Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0100/23.9BALSB
Data do Acordão:04/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO ARBITRAL
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 25.º do RJAT por oposição com outra decisão arbitral pressupõe, para além do mais que as decisões em confronto tenham dado resposta divergente à mesma questão fundamental de direito.
II - Não há que conhecer do mérito do recurso se verificarmos que as duas decisões arbitrais em alegada oposição não se pronunciaram em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica mas, ao invés, que a divergência das soluções encontradas assenta na diferente factualidade que foi dada como assente em cada uma deles.
Nº Convencional:JSTA000P32161
Nº do Documento:SAP202404240100/23
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 25 de Maio de 2023 no processo 441/2022-T (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=7163.) pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) por oposição com decisão arbitral do mesmo CAAD, proferida em 23 de Março de 2020 no processo 485/2019-T (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=4725.) e transitada em julgado, tendo apresentado alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A) O thema decidendum no presente recurso consiste na oposição da decisão arbitral proferida em 25.05.2023, no processo n.º 441/2022-T com uma decisão arbitral proferida em 23-03-2020, no processo n.º 485/2019-T, no segmento decisório quanto ao n.º 2 do artigo 41.º do CIRC.

B) In casu verificam-se todos os requisitos legais previstos no artigo 25.º do RJAT e no artigo 152.º do CPTA para concluirmos no sentido da admissibilidade do recurso por oposição de julgados, conforme evidenciado nas presentes alegações, uma vez que a decisão recorrida e decisão fundamento analisaram a mesma questão fundamental de direito; pronunciaram-se expressamente sobre quadros legais idênticos, estando a decisão final fundamentada nos mesmos normativos; sendo que estamos perante duas decisões expressas em sentido oposto sobre a mesma questão fundamental de direito.

C) Como se refere na Decisão Recorrida, “A questão de fundo suscitada pela Requerente consiste em determinar se o cumprimento do requisito de comunicação aos devedores do reconhecimento de crédito, como incobráveis, conforme previa, à data, o n.º 2 do artigo 41.º do Código do IRC, obsta à dedução do gasto, ainda que se trate de devedores declarados insolventes”.

D) A Decisão Recorrida alcança uma solução diametralmente oposta à da Decisão Fundamento no que concerne à aplicação e interpretação do disposto no artigo 41.º/2 do CIRC e, consequentemente, quanto à obrigatoriedade da comunicação ali prevista à data dos factos, o que sustenta a apresentação do presente recurso.

E) Na Decisão Recorrida, o Tribunal Arbitral a quo entendeu ser aplicável o disposto na referida disposição legal a devedores insolventes (como era o caso em análise), concluindo pela legalidade da posição sustentada pela Autoridade Tributária.

F) Em sentido oposto, na Decisão Fundamento, o Tribunal Arbitral decidiu no sentido da não aplicação da mesma norma ao abrigo do princípio da capacidade contributiva, por força da interpretação restritiva do referido preceito, concluindo pela inutilidade da comunicação prevista à data dos factos no referido artigo do CIRC (nomeadamente, no que respeita a devedores insolventes), e, consequentemente, pela ilegalidade das correcções efectuadas pela Autoridade Tributária.

G) As situações fácticas subjacentes à Decisão Recorrida e à Decisão Fundamento são idênticas, pois em ambos os casos, está em causa a impugnação de correcções aritméticas efectuadas em sede de IRC pela Autoridade Tributária resultantes da desconsideração das perdas por imparidade de créditos em dívidas de clientes declarados insolventes, sendo que nas duas situações, o fundamento exclusivo para a realização das correcções à matéria colectável de IRC prendeu-se com o incumprimento do requisito formal de comunicação previsto no número 2 do artigo 41.º do CIRC.

H) Adicionalmente a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento foram proferidas no âmbito do mesmo quadro legislativo, embora a primeira respeite ao exercício de 2011 e a segunda ao exercício de 2013, pois, em ambos os casos, estava em causa, para o que importa ao thema decidendum do presente recurso, a análise da legalidade das correcções efectuadas pela Autoridade Tributária em sede de IRC ao abrigo da redacção do artigo 41.º/2 do CIRC, introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro e revogada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

I) A questão material controvertida consiste em determinar se o incumprimento do requisito de comunicação aos devedores do reconhecimento dos créditos como incobráveis, conforme previa, à data, o n.º 2 do artigo 41.º do Código do IRC, obsta ao reconhecimento do gasto como imparidade, e se tal solução legislativa, no caso de devedores comprovadamente insolventes, se mostra conforme com os princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade.

J) Encontra-se assente nos autos que a Recorrente não recebeu seus créditos, reclamou os mesmos judicialmente e os devedores foram declarados insolventes, inexistindo, pois, qualquer risco de abuso ou frustração dos créditos públicos, conforme ratio da obrigação declarativa imposta por via do n.º 2 do artigo 41.º do CIRC.

K) Da simples leitura das duas decisões arbitrais aqui em confronto, dúvidas também não existem de que a orientação e o sentido da Decisão Recorrida contêm uma expressa e real oposição de Direito face ao enunciado na Decisão Fundamento.

L) Refere a Decisão Recorrida: “A argumentação da Requerente para alicerçar a inaplicabilidade deste último requisito aos créditos em causa não encontra sustentação, nem na letra, nem no espírito daquele normativo. Desde modo, não resultando da factualidade assente que a Requerente tivesse cumprido o dever de comunicação prescrito no n.º 2 do artigo 41.º do Código do IRC, bem andou a Administração Tributária ao não aceitar os custos em causa como créditos incobráveis dedutíveis para efeitos fiscais” (cfr. pág. 24).

M) Em sentido diametralmente oposto, decidiu-se na Decisão Fundamento: “afigura-se pertinente realizar um exame de proporcionalidade à medida em análise, de modo a vislumbrar o potencial mérito da incorporação dos devedores insolventes no âmbito de incidência subjectivo do artigo 41.º, n.º 2 do Código do IRC” (…) “Por conseguinte, realizar-se-á um controlo analítico da restrição através dos subprincípios que compõem o princípio da proibição do excesso:

N) Prossegue a Decisão Recorrida: “Em todo o caso, como se infere das razões supramencionadas, a condição de insolvente dos devedores não obsta à obrigatoriedade de comunicação prevista no n.º 2 do artigo 41.º do Código de IRC, não havendo razão para se considerar a respectiva inutilidade enquanto vigorou este dever de comunicação” (cfr. pág. 26).

