Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0219/05.8BEPRT 01835/13
Data do Acordão:04/04/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA
Sumário:I - No regime do Regulamento das Custas Processuais (RCP) a prática do acto de processo corresponde ao conceito de impulso processual cuja relevância jurídica se exprime em dois planos: (i) marca o momento da constituição da obrigação de pagamento a cargo da parte processual e, simultaneamente, (ii) fixa o valor correspondente à UC para cada processo autónomo tal como definido no citado artº 1º nº 2 por remissão expressa do artº 5º nº 3 RCP, ou seja, atendendo aos actos processuais praticados na qualidade de autor ou de réu, exequente ou executado, requerente ou requerido e recorrente ou recorrido, nos termos do artº 530º nº 1 CPC e artº 1º nº 2 por remissão expressa do 6º nº 1 RCP.
II - A 6ª alteração ao RCP introduzida pela Lei 7/2012, 13.02 entrou em vigor (artº 9º) em 29.03.2012, pelo que no tocante à incidência e valor da taxa de justiça apenas se aplica o regime desta Lei 7/2012 aos impulsos processuais respeitantes aos actos de processo tributáveis praticados a partir de 29.03.2012, inclusive (artº 8º nº 2, 1ª parte e 3).
III - Consequentemente, são válidos e eficazes todos os pagamentos anteriormente efectuados pelas partes no domínio seja do CCJ (DL 224-A/96 de 26.11) seja do RCP (DL 34/2008, 26.02) na redacção vigente pelas sucessivas alterações a cada um dos citados regimes, atenta a data da constituição da obrigação tributária em sede de taxa de justiça “… ainda que a aplicação do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, determine solução diferente” conforme se dispõe expressamente no artº 8º nº 2, 2ª parte, Lei 7/2012.
IV - O juízo de dispensa do remanescente (artº 6º nº 7, Lei 7/2012, 13.02) reporta ao processo tomado no seu todo, o que significa que é a integralidade da instância processual nas diversas fases desenvolvidas, do início ao termo final, que constitui o objecto do juízo de apreciação da complexidade da causa, em maior ou menor grau ou mesmo da sua simplicidade, juízo que abrange ambos os planos, (i) o relativo às questões jurídico-substantivas a dirimir em função do objecto da causa, definidas na petição e desenvolvidas pelas partes ao longo da instância, bem como (ii) as jurídico-processuais evidenciadas nos autos, v.g. referentes aos meios de prova e incidentes processuais suscitados
Nº Convencional:JSTA000P32064
Nº do Documento:SA1202404040219/05
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: A... SA, com os sinais nos autos, inconformada com os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 27.09.2019 (3039/sitaf) e 31.01.2020 (3127/sitaf) - este último parte integrante do anterior de 27.09.2019 (617º /2 CPC ex vi 140º/1 CPTA) - que julgaram improcedente o pedido de dispensa total e reduziram em 50% o montante devido a titulo de remanescente da taxa de justiça, dando, assim, parcial provimento ao recurso interposto do despacho de 11.07.2018 (3015/sitaf) do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Conclui como segue, uma vez alargado o âmbito da revista ao abrigo do disposto no artº 617º/3 CPC, ex vi 140º/1 CPTA (fls. 3157/sitaf):

DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA

A. Perante as questões a apreciar no presente recurso, é evidente, como se demonstrou nos parágrafos 28 a 62 das alegações, que se encontram verificados os pressupostos do n.° 1 do artigo 150.° do CPTA.

B. Com efeito, e em primeiro lugar, no presente caso coloca-se a questão de saber se o remanescente da taxa de justiça - componente de uma taxa que apenas foi criada, no que toca à jurisdição administrativa, em 2012 - poderá aplicar-se a processos iniciados antes da sua implementação e em que termos.

C. Ora, devido ao elevado número de processos pendentes na jurisdição administrativa, com data de início anterior a 2012 (sobretudo em acções de responsabilidade civil da Administração), é evidente que as questões colocadas transcendem o caso concreto, e a resposta às mesmas, por parte do mais alto órgão da jurisdição administrativa, será claramente relevante para orientar e guiar as decisões que venham a ser adoptadas pelos tribunais administrativos e pelos tribunais centrais administrativos.

D. Em segundo lugar, as questões decidendas revestem, por si só, manifesta relevância jurídica e também social.

E. Com efeito, as questões a apreciar revestem-se de uma importância fundamental, visto que se prendem com a única taxa cobrada pelo Estado aos particulares para se ressarcir pela administração da justiça, podendo a mesma ter um impacto relevante na forma como os cidadãos escolhem aceder à justiça, podendo inclusivamente impactar com o direito constitucionalmente garantido a uma tutela jurisdicional efectiva.

F. Deste modo, clarificar as questões supra referidas, torna-se essencial, de um ponto de vista jurídico e social, quanto mais não seja para se formar caso julgado no Supremo Tribunal Administrativo, e assim garantir alguma previsibilidade e segurança para os particulares no que toca (i) à aplicação da lei (que regula esta matéria) no tempo, (ii) à aplicação da dispensa e redução do valor a pagar, conforme previsto no n.° 7 do artigo 6.° do RCP e, em última instância (íii) aos valores que os cidadãos poderão ter que pagar a final, após trânsito em julgado das decisões judiciais.

G. Em terceiro e último lugar, a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

H. É que, no que toca à taxa de justiça referente à Primeira e à Segunda Instâncias, o Tribunal a quo aplicou (erroneamente) o n.° 7 do artigo 6.° e as Tabelas l-A e l-B do RCP, na redacção conferida pela Lei 7/2012, quando na verdade, por força das normas transitórias previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 8.° da Lei 7/2012, aquelas disposições pura e simplesmente não seriam aplicáveis.

I. Termos em que, por se encontrarem verificados os pressupostos previstos no n.° 1 do artigo 150.° do CPTA, deve ser admitido o presente recurso de revista.

