Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0424/10.5BESNT
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32108
Nº do Documento:SA2202404100424/10
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A..., S.A., sociedade com sede na Rua ..., ..., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ...12, (sociedade que incorporou por processo de fusão a B..., LDA., anteriormente com a firma C..., LDA., conforme resulta da informação online na página oficial de publicações do Portal da Justiça que se junta como documento n.º 1), Recorrente nos autos à margem identificados, tendo sido notificada do douto acórdão de 16 de novembro de 2023, vem, nos termos do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso de revista daquele acórdão.

Alegou, tendo concluído:
1.º O Tribunal a quo considerou que o ajustamento do preço de venda dos veículos, determinado em função dos encargos decorrentes de deficiências de produção, de garantias ou do funcionamento do mecanismo da assistência em viagem, que foi efetuado em cumprimento do acordo de preços de transferência e para garantia da margem líquida de venda, constitui uma prestação de serviços, estando, por essa razão, sujeita a IVA;
2.º Salvo o devido respeito, considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro na interpretação do normativo constante do Código do IVA para efeitos de sujeição a imposto, pelo que, em concreto, coloca-se a seguinte questão: a) Saber se, o ajustamento do preço de venda dos veículos, o qual é determinado em função dos encargos decorrentes de deficiências de produção, de garantias ou do funcionamento do mecanismo da assistência em viagem, em cumprimento do acordo de preços de transferência e tendo em vista garantir a margem líquida de vendas contratualmente estabelecida entre as partes, constitui uma prestação de serviços na aceção do artigo 4.º, n.º 1, do Código do IVA e, por conseguinte, sujeita a IVA.
3.º Embora o Tribunal recorrido faça apelo ao acórdão Suzion, que se debruçou sobre o conceito de prestação de serviços na aceção do artigo 2.º, n.º 1, da Diretiva IVA, tal não obsta a que o Tribunal ad quem se pronuncie sobre a questão supra, pois no caso vertente está em causa a interpretação de uma norma de direito nacional, sendo a interpretação desta da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais (cf. neste sentido, entre outros, o acórdão AES de 18.07.2013, processo C-124/12);
4.º Entende a Recorrente que resulta evidente a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no caso sub judice, impondo-se a revista para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica e social fundamental;
5.º No caso vertente não está apenas em causa a interpretação do conceito de prestação de serviços, na aceção do artigo 4.º, n.º 1, do Código do IVA, pois é necessário compatibilizar a interpretação deste conceito com as regras de preços de transferência e com o acordo celebrado entre as partes e que determinam o ajustamento do preço de venda acordado;
6.º Estando em causa a compatibilização dos normativos do IVA com os ajustamentos de preços de transferências nas relações intra-grupo, resulta manifesta a importância jurídica fundamental da questão;
7.º Acresce que o Supremo Tribunal Administrativo não se pronunciou, ainda, sobre a compatibilização destes ajustamentos de preço, decorrentes de encargos pós-venda, com os normativos do Código do IVA, o que, salvo o devido respeito, tem conduzido a decisões pouco sustentadas e justifica a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para uma melhor aplicação do Direito;
8.º Pelo que, no caso vertente estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 285.º, n.º 1, do CPTA, para a admissão do presente recurso de revista;
9.º O thema decidendum consiste em saber se o ajustamento do preço de venda dos veículos, o qual é determinado em função dos encargos decorrentes de deficiências de produção, de garantias ou do funcionamento do mecanismo da assistência em viagem, em cumprimento do acordo de preços de transferência e para garantir a margem líquida de vendas contratualmente estabelecida entre as partes, constitui uma prestação de serviços para efeitos de IVA;
10.º O artigo 4.º, n.º 1, do Código do IVA, que tem na sua origem o artigo 6.º da Sexta Diretiva (atualmente artigo 34.º da Diretiva IVA) consagra um conceito residual de prestação de serviços, cabendo nele todas as operações efetuadas a título oneroso decorrentes do exercício de uma atividade económica;
11.º O Tribunal recorrido fez assentar o decidido no acórdão Suzion do TJUE, contudo, a situação fática sobre a que este acórdão do TJUE se debruçou é distinta da situação sub judice, pois nesse caso estava em causa a sujeição a IVA dos serviços de reparação prestados pela D... à E..., no âmbito de um contrato de prestação de serviços, celebrado entre ambas, para a reparação e substituição de peças defeituosas;