O) Diferentemente, decidiu-se na Decisão Fundamento: “Em face do que se disse, a força económica de um devedor insolvente peticiona uma solução diante de duas perguntas norteadas pelo princípio da capacidade contributiva. A primeira questão, tomando em consideração o objectivo prosseguido pelo legislador à data dos factos, coloca em causa o efeito útil da obrigatoriedade da comunicação contemplada no artigo 41.º, n.º 2 do Código do IRC. A segunda pergunta consistirá em saber se o princípio da capacidade contributiva é violado pela onerosidade de uma sanção, decorrente da inobservância de um requisito formal ad substantium, que desreconheça um crédito cuja incobrabilidade seja imputável a um devedor insolvente. (…) Dito de outro modo, admitindo-se que a Requerente viesse a cumprir a obrigação prevista no artigo 41.º, n.º 2 do Código do IRC, através do envio de uma carta ou recorrendo a outro meio de comunicação, não é menos verdade que o objectivo prosseguido pelo legislador estaria condenado ao insucesso”.

P) A Decisão Recorrida concluiu pela não dedução do gasto exclusivamente em virtude do incumprimento do requisito formal de comunicação aos devedores do reconhecimento dos créditos como incobráveis, previsto à data no artigo 41.º/2 do CIRC, ainda que se trate de devedores insolventes; sendo que, em sentido oposto, a Decisão Fundamento conclui pela dedução do gasto e sustenta que o artigo 41.º/2 do CIRC deve ser objecto de uma leitura restritiva à luz da ratio da norma e ao abrigo do princípio da proporcionalidade, concluindo que o mesmo deve ser objecto de uma interpretação restritiva, no sentido de não abarcar devedores insolventes, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva.

Q) Decidindo-se pela existência da oposição, deverá este Venerando Tribunal concluir pela anulação da Decisão Recorrida e pela procedência total do pedido de pronúncia arbitral formulado pela ora Recorrente.

R) Como resulta expresso do relatório final de inspecção, o único fundamento para a AT desconsiderar as perdas por imparidade de créditos prende-se com o facto de a Recorrente não ter apresentado prova da comunicação aos devedores (insolventes!) do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, conforme determinava o n.º 2 do artigo 41.º do CIRC.

S) Em harmonia com o disposto na Decisão Fundamento, importa, desde logo, salientar a falta de razoabilidade da solução legislativa nas situações em que, como sucede no caso em apreço, tenha ficado provado – através de certidão judicial – que as entidades em causa estavam, à data dos factos, insolventes.

T) Mais se note que o único objectivo prosseguido pelo legislador com a introdução do n.º 2 do artigo 41.º do Código do IRC consistiu na prevenção de abusos e diminuição da receita, uma vez que a comunicação obrigaria ao reconhecimento por parte do devedor do consequente proveito para efeitos fiscais.

U) Como bem se refere na Decisão Fundamento, “Por ocasião do ano de 2010, a racionalidade da implementação deste requisito explicava-se pela necessidade de prevenir o abuso passível de se verificar quanto à dedutibilidade do gasto associado ao crédito incobrável. Destarte, a norma cumpria um desiderato de receita fiscal, procurando-se evitar a dupla dedução da mesma realidade económica. Em todo o caso, convém sublinhar, que a comunicação não assegurava, per se, o cumprimento da correlativa obrigação que impendia sobre o destinatário. Em última análise, findos quatro anos de vigência, esta circunstância terá constituído um motivo ponderoso para se justificar a revogação parcial do artigo”. - O que bem se compreende, dado que em situações como a que ora nos ocupa é evidente que este objectivo se revela inócuo, em virtude da situação de insolvência dos devedores em causa, pelo que se mostra destituída de qualquer sentido a obrigatoriedade da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 41.º.

V) Uma sociedade que tenha sido declarada insolvente, ainda que mantenha a sua capacidade tributária, entra em liquidação – liquidação, essa, sujeita a regras fiscais específicas – salvo se entrar em mecanismo de recuperação, o que não ocorreu em nenhum dos casos em apreço – de onde decorre que a verificação do disposto no número 2 do artigo 41.º do CIRC não teria qualquer efeito útil, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

W) Entende ainda a Recorrente que o desreconhecimento de um crédito cuja incobrabilidade seja imputável a um devedor insolvente – em virtude da mera inobservância de um requisito formal, tal como se verifica na situação em apreço – viola o princípio constitucional da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real – princípios estruturantes do Direito Fiscal e com consagração constitucional.

X) Como resulta da Decisão Fundamento “A esta faculdade de desreconhecimento de um crédito, contabilisticamente inscrito como tal, pode associar-se singelamente “A proclamação constitucional do direito subjectivo do contribuinte a ser tributado de acordo com o seu lucro real”, conforme resulta do artigo 104.º, n.º 2 da CRP. (…) Descortina-se assim, de forma intuitiva, a íntima ligação entre o reconhecimento na contabilidade de um crédito incobrável e o princípio da tributação em função da capacidade contributiva do sujeito passivo. De facto, em obediência a este princípio, é essencial que na determinação da matéria tributável sejam considerados os rendimentos e gastos efectivamente suportados, visto que só assim se acautela uma tributação vocacionada a um real aumento da capacidade económica”.

Y) Em suma: não sendo no caso concreto frustrados os objectivos do legislador ao consignar a obrigação declarativa prevista no n.º 2 do artigo 41º do CIRC – ou não sendo alcançados os objectivos aí consignados face à insolvência dos devedores – nenhuma dúvida restará que deverá prevalecer uma interpretação restritiva que atente à ratio da norma e a realidade material, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos da procedência do presente recurso.