DA (ERRÓNEA) NÃO APLICAÇÃO DAS NORMAS TRANSITÓRIAS PREVISTAS NA LEI 7/2012

J. Nos presentes autos, o Tribunal a quo aplicou a redacção actual do RCP, especificamente os n.ºs 1, 2 e 7 do artigo 6.º e a Tabela I, para a determinar o valor a pagar pela Recorrente relativamente ao remanescente da taxa de justiça.

K. Sem prejuízo, como se demonstrou supra nos parágrafos 99 a 138 das alegações, a verdade é que a redação do RCP dada pela Lei 7/2012 não é pura e simplesmente aplicável à taxa de justiça devida pela Recorrente em relação à Primeira e Segunda Instâncias

L. Com efeito, resulta dos nºs 2 e 3 do artigo 8.º da Lei 7/2012 que todos os montantes cuja constituição de obrigação de pagamento ocorra antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2012 (i.e. antes de 29 de março de 2012) não são calculados nos termos do RCP com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 7/2012, mas sim de acordo com regime aplicável ao pagamento da taxa de justiça que se encontrava em vigor na data da constituição da obrigação.

M. Ora, como se demonstrou, o momento da constituição da obrigação de pagamento da taxa de justiça ocorre com o impulso processual da parte (cfr. n.° 1 do artigo 6.° do RCP).

N. Assim, em relação à Primeira Instância, uma vez que o impulso processual da Recorrente se deu através da proposição da acção administrativa comum em janeiro de 2005, é evidente que o montante devido a título de taxa de justiça deveria ser calculado nos termos dos artigos 13.º e 73.º-B, bem como a Tabela I, do CCJ, não ultrapassando esta EUR 2.136.00.

O. Em relação à Segunda Instância, uma vez que o impulso processual da Recorrente se deu através da submissão das contra-alegações de recurso de apelação, a 8 de outubro de 2010, é evidente que o montante devido a título de taxa de justiça deveria ser calculado nos termos do n.º 2 do artigo 6.º e da Tabela l-B do RCP, mas na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril.

P. Ora, nesta redacção do RCP, não se previa o pagamento do remanescente da taxa de justiça, apenas dispondo a Tabela l-B que nos recursos, especificamente nos processos de valor superior a EUR 600.000,01, seria pago uma taxa de justiça que variaria entre as 10 e as 20 UCs (EUR 1.020.00 e os EUR 2.040,00).

Q. Neste sentido e pelo exposto, torna-se evidente que, em relação à Primeira Instância, o Tribunal a quo procedeu a uma errada aplicação do n.º 7 do artigo 6.° e da Tabela l-A do RCP, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 7/2012, em violação do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012; termos em que, por se basear numa errónea aplicação daquelas disposições, deve ser revogado o Acórdão Recorrido, devendo a Recorrente ser declarada isenta do pagamento do remanescente da taxa de justiça em relação à Primeira Instância (por não ser aquele aplicável),

R. De igual modo e pelo exposto, torna-se evidente que, em relação à Segunda Instância, o Tribunal a quo procedeu, igualmente, a uma errada aplicação do n.º 7 do artigo 6.º e da Tabela l-B do RCP, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 7/2012, em violação do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 8.° da Lei n.º 7/2012; termos em que, por se basear numa errónea aplicação daquelas disposições, deve ser revogado o Acórdão Recorrido, devendo a Recorrente ser declarada isenta do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em relação à Segunda Instância (por não ser aquele aplicável).

DA INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA, DA IGUALDADE, DA PROPORCIONALIDADE, DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO E DO ACESSO AOS TRIBUNAIS

S. O Tribunal a quo, no seu Acórdão de 31 de Janeiro de 2020, confirmou e adoptou um critério normativo inconstitucional que decorre da interpretação do n.º 7 do artigo 7° do RCP no sentido de não ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça quando à irrepreensível conduta processual das partes e a uma complexidade da causa que não se afasta do que é comum em processos do mesmo género, se associa um aumento do valor de taxa de justiça a suportar, por alteração legislativa, a que as partes ficaram sujeitas por uma delonga do processo que não lhes é imputável.

T. A verificação cumulativa destes três factores evidencia a adopção de um critério normativo que afronta de forma intolerável, arbitrária e opressiva - nas palavras do Tribunal a quo - os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, ínsitos no princípio de Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição,

U. Ao mesmo tempo, o montante da taxa de justiça aplicado pelo Tribunal a quo não é "proporcional” aos meios judiciais utilizados para a resolução do caso.

V. O referido critério normativo redunda, assim, na interpretação desconforme com a Constituição do n.º 7 do artigo 6.º do RCP e ofende os seguintes parâmetros constitucionais:

i. Princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, ínsito no princípio de Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da CRP;

ii. Princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º da CRP;

iii. Princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, contidos no artigo 18.º, n.º 2 da CRP;

iv. Direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP.

DA INCONSTITUCIONALIDADE POR APLICAÇÃO RETROACTIVA DO RCP NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 7/2012

W. Caso se entenda que o artigo 6.° e as Tabelas l-A e l-B do RCP, na redacção dada pela Lei 7/2012, seriam aplicáveis aos impulsos processuais da Recorrente na Primeira e Segunda Instâncias - o que não se admite e apenas à cautela se equaciona sempre resultaria, esse entendimento, na adopção de um critério normativo inconstitucional, por violação dos princípios da protecção da confiança, da segurança jurídica e da proporcionalidade, ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático.

X. Com efeito, como se demonstrou supra, apesar de as taxas não se não se encontram abrangidas pelo artigo 103.º da Constituição, que consagra o princípio da proibição da

A. retroactividade da lei fiscal, continuam a estar sujeitas aos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.

Y. Ora, quando a Recorrente apresentou a sua petição inicial e as contra-alegações de recurso de apelação, ao abrigo do regime jurídico então vigente, esta apenas teria que pagar, no máximo, o montante de EUR 4.176,00 a título de taxas de justiça devidas pelos impulsos processuais por si adoptados na Primeira e Segunda Instâncias.

