. Ora, por todo o exposto, se impunha em face da apresentação da reclamação deduzida, tivesse sido dada sem efeito a data designada para a venda, bem como não tivessem sido tomadas em conta as licitações efetuadas, nem tão pouco praticados os atos de execução subsequentes. 22. Pelo que, o despacho que determinou a adjudicação do bem em causa a quem efetuou a licitação mais elevada, na origem dos presentes autos, é ilegal, e deveria a reclamação ter procedido e ter sido concedido provimento ao recurso interposto. 23. Assim, o douto Acórdão recorrido ao ter negado provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida, preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, não podendo em consequência, permanecer na ordem jurídica.
1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que este recurso de revista devia ser admitido, tendo em conta que a questão colocada, sendo susceptível de se repetir num número indeterminado de casos futuros, foi decidida contra jurisprudência desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, sendo, por conseguinte, claramente necessária a sua admissão para uma melhor aplicação do direito.
1.4. Por acórdão proferido em 13/03/2019 pelo colectivo de juízes conselheiros que integram a formação referida no nº 5 do art.º 150º do CPTA foi admitida a revista, na consideração que a questão nela colocada tem «relevância social de importância fundamental» e há «necessidade de uma resposta pelo órgão de cúpula da justiça tributária como condição para dissipar dúvidas e alcançar uma melhor aplicação do direito, por ser objectivamente útil a definição do efeito suspensivo atribuído à reclamação do acto que determina a venda do bem penhorado na execução. Até porque a posição sustentada no acórdão recorrido não estará de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal (…)».
2. No acórdão recorrido constam como provados os seguintes factos 1. Em 02.03.2010, foi instaurado no serviço de finanças de Odemira o processo de execução fiscal nº 0302201001002309 contra “A………… Unipessoal, Lda”, para cobrança coerciva da quantia exequenda de € 270.201,73, por dívidas de IRC – cfr doc de fls 1 do pef apenso aos autos; 2. Àquele processo de execução fiscal foram apensados outros processos de execução fiscal, do que resultou o aumento da quantia exequenda em cobrança coerciva - cfr doc. de fls 3 e 55 do pef apenso aos autos; 3. Em 27.01.2011, no âmbito do processo de execução fiscal 0302201001002309 e apensos, a correr termos no serviço de finanças de Odemira, foi lavrado auto de penhora, para pagamento da quantia exequenda de € 3.053.992,68, do “Prédio rústico sito da Freguesia e Concelho de Alcochete, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 26 da secção AR/AR11(Parte) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º 3123/20050118” - cfr doc. de fls 35 do pef apenso aos autos; 4. Através da AP. 3778 de 03.03.2010, sobre o prédio rústico situado em Herdade da ………, com área de 298,534 Hect., com um valor venal de € 4.500,00, inscrito na matriz cadastral da Freguesia e Concelho de Alcochete sob o artigo 26 da secção AR/AR11 (Parte), descrito na conservatória do registo predial sob o nº 3123/20050118, foi registada penhora a favor da Fazenda Nacional, efectuada no âmbito do processo de execução fiscal 0302200901026500, respeitante a uma quantia exequenda de € 543.315,13 - cfr doc. de fls 47 e 48 do pef apenso aos autos; 5. Através da AP. 4017 de 28.01.2011, sobre o prédio rústico situado em Herdade da ………, com área de 298,534 Hect., com um valor venal de € 4.500,00, inscrito na matriz cadastral da Freguesia e Concelho de Alcochete sob o artigo 26 da secção AR/AR11 (Parte), descrito na conservatória do registo predial sob o nº 3123/20050118, foi registada penhora a favor da Fazenda Nacional, efectuada no âmbito do processo de execução fiscal 0302201001002309 e Apensos, respeitante a uma quantia exequenda de € 3.053.993,68 - cfr doc de fls 47 e 48 do pef apenso aos autos; 6. Com data de 11.09.2014, no âmbito do processo de execução fiscal 0302201001002309 e apensos, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Proceda-se à venda do bem penhorado nos autos por meio de Leilão Electrónico, nos termos do art.