Z) Como já bem decidiu este Venerando STA, “Ao contrário do alegado pela recorrente, a resolução da questão que vem posta não pode ser encarada acentuando apenas o relevo que nos merecem os princípios da justiça e da capacidade contributiva, antes exige uma ponderação global dos interesses em presença mediada pelo princípio da proporcionalidade. Com efeito, é preciso recordar e ter em conta que as exigências de natureza formal e de documentação dos custos têm subjacente a protecção do interesse público no combate à fuga e à evasão fiscal. Assim, se por um lado releva o imperativo da tributação pelo rendimento real em virtude de não vir questionado que a recorrente suportou os encargos em causa, temos, do outro lado, de valorar e ponderar os interesses que estão subjacentes às exigências formais.” – vide acórdão processo n.º 0658/11, de 05.07.2012. (sombreado nosso)

AA) Em suma: uma solução interpretativa que desconsidere um crédito incobrável, por forçado não cumprimento de uma mera comunicação (formal) ao devedor insolvente nas condições como as do caso sub judice, consubstanciará uma violação clara do princípio dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, da justiça e da proporcionalidade.

BB) Um juízo crítico sobre a bondade da solução legislativa, não poderá conduzir a outra conclusão sobre a desproporcionalidade ou inaplicabilidade desta exigência formal a devedores que estejam em situação de insolvência, pois estando evidenciada a impossibilidade objectiva de recuperação do crédito, deve prevalecer o reconhecimento do gasto sob pena de prejuízo irreparável na esfera da Recorrente, privada do recebimento e desprovida do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais.

CC) Neste ponto, cumpre realçar novamente o entendimento deste Venerando STA, em decisão de 05.07.2012, no processo n.º 0658/11: “(…) é preciso recordar e ter em conta que as exigências de natureza formal e de documentação dos custos têm subjacente a protecção do interesse público no combate à fuga e à evasão fiscal. Assim, se por um lado releva o imperativo da tributação pelo rendimento real em virtude de não vir questionado que a recorrente suportou os encargos em causa, temos, do outro lado, de valorar e ponderar os interesses que estão subjacentes às exigências formais”.

DD) Face a tudo o acima exposto, é evidente que estando verificados todos os pressupostos materiais para reconhecimento das perdas por imparidade, o artigo 41.º, n.º 2 do Código do IRC, na redacção à data dos factos, deveria ter sido, no caso em apreço, objecto de interpretação restritiva, no sentido da sua não aplicação a devedores como a B... a C..., uma vez que os mesmos se encontravam em situação de insolvência, sendo que uma interpretação em sentido contrário, motivada pela simples falta de comunicação aos referidos devedores – i.e., que conduza ao desreconhecimento dos créditos incobráveis –, será necessariamente contrária ao princípio da capacidade contributiva, violando directamente a nossa constituição, bem como o princípio da justiça material, previsto no artigo 55.º da LGT, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

EE) Tudo ponderado, uma conclusão se impõe: a interpretação literal seguida pela AT e seguida na Decisão Recorrida – ao desconsiderar um gasto com créditos manifestamente incobráveis face à situação de comprovada insolvência dos devedores – viola de forma ostensiva os princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo lucro real, da justiça, proporcionalidade ,– em harmonia com o sustentado na Decisão Fundamento – assim se evidenciando a ilegalidade do acto tributário aqui sindicado, o que determinará, sem mais, a procedência do presente recurso, tudo com as demais consequências legais.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V. Ex.as que se dignem julgar procedente o presente recurso, em virtude da existência de oposição entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento, e, em consequência, revogando a Decisão Recorrida e substituindo-a por douto acórdão que decida a questão decidenda no sentido da Decisão Fundamento, declarando a ilegalidade e a consequente anulação do acto de liquidação de IRC do exercício de 2011 ora sindicado, tudo com as devidas consequências legais, assim se fazendo Justiça».

1.2 A AT contra-alegou, resumindo a sua posição em conclusões do seguinte teor:

«1) No presente recurso não se verificam os pressupostos, contemplados nos arts. 25.º n.º 2 do RJAT, 152.º n.º 2 do CPTA e 27.º n.º 1, al. b) do ETAF, que permitam a apreciação de recurso para uniformização de jurisprudência interposto por A..., SA.

2) Inexiste qualquer contradição entre o que foi deliberado no Ac. recorrido e no Ac. fundamento quanto à questão de direito enunciada pela recorrente, desde logo, porque as situações de facto analisadas pelo Acórdão recorrido e pelo Acórdão fundamento não são substancialmente idênticas, como aquela invoca.

3) A questão da falta da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, foi analisada segundo perspectivas diferentes, já que, no Acórdão recorrido estava em causa determinar se um eventual incumprimento desse dever determinado na lei podia, ou não, configurar erro imputável aos serviços para efeitos de revisão oficiosa da liquidação nos termos do art. 78.º da LGT, enquanto que no Acórdão fundamento, por não estar em causa um pedido de revisão oficiosa e a análise dos pressupostos dessa revisão, não se analisou a questão dessa falta de comunicação poder ou não configurar um erro imputável aos serviços.

4) E, assim sendo, para o Acórdão recorrido bastou considerar que, não resultando provado o dever de comunicação que resulta prescrito no n.º 2 do artigo 41.º do Código do IRC, a liquidação não enfermava de erro imputável os serviços, mantendo-se a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa,

5) Enquanto que, para o Acórdão fundamento, tendo em conta 3 situações distintas: devedores que tenham cessado a sua actividade, devedores não-residentes e devedores insolventes, importou unicamente considerar a (i)legalidade da liquidação analisando o efeito útil da obrigatoriedade da comunicação contemplada no artigo 41.º, n.º 2 do Código do IRC, e se o princípio da capacidade contributiva é violado pela onerosidade de uma sanção, decorrente da inobservância de um requisito formal ad substantium, que desreconheça um crédito cuja incobrabilidade seja imputável a um devedor insolvente.

6) Inexiste, pois, oposição quanto à questão de direito, porquanto, nunca esteve expressamente subjacente à decisão tomada pelo Acórdão recorrido que a questão da (i)legalidade do indeferimento da revisão oficiosa tivesse que ser analisada na perspectiva em que foi o indeferimento do recurso hierárquico no Acórdão fundamento, isto é, tendo em conta as 3 situações em causa naqueles autos e que determinou a análise da (i)legalidade da liquidação tendo em conta a inutilidade da comunicação face ao princípio da capacidade contributiva e da justiça material.

7) Termos pelos quais, inexistindo oposição quanto à questão de direito identificada pela recorrente, deve o presente recurso ser julgado findo.