Z. Apesar disso, o Tribunal a quo aplicou o n.º 7 do artigo 60 do RCP, bem como a sua Tabela I, ao caso em apreço, pelo que, aplicada a redução prevista no Acórdão a quo, a Recorrente passou a ter a obrigação de pagar EUR 212.440,50 a título de taxa de justiça para a Primeira e Segunda Instâncias, o que se traduz num aumento de mais de 5,000% do montante de taxa de justiça a pagar.

AA. Como é evidente, no momento em que a Recorrente tomou a decisão de submeter aqueles impulsos processuais não era expectável que, a final, esta teria que pagar, em taxa de justiça, um montante 5.000% superior àquilo que se previa àquela data.

BB. Pelo que é evidente que a aplicação do RCP, mais concretamente do n.º 7 do artigo 6.° e da Tabela I do RCP, na versão da Lei 7/2012, ao caso concreto, afecta, de forma inadmissível as expectativas que a Recorrente tinha, a nível de pagamento de taxas de justiça, violando, consequentemente, o princípio da segurança jurídica e o princípio da protecção da confiança.

CC. Neste sentido, torna-se claro que interpretar os nºs 1, 2 e 7 do artigo 6° e a Tabela I no sentido de aquelas disposições seriam aplicáveis a impulsos processuais tomados pelas partes, num momento em que não era devida qualquer remanescente da taxa de justiça, é inconstitucional, por violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, ínsitos no princípio de Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição.

DD. Sem prejuízo, foi exactamente nesse sentido que o Tribunal a quo interpretou as normas mencionadas supra, pelo que é evidente que o Acórdão Recorrido padece de um grave erro de Direito, devendo consequentemente ser revogado e substituído por uma decisão que determine a não aplicação daquelas disposições à taxa de justiça devida pela Recorrente na Primeira e Segunda Instância.

DA (ERRÓNEA) INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO N.º 7 DO ARTIGO 6.º DO RCP

EE. Ainda que se entenda que a obrigação de pagar o remanescente da taxa de justiça incide sobre todos os impulsos processuais adoptados pela Recorrente nos presentes autos - o que não se admite e apenas à cautela se equaciona -, ou caso se entenda que aquela obrigação só impende em relação aos impulsos processuais adoptados pela Recorrente na Terceira e Quarta Instância, sempre deveria o Tribunal a quo ter dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo de uma correta aplicação do preceito previsto no n.º 7 do artigo 6.° do RCP.

FF. É que, na sua decisão, o Tribunal a quo cometeu um erro que inquina todo o raciocínio subsequente.

GG. Esse erro consiste na circunstância de o Tribunal a quo julgar a maior ou menor complexidade da causa com base na extensão de todo o processado a final, em vez de discriminar cada um dos processos autónomos em que é devido o pagamento do remanescente da taxa de justiça, de modo a compreender se se justificaria a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em todos ou pelo menos alguns processos (n.º 2 do artigo 1.º do RCP).

HH. Neste sentido, torna-se evidente que o Acórdão a quo violou o n.° 2 do artigo 1.º e o n.º 7 do artigo 6.° do RCP, como se demonstrou nos parágrafos 139 a 214 das alegações, devendo aquele ser revogado e substituído por uma decisão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em cada um dos processos mencionados supra em no ponto 176 das alegações.

II. Com efeito, em primeiro lugar, no que toca ao remanescente da taxa de justiça devida em relação à Primeira e Segunda Instância, sempre deveria o mesmo ser dispensado, tal como se observou supra em 4.2., em obediência ao princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança.

JJ. Em segundo lugar, no que toca à Terceira Instância, é igualmente manifesto que o Tribunal deveria ter dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

KK. É que, apesar de a Recorrente ter submetido contra-alegações de recurso de revista, a verdade é que este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.° 6 do artigo 150.° do CPTA, limitou-se a, numa apreciação preliminar sumária, rejeitar a admissão do recurso de revista interposto pelo Município.

LL. Neste sentido, é evidente que será manifestamente desproporcional, e violará o respectivo princípio da proporcionalidade, impor à Recorrente q pagamento do remanescente da taxa de justiça quanto a este impulso processual.

MM. Deveria, pois, o Tribunal a quo, atenta a circunstância supra referida, ter decidido, nos termos do n.° 7 do artigo 6.° do RCP, dispensar o remanescente da taxa de justiça no que toca à Terceira Instância.

NN. Será, aliás, inconstitucional, nos termos observados supra, por violação do princípio da proporcionalidade - ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.° da Constituição - interpretar o n.° 7 do artigo 6.° do RCP no sentido de impor a uma parte o pagamento do remanescente da taxa de justiça, num cenário, tal como o presente, em que o recurso de revista, do qual resulta aquela obrigação de pagamento, não foi sequer apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo.

OO. Em terceiro e último lugar, é também evidente que na Quarta Instância o pagamento do remanescente da taxa de justiça deveria igualmente ter sido dispensado, nos termos do n.° 7 do artigo 6.° do RCP, já que é manifestamente desproporcionado impor à Recorrente o pagamento de um montante que ascende a EUR 141.525,00 (com a redução de 50% determinada pelo Tribunal a quo EUR 70.762,50) quando a única questão analisada no mencionado recurso não era complexa, não se prendia com as questões materiais discutidas na Primeira e Segunda Instância e tinha natureza meramente processual, podendo assim ter surgido em qualquer processo.

PP. Será, aliás, inconstitucional, nos termos observados supra, por violação do princípio da proporcionalidade - ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.° da Constituição - interpretar o n.° 7 do artigo 6.° do RCP no sentido de impor a uma parte o pagamento do remanescente da taxa de justiça, num cenário, tal como o presente, em que o recurso de uniformização de jurisprudência, do qual resulta aquela obrigação de pagamento, apenas apreciou uma única questão que não se afigura complexa, (ii) não se prende com as questões materiais discutidas na primeira e na segunda instâncias e (iii) tem natureza meramente processual, podendo assim ter surgido em qualquer processo.