12.º A doutrina e a jurisprudência do TJUE têm reiterado que para efeitos de qualificação de determinada operação como prestação de serviços, na aceção dos supra citados preceitos do Código do IVA e Sexta Diretiva, é necessário: (i) que a mesma resulte de uma atividade económica e; (ii) que exista um nexo direto entre o serviço prestado e a contrapartida recebida (quantia pecuniária) (cf. no que respeita ao conceito de prestação de serviços para efeitos de IVA vide, entre outros, os acórdãos do TJUE de 29.10.2015, Saudaçor, C-174/14; e de 15.04.2021, EQ, processo C-846/19) (cf. no mesmo sentido, na doutrina, vide, entre outros, CLOTILDE CELORICO PALMA, in Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF n.º I, Almedina, 1.ª Edição, pp. 57 e 58; ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS, Código do IVA e RITI – Notas e Comentários, Almedina, 2014, p. 67);
13.º Conforme se extrai da jurisprudência do TJUE o conceito de prestação de serviços e de atividade económica estão intrinsecamente ligados, na medida em que uma atividade económica pressupõe uma prestação de serviços com caráter oneroso (cf. neste sentido, o acórdão R.J. Tolsma, processo C-16/93);
14.º Ora, nas situações de mero ajustamento do preço de venda e que são efetuadas em cumprimento das regras de preços de transferência e para garantia da margem de lucro acordada entre as partes, como sucede no caso sub judice, não existe qualquer prestação de serviços na aceção do Código do IVA e da Diretiva IVA;
15.º No caso vertente, não existe uma relação jurídica entre a Recorrente e as OEMs e no âmbito da qual são transacionadas prestações recíprocas;
16.º Este ajustamento tem como causa direta o acordo celebrado entre as partes e não a reparação das viaturas efetuada pelos concessionários portugueses, não visando remunerar a Recorrente por um qualquer serviço (atividade económica) por esta prestado às OEMs;
17.º Assim e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, o ajustamento do preço não consubstancia uma prestação de serviços na aceção do Código do IVA;
18.º A Recorrente adquire os veículos em estado novo, pelo respetivo preço e com uma determinada margem garantida pelo fabricante, pelo que, quaisquer custos de distribuição, nos quais se incluem os encargos decorrentes de deficiências de produção, de garantias ou do funcionamento do mecanismo da assistência em viagem, dão origem a ajustes do preço de transferência dos veículos transacionados;
19.º O que, aliás, constitui uma condição necessária do cumprimento das regras de preços de transferência a que as entidades relacionadas se encontram sujeitas, por força das diretrizes fixadas pela OCDE, designadamente, o princípio da plena concorrência (cf. artigo 9.º da Convenção-Modelo da OCDE);
20.º Nos casos em que é detetado um defeito no veículo transmitido, é a Recorrente que assume diretamente a responsabilidade inerente à reparação perante o cliente final, não sendo este custo repercutido às OEMs;
21.º Estes custos são comunicados às OEMs, conjuntamente com os custos operacionais, para efeitos de ajustamento do preço de venda e em observância da obrigação de garantia de margem líquida de vendas;
22.º A relação entre a Recorrente e as OEMs, não se confunde com a relação estabelecida entre a Recorrente e os concessionários, a qual está sujeita a IVA, pois assenta na prestação de serviços de reparação dos veículos defeituosos pelos concessionários e na contraprestação efetuada pela Recorrida, de pagamento do preço das mencionadas reparações, por constituírem encargos da sua exclusiva responsabilidade, que não são repercutidos às OEMs;
23.º Conclui-se, assim, que no caso sub judice não estamos perante quaisquer operações com substância económica, pois não existe prestação, nem contraprestação, mas tão só um ajustamento do preço de venda dos veículos inicialmente estipulado, o qual não constitui uma prestação de serviços nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do Código do IVA;
24.º Por fim, sem prejuízo de todo o exposto, caso se entenda não proceder o entendimento supra, no que não se concede, estando em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que suscita dúvidas e assume relevância para a questão decidenda, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao TJUE competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.° TFUE;
25.º A questão a interpretar pelo Tribunal de Justiça da União Europeia é a seguinte: “O artigo 2.º da Sexta Diretiva do IVA (Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme), vigente à data dos factos, deve ser interpretado no sentido de o conceito de prestação de serviços efetuada a título oneroso, previsto nesta disposição, abranger um ajustamento do preço de venda de veículos, devidamente previsto e concretizado num acordo celebrado entre as partes, com vista à obtenção de uma margem de lucro mínima?”.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido, devendo ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, nos termos peticionados.
Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00 e verificando-se os pressupostos estabelecidos no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, requer-se que seja a Recorrida dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Não foram produzidas contra-alegações.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