Ainda que assim não se entenda, sem conceder:

8) A decisão recorrida não podia ter deixado de concluir como o fez tendo em conta que estava em causa apreciar um pedido de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa segundo o pressuposto do “erro imputável aos serviços”.

9) O que significa que o pedido de revisão oficiosa deduzido pela recorrente sempre careceria de fundamento por não preencher os pressupostos legais que lhe são subjacentes, neste caso, o fundamento do erro imputável aos serviços.

10) Sem prejuízo de a Recorrente poder discordar da aplicação da lei pela AT, bem como da natureza imperativa da sanção prevista na lei, tal carácter imperativo está subjacente à norma, decorrendo directamente da lei.

11) Nos termos do disposto no artigo 11.º da LGT, na determinação do sentido das normas jurídicas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, constantes do artigo 9.º do Código Civil.

12) Ora, a argumentação da Recorrente tendente a demonstrar a inaplicabilidade aos créditos em causa do disposto no n.º 2 do mesmo preceito, não encontra sustentação nem na letra nem no espírito daquele normativo.

13) Para efeitos do n.º 2 do art. 41.º do Código do IRC, a dedutibilidade definitiva da perda decorrente dos créditos considerados incobráveis ao abrigo do disposto no art.º 36.º do mesmo Código ficaria dependente (i) do registo contabilístico das perdas por imparidade, nos termos estabelecidos nesse normativo; (ii) da anulação ou desreconhecimento dos créditos no exercício em que a sua incobrabilidade se mostre justificada; e (iii) de o credor possuir a prova de que foi efectuada a comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais.

14) In casu não é possível concluir em sentido diverso do defendido pela IT, uma vez que se mantém inalterada a factualidade subjacente: estando o reconhecimento das perdas por imparidade, nos termos do artigo 36.º do CIRC (actual artigo 28.º-B), dependente da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais de acordo com o imposto pelo n.º 2 do art. 41.º do CIRC, a não exibição dessa prova constitui razão suficiente para que as perdas por imparidade contabilizadas no exercício de 2011 não possam ser aceites para efeitos fiscais.

15) E a verdade é que a maioria da jurisprudência arbitral milita neste sentido. A este respeito, chama-se à colação as decisões proferidas nos processos 255/2015-T, 390/2015-T, 284/2017-T, 388/2018-T e 284/2017-T.

16) Posição reforçada também, para efeitos de IVA, nas pronúncias do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) nos processos n.º 0288/14, de 25 de Junho de 2015, e n.º 0939/12.0BEBRG, de 5 de Junho de 2019.

17) E mesmo o facto de os devedores serem insolventes não invalida que não seja feita a comunicação em causa, uma vez que a insolvência não determina, por si só, a extinção das sociedades, podendo mesmo continuarem a sua actividade nos mesmos termos, agora acompanhadas pelo Administrador Judicial, além de que a lei não o excepcionava.

18) Por isso, estando a correcção suportada na falta dessa comunicação, a única conclusão a extrair é a de não ter havido qualquer erro que possa ser imputado aos Serviços, não podendo atribuir-se à actuação da AT a violação dos princípios da justiça e da legalidade, como pretende a Recorrente.

19) A AT exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários, conforme prescreve o artigo 55.º da LGT.

20) Por força do princípio da legalidade a actuação da AT tem de estar em sintonia com os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé que, tendo um conteúdo próprio, não deixam de fazer parte do bloco da legalidade que tal actuação deve respeitar.

21) O entendimento da Recorrida consubstancia o estrito cumprimento da letra da lei, não podendo de forma alguma consubstanciar “erro imputável aos serviços”.

Nestes termos, e nos mais de direito, deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser julgado findo, não se tomando conhecimento do mesmo, por não se encontrarem reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA.

Caso assim não se entenda, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, com todas as legais consequências».

1.4 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que «deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser admitido e, subsequentemente, ser o mesmo julgado improcedente, com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão arbitral recorrida. E, bem assim, fixada orientação jurisprudencial no sentido de que o n.º 2 do artigo 41.º do CIRC, na redacção à data, estabelece como condição de dedutibilidade fiscal, que o contribuinte demonstre que comunicou ao devedor ter reconhecido os créditos incobráveis como gasto fiscal, sendo que o facto de os devedores serem insolventes não invalida que a comunicação tenha que ser efectuada».

1.5 Cumpre apreciar e decidir, em conferência, no Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sendo que, antes do mais, há que indagar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, da infracção imputada à decisão arbitral recorrida [cfr. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão arbitral recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A.1. Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

16. No exercício de 2011, os Serviços de Inspecção Tributária da AT (SIT) efectuaram correcções na esfera da A... .

17. A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Leiria, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2013..., que teve como âmbito a análise da sua situação tributária relativa a IRC e IVA, dos anos de 2010 e 2011, do qual resultou as seguintes correcções aos valores declarados:

a. a determinação de correcções por métodos indirectos em sede de IRC, por omissão de vendas no mercado nacional de € 1.191.534,73 em 2010 e de € 1.035.630,17 em 2011; e, ainda

b. a realização de correcções meramente aritméticas, em 2011, no valor de € 564.652,53, referente às perdas por imparidade de dívidas de dois clientes, que foram declarados insolventes.

18. No presente processo é sindicada a legalidade da decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa apresentado do acto de liquidação de IRC n.º 2014…, relativo ao período de tributação de 2011, na parte que respeita às correcções técnicas realizadas em sede de inspecção, no valor de € 564.652,53 (alínea b. do parágrafo anterior).