QQ. Em última instância, e subsidiariamente, sempre deverá ser reduzida substancialmente a obrigação de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o âmbito do recurso de revista ser alargado, admitido e julgado procedente, como já peticionado a final, e em consequência:

a. Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma decisão que declare não aplicáveis aos impulsos processuais da Recorrente na Primeira e Segunda Instâncias a obrigação de pagamento do remanescente da taxa de justiça;

b. Em qualquer caso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma decisão que dispense o pagamento da taxa de justiça em relação aos impulsos processuais da Recorrente nas quatro instâncias mencionadas;

ou subsidiariamente

c. Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma decisão que reduza substancialmente o montante a pagar a título de remanescente da taxa de justiça.


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Devidamente notificado, o Recorrido Município de Vila Nova de Gaia não contra-alegou.

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Mediante acórdão da Formação de Apreciação Preliminar deste STA (fls.3201/sitaf) foi decidido admitir a revista.

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O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer (fls. 3211/sitaf) no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Em resposta ao parecer do Ministério Público a Recorrente (fls. 3224/sitaf) manteve a posição jurídica trazida a recurso e sustentada nas conclusões.
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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Em síntese, os actos jurídicos conexionados com o objecto do recurso são os seguintes.

o Vindos os autos do Tribunal Constitucional, na sequência da remessa dos presentes autos à conta por despacho de 06.03.2018 do TAF do Porto, a ora Recorrente A... por requerimento de 16.05.2018 (fls. 2998/Sitaf) peticionou a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artº 6º nº 7, 2ª parte RCP por o mesmo se afigurar, citando, “manifestamente desajustado e desproporcional em face das especificidades do caso dos autos”, posto que tendo em conta os montantes em causa, mostrar-se-ia violado o princípio constitucional da proibição do excesso, pondo em causa o princípio da equivalência jurídica das prestações inerente ao conceito tributário de taxa, no caso, da taxa de justiça devida pelos serviços judiciais prestados pelo Estado, sustentando-se na doutrina exarada pelo acórdão do TC nº 471/2007, 25.09.2007, procº nº 317/07, 2ª Secção. A título subsidiário requereu a redução substancial do valor a pagar em sede de liquidação adicional por remanescente da taxa de justiça.

o Por despacho do TAF do Porto de 11.07.2018 (fls. 3015/Sitaf) a 1ª Instância julgou improcedente o pedido de dispensa e procedente a redução que fixou em 20%.

o Em via de apelação, por acórdão do TCAN de 27.09.2019 (fls.3039/sitaf) foi concedido parcial provimento ao recurso, dispensando em 50% o pagamento do remanescente da taxa de justiça relativa ao processo e, no mais, mantendo o decidido em 1ª Instância.

o Interposto recurso de revista a ora Recorrente assacou o acórdão do TCAN de 27.09.2019 (fls.3039/sitaf) de incorrer em nulidade por omissão de pronúncia sobre a questão de inconstitucionalidade invocada, por o TAF ter adoptado um critério normativo de interpretação e aplicação do artº 7º nº 6 RCP desconforme com a Constituição no tocante à denegação do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na medida em que, no iter interpretativo do citado artº 7º nº 6 RCP, associou aos dois critérios plasmados na norma (conduta processual das partes e complexidade da causa), mais um critério, qual seja, o aumento das custas judiciais a suportar pela ora Recorrente em razão da delonga de tramitação do processo - iniciado em 18.01.2005 e que não conheceu decisão definitiva antes da entrada em vigor da Lei 7/2012, 13.02 - não imputável às partes e consequente aplicação da liquidação adicional pelo remanescente da taxa de justiça, alteração legislativa introduzida pelo RCP/Lei 7/2012, 13.12.

o Por despacho do Relator de 19.12.2019 (fls.3070/sitaf) o TCAN sustentou a inexistência da nulidade por omissão de pronúncia assacada ao acórdão de 27.09.2019 (3039/sitaf) e ordenou a subida dos autos a este STA.

o Por despacho do Conselheiro Relator foi ordenada a baixa dos autos ao TCAN (artº 666º nº 2 CPC ex vi 140º nº 1 CPTA) para efeitos de conhecimento da arguida nulidade e respectiva decisão em conferência.

o Mediante decisão em tribunal colectivo o TCAN sustentou a inexistência da invocada nulidade e manteve o sentido do segmento decisório por acórdão de 31.01.2020 (fls. 3127/sitaf), parte integrante do anterior, prolatado a 27.09.2019 (3039/sitaf) – cfr. artº 617º nº 2 CPC aplicável ex vi 140º nº 1 CPTA.

o Ao abrigo do disposto no artº 617º nº 3 CPC a ora Recorrente alargou o âmbito da presente revista concluindo conforme conclusões supra (fls. 3157/sitaf).

o Na acção principal a ora Recorrente apresentou as contra-alegações de revista em 19.11.2012 e as contra-alegações de recurso de uniformização de jurisprudência em 19.11.2013.


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A matéria de facto fixada em 2ª Instância é a seguinte:

A. Em 18.01.2005 a aqui Recorrente A... SA intentou no TAF do Porto, a presente acção administrativa comum contra o Município de Vila Nova de Gaia, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de 27.092,928 € (vinte e sete milhões, noventa e dois mil, novecentos e vinte e oito Euros], acrescido dos juros que se vencerem desde a data da citação da Ré até efectivo e integral pagamento:

B. O valor da causa é o de € 27.092.928, correspondente à quantia peticionada;

C. Por sentença datada de 10.03.2010, foi a presente acção julgada parcialmente procedente, tendo o Réu sido condenado a pagar à A aqui Recorrente a quantia de € 2.556.028 [dois milhões quinhentos e cinquenta e seis mil e vinte e oito euros] a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros à laxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

D. Nos termos da sentença referida em C), as custas ficaram a cargo da A e do R na proporção do decaimento.

E. Da referida decisão judicial interpôs o Recorrido recurso jurisdicional para este TCAN que por Acórdão de 23.03.2012 negou provimento ao mesmo.