No essencial, pretende a recorrente com este seu recurso que este Supremo Tribunal consulte o TJUE no sentido de saber se:
O artigo 2.º da Sexta Diretiva do IVA (Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme), vigente à data dos factos, deve ser interpretado no sentido de o conceito de prestação de serviços efetuada a título oneroso, previsto nesta disposição, abrange um ajustamento do preço de venda de veículos, devidamente previsto e concretizado num acordo celebrado entre as partes, com vista à obtenção de uma margem de lucro mínima?”.

Na instância recusou-se tal reenvio porque se entendeu que, Outra questão, que é a suscitada nos autos, consiste em saber, se à luz do Direito Europeu aplicável, a operação em apreço nos autos consiste numa prestação de serviços onerosa, praticada pela recorrida no exercício da sua actividade económica, e como tal tributável à luz do parâmetro referido. Esta última relaciona-se com a avaliação do material probatório coligido nos autos e com a inerente apreciação da matéria de facto provada, pelo que o mecanismo do reenvio prejudicial nada acrescentaria à sua resolução. Mais se refere que não existe no caso norma ou preceito de Direito da União Europeia susceptível de interpretações divergentes, o qual tornaria necessária a activação do mecanismo do reenvio em referência. Pelo que não estão reunidos os pressupostos de aplicação da obrigação de reenvio prejudicial em referência.

É certo que na instância se resolveu a presente questão do seguinte modo: No caso em exame, verifica-se que os montantes pagos pela impugnante com a reparação das viaturas vendidas em Portugal são imputados às empresas fabricantes dos veículos em causa (v. pontos viii), ix e xiii), supra). Ou seja, a recorrida actua, no âmbito da sua actividade económica, assumindo as prestações associadas à garantia pós-venda dos veículos em causa, ressarcindo-se dos custos incorridos junto das empresas fabricantes, pelo que os pressupostos da prestação de serviços, tributável em IVA, mostram-se preenchidos no caso. É efectuada uma prestação de garantia pela recorrida, no exercício da sua actividade económica, de que são beneficiárias as empresas fabricantes, pela qual as mesmas pagam à recorrida os custos da reparação e operacionais, permitindo-lhe reconstituir o lucro projetado, associado à venda em Portugal dos veículos em causa (v. pontos xi), xii) e xii), supra).

Lida atentamente a matéria de facto ressaltam à evidência factos essenciais para a resolução desta questão, entre os quais se destacam os seguintes:
E. Em caso de defeitos de fabrico, o cliente final apresenta-se perante o concessionário para reparação dos mesmos, nas instalações destes.
F. Posteriormente, os concessionários portugueses debitam à Impugnante os custos em que incorreram com a reparação das viaturas, liquidando o respectivo IVA.
G. As reparações de veículos poderão ocorrer nas seguintes situações: (i) anomalias resultantes de deficiências no processo de produção dos veículos automóveis, peças e acessórios (Recall Campaigns); (ii) anomalias relacionadas com garantias dos veículos (Policy and Warranty); e (iii) procedimentos conexos com assistência em viagem (Road Side Assistance).
H. A Impugnante comunica aos fabricantes europeus do F... os custos que suporta com a distribuição das viaturas, peças e acessórios por ele produzidas.
I. Estes custos compreendem os custos com a reparação das viaturas, referidos na alínea G. supra, bem como os custos operacionais da Impugnante, designadamente os custos com pessoal, electricidade, marketing.
J. Em função dos custos apurados é feito um ajustamento do preço dos veículos vendidos à Impugnante pelos fabricantes europeus do F... (cfr. acordo celebrado em 2004 entre as empresas do F... de fixação dos preços de transferência dos veículos transaccionados que consta do “C... (...) Transfer-pricing procedure for Sales of new finished vehicles (SUP) and related after-market parts and acessories (P & A)”.
M. Este ajustamento do preço de venda dos veículos é titulado através da emissão de uma nota de crédito ou de débito dos fabricantes europeus do F... à Impugnante.

Apesar do referido no acórdão recorrido quanto à desnecessidade do requerido reenvio prejudicial, afigura-se-nos que, estando claramente definido o modo pelo qual a recorrente imputa os custos decorrentes das garantias aos fabricantes, bem como o modo pelo qual os fabricantes procedem ao acerto dos preços, se afigura útil a pronúncia do TJUE quanto à questão colocada, de modo a determinar com exactidão qual o alcance da interpretação que deve ser feita do direito da União sobre estas matérias, uma vez que claramente se trata de questão que pode vir a ser replicada em outros casos, ainda que com contribuintes diferentes.
Assim, entende-se dever ser admitido este recurso de revista para que seja consultado o TJUE sobre a seguinte questão, ou com diferente formulação que a secção julgue ser mais pertinente:
O artigo 2.º da Sexta Diretiva do IVA (Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme), vigente à data dos factos, deve ser interpretado no sentido de o conceito de prestação de serviços efetuada a título oneroso, previsto nesta disposição, abrange um ajustamento do preço de venda de veículos, devidamente previsto e concretizado num acordo celebrado entre as partes, com vista à obtenção de uma margem de lucro mínima, sendo que esse ajustamento do preço de venda dos veículos é titulado através da emissão de uma nota de crédito ou de débito dos fabricantes europeus do F... à Impugnante.?”.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em admitir o presente recurso de revista.
Custas a final pelo vencido.

Lisboa, 10 de abril de 2024. – Aragão Seia (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.