19. Pelo que, com relevância para a decisão, quanto à matéria sindicada nos autos, do relatório de inspecção tributária consta, além do mais, o seguinte:
“Para efeitos da determinação do resultado contabilístico e fiscal do período de 2011, o sujeito passivo registou na conta "65111- Perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes" a importância de€ 564.652,53, relativamente às dívidas dos clientes:
a) B..., contribuinte n.º..., no montante de € 520.471,01;
b) C..., Lda, contribuinte n.º..., no montante de € 44.181,52.
B...
O cliente B... foi declarado insolvente em 2011-05-09, no âmbito do processo n.º .../11...TBTMR do Tribunal Judicial de Tomar (2.º Juízo).
Pela análise do “Extracto de Pendentes” verifica-se que os documentos pendentes de pagamento por parte do cliente B..., no montante de € 770.471,01, correspondem a notas de débito relativas à devolução de cheques sem provisão.
No entanto, de acordo com o extracto de conta corrente do referido cliente, e de acordo com o saldo da conta de clientes em cobrança duvidosa, o valor em dívida por parte do cliente B... ascende a € 520.471,01.
O TOC da A... justificou a diferença entre o valor pendente de pagamento por parte do cliente e o valor considerado como sendo de cobrança duvidosa, no montante de € 250.000,00 (€ 770.471,01 - € 520.471,01), com o facto de existir garantia bancária naquele montante, que foi recebido pela A... .
Desconhece-se a existência de outras garantias bancárias ou de garantias reais.
Apesar de solicitada, não foi exibida à administração tributária, certidão emitida pelo Tribunal onde conste a relação dos créditos reclamados e dos créditos reconhecidos.
Importa mencionar que a consulta efectuada ao sítio da Internet “www.citius.mj.pt” (na parte relativa a empresas insolventes) permitiu verificar que a A... não consta da lista de credores da sociedade B..., no âmbito do processo de insolvência n.º .../11...TBTMR do Tribunal Judicial de Tomar (2.º Juízo).
Do mesmo modo, e apesar de solicitada, também não foi exibida à administração tributária, prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, exigida pelo n.º 2 do art. 41.º do CIRC.
De sublinhar que o n.º 2 do referido art. 41.º do CIRC (redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro) impõe que a dedutibilidade dos créditos considerados incobráveis nos termos do n.º 1 do art. 41.º do CIRC ou ao abrigo do disposto no art. 36.º do CIRC, fica dependente da existência de prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, o qual deve reconhecer aquele montante como rendimento para efeitos de apuramento do lucro tributável.
C..., Lda.
O cliente C..., Lda. foi declarado insolvente em 2011-01-21, no âmbito do processo n.º .../10...TBLRA do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia (2.º Juízo).
No que respeita a este cliente, o sujeito passivo registou na conta “65111- Perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes” a importância de € 44.181,52.
Apesar de solicitada, não foi exibida à administração tributária, certidão emitida pelo Tribunal onde conste a relação dos créditos reclamados e dos créditos reconhecidos.
Do mesmo modo, e apesar de solicitada, também não foi exibida à administração tributária, prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, exigida pelo n.º 2 do art. 41.º do CIRC para efeitos de dedutibilidade fiscal do gasto.
Assim, relativamente ao gasto associado às perdas por imparidade em dívidas a receber dos clientes acima identificados, e atendendo ao facto de que não foram cumpridas as condições de dedutibilidade fiscal determinadas pelo n.º 2 do art. 41.º do CIRC, será de acrescer ao lucro tributável do período de 2011 o montante de € 564.652,53 (€ 520 471,01 + € 44.181,52).

20. Ou seja, o único fundamento para a realização da correcção ora sindicada decorre da falta de prova da comunicação aos devedores do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, em incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 41.º do Código do IRC, em vigor à data dos factos.

21. Em resultado das sobreditas correcções, os SIT corrigiram o resultado fiscal apurado pela Requerente, tendo sido emitida a demonstração de liquidação adicional de IRC n.º 2014 ... e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2014 ... da qual resultou uma liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2011, no montante global € 454.232,45 (incluindo juros compensatórios), cujo pagamento não foi efectuado, pela Requerente, no prazo estabelecido para o efeito.

22. Em 31 de Outubro de 2014, a Requerente apresentou no Serviço de Finanças de Leiria ..., garantia bancária no valor de € 575.736,45, com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2014..., instaurado para cobrança coerciva do IRC titulado pela referida liquidação adicional de IRC n.º 2014... .

23. Em 4 de Dezembro de 2014, a Requerente apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria impugnação judicial exclusivamente para discussão da legalidade das correcções efectuadas pelos SIT com recurso a métodos indirectos.

24. Posteriormente, em 20 de Novembro de 2020, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da supra referida liquidação de IRC do ano de 2011, na parte referente às correcções meramente aritméticas, nos termos da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), alegando ilegalidades enquadráveis no conceito de erro imputável aos Serviços.

25. As correcções aritméticas objecto do pedido de revisão oficiosa tiveram por base a desconsideração de imparidades em créditos a receber, no montante global de € 564.652,53, registadas pela Requerente no exercício de 2011 na conta “65111 - Perdas por imparidade em dívidas a receber de cliente”, conforme se discrimina:

a. B... S.A. (B...), no montante de € 520.471,01; e

b. C..., Lda. (C...), montante de € 44.181,52.

26. No que respeita ao primeiro devedor (B...), no pedido de revisão oficiosa apresentado, a ora Requerente refere que o mesmo foi declarado insolvente em 9 de Maio de 2011, no âmbito do processo n.º .../11...TBTMR, que correu termos junto do Tribunal Judicial de Tomar (facto dado como provado em sede do RIT), tendo a Requerente efectuado a correspondente reclamação de créditos e tendo-lhe sido reconhecidos créditos no valor de € 771.471,94, do qual foi considerado de cobrança duvidosa o montante de € 520.471,01, uma vez que uma parte do valor em dívida foi recebido pela Requerente através da execução de uma garantia bancária.

27. No que se refere ao segundo devedor (C...), a Requerente refere que se trata de uma entidade que foi declarada insolvente em 21.01.2011, no âmbito do processo n.º .../10...TBLRA (facto dado como provado em sede do RIT), que correu termos junto do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, tendo a Requerente efectuado a correspondente reclamação de créditos e constando da lista de credores de insolvência. No que respeita a este devedor, a Requerente inscreveu na sua contabilidade a título de imparidade o montante de € 44.181,52.

28. Em 22 de Fevereiro de 2022, a Requerente foi notificada do Ofício da Direcção de Serviços do IRC, nos termos do qual se propunha o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, argumentando os SIT que, embora numa primeira análise, o pedido de revisão seja tempestivo ao abrigo do número 1 do artigo 78.º da LGT, a revisão não seria admissível, uma vez que não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”.