F. O Recorrido arguiu a nulidade do Acórdão deste TCAN de 23.03.2012, que logrou obter a decisão judicial de improcedência que faz fls. 2637 e seguintes dos autos

G. Inconformado, o Recorrido interpôs Recurso de Revista para o STA que por Acórdão de 26.02.2015 concedeu parcial provimento ao mesmo, julgando a acção improcedente no tocante ao pedido de quantia de 20.100,00 Euros.

H. Em 17.03.2015, a aqui Recorrente suscitou a nulidade deste Acórdão do STA requerendo a sua reforma, o que foi indeferido por Acórdão datado de 21.02.2016.

I. Sequentemente, a aqui Recorrente deduziu recurso jurisdicional para o Tribunal Constitucional do acórdão do STA de 21.02.2016 que, por aresto datado de 20.12.017. decidiu não conhecer do objecto do mesmo

J. Baixados os autos ao TAF do Porto, a aqui Recorrente formulou um pedido de dispensa do pagamento de remanescente da taxa de justiça, subsidiariamente requerendo a sua redução nos termos que fazem fls. 4292 e seguintes dos autos (sitaf).

K. Por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 11.07.2018 foi indeferido o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da laxa de justiça, porém, reduzido em 20% o montante que se mostra devido a titulo de remanescente da taxa de justiça.

DO DIREITO

Atentas as conclusões de recurso e no tocante à improcedência do pedido de dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça, vem assacado o acórdão de incorrer em violação primária de direito substantivo por erro de julgamento nas seguintes matérias:

a) errónea não aplicação das normas transitórias previstas na Lei 7/2012
als. J a R;
b) inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais da (i) segurança jurídica, (ii) protecção da confiança, (iii) igualdade, (iv) proporcionalidade, (v) proibição do excesso e (vi) do acesso aos tribunais
als. S a V;
c) inconstitucionalidade por aplicação retroactiva do RCP na redacção dada pela Lei 7/2012, 13.Dezembro
als. W a DD;
d) errónea interpretação e aplicação do nº 7 do artº 6º do RCP
als. EE a PP.

A título subsidiário, sustenta a insuficiência da redução em 50% determinada pelo acórdão recorrido, pugnando pela sua redução parcial substancial …………………………. al. QQ.

a) sucessão de leis no tempo;

A questão central trazida a recurso é suscitada pela 6ª alteração ao Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo DL 34/2008, 26.02 (RCP), diploma que veio substituir o regime do Código das Custas Judiciais, 6ª alteração introduzida pela Lei 7/2012, 13.02 entrada em vigor 45 dias após a data de publicação em 13.02.2012 (artº 9º), ou seja, em 29.03.2012.

Está em causa a aplicação da Lei 7/2012 relativamente à taxa de justiça e respectivo valor por referência à data do impulso processual da parte, atendendo aos processos autónomos para efeitos tributários especificados na lei, bem como no tocante à liquidação adicional a título de remanescente da taxa de justiça aquando da elaboração da conta final.

Uma vez resolvida a problemática da sucessão de leis no tempo nos termos do direito transitório, ficam implicitamente resolvidas as questões suscitadas relativamente às inconstitucionalidades assacadas ao acórdão do TCAN relativamente ao critério normativo de interpretação do RCP por violação dos princípios consagrados na CRP enunciados nas alíneas S a V e W a DD das conclusões.


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Invoca a Recorrente que o TCAN aplicou um critério normativo inconstitucional por interpretação desconforme com o disposto nos artºs. 2º, 13º, 18º nº 2 e 20º nº 1 da CRP, na medida em que para fundamentar a improcedência do pedido de dispensa parcial do remanescente da taxa de justiça lançou mão de um critério novo que adicionou aos critérios normativos fixados no artº 6º nº 7 RCP a saber, a delonga da tramitação do processo e que não é imputável às partes, iniciado em Janeiro de 2005 e que não conheceu decisão definitiva antes da entrada em vigor do RCP/Lei 7/2012, 13.02 em 29.03.2012,

Critério traduzido no segmento inovatório da liquidação adicional da taxa de justiça pelo remanescente devido em função do valor da causa superior a 275.000,00 € introduzido pelo citado RCP na versão entrada em vigor em 28.03.2012, regime cuja inaplicabilidade sustenta atendendo a que a acção teve início em Janeiro de 2005 na vigência do CCJ aprovado pelo DL 224-A/96, 26.11 na redacção do DL 324/2003, 27.12, regime que não previa qualquer liquidação adicional de taxa de justiça pelo remanescente de valor superior a 275.000 €, sendo aquele o aplicável.

Subsidiariamente, sustenta a insuficiência da redução em 50% da taxa remanescente fixada pelo Tribunal a quo por violação dos princípios da proporcionalidade e do acesso efectivo à justiça consagrados nos artºs. 2º, 13º, 18º nº 2 e 20º nº 1 da CRP, pugnando, em via de revogação, por uma decisão que majore substancialmente o percentual de taxa a pagar a título de remanescente.

b) artº 8º RCP/Lei 7/2012, 13.02 (29.03.2012);

Diversamente do sistema instituído pelo Código das Custas Judiciais aprovado pelo DL 224-A/96 de 26.11 em que a conta era elaborada de acordo com o critério do vencimento, em sede de RCP é elaborada por referência ao impulso processual do interessado na qualidade de autor ou de réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente ou recorrido, nos termos do artº 530º nº 1 CPC e artº 1º nº 2 por remissão expressa do 6º nº 1, ambos do RCP.