º 248º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e da Portaria nº 219/2011 de 1 de Junho. Nos termos do nº 2 do art.º 248º do CPPT a venda irá decorrer no prazo de 15 (quinze) dias, sendo o valor base o correspondente a 70% do determinado nos termos do art.º 250º do CPPT, ou seja € 11.780,50 (€ 16.829,28 x 70%) Para a venda designo o dia 19 de novembro de 2014, pelas 11 horas, neste Serviço de Finanças, devendo a apresentação das propostas ter início no dia 3 de novembro de 2014, pelas 23:59 horas e terminar no dia 18 de novembro de 2014 às 23:59 horas. O bem objecto desta venda tem a seguinte descrição: Prédio rústico situado em “Herdade de ………”, com a área total de 298,534 ha, sem inscrição na matriz, mas a destacar do artigo 26.º secção AR/AR11, actual artigo 38.º secção AR/AR, Freguesia e concelho de Alcochete, Distrito de Setúbal, descrita na C.R.P. de Alcochete sob o n.º 3123/20050118, com o valor patrimonial de € 16 829,28. Publicidade através da Internet, como preceituado no n.º a, do art.º 249.º do CPPT. Notifique-se o fiel depositário, para nos 15 dias designados para apresentação das propostas, no período das 10h00 às 17h00 horas, mostrar o bem a quem o pretenda examinar. Notifique-se o executado, bem como os credores com garantia real e os preferentes.” - cfr doc. de fls 207 do pef apenso aos autos 7. Com data de 11.09.2014, foi elaborado edital de venda e convocação de credores com o teor que consta de fls. 209 do pef apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo por objecto a venda determinada por aquele despacho - cfr doc. de fls 209 do pef apenso aos autos. 8. Com data de 11.09.2014, com o nº 1372 e 1374, foi remetido a A…………, e a B…………, na qualidade de mandatário de A………… Unipessoal Lda, ofício com o seguinte teor: “Processo: 0302201001002309 9. Estes ofícios foram recebidos em 12.09.2014 – cfr. doc de fls 216 e 218 do pef apenso aos autos. 10. Em 18.11.2014, entrou no serviço de finanças de Odemira requerimento de C…………, dirigido ao processo de execução fiscal 302201001002309 e Aps. e no qual pede a suspensão da venda marcada no processo de execução e se pede a suspensão da execução devido à dedução de reclamação ao abrigo do art.º 276º do CPPT – cfr. doc. junto a fls. 228 do processo de execução fiscal apenso. 11. Com data de 18.11.2014, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira foi proferido despacho no qual, além do mais, se suspende a venda marcada no processo de execução e se ordena a remessa do processo ao TAF de Beja – cfr. doc. junto a fls. 226 do processo de execução fiscal apenso. 12. Com data de 04.03.2015, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira, no âmbito do processo de execução fiscal 0302201001002309 e apensos, foi proferido despacho a ordenar a venda do imóvel para o dia 7.04.2015, tudo conforme documento constante de fls. 229 e 230 do processo de execução apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. 13. Com data de 07.04.2015, pelo chefe do serviço de finanças de Odemira, no âmbito do processo de execução fiscal nº 0302101001002309 e apensos, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Tendo-se procedido hoje, pelas 11,05h à abertura das propostas apresentadas da venda por leilão electrónico nº 0302.2014.14, em que é executado A………… Unipessoal Lda, NIF ………, com sede na Av.ª ………, ……… n.º ……, 7630-…… Odemira, verificou-se que a maior proposta foi apresentada pela empresa D………… Lda, com sede na Rua dos ……… nº …… Aruil, 2715-…… Almargem do Bispo, no montante total de € 755.000,00 (setecentos e cinquenta e cinco mil euros). 14. Em 18.05.2015 foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal nº 115/15.0BEBJA, interposto pela ora Reclamante, contra o despacho que determinou a venda de um bem imóvel, penhorado no âmbito da execução fiscal 0302201001002309, que terminou com a seguinte decisão: “Pelo exposto, julga-se procedente a reclamação e determina-se a anulação do ato que vem reclamado”- cfr. doc de fls 338 a 344 do pef apenso aos autos. 