29. Consta do Projecto de decisão proferido no âmbito do sobredito Pedido de Revisão Oficiosa, o que se segue:
(…) 5. Atenta a redacção da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, que prevê a revisão do acto tributário a favor do contribuinte a todo o tempo se o tributo não estiver pago, deve considerar-se que o pedido é tempestivo;
6. Considerado o pedido tempestivo, importa analisar se nas correcções propostas pelos SIT houve qualquer ilegalidade que permita concluir ter havido erro imputável aos serviços;
7. Relativamente a este período de tributação de 2011 a Requerente submeteu duas declarações Modelo 22, com datas de recepção e 31/05/2012 e 19/11/2012 respectivamente, encontrando-se ambas liquidadas;
8. Foi sujeita a um procedimento de inspecção, realizado pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Leiria, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2013..., que teve como âmbito a análise da sua situação tributária em sede de IRC e IVA;
9. Observaram os SIT que o sujeito passivo registou na conta”65111- Perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes” a importância de € 564.652,53, relativamente às dívidas dos clientes:
- B..., contribuinte n.º ... no montante de € 520.471,01; e
- C..., Lda, contribuinte n.º ..., no montante de € 44.181,52.
10. Referem também os SIT que não lhes foi exibida a “… prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, exigida pelo n.º 2 do art. 41.º do CIRC”;
11. E sublinham que “… o n.º 2 do referido art. 41.º do CIRC (redacção dada pela Lei n.º 55- A/2010, de 31 de Dezembro) impõe que a dedutibilidade dos créditos considerados incobráveis nos termos do n.º 1 do art. 41.º do CIRC ou ao abrigo do disposto no art. 36.º do CIRC, (em vigor à data) fica dependente da existência de prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, o qual deve reconhecer aquele montante como rendimento para efeitos de apuramento do lucro tributável”;
12. Ora, estando o reconhecimento das perdas por imparidade, nos termos do artigo 36.º do CIRC (actual artigo 28.º-B), dependente da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, a não exibição dessa prova parece constituir razão suficiente para que as perdas por imparidade contabilizadas no exercício de 2011 não possam ser aceites para efeitos fiscais;
13. E, sendo assim, estando a correcção suportada na falta dessa comunicação, parece poder concluir-se não ter havido qualquer erro que possa ser imputado aos Serviços e que justifique a revisão do acto tributário nos termos da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT;
14. Do n.º 4 desse artigo 78.º
Segundo o consagrado neste preceito, o dirigente máximo do serviço pode autorizar excepcionalmente nos três anos posteriores ao acto tributário, a revisão da matéria tributável apurada, com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente por parte do contribuinte;
15. Ora o acto tributário aqui em causa é a liquidação de IRC identificada com o n.º 2014..., relativa ao exercício de 2011 e efectuada em 30/06/2014;
16. Pelo que, tendo o presente pedido de revisão oficiosa apresentado no Serviço de Finanças de Leiria em 20/11/2020, o prazo de três anos mostra-se largamente ultrapassado, e a revisão da matéria tributável não pode ser efectuada ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT;
17. Perante o exposto deverá concluir-se que o pedido de revisão é intempestivo, quer nos termos da primeira parte do n.º 1, quer do n.º 4, do artigo 78.º da LGT;
18. E, apesar do pedido ser tempestivo, nos termos da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o acto tributário não pode ser revisto a favor do contribuinte por não se verificar qualquer erro imputável aos Serviços”.

30. Por não concordar com a posição da AT, em 14 de Março de 2022, a Requerente exerceu o correspondente direito de audição prévia, no qual defendeu a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa apresentado e a existência de erro imputável aos Serviços, com base no entendimento que tem sido construído pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

31. Por último, em 22 de Abril de 2022, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado.

32. Consta do Despacho de decisão final proferido no âmbito do sobredito Pedido de Revisão Oficiosa, o que se segue:

5. Análise da resposta ao exercício do direito de audição
A sociedade foi alvo de um procedimento inspectivo que teve como âmbito a análise da sua situação tributária relativa a IRC e IVA, dos anos de 2010 e 2011, e do qual resultaram, entre outras, as correcções meramente aritméticas, em 2011, no valor de € 564.652,53.
Apresentou o presente pedido de revisão oficiosa, da liquidação de IRC do ano de 2011, nos termos da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, alegando ilegalidades enquadráveis no conceito de erro imputável aos Serviços.
As correcções em causa no presente pedido de revisão oficiosa são relativas a perdas por imparidade em dívidas a receber, no valor de € 564.652,53, distribuídas pelos dois clientes:
- B..., contribuinte n.º..., no montante de € 520.471,01; e
- C..., Lda., contribuinte n.º..., no montante de € 44.181,52.
Alega que estas perdas por imparidade registadas na contabilidade devem ser aceites para efeitos fiscais pois que ambos os devedores foram declarados insolventes, o primeiro em 09/05/2011 e o segundo em 21/01/2011;
Na informação/projecto de decisão foi o pedido de revisão oficiosa considerado tempestivo, atenta a redacção da seguinte parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, que prevê a revisão do acto tributário a favor do contribuinte a todo o tempo se o tributo não estiver pago;
Contudo e apesar do pedido ter sido considerado tempestivo, a pretensão da Requerente não foi atendida porque se entendeu que nas correcções propostas pelos SIT não houve qualquer ilegalidade que permita concluir ter havido erro imputável aos serviços;
Alega a Requerente, novamente, no exercício do direito de audição que as correcções propostas têm como único fundamento o facto de não ter sido apresentada a prova da comunicação aos devedores (insolventes) do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, conforme determinava, à data dos factos, o n.º 2 do artigo 41.º do Código do IRC, e que isso não pode deixar de constituir um erro imputável aos serviços;
Ora, como já foi referido na informação/projecto de decisão, não podemos acompanhar este argumento, pois que no n.º 2 do artigo 41.º do CIRC, na redacção à data, fazia depender o reconhecimento das perdas por imparidade, nos termos do artigo 36.º do CIRC (actual artigo 28.º-B), da existência de prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais,
O facto de os devedores serem insolventes não invalida que não seja feita a comunicação em causa, uma vez que a insolvência não determina, por si só, a extinção das sociedades, podendo, mesmo, continuarem a sua actividade nos mesmos termos, agora acompanhadas pelo Administrador Judicial, além de que a lei não o excepcionava;
Assim, a não exibição dessa prova parece constituir razão suficiente para que as perdas por imparidade contabilizadas em 2011 não possam ser aceites para efeitos fiscais;
E, estando a correcção suportada na falta dessa comunicação, parece poder concluir-se não ter havido qualquer erro que possa ser imputado aos Serviços e que justifique a revisão do acto tributário nos termos da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT;

33. Inconformada com o indeferimento, veio a Requerente, em 25 de Julho de 2022, deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral, o qual deu lugar à instauração dos presentes autos

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados».