Grosso modo, o impulso processual corresponde à prática dos actos de processo especificados no artº 1º nº 2 RCP de acordo com o critério de autonomia de tributação – na letra da lei, processo autónomo - sendo o momento da prática do acto processual fiscalmente relevante que marca a data da constituição da obrigação de pagamento a cargo da parte processual e, conforme disposto no artº 5º nº 3 RCP, fixa o valor correspondente à UC para cada processo autónomo tal como definido no citado artº 1º nº 2 RCP.

De modo que, atenta a data do impulso processual, a taxa de justiça é expressa com recurso à UC (artº 5º nº 1 RCP) e o respectivo cálculo tem por base tributável o valor e a complexidade da causa, de acordo com a Tabela I anexa ao RCP que quantifica, no eixo horizontal, a taxa de justiça entre 1 a 16 UC’s em treze escalões correspondentes a outros tantos limiares de mínimos/máximos de valor da acção - o primeiro até 2.000 € e o último de 250.000,01 a 275.000 € - e discrimina, no eixo vertical a três colunas sob as letras A, B e C, os montantes específicos de taxa de justiça em correspondência com os treze escalões de valor da acção e acréscimos de 3 UC’s no caso da Tabela I-A e de 1,5 UC no caso dos recursos, Tabela I-B, por cada 25.000 € ou fracção do quantum de valor da causa superior a 275.000,00 €,(artºs 529º nº 2, 530º nº 7 CPC e 6º nºs 1, 2 e 7, 5º nº 3 e 11º RCP).

Em síntese, o critério basilar do valor da causa para efeitos de cálculo da taxa de justiça (artºs. 6º nº 1 e 11º RCP), é passível de ser complementado em razão do segundo critério definido pela complexidade da causa e conduta processual das partes, que se traduz na liquidação adicional de taxa de justiça remanescente a considerar na elaboração da conta final das causas de valor superior a 275 mil euros, nos termos dos artºs 529º nº 2 e 530º nº 7 CPC e 6º nºs 1 e 7 RCP.


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No que respeita à problemática da aplicação da lei no tempo a Lei 7/2012 a solução legal consta da norma de direito transitório, cujo teor se transcreve na parte que releva à matéria sob recurso.

Artº 8º nº 2:

· Relativamente aos processos pendentes, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a redacção que é dada pelo Regulamento das Custas Processuais pela presente lei só se aplica aos actos praticados a partir da sua entrada em vigor, considerando-se válidos e eficazes todos os pagamentos e demais actos regularmente efectuados ao abrigo da legislação aplicável no momento da prática do acto, ainda que a aplicação do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, determine solução diferente.

Artº 8º nº 3:

· Todos os montantes cuja constituição da obrigação de pagamento ocorra após a entrada em vigor da presente lei, nomeadamente os relativos a taxas de justiça, a encargos, a encargos, a multas ou outras penalidades, são calculados nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei.

Artº 8º nº 6:

· O valor da causa para efeitos de custas é sempre fixado de acordo com as regras que vigoravam na data da entrada do processo.


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Esta norma de direito transitório especifica claramente os actos processuais objecto de tributação autónoma separando os praticados a partir de 29.03.2012, inclusive, aos quais se aplica o regime do RCP, dos actos praticados até 28.03.2012 aos quais se aplica o regime vigente à data.

Como já se referiu, no regime do RCP a prática do acto de processo corresponde ao conceito de impulso processual cuja relevância jurídica se exprime em dois planos: (i) marca o momento da constituição da obrigação de pagamento a cargo da parte processual e, simultaneamente, (ii) fixa o valor correspondente à UC para cada processo autónomo tal como definido no citado artº 1º nº 2 por remissão expressa do artº 5º nº 3 RCP, ou seja, atendendo aos actos processuais praticados na qualidade de autor ou de réu, exequente ou executado, requerente ou requerido e recorrente ou recorrido, nos termos do artº 530º nº 1 CPC e artº 1º nº 2 por remissão expressa do 6º nº 1 RCP.

A 6ª alteração ao RCP introduzida pela Lei 7/2012, 13.02 entrou em vigor (artº 9º) em 29.03.2012 pelo que no tocante à incidência e valor da taxa de justiça apenas se aplica o regime desta Lei 7/2012 aos impulsos processuais respeitantes aos actos de processo tributáveis praticados a partir de 29.03.2012, inclusive (artº 8º nº 2, 1ª parte e 3).

Consequentemente, são válidos e eficazes todos os pagamentos anteriormente efectuados pelas partes no domínio seja do CCJ (DL 224-A/96 de 26.11) seja do RCP (DL 34/2008, 26.02) na redacção vigente pelas sucessivas alterações a cada um dos citados regimes, atenta a data da constituição da obrigação tributária em sede de taxa de justiça “… ainda que a aplicação do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, determine solução diferente” conforme se dispõe expressamente no artº 8º nº 2, 2ª parte, Lei 7/2012.

Deste modo, no que respeita ao impulso processual e ao valor da taxa de justiça, as alterações ao RCP introduzidas pela Lei 7/2012 vigente a partir, inclusive, de 29.03.2012 não são aplicáveis aos impulsos processuais da ora Recorrente A... praticados em 1ª e 2ª Instância até 28.03.2012, dado que a acção foi por si intentada em 18.Janeiro.2005 no domínio do CCJ e as contra-alegações em sede de apelação deduzida pelo Município de Vila Nova de Gaia por si apresentadas em Outubro de 2010 no domínio do RCP alterado pela Lei 3-B/2010 de 10.04.


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Na linha do exposto, as alterações ao RCP em função da Lei 7/2012 entrada em vigor em 29.03.2012 são aplicáveis aos impulsos processuais da Recorrente relativos à apresentação das contra-alegações em sede de revista e de recurso de uniformização de jurisprudência neste STA, respectivamente, em 19.Novembro.2012 e 19.Novembro.2013.