15. Em 14.07.2015, foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal nº 134/15.7BEBJA, interposto pela ora Reclamante, contra o despacho proferido no âmbito da execução fiscal 0302201001002309, que indeferiu o pedido para que fossem dados sem efeito os actos subsequentes ao despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório proferido no Plano Especial de Revitalização que sobre si corre termos, que terminou com a seguinte decisão: “Pelo exposto, julga-se procedente a reclamação e determina-se a anulação do ato que vem reclamado” – cfr. doc de fls 417 a 451 do pef apenso aos autos. 16. Com data de 04.09.2015, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira, no processo de execução fiscal 0302201001002309 e apensos, foi proferido despacho que determina, além do mais, a constituição de garantia idónea por parte da reclamante no âmbito do processo executivo, tudo conforme documento constante de fls. 466 do processo de execução apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. 17. Com data de 03.02.2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira, no processo de execução fiscal 03022010001002309 e apenso, foi proferido despacho que determina a anulação do acto identificado no nº 12 supra e declara a consequente anulação da venda efectuada, tudo conforme documento constante de fls. 466 do processo de execução apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido; 18. Com data de 16.02.2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira, no processo de execução fiscal 03022010001002309 e apenso, foi proferido despacho que fixa a data de 16.03.2016 para a venda do imóvel rústico identificado no nº 4 supra, venda a realizar através de leilão electrónico, em virtude do processo não se encontrar legalmente suspenso, tudo conforme documento constante de fls. 477 a 479 do processo de execução apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. 19. Em 03.03.2016, deu entrada no Serviço de Finanças de Odemira reclamação de actos do órgão de execução fiscal tendo por objecto aquele despacho, a qual foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja através de ofício de 07.03.2016, com o nº 424 – cfr. doc de fls 492 e 495 do pef apenso aos autos. 20. Neste tribunal, essa reclamação correu termos sob o nº 95/16.5BEBJA, tendo sido proferida sentença em 18.04.2016 que terminou com a seguinte decisão: “Nos termos expostos, julga-se improcedente a reclamação mantendo-se o ato que vem reclamado nos seus precisos termos.” – cfr. doc. de fls 512 a 526 do pef apenso aos autos 21. Com data de 11.01.2017, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira, no processo de execução fiscal 0302201001002309 e apenso, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Por meu despacho de 2016-03-04, determinei a suspensão da venda do imóvel penhorado nos autos, após apresentação de reclamação de actos do órgão da execução fiscal, que visava o meu despacho de marcação de venda.
22. Com data de 11.01.2017, foi remetido ao mandatário da reclamante ofício assinado pelo chefe do serviço de finanças de Odemira dando-lhe conta do teor do despacho identificado no nº 21 supra – cfr. documentos juntos a fls. 563 e 564 do processo de execução apenso. 23. Em 06.02.2017, deu entrada no Serviço de Finanças de Odemira reclamação de actos do órgão de execução fiscal tendo por objecto aquele despacho de marcação de venda (cfr. documento junto a fls.28 a 41 dos presentes autos; documento junto a fls.574 e 575 do processo de execução apenso); 24. Com data de 09.02.2017, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira, no processo de execução fiscal nº 0302201001002309 e apensos, foi proferido despacho com o seguinte teor (cfr. documento a fls. 574 e 575 do proc. de execução apenso): «Em 2017-02-06 A………… Unipessoal, Lda apresentou neste serviço de Finanças reclamação nos termos dos artigos 276º e 277º do CPPT, do meu despacho de 2017-01-11 que determinou a marcação da venda do imóvel penhorado nos autos, na modalidade de leilão electrónico. 25. Com data de 07.03.2017 foi remetida a “E…………, S.A.”, enquanto adjudicante do imóvel em venda identificado no nº 21 supra, ofício assinado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira, no qual, além do mais, se faz menção à necessidade de trânsito em julgado da reclamação apresentada pelo executado para que se possa efectuar o pagamento e consequente adjudicação do imóvel em causa, tudo conforme documento constante a fls. 606 do processo de execução apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido; 26. A reclamação de actos do órgão de execução fiscal apresentada pela reclamante em 06.02.2017 no Serviço de Finanças de Odemira, foi remetida ao TAF de Beja, através de ofício de 10.02.2017, com o nº 224 (cfr. documento junto a fls.583 do processo de execução apenso); 27. Essa reclamação de actos do órgão de execução fiscal deu entrada e foi autuada no TAF de Beja em 14.02.2017 sob o nº 60/17.5BEBJA (cfr. consulta ao Sitaf); 28. Em 15.02.2017 foi proferido despacho judicial de aperfeiçoamento, na reclamação de actos do órgão de execução fiscal nº 60/17.5BEBJA (cfr. consulta ao Sitaf); 29. A reclamação de actos do órgão de execução fiscal nº 60/17.5BEBJA foi admitida liminarmente no TAF de Beja em 09.03.2017 (cfr. documento junto a fls.610 do processo de execução apenso); 30. Em 11.05.2017 foi proferida sentença na reclamação de actos do órgão de execução fiscal nº 60/17.5BEBJA, que terminou com a seguinte decisão (cfr. consulta ao Sitaf): “Julgo a presente reclamação improcedente, por não provada, e, em consequência, mantenho o ato reclamado na ordem jurídica”; 31. Em 29.05.2017, pela reclamante, foi apresentado recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal Administrativo (cfr. consulta ao Sitaf); 32. Em 09.08.2017, o Supremo Tribunal Administrativo declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer daquele recurso (cfr. consulta ao Sitaf); 33. Em 17.08.2017, a reclamante requereu a remessa dos autos para o Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. consulta ao Sitaf); 34. Em 13.10.2017 o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão prolatado nesse recurso, decidiu negar provimento ao mesmo (cfr. consulta ao Sitaf); 35. Em 12.12.2017 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira, no processo de execução fiscal nº 0302-2010/100230.9 e apensos, foi proferido despacho no qual, além do mais, se determina a adjudicação do imóvel vendido à sociedade “E…………, S.A.”, devido ao trânsito em julgado da decisão judicial identificada no nº 34 do probatório, tudo conforme documento constante de fls.644 do processo de execução apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido; 36. Com data de 12.12.2017 foi remetido ao mandatário da reclamante ofício com o número 1477, assinado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira a notificá-lo do despacho identificado no nº 35 (cfr. documento junto a fls.645 do processo de execução apenso); 37. Com data de 29.12.2017 foi remetido a “E…………, S.A.”, oficio assinado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira a remeter-lhe cópia do auto de adjudicação do bem imóvel (cfr. documento junto a fls.669 do processo de execução apenso); 38. Em 29.12.2017 deu entrada no Serviço de Finanças de Odemira a presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal (cfr. data aposta a fls.6 dos presentes autos); 39. Com data de 09.01.2018, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira, foi proferida decisão a manter o despacho objecto da reclamação e identificado no nº 35 supra, tudo conforme documento junto a fls.675 e 676 do processo de execução apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido; 40. Com data de 09.01.2018, foi remetida ao TAF de Beja a presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal, onde deu entrada e foi autuada em 10.01.2018 (cfr. documentos juntos a fls.1 e 2 dos presentes autos).
3. O presente recurso de revista foi admitido para que fosse apreciada a questão de saber se, tendo sido apresentada reclamação, com subida imediata, do despacho proferido em 11/01/2017 que determinou a venda do bem penhorado na execução fiscal nº 0302201001002309 e apensos, pode a venda ser concretizada – como foi neste caso – através da abertura e aceitação de propostas, do envio ao proponente de “Documento Único de Cobrança” e respetiva “Declaração de Não Inibição de Aquisição de Bem em Processo de Execução Fiscal”, da emissão de guias para pagamento de IMT e Imposto de Selo, do recebimento do preço pago pelo adquirente e arrecadação dos impostos liquidados; e, bem assim, a questão de saber se a decisão de improcedência da reclamação é susceptível de sanar/convalidar todos esses consumados actos. A revista foi admitida, por acórdão de 13/03/2019, na consideração de que se tratava de questão com relevância social de importância fundamental e, por outro lado, se verificava a «necessidade de uma resposta pelo órgão de cúpula da justiça tributária como condição para dissipar dúvidas e alcançar uma melhor aplicação do direito, por ser objectivamente útil a definição do efeito suspensivo atribuído à reclamação do acto que determina a venda do bem penhorado na execução. Até porque a posição sustentada no acórdão recorrido não estará de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, segundo a qual, mesmo após a nova redação dada ao art.º 278º do CPPT pela Lei nº 82-B/2o14, de 31.12, não podem ser praticados actos de execução da venda do bem se na data designada para a sua realização tiver já sido apresentada reclamação com subida imediata a tribunal – cfr. acórdãos indicados pela Recorrente e, ainda, o acórdão de 20/06/2018, no processo nº 0480/18.». Para análise e decisão da questão importa atender à materialidade fática fixada nos pontos 21. e segs. do probatório, donde resulta o seguinte: - em 11/01/2017 o órgão de execução proferiu despacho a determinar a venda do bem penhorado, designando para o efeito o dia 8/02/2017, mas antes da venda, mais precisamente em 6/02/2017, a executada apresentou reclamação contra esse despacho, a qual foi admitida com subida imediata para o TAF de Beja (onde correu sob o nº 60/17.5BEBJA, com tramitação urgente), mas, ainda assim, o órgão de execução fiscal consumou o acto da venda, limitando-se a suspender a adjudicação do bem vendido à sociedade adquirente; - tendo essa reclamação sido julgada improcedente por acórdão de 13/10/2017, transitado em julgado, o órgão de execução fiscal determinou em 12/12/2017 a adjudicação do imóvel vendido à sociedade adquirente, sendo esse o despacho que constitui o objecto da presente reclamação.
Perante a instauração da reclamação, o órgão de execução ficou imediatamente impedido de realizar quaisquer actos e diligências processuais que consubstanciassem actos de execução do acto reclamado, isto é, impedido de consumar a venda anunciada e cuja legalidade fora submetida a escrutínio judicial, pois, tal como tem sido frisado pela jurisprudência, a execução fiscal tem de ser sustada até haver decisão definitiva quanto à legalidade do acto impugnado, sendo esse efeito suspensivo imprescindível para assegurar a tutela judicial efectiva dos direitos ou interesses do reclamante. Com efeito, a jurisprudência há muito se consolidou no sentido de que, mesmo após as alterações introduzidas no art.º 278º do CPPT pela Lei nº 82-B/2014, de 31.12, e na alínea n) do nº 1 do art.º 97º do CPPT pela Lei 66-B/2012, de 31.12, a suspensão do processo executivo terá verificar-se, não enquanto efeito directo e automático da subida da reclamação, mas enquanto consequência da suspensão do acto reclamado, sob pena de perda do efeito útil da reclamação e de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 268º nº 4 da Constituição – acórdãos do STA de 25/03/2015, proc. nº 0249/15, de 5/08/2015, proc. nº 0990/15, de 14/10/2015, proc. nº 01112/15, de 15/06/2016, proc. nº 0585/16, de 5/04/2017, proc. nº 0251/17, de 20/06/2018, proc. nº 0480/18 e de 19/06/2019, proc. nº 49/19.0 BECTB. Pelo que, no caso vertente, é inquestionável a ilegalidade cometida face ao prosseguimento da execução fiscal com a concretização da venda – através de diligências de abertura e aceitação de propostas, de emissão de guias para pagamento de IMT e ISelo, de recebimento do preço pago pelo adquirente e arrecadação dos impostos liquidados – venda que não podia ter sido consumada por força do efeito suspensivo da reclamação apresentada, e que, nessa medida, é ilegal. Termos em que assiste razão à Recorrente, não só quando defende a ilegalidade da conduta do órgão de execução, determinante da anulação de todas as diligências processuais que esse órgão praticou para concretizar a venda antes da decisão da reclamação, mas também quando defende que incumbia a esse órgão o dever de sanar o vício através da destruição dos efeitos jurídicos da venda que realizara e da marcação de nova data para a prática do acto. Resta saber se a posterior decisão judicial de improcedência da reclamação é susceptível de sanar ou convalidar os actos ilegais realizados, isto é, de os converter, de forma retroactiva, em actos válidos. É certo que o Código de Procedimento Administrativo (CPA) prevê a possibilidade de sanação do acto administrativo inválido através da ratificação, reforma e conversão (artigo 164º nº 1), a qual não produz, em qualquer dessas modalidades, a destruição dos efeitos do acto inválido (como sucederia em caso de anulação administrativa), mas a sua convalidação através da supressão da ilegalidade (ratificação), da conservação da parte do acto anterior não afetada de ilegalidade (reforma) ou da transformação noutro acto através do aproveitamento dos elementos válidos do ato anterior (conversão), sempre com efeitos retoactivos à data dos actos a que respeitam. Todavia, não podemos esquecer que o acto da venda não constitui um acto administrativo, não estando, por isso, sujeito às regras de sanação contidas no CPA. A venda no processo de execução fiscal, com todas as diligências que implica, constitui um acto processual, submetido às regras que regulam o processo tributário contidas no CPPT e, subsidiariamente, às regras contidas no CPC. Com efeito, o nº 1 do artigo 103º da LGT, ao referir que «o processo de execução fiscal tem natureza judicial», exprime literalmente o sentido de que a execução fiscal se realiza através de um processo e não de um procedimento administrativo, no pressuposto, hoje indiscutível, que estamos perante realidades com natureza distintas. Como se deixou frisado no acórdão do STA de 23/02/2012, no proc. nº 059/12, o processo de execução fiscal constitui um meio processual utilizado pelo Estado para a arrecadação coerciva das receitas previstas no art.º 148º do CPPT através da actuação, ainda que “tutelar”, de um tribunal tributário, e o órgão que instaura, conduz e tramita a execução fiscal constitui um sujeito processual que age como interlocutor no diálogo processual, “substituindo” o juiz e praticando nele todos os actos legalmente necessários para a obtenção do fim a que o processo se destina. E a competência que este órgão detém no processo não brota, em princípio, da função tributária exercida pela Administração Tributária nem emana de um poder de autotutela executiva da Administração, resultando, antes, de uma competência que a lei lhe confere para intervir no processo judicial como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz, assumindo, assim, um estatuto supra partes, intervindo no exclusivo interesse da paz jurídica, obrigada a apreciar e decidir as questões enquanto autoridade exterior e neutra perante o litígio. Razão por que todos os actos inscritos no processo judicial executivo pelos diversos sujeitos processuais (partes, mandatários, órgão da execução, funcionários, juiz) estão submetidos a estritas regras processuais, que encontram previsão no CPPT e, subsidiariamente, no CPC por força do disposto no art.º 2º, al. e), do CPPT. Neste contexto, e visto que a concretização da venda num momento em que se impunha a sua suspensão representa um claro desvio ao formalismo prescrito na lei, constituindo uma óbvia irregularidade processual, há que atender ao regime contido no art.º 201º do CPC, segundo o qual “a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. Ora, no caso vertente, a irregularidade cometida não pode deixar de produzir a nulidade processual de todos os actos praticados após a instauração da reclamação apresentada em 6/02/2017, na medida em que ela pode influir na decisão da causa, pois concedendo a lei determinadas faculdades ao executado até ao momento da marcação da venda – como seja a de pedir o pagamento da dívida em prestações – essas faculdades lhe podem ter sido coartadas. Só após o escrutínio judicial do acto reclamado (escrutínio que constitui também um direito do executado) e a confirmação da sua legalidade, se pode afirmar que ele ficou em condições de exercer essas faculdades legais. Em conclusão, a irregularidade cometida constitui nulidade processual à luz do disposto no art.º 201º nº 1 do CPC, o que implica a anulação de todo o processado após a reclamação apresentada em 6/02/2017. Consequentemente, é ilegal o despacho proferido pelo órgão de execução em 12/12/2017 que, desconsiderando essa nulidade processual, determinou a adjudicação do imóvel à sociedade que o adquirira no aludido acto de venda, o que implica a anulação desse despacho. Termos que se impõe conceder provimento ao recurso. 4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar procedente a reclamação, anulando todo o processado na execução desde a data em que deu entrada a reclamação apresentada em 6/02/2017 e, por decorrência, a venda efectuada e o despacho que determinou a adjudicação do bem. Custas pela Recorrida, ainda que sem taxa de justiça uma vez que não contra-alegou.
Lisboa, 26 de Junho de 2019. – Dulce Neto (relatora) – Ana Paula Lobo – Ascensão Lopes. |