2.1.2 Por seu turno, a decisão arbitral fundamento efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«III.1.1 Factos Provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

1. A Requerente é uma pessoa colectiva residente com uma actividade comercial centrada no transporte de mercadorias, nomeadamente, nas seguintes áreas de negócio: (i) transporte terrestre europeu; (ii) transporte aéreo; (iii) serviços ferroviários; (iii) transporte terrestre internacional.

2. Em Julho de 2017 a Requerente foi objecto de um procedimento de Inspecção Tributária, do qual resultou um conjunto de correcções em sede de IRC que deram origem ao acto de liquidação adicional n.º 2017..., relativo ao exercício do ano de 2013, e do qual resulta um valor a pagar de € 54.613,69, de acordo com a prova documental produzida (DOC. 1 e DOC. 2 do pedido de pronúncia arbitral).

3. A Requerente foi notificada no dia 14 de Fevereiro de 2019 do proferimento de despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, por parte do Chefe de Serviço de Finanças, ao abrigo da delegação de competências, de acordo com a prova documental produzida (DOC. 3 e DOC. 4 do pedido de pronúncia arbitral).

4. A Requerente foi notificada no dia 16 de Abril de 2019 do proferimento de despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico, por parte do Director de Finanças, ao abrigo de competência própria, de acordo com a prova documental produzida. (DOC. 5 e DOC. 6 do pedido de pronúncia arbitral)

5. Parte dos créditos incobráveis registados, num total de € 65.932,01, são referentes a dívidas cuja incobrabilidade se verificou pelo decurso da mora e pela impossibilidade de ver satisfeitos os respectivos créditos, relativos a devedores que não têm residência fiscal no território nacional, tendo a Requerente evidenciado este facto quer pela prova documental (DOC. 7 do pedido de pronúncia arbitral) quer pela prova testemunhal produzidas.

6. Os créditos aqui em causa são também, em parte, referentes a devedores que em 2013 já haviam cessado a sua actividade para efeitos de IRC, tendo a Requerente comprovado este facto quer pela prova documental (DOC. 8 do pedido de pronúncia arbitral) quer pela prova testemunhal produzidas.

7. Parte dos créditos ainda dizem respeito a clientes que foram declarados insolventes, tendo a Requerente reclamado os seus créditos nos correspondentes processos, tal como provado através dos documentos DOC. 9, DOC. 10, DOC. 11, DOC. 12, DOC. 13 e DOC. 14, todos do pedido de pronúncia arbitral, e através do depoimento da testemunha.

8. A Requerente demonstrou que em cada um dos casos de créditos incobráveis registados e não aceites fiscalmente pela Autoridade Tributária, não se verificou qualquer lesão nos cofres do Estado.

9. A Requerente prestara garantia bancária, com o objectivo de suspender os processos executivos instaurados pela Autoridade Tributária por não pagamento das liquidações aqui em causa, tendo aquela demonstrado esse facto pela prova documental (DOC.15 do pedido de pronúncia arbitral) e testemunhal produzida.
[…]
III.1.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A sociedade recorrente veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida no processo 441/2022-T pelo CAAD por oposição com a decisão arbitral do mesmo CAAD, proferida no processo 485/2019-T (adiante denominada decisão fundamento), no que respeita à questão que enunciou, de saber «se o cumprimento do requisito de comunicação aos devedores do reconhecimento de crédito, como incobráveis, conforme previa, à data, o n.º 2 do artigo 41.º do Código do IRC, obsta à dedução do gasto, ainda que se trate de devedores declarados insolventes».
Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
Assim, e não havendo dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da Recorrente e tempestividade do recurso), há que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso:

i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (art. 25.º, n.º 2, primeira parte, do RJAT);

ii) que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (art. 25.º, n.º 2, segunda parte, do RJAT);

iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [art. 152.º, n.º 3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT].

iv) que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado [art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT].

2.2.3 DA OPOSIÇÃO

Não havendo dúvidas quanto à verificação do primeiro requisito enunciado, passemos de imediato à apreciação do requisito que enunciámos sob o n.º ii, ou seja, saber se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados.
Do confronto entre as duas decisões arbitrais resulta que em ambos se apreciou a aplicação do disposto no art. 41.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na redacção em vigor à data (Que foi a introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011. A norma foi revogada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que procedeu à reforma da tributação das sociedades. Ou seja, a norma estava em vigor nos anos de 2011 e de 2013, a que se referem, respectivamente, as liquidações de IRC cuja legalidade é questionada na decisão recorrida e na decisão fundamento.), que determinava que a dedutibilidade fiscal das perdas declaradas por imparidade de créditos considerados incobráveis «fica ainda dependente da existência de prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, o qual deve reconhecer aquele montante como proveito para efeitos de apuramento do lucro tributável», o que significa que, à data dos factos (2011 e 2013), o CIRC estabelecia (ainda) como condição de dedutibilidade fiscal das perdas por imparidade de créditos, que o sujeito passivo tivesse prova de que comunicou ao devedor ter reconhecido os créditos incobráveis como gasto fiscal, estabelecendo também que (simetricamente) o devedor devia reconhecer, pelo mesmo montante, um rendimento para efeitos fiscais.
Nos casos a que se referem as decisões arbitrais em confronto a AT não aceitou a dedução fiscal das perdas declaradas por imparidades de créditos cuja incobrabilidade não é discutida com o argumento de que não existe prova de que os sujeitos passivos tinham feito a comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais. Em ambas as situações os créditos incobráveis em causa respeitavam a clientes que tinham sido declarados insolventes (Se bem que na decisão fundamento estejam em causa créditos incobráveis respeitantes a i) devedores que cessaram a actividade, ii) devedores não-residentes e iii) devedores insolventes, a invocada oposição de julgados apenas se refere a esta última categoria.) e em ambas não foi feita prova da comunicação aos devedores imposta pelo n.º 2 do art. 41.º do CIRC.
As decisões recorrida e fundamento divergiram quanto à consequência da falta de prova dessa comunicação aos devedores insolventes: enquanto a decisão recorrida entendeu que «a condição de insolvente dos devedores não obsta à obrigatoriedade de comunicação prevista no n.º 2 do artigo 41.º do Código do IRC, não havendo razão para se considerar a respectiva inutilidade enquanto vigorou este dever de comunicação», a decisão fundamento entendeu que «o artigo 41.º, n.º 2 do Código do IRC deve ser, no caso em análise, objecto de uma interpretação restritiva, no sentido de não abarcar devedores insolventes // Uma interpretação que conduza a um não reconhecimento dos créditos incobráveis, motivada pela ausência de comunicação ao administrador da massa insolvente, dará necessariamente cobertura a uma solução contrária ao princípio da capacidade contributiva e ao princípio da justiça material» (sublinhados nossos).
Mas a interpretação que ambas as decisões fizeram do mesmo preceito legal não se refere a um quadro fáctico substancialmente idêntico e está influenciada por essa diversidade fáctica: enquanto na decisão recorrida nada se registou na matéria de facto quanto a uma eventual falta de prejuízo para o Estado decorrente do incumprimento do dever de comunicação prescrito no n.º 2 do art. 41.º do CIRC, na decisão arbitral fundamento foi levado ao probatório que «em cada um dos casos de créditos incobráveis registados e não aceites fiscalmente pela Autoridade Tributária, não se verificou qualquer lesão nos cofres do Estado» (sublinhado nosso).
Ou seja, sendo certo que em ambos os casos apreciados pelas decisões em confronto os sujeitos passivos contabilizaram como dedutíveis os créditos incobráveis em questão sem terem feito prova do cumprimento da obrigação de comunicarem ao devedor o reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, na decisão fundamento deu-se como assente que do desreconhecimento das dívidas a receber não resultou «qualquer lesão nos cofres do Estado», enquanto a decisão recorrida nada consignou a esse propósito.
Ora, essa diferença quanto à factualidade provada justifica, por si só, a interpretação do n.º 2 do art. 41.º do CIRC que levou o CAAD a decidir pela sua aplicação no caso da decisão recorrida e a decidir pela sua não aplicação no caso da decisão fundamento. Vejamos:
O n.º 2 do art. 41.º do CIRC tinha como escopo prevenir o abuso passível de se verificar quanto à dedutibilidade do gasto associado ao crédito incobrável. Concretizando, a norma visava impedir a dupla dedução da mesma realidade económica: que o credor deduzisse a perda por imparidade de um crédito considerado incobrável (desreconhecendo o crédito em face da sua incobrabilidade) e que o devedor deduzisse o mesmo montante como gasto (ao invés de expurgá-lo e reconhecê-lo como proveito, como deveria fazer).
Por isso, o n.º 2 daquele art. 41.º implicava o cumprimento de duas obrigações simétricas: uma, na esfera do credor, de efectuar a comunicação (ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais); a outra, na esfera do devedor, de reconhecer o proveito aquando da recepção daquela comunicação de uma dívida que vai deixar de pagar em função da regularização daquele crédito por parte do seu credor, que lhe é comunicada.
Se, apesar da falta dessa comunicação, resultar que «não se verificou qualquer lesão nos cofres do Estado» (o que parece ter implícito que o devedor terá reconhecido como proveito o montante que antes constituía para ele um gasto), pode questionar-se, como questionou a decisão fundamento, se faz sentido a AT não aceitar a dedução dos créditos incobráveis exclusivamente com base no incumprimento de um ónus formal. Dito de outro modo, visando o n.º 2 do art. 41.º do CIRC prevenir o abuso decorrente da dupla dedução da mesma realidade económica (É certo que essa comunicação, por si só, não assegurava que o devedor desse cumprimento à correlativa obrigação que sobre ele impendia, de reconhecer o mesmo montante como proveito para efeitos de apuramento do lucro tributável. Por isso, e também por razões de praticabilidade, o legislador entendeu proceder à revogação do n.º 2 do art. 41.º, que apenas vigorou durante quatro anos.), verificando-se que tal abuso não ocorreu, poderá questionar-se se o incumprimento do dever de comunicação, por si só, justifica que a AT não aceite a dedução fiscal do gasto associado ao crédito incobrável.
Ou seja, a diferença na matéria de facto apurada por cada uma das decisões arbitrais em confronto (e, note-se, sobre o modo como foi fixada e eventuais erros de julgamento nessa fixação não nos compete pronunciarmo-nos), justifica, por si só, que a decisão fundamento tenha avançado na interpretação da exigência de comunicação prevista pelo n.º 2 do art. 41.º do CIRC à luz dos princípios da capacidade contributiva – que explicita e concretiza o princípio da igualdade tributária, consagrado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa – e do princípio da justiça material e da proibição do excesso (este aferido à luz do subprincípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade), e ter concluído pela necessidade de uma interpretação restritiva do preceito («cessante ratione legis cessate eius dispositio», como bem assinalou a decisão fundamento), enquanto a decisão recorrida não teve essa necessidade e se ficou por uma interpretação declarativa, i.e., mais chegada à letra da lei.
Concluímos, pois, que não se verifica o requisito da admissibilidade do recurso que acima deixámos enunciado em ii) do ponto 2.2.2, motivo por que entendemos não poder passar ao conhecimento do mérito do recurso, como decidiremos a final.

2.2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 25.º do RJAT por oposição com outra decisão arbitral pressupõe, para além do mais que as decisões em confronto tenham dado resposta divergente à mesma questão fundamental de direito.

II - Não há que conhecer do mérito do recurso se verificarmos que as duas decisões arbitrais em alegada oposição não se pronunciaram em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica mas, ao invés, que a divergência das soluções encontradas assenta na diferente factualidade que foi dada como assente em cada uma deles.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT).


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Comunique-se ao CAAD.

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Lisboa, 24 de Abril de 2024. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.