Esta solução de aplicabilidade restrita aos actos processuais praticados a partir de 29.03.2012, inclusive, mostra-se expressamente afirmada no acórdão do TCAN prolatado em 31.01.2020 ora sob recurso (fls. 3127/sitaf) que conheceu da omissão de pronúncia assacada ao acórdão anterior de 27.09.2019 (fls. 3039/sitaf), conforme segmento que se transcreve:

“(..) Porém, não se vislumbra que a adopção do critério previsto no nº 7 do artº 6º do RCP obvie, de modo intolerável, arbitrário e opressivo, aquele mínimo de certeza. De facto, o RCP na versão dada pela Lei 7/2012 de 13 de Fevereiro é claro a afirmar que, pese embora seja de aplicação aos processos pendentes, tal só ocorrerá no que tange aos actos processuais praticados após a sua entrada em vigor, que terão um novo regime tributário, designadamente quanto a taxas de justiça, encargos, multas ou outras penalidades. (..)”.

Embora seja inexistente a fundamentação legal do porquê (direito transitório) e termos de aplicação (impulso processual) do disposto no artº 6º nº 7 RCP e da Tabela I a ele anexa (liquidação adicional pelo remanescente) aos processos pendentes, todavia, nos exactos termos do segmento que vem de ser transcrito, a afirmação de que só rege para os actos praticados pelas partes posteriormente à entrada em vigor desta 6ª alteração ao RCP consta do texto do acórdão do TCAN sob recurso.

O que significa que em 1ª Instância o contador teria de levar em consideração os termos do julgado aquando da elaboração da conta final, isto é, não considerar quaisquer liquidações adicionais por remanescentes de taxa de justiça liquidada e paga pelas partes por actos processuais tributáveis praticados no processo em data anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas no RCP pela Lei 7/2012, 13.02 (29.03.2012).


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Deste modo, improcedem as questões trazidas a recurso nas conclusões das alíneas J a R, mostrando-se prejudicado o conhecimento das enunciadas nas conclusões das alíneas S a V e W a DD pela solução adoptada quanto às anteriores.

c) remanescente da taxa de justiça – artº 6º nº 7 Lei 7/2012 - dispensa total ou parcial;

Importa salientar que a alteração ao artº 6º nº 7 RCP operada pela Lei 7/2012 em ordem a atender ao valor da causa que sobreleve o limite máximo de 275.000€ e de, mediante despacho judicial fundamentado, se dispensar no todo ou parcialmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça liquidada e paga aquando da constituição da obrigação de pagamento pelo impulso processual, é consequência da pronúncia do Tribunal Constitucional por acórdão nº 421/2013 de 15.07.2013, procº nº 907/2012 publico do DR, 2ª série, nº 200 de 16.10.2013.

Neste acórdão o Tribunal julgou inconstitucionais as normas contidas nos artºs. 6º e 11º RCP conjugadas com a Tabela I-A a ele anexa, na redacção introduzida pelo DL 52/2011, 13.04, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal decidir sobre a redução do montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título, por violação do direito de acesso aos tribunais consagrado no artº 20º CRP conjugado com o princípio da proporcionalidade decorrente dos artºs. 2º e 18º nº 2, 2ª parte CRP.

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Vejamos agora a questão da liquidação adicional pela taxa remanescente e acréscimos, dado que o valor da acção é superior aos 275.000,00 € do escalão 13 da Tabela I, sendo de 102€ o valor de cada unidade de conta.

No caso dos autos o valor da causa é de 27.092.928,00 €, o decaimento de 23.407.286,67 € e o remanescente de 23.132.286,67 € este obtido pela subtracção de 275.000,00 € - valor limite fixado no artº 6º nº 7 RCJ - ao quantum do decaimento (23.407.286,67 €).

O decaimento corresponde à diferença entre o quantum peticionado de 27.092.928,00 € na acção a título indemnizatório por acto lícito à luz do regime do artº 9º nº 1 DL 48051 de 21.11.1967 e o quantum alcançado de 3.685,641,33 € por condenação efectiva da Recorrida em 2.535.928,00 € de capital e juros moratórios vencidos desde 01.04.2005 de 1.149.713,33 €, já liquidados e pagos em sede executiva.

A indemnização de 2.535.928,00 € em capital resulta da dedução de 20.100.000 € ao valor indemnizatório atribuído nas instâncias (22.635.928,00 €), decorrente da improcedência do pedido parcelar neste quantitativo deduzido na acção pela ora Recorrente conforme julgado por acórdão de uniformização de jurisprudência do Pleno deste STA de 26.02.2015 consultável in www.dgsi.pt/sta, que condenou as partes de /acordo com o respectivo decaimento.

Interposto recurso da decisão negativa de constitucionalidade exarada no acórdão do Pleno do STA de 26.02.2015, por acórdão do Tribunal Constitucional de 20.12.2017 foi decidido não conhecer do objecto do recurso, tendo transitado em julgado em 15.01.2018 conforme certidão de trânsito a fls. 3689 vol. XII do processo físico.

Ou seja, o decaimento de 23.407.286,67 € - diferença entre o valor peticionado, 27.092.928 € e o valor alcançado, em capital e juros, de 3.685.641,33 € - uma vez deduzido do limite de 275.000,00 € resulta no remanescente de 23.132.286,67 € que assume a natureza de referente do cálculo da liquidação da taxa adicional a pagar pela ora Recorrente a título de remanescente.


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Conforme dispõe o artº 6º nº 7 RCP na redacção da Lei 7/2012, 13.02 “… o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

Seguindo Salvador da Costa in As custas processuais, Almedina, 9ª edição, pág. 101, “(..) A referência à complexidade da causa significa a sua menor complexidade ou maior simplicidade, tendo em conta o princípio da proporcionalidade e a menção à conduta processual das partes tem a ver com a sua atitude na condução do processo, em quadro de cooperação e de boa-fé processual, previstas nos artºs. 7º e 8º do CPC, sem abuso de meios processuais nem provocação de dilações escusadas. (..)” .

Como se aponta no acórdão deste STA, 2ª Secção Tributária, procº nº 0456/14 de 14.05.2014, “(..) Caso o juiz entenda que se está perante uma situação em que se deva dispensar o pagamento de tal remanescente, então essa dispensa operará relativamente à acção considerada em bloco, uma vez que a norma não à actuação de cada uma das partes, mas antes à acção como um todo, devendo ser ponderada (i) a complexidade da causa (simplicidade) e (ii) a conduta processual das partes (de ambas).

Na verdade, caso se entenda que a causa não assume uma simplicidade, ou menor complexidade, tal que deva ser dispensado o pagamento daquele remanescente, essa menor ou maior complexidade é aferida pelo conjunto da acção, petição, contestação e demais articulados e restante tramitação processual, vistos objectivamente enquanto legalmente necessários.

Já a conduta das partes deverá ser apreciada, negativamente, relativamente a tudo aquilo que se deva considerar desnecessário, impertinente ou dilatório, uma vez que tudo o resto cairá no âmbito da normalidade da intervenção das partes no processo judicial. (..)”.

De modo que o juízo de dispensa do remanescente reporta ao processo tomado no seu todo, o que significa que é a integralidade da instância processual nas diversas fases desenvolvidas do início ao termo final, que constitui o objecto do juízo de apreciação da complexidade da causa, em maior ou menor grau ou mesmo da sua simplicidade, juízo que abrange ambos os planos, (i) o relativo às questões jurídico-substantivas a dirimir em função do objecto da causa, definidas na petição e desenvolvidas pelas partes ao longo da instância, bem como (ii) as jurídico-processuais evidenciadas nos autos, v.g. referentes aos meios de prova e incidentes processuais suscitados.


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Dado o exposto não se acompanha o entendimento sustentado pela Recorrente no tocante ao assacado erro de julgamento do Tribunal a quo em matéria de interpretação e aplicação do nº 7 do artº 6º RCP, por ter julgado “(..) a maior ou menor complexidade da causa com base na extensão de todo o processado a final … em vez de discriminar cada um dos processos autónomos em que é devido o pagamento do remanescente da taxa de justiça. (..)”.

Consequentemente nada há a censurar ao juízo de improcedência do pedido de dispensa total do remanescente da taxa de justiça nos exactos termos da fundamentação constante do acórdão sob recurso que assumiu a fundamentação de 1ª Instância no sentido de a questão jurídica trazida ao processo se centrar “(..) em saber da efectiva responsabilidade do Município de Vila Nova de Gaia, resultante da definição de um novo modelo de circulação rodoviária que impediu o trânsito de camiões nas vias de acesso aos silos da Autora sitos na área da estação de caminho de ferro das ... em Vila Nova de Gaia e consequente obrigação de indemnização dos danos sofridos, estimados em 27.092.928 Euros. (..)” sendo que “(..) a tramitação processual foi longa e de elevado labor, como vem detalhadamente reflectido no relatório da sentença proferida (..)”.

Efectivamente, compulsado o processo conclui-se que a apreciável complexidade das matérias trabalhadas nos articulados ao longo de todo o processo no domínio da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto lícito (artº 9º DL 48051/21.11.1967) e apreciadas em 1ª Instância, complexidade que se manteve em 2ª Instância atento o objecto do recurso de apelação por via da reapreciação de extensa matéria de facto levada ao probatório, decisiva quanto a provar que o acto administrativo em causa praticado pelo Município, apesar de ter cobertura legal, causou prejuízos anormais e especiais na esfera jurídica da Recorrente e que prosseguiu no recurso de uniformização de jurisprudência neste STA sobre a questão de saber se a alegação genérica de um facto sustentada em documento destinado a prová-lo, satisfaz o ónus de alegação em sede de petição inicial no tocante aos factos essenciais da causa de pedir, nos termos previstos do artº 552º nº 1 d) CPC (ex 467º/1/d) aplicável ex vi artº 140º CPTA, não permite outra decisão que não seja a improcedência da dispensa total do remanescente da taxa de justiça.


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Vejamos agora o cálculo em função dos percentuais de dispensa atribuídos pela Instâncias, atendendo ao valor do remanescente de 23.132.286,67 € dividido em parcelas de 25.000€ ou fracção conforme regime prescrito no artº 6º nº 1, 2 e 7, Tabela I-B do RCP.

Assim, o remanescente de 23.132.286,67 € dividido em parcelas de 25.000€ ou fracção dá-nos o acréscimo de unidades de conta para cálculo da liquidação adicional, acréscimo, no caso, medido por referência ao valor monetário de 1,5 UC, Tabela I-B, mantendo-se em 102€ o valor da unidade de conta para o corrente ano conforme artº 121º Lei 82/2023, 29.12.

23.132.286,67 € : 25.000€ = 926 UC

1,5UC em valor monetário (102€ + 51€) = 153€

- 926UC x 153€ = 141.678€ - liquidação adicional da taxa de remanescente na totalidade

20% de dispensa – 28.335,60€ (141.678€ x 20%) – TAF do Porto

- 141.678€ - 28.335,60€ = 113.342,40€ - liquidação adicional pela dispensa de 20%

50% de dispensa – 70.839€ (141.678€ x 50%, obviamente é metade) - TCAN

- 141.678€ - 70.839€ = 70.839€ - liquidação adicional pela dispensa de 50%

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Deste modo, com fundamento na apreciável complexidade das matérias trabalhadas ao longo de todo o processo conforme referido e atendendo aos princípios constitucionais da proibição do excesso e da equivalência jurídica das prestações nos termos expostos, não tem respaldo o pedido subsidiário de majoração da dispensa parcial de 50% do remanescente da taxa de justiça decidida pelo Tribunal a quo.


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Pelas razões expostas, improcedem as questões trazidas a recurso nas alíneas EE a PP.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Conselheiros da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 4 de Abril 2024. - Maria Cristina Gallego dos Santos (relatora) – José Augusto Araújo Veloso - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva.