Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 083/22.2BALSB |
Data do Acordão: | 05/24/2023 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | JOSÉ GOMES CORREIA |
Descritores: | RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA IRS BOLSA DE FORMAÇÃO AUDITOR CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS |
Sumário: | A bolsa atribuída aos auditores de justiça, em formação no Centro de Estudos Judiciários, nos termos do artigo 31.º, n.º 5 da Lei n.º 2/2008, de 14.01, não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS, não estando sujeita a imposto, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS. |
Nº Convencional: | JSTA00071721 |
Nº do Documento: | SAP20230524083/22 |
Data de Entrada: | 06/08/2022 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | AA |
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC E 4 DEC VOT |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, notificada da Decisão Arbitral proferida no Processo 418/2021-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e em que é recorrida AA, melhor sinalizada nos autos, não se conformando com o seu conteúdo, vem dele recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), com fundamento em o mesmo se encontrar em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral, no Processo n.º 272/2021-T do CAAD, por a decisão recorrida ter considerado que os valores recebidos pela Recorrida a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça, durante todo o período de formação especializada (prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro e constante da cláusula 3ª do respectivo contrato), não têm natureza remuneratória que deva qualificar-se como rendimento tributado para efeitos de IRS. Inconformada, a recorrente DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA formulou alegações, que terminou com as seguintes conclusões: A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objeto a decisão arbitral que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral (ppa), proferida no processo n.º 418/2021-T (cf. doc. ... junto), por Tribunal Arbitral em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo sido notificado por comunicação eletrónica elaborada em 10-05-2022 (cf. doc. ... junto). B. A decisão arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada na decisão arbitral, de 29-12-2021, proferida no processo arbitral n.º 272/2021-T, já transitada em julgado (cf. doc. ... junto), a qual constitui decisão fundamento dos presentes autos de recurso. C. A Recorrente defende, com o devido respeito, que a decisão arbitral, no que respeita à decisão de mérito, incorreu em erro de julgamento, porquanto o Tribunal arbitral, em contradição total com a decisão fundamento, considerou que os valores recebidos pela Recorrida a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça, durante todo o período de formação especializada (prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro e constante da cláusula 3ª do respetivo contrato), não têm natureza remuneratória que deva qualificar-se como rendimento tributado para efeitos de IRS. D. Assim, considerando a jurisprudência invocada, é inteiramente justificado o recurso à presente via processual para uniformização de jurisprudência, com a consequente anulação da decisão arbitral e substituição por outra que cumpra o disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS. E. In casu, verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que se prende em saber se os valores recebidos pela Recorrida a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça, durante todo o período de formação especializada (prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro e constante da cláusula 3ª do respetivo contrato), têm ou não natureza remuneratória que deva qualificar-se como rendimento tributado para efeitos de IRS, atento o disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS. F. Estando reunidos os requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos (na presente situação, decisões), máxime por estar em causa a mesma Requerente arbitral e a mesma questão controvertida. G. A decisão arbitral recorrida consignou, como matéria de facto [cf. ponto 10 da mesma, alíneas a) a l)], em síntese, que a Recorrida foi uma das candidatas a ingressar no 5.º Curso para os Tribunais Administrativos e Fiscais (TAF), tendo celebrado com o CEJ o contrato de formação a que se refere o n.º 2 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14/1, através do qual adquiriu o estatuto de auditor de justiça; entre janeiro e agosto de 2019 a Recorrida frequentou o 1.º ciclo do curso de formação teórico-prática e entre setembro e dezembro de 2019 iniciou o 2.º ciclo do curso de formação; durante o ano de 2019, foram emitidos pelo CEJ à Recorrida recibos referentes ao pagamento da bolsa de formação prevista no artigo 31.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2008, de 14/1, nos quais consta a referência “CATEGORIA: AUDITOR DE JUSTIÇA”. H. De seguida, o Tribunal a quo delimita, para o que ora importa, a seguinte questão a decidir (cf. página 9 da decisão): «No caso dos presentes autos, considerando os factos descritos, a causa de pedir e o pedido formulado, constata-se que o Requerente convoca o tribunal arbitral para decidir uma questão de direito: saber se os valores recebidos a título de bolsa de formação, recebida durante a formação de auditor judicial, devem ser ou não considerados como rendimento para efeitos de incidência de IRS.» I. Vindo com base em tal factualidade o Tribunal a quo decidir, em síntese, que a bolsa de formação atribuída aos Auditores de Justiça em formação no CEJ não tem natureza remuneratória, mas sim compensatória, entendendo que da existência de “um poder de direção por parte do CEJ” não resulta a caracterização de uma relação de emprego ou exercício de atividade suscetível de ser enquadrada em alguma das alíneas do artigo 2.º do CIRS, pois, no mínimo, seria necessário, ainda, que o CEJ usufruísse de vantagens económicas, para que a bolsa recebida devesse ser tributada em IRS, o que não sucede; pelo que, se conclui na decisão arbitral recorrida que a bolsa de formação recebida não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS, não estando sujeita a imposto, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS. J. E, assim sendo, não acolheu o entendimento vertido na decisão arbitral proferida no processo n.º 272/2021-T, que constitui a decisão fundamento do presente recurso, tendo o Tribunal Arbitral decidido erroneamente quando concluiu que tais rendimentos estão excluídos de tributação. K. Com efeito, na decisão fundamento consignou-se semelhante factualidade, atento estarmos perante a mesma Requerente arbitral, e a sua formação no CEJ como Auditora de Justiça após o ingresso no 5.º Curso para os TAF [cf. ponto 2.1 da matéria de facto da matéria de facto dada como provada] e, bem assim a mesma questão jurídica a dirimir, isto é, a tributação da bolsa recebida nesse âmbito. L. Como se pode ler no ponto 4 do sumário desta decisão arbitral «A atividade exercida pelos auditores de justiça justifica que as mesmas sejam tributadas em sede de IRS, independentemente de serem ou não devidas contribuições para a Segurança Social.» M. Para tanto entendeu, em síntese, que, no caso em concreto, o auditor está mesmo sob a autoridade ou direção efetiva de uma determinada entidade (sujeito ativo), sendo um dos pressupostos para que se verifique a incidência de IRS relativamente aos rendimentos obtidos, importando ainda notar que a bolsa recebida durante o período da formação representa uma contraprestação pecuniária, tendo periodicidade mensal, com os pagamentos dos 13º e 14º mês, à semelhança de qualquer trabalhador, o que faz com que esteja sob a alçada do artigo 2.º do CIRS e não na previsão do artigo 2.º-A, do mesmo diploma. N. Ou seja, “Estando os auditores a desempenhar funções nos termos daquele regime jurídico, a bolsa de formação tem natureza de remuneração pecuniária, não tendo por finalidade compensar o auditor das despesas inerentes à formação mas de o remunerar para função desempenhada. A quantia atribuída mensalmente ao sujeito passivo está em conexão com o exercício da atividade profissional. Trata-se de uma atividade remunerada pela contrapartida do serviço prestado.”, não se podendo, ademais, comparar a bolsa atribuída ao auditor de justiça com outro tipo de bolsa de formação, não se reconduzindo a mesma a «prestações relacionadas exclusivamente com ações de formação profissional dos trabalhadores, quer estas sejam ministradas pela entidade patronal, quer por organismos de direito público ou entidade reconhecida como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes», nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 2.º-A do CIRS. O. Resulta, assim, demonstrada a identidade da questão fundamental de direito na decisão recorrida e na decisão fundamento, existindo entre ambas uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão arbitral na parte recorrida, com substituição da mesma por nova decisão que julgue improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte correspondente. P. A infração a que se refere o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA consiste num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a decisão arbitral viola o disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS, ao considerar que a bolsa de formação atribuída aos Auditores de Justiça em formação no CEJ não tem natureza remuneratória, mas sim compensatória, pelo que, assim sendo, esta não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS, não estando sujeita a imposto. Q. Com efeito, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo e tal como se entendeu na decisão fundamento, o CEJ procedeu corretamente à retenção na fonte dos valores pagos à Recorrida a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça durante todo o período de formação especializada, não enfermando de qualquer ilegalidade a consequente liquidação de IRS onde o valor recebido a este respeito integra o rendimento coletável e bem assim a retenção na fonte sofrida. R. Efetivamente, em síntese, a Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro define o regime de ingresso nas magistraturas, de formação inicial e contínua dos magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do CEJ, compreendendo a formação inicial de magistrados para os TAF, em cada caso, um curso de formação teórico-prática, organizado em dois ciclos sucessivos e um estágio de ingresso; assim, os candidatos habilitados no concurso de ingresso frequentam o curso de formação teórico-prática com o estatuto de auditor de justiça, o qual é adquirido com a celebração de contrato de formação entre estes e o CEJ, ficando sujeitos ao regime de direitos, deveres e incompatibilidades constantes da presente Lei, e do Regulamento Interno do CEJ e, subsidiariamente ao regime dos funcionários da Administração Pública (artigo 31.º, n.ºs 1 e 2 do referido diploma). S. Destaca-se mormente que a frequência do curso confere ao auditor de justiça o direito a receber uma bolsa de formação, paga em 14 mensalidades, de valor mensal correspondente a 50% do índice 100 da escala indiciária para as magistraturas nos tribunais judiciais ou, em caso de requisição, e por opção do auditor, à remuneração do cargo de origem, excluídos suplementos devidos pelo exercício das respetivas funções (cf. artigo 31.º, n.º 5 da referida lei); efetivamente, os candidatos habilitados que sejam funcionários ou agentes do Estado, de Institutos Públicos ou de entidades públicas empresariais têm o direito a frequentar o curso de formação em regime de requisição, a qual não depende da autorização do organismo ou serviço de origem. T. Importa notar que os auditores de justiça estão sujeitos aos deveres de assiduidade, colaboração, correção, obediência, participação, pontualidade, reserva, sigilo e zelo, sendo incompatível como seu estatuto o exercício de qualquer função pública ou privada de natureza profissional. U. Não obstante na cláusula 4ª do contrato de formação constar que não se cria uma relação jurídica de emprego público, não sendo, em caso algum, aplicáveis as disposições do regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de setembro, tal não implica que as verbas pagas a título de bolsas de formação aos auditores de justiça estejam excluídas de tributação; desde logo, por a qualificação dada pelas partes aos contratos não vincular a Administração Tributária, nos termos do n.º 4 do artigo 36.º da Lei Geral Tributária, estando a confirmação da existência ou não do referido vínculo jurídico-laboral dependente do efetivo teor das relações contratuais entre as partes e não da proclamação destas (desde já se referindo que inclusivamente uma delas efetuou a retenção na fonte aqui em causa), havendo assim que confrontar as efetivas relações contratuais entre as partes com os princípios gerais que regem a tributação dos rendimentos do trabalho dependente. V. Do artigo 2.º, n.º 1, do Código do IRS resulta não ser indispensável à incidência do IRS sobre os rendimentos do trabalho dependente, que esses rendimentos sejam auferidos no âmbito de contrato de trabalho subordinado ou equiparado, podendo sê-lo igualmente no âmbito de contrato de prestação de serviços, desde que sob a autoridade ou direção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito ativo na relação dela resultante; nessa medida o facto de as bolsas de formação atribuídas pela frequência do curso teórico-prática não estarem sujeitas à disciplina do contrato de trabalho ou outro legalmente equiparado não prejudica que as importâncias pagas aos auditores de justiça tenham a natureza de rendimentos do trabalho dependente, uma vez que o curso integra uma componente prática, junto dos tribunais, e que os bolseiros atuam sob autoridade e direção do CEJ. W. É que os auditores de justiça não agem independentemente, mas sob orientação de docentes ou formadores e aquando da frequência do estágio intercalar, junto dos tribunais, sob orientação de magistrados formadores, importando ainda salientar, uma vez mais, que é incompatível com o seu estatuto o exercício de qualquer função pública ou privada de natureza profissional. X. Torna-se, assim, facilmente identificável, a existência de um poder de direção por parte da entidade financiadora e dos deveres de obediência e disciplina por parte dos bolseiros, prevendo em concreto o Estatuto de Auditor de Justiça como causa de extinção do contrato, entre outras, a pena de expulsão. Y. Neste contexto, verificando-se os pressupostos da subordinação jurídica, consubstanciados no poder de autoridade e direção que aquela entidade detém na relação jurídica, que o curso de formação não consiste apenas na administração de meros conhecimentos teóricos, mas integra também uma componente prática, a realizar junto dos tribunais, o que lhe confere um caráter profissionalizante, uma vez que o auditor de justiça vai adquirindo as competências técnicas para o exercício das funções de juiz, as importâncias pagas a título de bolsa de formação prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, e constante da cláusula 3ª do respetivo contrato, estão sujeitas a tributação por terem enquadramento no artigo 2.º do Código do IRS. Z. Ademais, a situação, sub judice, não pode estar enquadrada no disposto no art.º 2-A n.º 1 al. c) do CIRS porque não estamos perante uma prestação relacionada exclusivamente com ações de formação profissional dos trabalhadores. AA. Em suma, verificam-se os pressupostos de subordinação jurídica, consubstanciados no poder de autoridade e direção que o CEJ detém na relação jurídica, não consistindo o curso de formação apenas na administração de meros conhecimentos teóricos, mas integra também uma componente prática, a realizar junto dos tribunais, o que lhe confere um caráter profissionalizante. BB. Concluindo-se assim que face a todo o exposto resulta evidente que as importâncias pagas a título de bolsa de formação prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro e constante da cláusula 3ª do respetivo contrato estão sujeitas a tributação por enquadramento no artigo 2.º do Código do IRS, devendo a pretensão da Recorrida ser julgada improcedente. CC. Pelo que, por tudo o exposto, resta concluir que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por violação das normas legais aplicáveis, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência vertida na decisão fundamento, devendo ser substituído por nova decisão que julgue procedente o presente recurso, determinando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outra decisão consentânea com o quadro jurídico vigente. Não foram apresentadas contra-alegações. Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido do presente recurso para uniformização de jurisprudência ser admitido e, subsequentemente, ser o mesmo julgado improcedente, com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão arbitral recorrida, com a seguinte fundamentação: 1. Objeto do recurso A recorrente interpôs o presente recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do artigo 25.º n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), na redação introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18.09, em obediência ao regime do artigo 152.º do CPTA, pugnando pela revogação da decisão arbitral proferida nos autos n.º ...21... e pela correcção da interpretação perfilhada na decisão arbitral proferida nos autos n.º ...21..., convocada como decisão fundamento, relativamente à questão que versa sobre a natureza remuneratória dos rendimentos auferidos a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça, durante o período de formação especializada no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), para efeitos de incidência de IRS. 2. Admissibilidade do presente recurso 2.1. A recorrente interpôs o presente recurso ao abrigo do estatuído no artigo 25.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 17.º da Lei 119/2019, de 18.09. De facto, o citado artigo 25.º do RJAT, na redação introduzida pela Lei n.º 119/2019, passou a admitir recurso para o STA, da decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida, quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral. Ao recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA, aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT. São requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: - contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral ou entre duas decisões arbitrais; - trânsito em julgado do acórdão (decisão) fundamento; - existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; - ser a orientação perfilhada no acórdão (decisão) impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA. Por sua vez quanto à caracterização da questão fundamental de direito: - deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão (decisão) em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respetivos pressupostos de facto; - a oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas; - não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos (decisões) sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica; - as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais; - em oposição ao acórdão (decisão) recorrido podem ser invocados mais de um acórdão (decisão) fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas. 2.2. Defende a recorrente que o entendimento perfilhado pelo Tribunal Arbitral na decisão recorrida, proferida no processo n.º 418/2021-T, está em contradição com a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no processo n.º 272/2021-T (decisão fundamento). Em ambos os processos está em discussão a mesma questão fundamental de direito – saber se os valores recebidos a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça no CEJ, durante todo o período de formação especializada (prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro e constante da cláusula 3ª do respetivo contrato), têm natureza remuneratória que deva qualificar-se como rendimento tributado para efeitos de IRS. Na decisão arbitral recorrida considerou-se que o esforço desenvolvido durante o estágio é compensado com o pagamento de uma bolsa, não se tratando de remuneração, mas de apoio à formação dos auditores de justiça, muitos deslocados da sua área de residência e sem outros meios de suporte financeiro durante um período de formação para servir o Estado. Assim, não existe enquadramento legal para considerar a bolsa de formação um rendimento de trabalho dependente, com enquadramento legal, pelo que se impõe concluir pela ilegalidade da liquidação de IRS impugnada. Em sentido contrário, na decisão fundamento concluiu-se que “a bolsa recebida durante o período da formação representa uma contraprestação pecuniária. Tem uma periodicidade mensal, com os pagamentos dos 13.º e 14.º mês, à semelhança de qualquer trabalhador, o que faz com que esteja sob a alçada do artigo 2.º do CIRS e não na previsão do artigo 2.º-A, do mesmo diploma. Estando os auditores justiça a desempenhar funções nos termos daquele regime jurídico, a bolsa de formação tem natureza de remuneração pecuniária, não tendo por finalidade compensar o auditor das despesas inerentes à formação mas de o remunerar para função desempenhada.” Ou seja, a questão jurídica em discussão – natureza remuneratória dos rendimentos auferidos a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça no Centro de Estudos Judiciários, durante o período de formação - é idêntica. Por outro lado a situação fáctica em análise nas duas decisões arbitrais é substancialmente coincidente, uma vez que se tratam de auditores de justiça que frequentaram o Centro de Estudos Judiciários, durante o curso de formação para o ingresso nos TAF, tendo auferido a bolsa de formação, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14.01 e constante da cláusula 3ª do respetivo contrato de formação. Assim sendo, existe fundamento para o presente recurso para uniformização de jurisprudência, não apenas por a questão jurídica em discussão ser a mesma, como a factualidade essencial ser idêntica nas duas decisões, verificando-se também preenchido o requisito da contradição de julgados ser expressa. 3. Posição defendida 3.1. A Lei n.º 2/2008, de 14.01, alterada pelas Leis n.ºs 60/2011, de 28.11 e 45/2013, de 3.07, define o regime de ingresso nas magistraturas, de formação inicial e contínua dos magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), compreendendo a formação inicial de magistrados: um curso de formação teórico-prática, organizado em dois ciclos sucessivos e um estágio de ingresso. Assim, os candidatos habilitados no concurso de ingresso frequentam o curso de formação teórico-prática com o estatuto de auditor de justiça, o qual é adquirido com a celebração de contrato de formação entre estes e o CEJ, ficando sujeitos ao regime de direitos, deveres e incompatibilidades constantes da Lei nº 2/2008 e do Regulamento Interno do CEJ e, subsidiariamente ao regime dos funcionários da Administração Pública (artigo 31.º, nºs 1 e 2 da Lei n.º 2/2008). Importa referir, antes de mais, que o estatuto de auditor de justiça se adquire com a celebração de um contrato de formação entre o candidato habilitado no concurso de admissão e o Centro de Estudos Judiciários. O referido contrato de formação dispõe: Cláusula 3.ª “O primeiro outorgante obriga-se a assegurar os procedimentos necessários ao pagamento ao segundo outorgante da bolsa de formação a que se refere o n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, alterada pelas Leis n.ºs 60/2011, de 28 de novembro, e 45/2013, de 3 de julho”; Cláusula 4.ª “O presente contrato não cria relação jurídica de emprego público, conforme disposto no n.º 3 do artigo 31.º da citada Lei, não sendo aplicáveis as disposições da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho”; Cláusula 5.ª: “Não gerando nem titulando relação jurídica de emprego público, no âmbito do presente contrato, o primeiro outorgante não está obrigado ao pagamento do subsídio diário de refeição”; Cláusula 6.ª “O primeiro outorgante, não se constituindo como entidade empregadora pública, no âmbito do presente contrato, não está sujeito às obrigações constantes nos artigos 55.º e 56.º da Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social”. Durante o 1.º ciclo do curso de formação teórico-prática, as atividades formativas realizam-se na sede do CEJ, sob a orientação de docentes e de formadores incumbidos de ministrar as matérias das diversas componentes formativas e compreendem um estágio intercalar de duração não superior a quatro semanas, junto dos tribunais, sob a orientação de magistrados formadores - artigo 42.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2008, de 14.01. A frequência do curso de formação teórico-prática confere ao auditor de justiça “o direito a receber uma bolsa de formação de valor mensal correspondente a 50% do índice 100 da escala indiciária para as magistraturas nos tribunais judiciais, paga segundo o regime aplicável aos magistrados em efetividade de funções, excluídos suplementos devidos pelo exercício efetivo das respetivas funções” - artigo 31.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2008. 3.2. A decisão arbitral recorrida considerou que “não foi vontade do legislador criar algum vínculo de subordinação jurídica ou de qualquer outro tipo com os Auditores de Justiça, mas apenas um contrato de formação com objetivos bem delineados, um plano da formação e uma bolsa de apoio a esta formação. Não subsiste, pois, qualquer dúvida quanto à natureza do contrato, deixando claro que este não está sujeito a obrigações contributivas nem confere outros benefícios remuneratórios, normalmente, associados ao contrato de trabalho. […] Por outro lado, ficou provado que a Requerente não auferiu qualquer outro rendimento no período em causa, pelo que a bolsa de formação foi o único suporte de sobrevivência ou apoio de que beneficiou. Logo, como bem salienta a Requerente, não se pode considerar que a mesma se enquadre no normativo do artigo 2.º, n.º 3, b), do CIRS, por não ter natureza acessória relativamente a qualquer espécie de rendimento.” Em sentido contrário a decisão arbitral fundamento decidiu que a bolsa recebida durante o período da formação tem uma periodicidade mensal, contemplando o pagamento dos 13º e 14º mês, à semelhança de qualquer trabalhador, o que faz com que esteja sob a alçada do artigo 2.º do CIRS e não na previsão do artigo 2.º-A, do mesmo diploma, uma vez que a bolsa de formação tem natureza de remuneração pecuniária, não tendo por finalidade compensar o auditor das despesas inerentes à formação, mas de o remunerar pela função desempenhada. 3.3. Diga-se, desde já, que se afigura tratar-se de questão muito controversa, podendo ser alinhados bons argumentos interpretativos em favor de ambas as teses em confronto. No sentido defendido pela decisão arbitral proferida no processo n.º 418/2021-T (decisão recorrida) pode esgrimir-se: - as bolsas de formação não estão sujeitas a contribuições para a segurança social; - não existe contrato de trabalho ou contrato equiparado a contrato de trabalho; - o auditor de justiça não presta qualquer serviço ao CEJ. No sentido defendido pela decisão arbitral proferida no processo n.º 272/2021-T (decisão fundamento) pode argumentar-se: - a bolsa de formação é paga em 14 mensalidades; - o CEJ procede à retenção na fonte para efeitos de IRS; - idênticas bolsas atribuídas a outras classes profissionais estão sujeitas a tributação em sede de IRS. 3.4. No parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 16/2012, de 28.06.2012, publicado no DR, 2.ª Série de 23.11.2012 considerou-se: “Com efeito, os auditores de justiça, enquanto frequentam o curso de formação teórico-prática, não se encontram, propriamente, a exercer funções públicas. Frequentam dois ciclos de aprendizagem, a decorrer no CEJ, nos tribunais e noutras instituições não judiciárias, sem terem competência própria para o exercício de qualquer ato judicial. O facto de lhes ser atribuída uma bolsa de estudos para a frequência desse curso teórico-prático e de, para além do regime jurídico do CEJ e do respetivo regulamento, lhes ser aplicado subsidiariamente o regime dos funcionários da Administração Pública, não altera o que acaba de se referir. Em concreto, os auditores de justiça não têm competência própria para a prática de atos da função judicial ou de qualquer outra função pública. Por outro lado, a frequência do curso de formação teórico-prática por parte dos auditores não lhes confere o direito de aceder, mediante um posterior concurso, à magistratura judicial. O concurso para ingresso no CEJ precede a frequência do curso de formação teórico- prática, e, nas primitivas leis do CEJ, a opção pela magistratura apenas tinha lugar, em regra, uma vez decorrida a referida fase de formação com aproveitamento. Os candidatos, uma vez habilitados no curso, a cuja frequência previamente haviam concorrido, eram posteriormente nomeados juízes de direito ou procuradores-adjuntos em regime de estágio, sem submissão a qualquer outro concurso, fosse para a magistratura judicial, fosse para a do Ministério Público.” (Disponível em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/) Tratava-se de saber se o tempo de duração do curso de formação teórico-prática dos auditores de justiça a que se reporta o artigo 35.º da Lei n.º 2/2008, de 14.01, contava, uma vez ingressados na magistratura respetiva, para efeitos da progressão remuneratória, tendo o Conselho Consultivo respondido negativamente. Todavia, também aqui, a existência de um douto voto de vencido indicia o melindre da questão. 3.5. A decisão arbitral fundamento considerou que estão verificados os pressupostos da relação jurídica entre o CEJ e o auditor, consubstanciados no dever de realização de um conjunto de tarefas e no poder de autoridade e direção do CEJ, bem como estão confirmados os pressupostos de subordinação tributária no conceito de remuneração, ponderando que a retenção na fonte efetuada pelo CEJ vai no sentido da confirmação da existência de um vínculo jurídico-laboral, da qual resulta a consequente liquidação de IRS. Considerou que as importâncias pagas a título de bolsa de formação enquadram-se no n.º 2 do art.º 2.º do CIRS, que abrange todo um conjunto de rendimentos, “designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios senhas de presença, emolumentos, participações em coimas ou multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não. Nesta norma enquadra-se qualquer remuneração paga ou colocada à disposição do trabalhador proveniente de relação laboral, independentemente da natureza e frequência, sendo aqui de incluir o exercício de função, serviço ou cargo públicos (cfr. al. c) do n.º 1 do art.º 2.º do CIRS). A bolsa atribuída ao auditor de justiça não se compara com outro tipo de bolsa de formação, como é o caso, por exemplo, das bolsas de formação do IEFP na parte destinada ao trabalhador”. A decisão arbitral recorrida considerou que não tendo o auditor de justiça celebrado com o CEJ contrato de trabalho ou contrato equiparado a contrato de trabalho, nos termos previstos no Código do Trabalho, a bolsa de formação não se pode enquadrar no âmbito do artigo 2.º, n.º 1, a), do CIRS. Por outro lado, segundo defende a recorrida, a AT defendeu que os valores atribuídos a título de bolsa de formação devem ser tributados enquanto rendimento do trabalho dependente, não por resultarem de um contrato de trabalho ou equiparado, mas por serem provenientes de “contrato de prestação de serviço ou outro de idêntica natureza, sob a autoridade e a direção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito ativo na relação jurídica dele resultante”, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRS. Do exposto resulta que, para que um rendimento seja enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRS é necessário que exista, em primeiro lugar, a prestação de um qualquer serviço. Ora, o auditor de justiça não presta qualquer serviço ao CEJ, tanto bastando para concluir que os valores recebidos a título de bolsa de formação não podem ser enquadrados na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRS. E argumenta, a propósito das bolsas atribuídas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) no âmbito dos contratos de bolsa celebrados ao abrigo da Lei nº 40/2004, de 18.8, que a AT considerou que para além da existência de poder de direção da entidade de acolhimento sobre o bolseiro, este terá de proporcionar àquela vantagens económicas para que a bolsa seja tributada em IRS. Ou seja, apenas serão passíveis de enquadramento como rendimentos da categoria A, as bolsas relativamente às quais se verifique, numa análise casuística, a existência de vantagens económicas proporcionadas pelo bolseiro à entidade de acolhimento e que este atua sob a autoridade e direção desta, sendo que as bolsas de investigação concedidas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) que não verifiquem estes requisitos não estão sujeitas a tributação em sede de IRS.” 3.6. Ora, na presente situação é patente que o CEJ não usufrui qualquer vantagem económica, sendo igualmente dificilmente aceitável que se considere, como defende a recorrente, que os auditores de justiça não agem independentemente, mas sob orientação de docentes e formadores. Não existe qualquer situação de orientação dos docentes e formadores, dado que a toda a atividade e os trabalhos práticos elaborados no decurso do período de formação decorrem da capacidade de análise, decisão técnica e autonomia científica de cada auditor de justiça. Assim, todos os objetivos do curso de formação do CEJ remetem para a aprendizagem e o treino de competências pessoais e técnicas do auditor de justiça, sempre sob inteira liberdade e autonomia técnica e nunca subjugada a laços de dependência do tipo existente na prestação de serviços pelo trabalhador público ou privado. Nestes termos, salvo melhor opinião, o propósito do legislador não foi o de estabelecer qualquer vínculo de subordinação jurídica ou de qualquer outro tipo com os auditores de justiça, mas apenas um contrato de formação com objetivos bem delineados, um plano da formação e uma bolsa de apoio a essa formação. 3.7. Não se ignora que existem situações semelhantes ao acesso às magistraturas, noutras carreiras da administração pública, cujos candidatos se submetem a um concurso de admissão e estão sujeitos a estágios de formação e em que as prestações pecuniárias auferidas estão sujeitas a tributação em sede de IRS. Todavia, independentemente da justeza de tais situações, a verdade é que em matéria de interpretação de normas de incidência tributária tais considerações não podem ser valoradas, devendo os elementos integrantes das mesmas estar formulados de modo preciso e determinado, considerando o princípio da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade. A jurisprudência do STA tem apreciado uma situação análoga à presente e que se reporta à bolsa adicional paga aos médicos internos em regime de vaga preferencial, tendo sido ponderado que deve ser considerada como uma prestação relacionada exclusivamente com ações de formação profissional dos trabalhadores, compensando-os pela obrigação de permanência naquele serviço após a conclusão do internato médico. Todavia, tem sido decidido que a bolsa de formação constitui rendimento do trabalho dependente, dado tratar-se de remuneração acessória da remuneração principal e, como tal, sujeita a tributação nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), n.º 2 e n.º 3, alínea b), do CIRS. (Neste sentido, podem consultar-se, entre outros, os acórdãos do STA de 08.05.2019, proferido no processo n.º 02553/14.7BELRS e de 17.02.2021, no processo n.º 577/13.0BEAVR, disponíveis em www.dgsi.pt/jsta.). Assim, por se tratar de remuneração acessória da remuneração principal não tem similitude com a auferida pelos auditores de justiça que, sublinhe-se, constitui a única prestação por estes auferida. De referir, por último, que a própria Administração Tributária, em momento posterior e em sede de apreciação de pedidos de revisão oficiosa suscitados por outros auditores de justiça, em situações idênticas, tem vindo a acolher a pretensão de que a bolsa de formação dos auditores de justiça não está sujeita a tributação em sede de IRS, considerando não ter a mesma uma natureza remuneratória, mas antes compensatória, conforme resulta da consulta no SITAF do processo n.º 302/22.5BELRS, a correr termos no Tribunal Tributário de Lisboa. 4. Conclusão Pelo exposto, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, somos do parecer que deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser admitido e, subsequentemente, ser o mesmo julgado improcedente, com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão arbitral recorrida. E, bem assim, fixada orientação jurisprudencial no sentido de que a bolsa atribuída aos auditores de justiça, em formação no Centro de Estudos Judiciários, nos termos do artigo 31.º, n.º 5 da Lei n.º 2/2008, de 14.01, não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS, não estando sujeita a imposto, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS. * Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais. * 2. FUNDAMENTAÇÃO: 2.1. - Dos Factos: 2.1.1. - Na decisão arbitral recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão: a. Em A Requerente foi uma das candidatas habilitadas a ingressar no 5.º Curso para os Tribunais Administrativos e Fiscais (TAF) nos termos do artigo 26.º e 28.º, n.º 3, da Lei n.º 2/2008, de 14/1 e integrou o Grupo 11 do 5.º Curso para os TAF. b. A 14/09/2018, a Requerente celebrou com o CEJ o contrato de formação a que se refere o n.º 2 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14/1 (“contrato de formação”), junto aos autos e que se dá por integralmente reproduzido; c. Através da celebração do contrato de formação, a Requerente adquiriu o estatuto de auditora de justiça; d. Do contrato de formação celebrado entre a Requerente e o CEJ consta na cláusula 4.ª o seguinte: (i) “O presente contrato não cria relação jurídica de emprego público, conforme disposto no n.º 3 do artigo 31.º da citada Lei, não sendo aplicáveis as disposições da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho”; (ii) Cláusula 5.ª: “Não gerando nem titulando relação jurídica de emprego público, no âmbito do presente contrato, o primeiro outorgante não está obrigado ao pagamento do subsídio diário de refeição”; (iii) Cláusula 6.ª: “O primeiro outorgante, não se constituindo como entidade empregadora pública, no âmbito do presente contrato, não está sujeito às obrigações constantes nos artigos 55.º e 56.º da Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social”; e. Entre janeiro e agosto de 2019, a Requerente frequentou o 1.º ciclo do curso de formação teórico-prática e entre setembro e dezembro de 2019, a Requerente iniciou o 2.º ciclo do curso de formação; f. Durante o ano de 2019, foram emitidos pelo CEJ à Requerente recibos referentes ao pagamento da bolsa de formação prevista no artigo 31.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2008, de 14/1, nos quais consta a referência “CATEGORIA: AUDITOR DE JUSTIÇA”; (Cfr. docs da PI e PA junto aos autos) g. A 11/06/2020, a Requerente submeteu por transmissão eletrónica de dados a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2019, com o n.º ...; (Cfr.: PA junto aos autos) h. Sobre o valor da bolsa que foi atribuído à Requerente não foram efetuadas quaisquer contribuições para a segurança social pelo CEJ e durante o ano de 2019 esta não recebeu qualquer outro rendimento; (Cfr.: Docs. ... a ... e PA junto aos autos) i. A Modelo 3 de IRS apresentada originou a liquidação n.º ...20 ... de 2020/06/26, com apuramento de reembolso de imposto no valor de € 1.310,17; (Cfr.: doc.... e PA junto aos autos) j. A 29/09/2020, a Requerente apresentou, através do website do portal das finanças, reclamação graciosa contra a Liquidação, o qual integra o processo administrativo junto aos autos e que se dá por integralmente reproduzido; k. e bem assim, as decisões de indeferimento proferidas pela AT no âmbito do procedimento administrativo de reclamação graciosa, cujos termos correram sob nº ...2020..., junto do serviço de finanças de ... e do procedimento de recurso hierárquico, cujos termos correram sob nº ...2021..., junto da Direção de Finanças de ... . (Cfr.: PA junto aos autos) l. Conforme resulta do processo administrativo junto, a Requerente, a 29-09-2020, apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS nº ...20..., referente ao ano de 2019, no valor a reembolsar de € 1.310,17, pedindo a sua anulação com fundamento na não tributação dos rendimentos declarados por força da delimitação negativa prevista no artigo 2.º-A, n.º 1, alínea c) do CIRS. (Cfr.: PA junto aos autos) m. No âmbito do referido procedimento de reclamação graciosa foi proferida decisão de indeferimento pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., em 28-12-2020, ao abrigo de subdelegação de competências, com suporte na seguinte fundamentação: [IMAGEM] (…) E acrescenta: [IMAGEM] (Cfr. PA junto aos autos) n. No seguimento deste indeferimento a Requerente interpôs recurso hierárquico, no âmbito do qual, após direito de audição, foi proferida decisão de indeferimento pelo Diretor de Finanças de ..., em 07-05-2021, ao abrigo de subdelegação de competências, com suporte fundamentação contida no despacho e que se dá por integralmente reproduzida, tendo concluído que: (…) [IMAGEM] (…) [IMAGEM] o. Em 05-07-2021 a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral. * 2.1.2. - Na decisão arbitral fundamento consta como provada a seguinte matéria de facto: A Requerente ingressou no 5.º Curso para os Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante identificada por “TAF”) – cfr. Lista de candidatos habilitados em http://www.cej.mj.pt/... Em 14 de setembro de 2018, a Requerente celebrou com o Centro de Estudos Judiciários (doravante identificado por “CEJ”) o contrato de formação a que se refere o n.º 2 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14/1. Durante o período de 15 de setembro de 2018 até final de dezembro de 2018, a Requerente frequentou o 1.º ciclo do curso de formação teórico-prática. Foi-lhe atribuída uma bolsa, sujeita a tributação em sede de IRS, mas da qual não foram efetuadas quaisquer contribuições para a Segurança Social por parte do CEJ, conforme se pode verificar no quadro 4A, Anexo A, da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS. O CEJ, no ano de 2018, procedeu ao pagamento da quantia de € 4.791,72 à ora Requerente, a título de rendimentos da categoria A, e efetuou a retenção de imposto no valor de € 701. Em 26 de junho de 2019, a Requerente submeteu por transmissão eletrónica de dados a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2018, com o n.º... . O Modelo 3 de IRS originou a liquidação n.º ...19..., de 27 de junho de 2019, relativa ao ano de 2018, com apuramento de reembolso de imposto no valor de € 1.469,95, concretizado em 4 de julho de 2019, através de transferência eletrónica interbancária. Em 25 de agosto de 2019, a Requerente apresentou a Reclamação Graciosa que correu termos sob o n.º ...2019..., junto do serviço de finanças de ..., contra a liquidação de IRS n.º ...19..., de 27 de junho de 2019, referente ao ano de 2018, pedindo a anulação parcial da liquidação de IRS que derivou da sujeição dos rendimentos obtidos pela bolsa de formação, no montante de € 4.791,72, tendo por base o contrato de formação de auditor celebrado entre a Requerente e o CEJ. Esta pretensão foi indeferida, por Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa, proferido em 15 de maio de 2020 pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., ao abrigo de subdelegação de competências, com fundamento que “o pedido carece de enquadramento legal, já que a exclusão de tributação prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 2º-A do CIRS opera para as prestações relacionadas exclusivamente com ações de formação profissional dos trabalhadores”. Este Despacho foi notificado à Requerente através do Ofício de 4 de junho de 2020, enviado via CTT, o qual foi rececionado em 23 de junho de 2020. Em 05 de julho de 2020, a Requerente, inconformada com esta decisão, interpôs, com os mesmos fundamentos, um Recurso Hierárquico com o nº ...2020..., junto da Direção de Finanças de Faro, dentro do prazo previsto no n.º 2 do art.º 66.º do CPPT. A Requerente foi notificada a 16 de dezembro de 2020 da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra a liquidação n.º ...19 ... de 2019/06/27, referente ao ano de 2018. Atendendo a esta decisão de indeferimento do recurso hierárquico, a Requerente apresentou em 30 de abril de 2021, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, a), do RJAT, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e a respetiva pronúncia arbitral. Atenta a data de apresentação deste pedido de constituição de Tribunal Arbitral, impõe-se a conclusão de que o mesmo é tempestivo, assistindo legitimidade à Requerente para deduzi-lo. * 2.2.- Motivação de Direito 2.2.1.- Objecto de recurso No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a Decisão Arbitral recorrida padece de erro de julgamento, porquanto o Tribunal arbitral, em contradição total com a decisão fundamento, considerou que os valores recebidos pela Recorrida a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça, durante todo o período de formação especializada (prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro e constante da cláusula 3.ª do respectivo contrato), não têm natureza remuneratória que deva qualificar-se como rendimento tributado para efeitos de IRS. Para a recorrente, a existência dessa divergência é de molde a permitir o recurso para uniformização de jurisprudência, consubstanciado no artigo 152.º do CPTA. Vejamos. 2.2.2.- Da admissibilidade do recurso de uniformização Importa, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado, aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1) na redacção da lei nº 119/2019, de 18/09. Consoante o disposto no nº 2 do artº 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º). O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152.º do CPTA) é a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito. Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados. Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida. No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico. A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, págs. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, de 11/12/2019, Recurso nº 46/19.5BALSB, de 04-11-2020, Recurso nº 24/20.1BALSB, de 09/12/2020, Recurso nº 43/20.8BALSB e de 20-01-2021, Recurso nº 60/20.1BALSB, todos in www.dgsi.pt. Não obstante, determina o n.° 3 do artigo 152.° que, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.” Em suma e evocando Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsi.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv) ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA. Acresce que, quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que terá de emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido. * 2.2.3.- Da análise do caso concreto: No caso posto, trilhando a factualidade fixada nas decisões fundamento e recorrida, a situação de similaridade que importa fundamentalmente considerar é a de, em ambas, se versar a situação de auditores de justiça que frequentaram o Centro de Estudos Judiciários, durante o curso de formação para o ingresso nos TAF, tendo auferido a bolsa de formação, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14.01 e constante da cláusula 3ª do respectivo contrato de formação. Por outro lado e como já acima se deixou antever, a questão jurídica em discussão é a mesma, na decisão recorrida e na decisão fundamento, ligando-se à natureza remuneratória dos rendimentos auferidos a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça no Centro de Estudos Judiciários, durante o período de formação, ou seja, ao questionamento sobre se os valores recebidos a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça no CEJ, durante todo o período de formação especializada (prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro e constante da cláusula 3ª do respectivo contrato), têm natureza remuneratória que deva qualificar-se como rendimento tributado para efeitos de IRS. Pronunciando-se sobre tal questão, a decisão arbitral recorrida ponderou que o esforço desenvolvido durante o estágio é compensado com o pagamento de uma bolsa, não se tratando de remuneração, mas de apoio à formação dos auditores de justiça, muitos deslocados da sua área de residência e sem outros meios de suporte financeiro durante um período de formação para servir o Estado, vindo a concluir, ancorada nessa fundamentação, pela inexistência de enquadramento legal para qualificar a bolsa de formação um rendimento de trabalho dependente, com enquadramento legal, reputando ilegal a liquidação de IRS impugnada. Adversamente, na decisão fundamento perfilhou-se o entendimento de que “a bolsa recebida durante o período da formação representa uma contraprestação pecuniária. Tem uma periodicidade mensal, com os pagamentos dos 13.º e 14.º mês, à semelhança de qualquer trabalhador, o que faz com que esteja sob a alçada do artigo 2.º do CIRS e não na previsão do artigo 2º-A, do mesmo diploma. Estando os auditores justiça a desempenhar funções nos termos daquele regime jurídico, a bolsa de formação tem natureza de remuneração pecuniária, não tendo por finalidade compensar o auditor das despesas inerentes à formação mas de o remunerar para função desempenhada.” Assim, afigura-se-nos que a questão fundamental de direito, foi expressamente decidida em sentido divergente, o que permite dar como verificada a desarmonia das decisões que justifica a prossecução do recurso por oposição de julgados, assim se devendo passar ao conhecimento do mérito do recurso. * 2.2.4.-Do mérito do recurso Ponderemos então em que sentido deve ser solucionado o pedido de uniformização de jurisprudência entre as duas decisões arbitrais. Nesse sentido, há que apelar à Lei n.º 2/2008, de 14.01, alterada pelas Leis n.ºs 60/2011, de 28.11 e 45/2013, de 3.07, que estabeleceu o regime de ingresso nas magistraturas, de formação inicial e contínua dos magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), compreendendo a formação inicial de magistrados um curso de formação teórico-prática, organizado em dois ciclos sucessivos e um estágio de ingresso. Deste modo, os candidatos habilitados no concurso de ingresso frequentam o curso de formação teórico-prática com o estatuto de auditor de justiça, o qual é adquirido com a celebração de contrato de formação entre estes e o CEJ, ficando sujeitos ao regime de direitos, deveres e incompatibilidades constantes da Lei n.º 2/2008 e do Regulamento Interno do CEJ e, subsidiariamente ao regime dos funcionários da Administração Pública (artigo 31.º, nºs 1 e 2 da Lei n.º 2/2008). O estatuto de auditor de justiça obtém-se através da celebração de um contrato de formação entre o candidato habilitado no concurso de admissão e o Centro de Estudos Judiciários, sendo de destacar por relevar para a solução do presente litígio, o estatuído nas Cláusulas 3.ª a 6.ª desse contrato: Cláusula 3.ª “O primeiro outorgante obriga-se a assegurar os procedimentos necessários ao pagamento ao segundo outorgante da bolsa de formação a que se refere o n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, alterada pelas Leis n.ºs 60/2011, de 28 de novembro, e 45/2013, de 3 de julho”; Cláusula 4.ª “O presente contrato não cria relação jurídica de emprego público, conforme disposto no n.º 3 do artigo 31.º da citada Lei, não sendo aplicáveis as disposições da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho”; Cláusula 5.ª “Não gerando nem titulando relação jurídica de emprego público, no âmbito do presente contrato, o primeiro outorgante não está obrigado ao pagamento do subsídio diário de refeição”; Cláusula 6.ª “O primeiro outorgante, não se constituindo como entidade empregadora pública, no âmbito do presente contrato, não está sujeito às obrigações constantes nos artigos 55.º e 56.º da Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social”. Importa ainda referir que no âmbito do 1.º ciclo do curso de formação teórico-prática, as actividades formativas realizam-se na sede do CEJ, sob a orientação de docentes e de formadores incumbidos de ministrar as matérias das diversas componentes formativas e compreendem um estágio intercalar de duração não superior a quatro semanas, junto dos tribunais, sob a orientação de magistrados formadores - artigo 42.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2008, de 14.01. Cumpre ainda salientar que a frequência do curso de formação teórico-prática confere ao auditor de justiça “o direito a receber uma bolsa de formação de valor mensal correspondente a 50 % do índice 100 da escala indiciária para as magistraturas nos tribunais judiciais, paga segundo o regime aplicável aos magistrados em efetividade de funções, excluídos suplementos devidos pelo exercício efetivo das respetivas funções” - artigo 31.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2008. Ancorada nessa normação a decisão arbitral recorrida ajuizou que “não foi vontade do legislador criar algum vínculo de subordinação jurídica ou de qualquer outro tipo com os Auditores de Justiça, mas apenas um contrato de formação com objetivos bem delineados, um plano da formação e uma bolsa de apoio a esta formação. Não subsiste, pois, qualquer dúvida quanto à natureza do contrato, deixando claro que este não está sujeito a obrigações contributivas nem confere outros benefícios remuneratórios, normalmente, associados ao contrato de trabalho. […] Por outro lado, ficou provado que a Requerente não auferiu qualquer outro rendimento no período em causa, pelo que a bolsa de formação foi o único suporte de sobrevivência ou apoio de que beneficiou. Logo, como bem salienta a Requerente, não se pode considerar que a mesma se enquadre no normativo do artigo 2.º, n.º 3, b), do CIRS, por não ter natureza acessória relativamente a qualquer espécie de rendimento.” Já a decisão arbitral fundamento, pelo prisma do mesmo quadro normativo, ajuizou a situação pondo a tónica no facto de a bolsa recebida durante o período da formação ter uma periodicidade mensal, contemplando o pagamento dos 13.º e 14.º mês, à semelhança de qualquer trabalhador, por isso concluindo que fica abrangida pela tipicidade do artigo 2.º do CIRS e não na previsão do artigo 2.º-A, do mesmo diploma, uma vez que a bolsa de formação tem natureza de remuneração pecuniária, não tendo por finalidade compensar o auditor das despesas inerentes à formação, mas de o remunerar pela função desempenhada. Portanto, a divergência entre as decisões em confronto radica fundamentalmente no facto de a decisão recorrida assentar nos pressupostos de (i) as bolsas de formação não estão sujeitas a contribuições para a segurança social; (ii) inexistir contrato de trabalho ou contrato equiparado a contrato de trabalho; e (iii) o auditor de justiça não prestar qualquer serviço ao CEJ; Já a decisão fundamento é suportada nos pressupostos de (i) a bolsa de formação é paga em 14 mensalidades; (ii) o CEJ procede à retenção na fonte para efeitos de IRS; e (iii) existirem idênticas bolsas atribuídas a outras classes profissionais que estão sujeitas a tributação em sede de IRS. Pontifica a respeito, sobremodo, o doutrinado no Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 16/2012, de 28.06.2012, publicado no DR, 2.ª Série de 23.11.2012 e livremente acessível em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/, versando a questão se saber se o tempo de duração do curso de formação teórico-prática dos auditores de justiça a que se reporta o artigo 35.º da Lei n.º 2/2008, de 14.01, contava, uma vez ingressados na magistratura respectiva, para efeitos da progressão remuneratória, tendo o Conselho Consultivo respondido negativamente embora com um voto de vencido, sendo o mesmo evocado pelo Ministério Público junto deste STA no sábio Parecer que emitiu e que inteiramente acompanhamos, destacando-se o seguinte bloco da elocução jurídica naquele expendida: “Com efeito, os auditores de justiça, enquanto frequentam o curso de formação teórico-prática, não se encontram, propriamente, a exercer funções públicas. Frequentam dois ciclos de aprendizagem, a decorrer no CEJ, nos tribunais e noutras instituições não judiciárias, sem terem competência própria para o exercício de qualquer ato judicial. O facto de lhes ser atribuída uma bolsa de estudos para a frequência desse curso teórico-prático e de, para além do regime jurídico do CEJ e do respetivo regulamento, lhes ser aplicado subsidiariamente o regime dos funcionários da Administração Pública, não altera o que acaba de se referir. Em concreto, os auditores de justiça não têm competência própria para a prática de atos da função judicial ou de qualquer outra função pública. Por outro lado, a frequência do curso de formação teórico-prática por parte dos auditores não lhes confere o direito de aceder, mediante um posterior concurso, à magistratura judicial. O concurso para ingresso no CEJ precede a frequência do curso de formação teórico- prática, e, nas primitivas leis do CEJ, a opção pela magistratura apenas tinha lugar, em regra, uma vez decorrida a referida fase de formação com aproveitamento. Os candidatos, uma vez habilitados no curso, a cuja frequência previamente haviam concorrido, eram posteriormente nomeados juízes de direito ou procuradores-adjuntos em regime de estágio, sem submissão a qualquer outro concurso, fosse para a magistratura judicial, fosse para a do Ministério Público.” Como vimos, a decisão arbitral fundamento deu como verificados os pressupostos da relação jurídica entre o CEJ e o auditor, traduzidos no dever de realização de um conjunto de tarefas e no poder de autoridade e direcção do CEJ, estando, outrossim, verificados os pressupostos de subordinação tributária no conceito de remuneração, considerando que a retenção na fonte efectuada pelo CEJ denota a existência de um vínculo jurídico-laboral, que vale como fundamento da liquidação de IRS. Mais se aduz na decisão fundamento que as importâncias pagas a título de bolsa de formação enquadram-se no n.º 2 do art.º 2.º do CIRS, que abrange todo um conjunto de rendimentos, “designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios senhas de presença, emolumentos, participações em coimas ou multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não. Nesta norma enquadra-se qualquer remuneração paga ou colocada à disposição do trabalhador proveniente de relação laboral, independentemente da natureza e frequência, sendo aqui de incluir o exercício de função, serviço ou cargo públicos (cfr. al. c) do n.º 1 do art.º 2.º do CIRS). A bolsa atribuída ao auditor de justiça não se compara com outro tipo de bolsa de formação, como é o caso, por exemplo, das bolsas de formação do IEFP na parte destinada ao trabalhador”. No discurso fundamentador da decisão arbitral recorrida a premissa determinante radica em não ter o auditor de justiça celebrado com o CEJ contrato de trabalho ou contrato equiparado a contrato de trabalho, nos termos previstos no Código do Trabalho, motivo porque a bolsa de formação não se pode enquadrar no âmbito do artigo 2.º, n.º 1, a), do CIRS. Ao que acresce, no dizer da recorrida, que a AT sustentou que os valores atribuídos a título de bolsa de formação devem ser tributados enquanto rendimento do trabalho dependente, não por resultarem de um contrato de trabalho ou equiparado, mas por serem provenientes de “contrato de prestação de serviço ou outro de idêntica natureza, sob a autoridade e a direção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito ativo na relação jurídica dele resultante”, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRS. Do que vem dito, extrai a recorrida que, para que um rendimento seja enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRS é necessário que exista, em primeiro lugar, a prestação de um qualquer serviço, quando é certo que o auditor de justiça não presta qualquer serviço ao CEJ, tanto bastando para concluir que os valores recebidos a título de bolsa de formação não podem ser enquadrados na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRS. Com relevo, a recorrida ainda alega que, no atinente às bolsas atribuídas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) no âmbito dos contratos de bolsa celebrados ao abrigo da Lei n.º 40/2004, de 18.8, que a AT considerou que para além da existência de poder de direcção da entidade de acolhimento sobre o bolseiro, este terá de proporcionar àquela vantagens económicas para que a bolsa seja tributada em IRS. Ou seja, apenas serão passíveis de enquadramento como rendimentos da categoria A, as bolsas relativamente às quais se verifique, numa análise casuística, a existência de vantagens económicas proporcionadas pelo bolseiro à entidade de acolhimento e que este atua sob a autoridade e direcção desta, sendo que as bolsas de investigação concedidas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) que não verifiquem estes requisitos não estão sujeitas a tributação em sede de IRS. Que dizer deste argumentário? Como prius lógico, acentue-se que a matéria da interpretação dos negócios jurídicos está sujeita ao poder de fiscalização do tribunal, a efectuar de acordo com as regras da interpretação da declaração negocial das partes, para o que regulam os arts. 236.° a 239.° do Código Civil (CC). Vale isto por dizer que, independentemente da qualificação que as partes deram a determinado contrato, o que importa é apurar o que elas quiseram, qual o sentido que as declarações encerram pois, o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Como refere Cardoso da Costa in Curso de Direito Fiscal, 2ª ed., 1972, pág. 126, «frequentemente o legislador fiscal liga a obrigação do imposto à prática de actos, ao exercício de actividades e ao gozo de situações, que são disciplinadas enquanto tais pelo direito privado». Nesses casos, o facto gerador do imposto deriva ou é pelo menos influenciado nos seus contornos pela celebração dum negócio jurídico de determinado tipo. E, assim, no douto ensinamento de Alberto Xavier, «Conceito e Natureza do Acto Tributário», 324, «O facto tributável com ser facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto». Como se assinala na doutrina fiscal cfr. inter alia, José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª ed., págs. 83 e ss, são patentes e múltiplos os pontos de conexão do direito fiscal com o direito privado, mormente o direito civil e o direito comercial que decorre, desde logo, da estrutura da relação tributária que é decalcada da obrigação civil bipolar:- do lado activo, o credor do imposto investido do poder de exigir determinada prestação pecuniária e, do lado passivo, o contribuinte, adstrito à realização dessa prestação. É esta estrutura que torna inevitável que a disciplina e a construção jurídicas da obrigação fiscal recorra aos princípios e conceitos do direito das obrigações, não estivesse a obrigação de imposto, no dizer de J.M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, pág.s 16 e ss, ligada à prática de actos, ao exercício de actividades ou ao gozo de situações que se apresentam disciplinadas enquanto tais pelo direito privado, que conduz a que o direito fiscal seja o sector do direito público que mais se aproxima do direito privado. E é por isso, como já se deixou antever, que as normas fiscais se servem amiúde de conceitos próprios do direito privado, tais como os conceitos de transmissão, compra e venda, doação, propriedade, usufruto, prédio, imóvel, comércio, revogação, dação em cumprimento ou em pagamento ou em função do cumprimento, indemnização, etc., etc. Mas se assim é, coloca-se a par e passo, como já se aventou, a questão de saber se tais figurinos jurídicos típicos do direito privado conservam o mesmo significado que aí lhes é atribuído ou se são e em que termos, objecto de reelaboração no âmbito do direito fiscal. Ora, tendo em vista o caso concreto e como se deduz do já antes exposto, é a própria lei que, radicada em exigências específicas da matéria a disciplinar, abandona a regulamentação jurídica privada de certos actos ou situações, atribuindo um significado específico aos conceitos do direito privado, como sucede precisamente no caso que nos ocupa, da cessação natureza do contrato captada a partir do respectivo clausulado que supra se transcreveu, que deve ser o correspondente conceito do direito civil porque abrangente de certos actos e contratos que têm essa dimensão, mas que se justifica que assim sejam considerados, não apenas por terem um significado económico equiparável. Na senda do expendido ainda por J.M. Cardoso da Costa, Curso, pág. 121 e ss, há, pois, que seguir a directriz metodológica segundo a qual, quando as normas fiscais utilizam expressões correspondentes a dados conceitos do direito privado, caberá aos órgãos aos quais compete a sua aplicação indagar, em cada caso, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica e recorrendo ao elementos de interpretação disponíveis, se essa norma ou essas normas deram a tais conceitos um significado próprio ou se mantiveram o seu conteúdo originário jurídico-privado. Todavia, com a vigente LGT, passou a ter consagração legal a orientação metodológica segundo a qual e por expressa determinação do art.º 11º nº 2 “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer da lei”. Formulação que, como refere Leite de Campos, in “Interpretação das Normas Fiscais”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 17 e ss, não invalida que o intérprete, através dos elementos da interpretação jurídica, chegue à conclusão de que estamos perante um sentido próprio ou específico do direito fiscal quanto a termos oriundos de outros ramos do direito, resulte tal sentido directa ou indirectamente das normas interpretandas. Tudo o que vem afirmado vale para evidenciar a autonomia que o direito fiscal marca em relação ao direito privado a qual encontra a sua ratio na natureza da relação jurídica fiscal com respeito pelo princípio da legalidade tributária por mor do qual a relação jurídica se constitui com a verificação do facto tributário previsto na lei, independentemente quer da vontade dos particulares nesse sentido dirigida, como da actuação da administração fiscal, irrelevando, pois, de todo em todo, a autonomia da vontade para moldar a obrigação fiscal ao invés do que sucede nas obrigações privadas. Tal princípio está consagrado no artº 36.º da LGT ao dispor que “a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário” – n.º 1 - ; “os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes” – nº 2 – e “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária” – n.º 3. Adite-se que, nos termos do n.º 2 do artº 30º da Lei Geral Tributária (LGT) o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”. Consagram estes incisos legais (ver também o artº 85º do CPPT) o princípio de que as obrigações fiscais são relativamente indisponíveis, estendendo-se a indisponibilidade do crédito tributário, por identidade de razões, a todos os outros vínculos creditícios da relação jurídica tributária. Ora, certo é que “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária”. Mas, nessa actividade, terá a AT que cumprir ónus da prova enformado pelos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias, procurando fazer, nos termos já analisados, uma aproximação aos figurinos ou tipos legais do direito privado, pelo que convém fazer uma incursão pela tipicidade normativa. Esta é um dos instrumentos de que o Direito se socorre na regulamentação da vida económico-social, através do qual procede à fixação de certas categorias jurídicas ou tipos, que ele próprio delimita, de modo directo ou indirecto, v. g. a compra e venda, o testamento, o direito de propriedade, o usufruto, o contrato de trabalho, o contrato de prestação de serviços, etc. os quais são categorias jurídicas, cujo regime se aplica aos eventos ou às realidades da vida que se revestem das características que constam da sua descrição jurídica. É sabido e já acima se disse, que no Direito Privado, maxime no Direito das Obrigações ou do trabalho, a fixação das categorias jurídicas não reveste carácter de taxatividade ou exclusividade, o que quer dizer que os particulares podem, com relevância jurídica, criar outras que melhor assegurem a realização dos seus interesses. Para nós, a ratio dessa separação de conceitos é imposta pelos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias na dimensão que lhes dá a LGT, que obriga a uma aproximação aos figurinos ou tipos legais do direito privado. O regime substantivo que enforma a relação jurídica tributária mostra-se submetido ao princípio da legalidade evidenciado - na tipificação específica de cada imposto - dos factos e qualidades do objecto normativo de incidência, donde deriva uma pluralidade de vinculações, tanto para os particulares como para a Administração Fiscal. Segundo Duarte Faveiro, in "Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português", Coimbra Editora, Vol-I, págs. 335 e 338, dessa pluralidade de vinculações sobre os "(...) particulares - pessoas e empresas - visados pela norma tributária quer como titulares dos direitos ou realidades consideradas como objecto do imposto em causa quer como possuidores da qualidade pessoal prevista no tipo de sujeição, resulta a criação de um condicionalismo jurídico de predeterminação de efeitos para as condutas correspondentes aos elementos previstos na norma (...)" que, para a Administração Fiscal, resulta no dever funcional "(...) de vigilância das situações reais correspondentes aos tipos legais tributários e precisão mediata e recíproca do conteúdo da norma tributária (...)". Como corolário do princípio da tipicidade, temos que o procedimento administrativo de averiguação e qualificação jurídica dos factos integrativos da base de incidência do imposto que, no caso concreto, se exige ao particular, pressupõe por parte da AF, no exercício da sua competência, o uso de poderes estritamente vinculados. De acordo com este enquadramento jurídico, cabe à Fazenda Pública, tanto no recurso administrativo como na impugnação junto dos Tribunais, o ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação oficiosa, seja por correcções técnicas ou por métodos indiciários e presuntivos, constantes do relatório dos serviços de fiscalização, o que veio a ser consagrado em letra de lei no art° 74° n° 3 LGT, para os casos de determinação da matéria tributável por métodos indirectos. Este mesmo ponto de vista pode ver-se afirmado por Jorge Lopes de Sousa in "Código de Procedimento de Processo Tributário, Anotado", Vislis/2000, 2ª edição, pág. 470: "(…) o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra [art° 74° n° 1 LGT] esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus do processo judicial tributário (...). Assim, pelo facto de o impugnante no processo de impugnação judicial surgir processualmente numa posição em que deve invocar vícios de um acto tributário, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha de provar no procedimento tributário, designadamente o de provar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos da administração tributária, factos estes cuja verificação competia provar a esta no procedimento tributário (…).” Essencialmente neste sentido, já antes da LGT, pode ver-se Vieira de Andrade, que sustenta que "há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos" (A Justiça Administrativa (Lições), 2ª edição, pág. 269). A administração fiscal só deve praticar o acto tributário - liquidação - quando "formar convicção a existência e conteúdo do facto tributário" (assim, Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 150). Esta convicção deve assentar em pressupostos objectivos e não em meras suposições ou juízos de natureza puramente subjectiva. No caso concreto, bem se demonstra no Parecer do EPGA, não estavam reunidos os pressupostos conducentes à conclusão de que se verificava o facto tributário e qual a sua medida nos termos pretendidos pela AT à qual cabia o ónus de demonstrar a existência do fundamento legal com que se arroga a titularidade de atribuições e de competência para a prática do acto em causa ou da sua actuação enquanto persona potentior, pois só perante a existência deste está autorizada a actuar. É nesta perspectiva que se poderá, de algum modo, falar que a administração apenas terá de fazer a prova, em tribunal, do bem fundado da formação das suas presunções de existência dos factos tributários e que, na falta dessa prova, essa questão - ou seja a questão relativa à legalidade do seu agir praticando o acto tributário - terá de ser resolvida contra ela. Na senda de Vieira de Andrade, in "A Justiça Administrativa" (Lições), 2ª edição, pág. 569, «há-de caber, em princípio, à Administração o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes Pressupostos». Nesse sentido, expende Jorge Lopes de Sousa, in "Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado", 2ª edição, pág. 470, que «o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74º/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário (...)». Todavia, o princípio da autonomia privada, subjacente ao nosso direito privado, manifesta-se, designadamente, através do negócio jurídico, meio privilegiado de os particulares procederem à regulamentação das suas relações jurídicas. Esse auto-governo da esfera jurídica assenta num dos princípios básicos do nosso ordenamento jurídico, que é o princípio da liberdade contratual. As partes, dentro dos limites da lei, têm a liberdade de celebração dos contratos, a faculdade de fixar o conteúdo dos mesmos, a possibilidade de celebrar contratos típicos ou atípicos, de reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei (artigo 405º do C. Civil). O desenvolvimento económico, as inovações técnicas e tecnológicas e a necessária ligação entre o direito e a realidade vivida, têm feito aparecer com acelerada frequência novos negócios jurídicos, com regulamentação própria e específica. Na verdade, as partes, face ao prescrito no artigo 405º do Código Civil, têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver. Porém, afigura-se resultar do contrato escrito celebrado que as quantias auferidas constituem uma compensação não sendo, por isso, tributável por não ser um rendimento para efeitos fiscais violando a AT o princípio da legalidade ao praticar o acto com base nos pressupostos por ela aduzidos. É certo que o artigo 10º da LGT estabelece que a tributação é valorativamente neutra, devendo atender apenas às circunstâncias reveladoras da capacidade contributiva do facto ou acto, irrelevando, pois, os imperativos jurídicos ou éticos como pressuposto ou medida da tributação a qual assentará no resultado económico dos negócios ou actos jurídicos ainda que estes sejam ilícitos ou contra os bons costumes. E ao consagrar a vertente da consideração económica dos factos ou actos com relevância jurídica tributária, o direito fiscal está em consonância com o direito civil no sentido de que, por exemplo, quando os negócios jurídicos são de objecto físico ou legalmente impossível à ordem pública ou contrários aos bons costumes, juscivilisticamente são nulos (cfr. artº 280º do Ccivil) mas, apesar disso, esse vício será ignorado quando é invocado pela pessoa que o praticou por forma a impedir que essa pessoa seja beneficiada; também assim no direito fiscal, em que quem actua de modo ilícito não pode fruir de protecção jurídica, devendo sofrer a tributação prevista na lei. É esse princípio que subjaz ao disposto no artº 38º nº 1 da LGT em que se prevê a tributação dos efeitos económicos pretendidos pelas partes que tenham sido produzidos apesar da ineficácia do negócio: tal como no direito civil, o negócio não produz os efeitos que tenderia a produzir por uma circunstância intrínseca que juntamente com o negócio válido integra o tipo legal e que é o de o único ou principal objectivo ter sido evitar ou reduzir a tributação. É que a tributação tem os seus limites materiais e o seu princípio rector é o da capacidade contributiva visando impedir o livre arbítrio por obrigar, quer o legislador, quer o aplicador da lei fiscal (AT e juiz), a que, na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, que erija em objecto ou matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto. Como pressuposto e critério da tributação no nosso sistema jurídico fiscal, o princípio da capacidade contributiva está expressamente consagrado no artº 4º nº 1 da LGT que prescreve que os impostos assentam especialmente na capacidade contributiva revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património, bem como as relativas à tributação dos rendimentos ilícitos e às cláusulas antiabuso. Assim, os factos não seriam subsumíveis no preceito de incidência invocado e terá sido perpetrada a violação dos artigos 103º nº 2 e 3 da CRP e 8º da LGT e do princípio da capacidade contributiva e a qualificação operada pela AT não respeitaria os limites do princípio da capacidade contributiva, como limite constitucional à tributação, por mor do qual a tributação apenas tem lugar se e na medida em que se constituam em efectivos rendimentos, se apresentem como incrementos patrimoniais reais segundo um conceito amplo de rendimento, abarcando a generalidade dos acréscimos patrimoniais. E, na verdade, vigora, no Direito Fiscal, o princípio da legalidade que se traduz no brocardo nullum tributum sine lege e, uma das decorrências do princípio da legalidade fiscal é a proibição de pagamento de impostos que não tenham sido estabelecidos de harmonia com a Constituição, que se inscreve no quadro das garantias individuais, por isso revestindo as normas atinentes carácter preceptivo (cfr. artº 18º da C.R.P.). Donde que, de acordo com o princípio da legalidade do imposto, só podem ser cobrados os impostos quando se verificam os pressupostos aos quais a lei condiciona a existência de uma obrigação fiscal devendo o intérprete cuidar de a conceber em termos restritos, aplicável, consequentemente, apenas aos casos e situações inequivocamente nela previstos. Por outro lado, também é sabido que no Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade, que se traduz no brocardo latino nullum tributum sine lege, ou nullum vectigal sine lege, paralelo àquele outro, vigente no Direito Penal, nullum crimen sine lege. Assim como não há crime que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal, também não haverá imposto, nem isenção, que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal. Nisto consiste a tipicidade do imposto. A tributação só pode resultar da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto. Se não se verificar um dos pressupostos, já não é possível a tributação, por obediência a este princípio da tipicidade do imposto - cf. Soares Martinez, Manual de Direito Fiscal, 1987, p. 105 e 106. Salienta-se que no Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também por um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva. Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue, se eles se verificarem - cfr., sobre o princípio da tipicidade em Direito Fiscal, Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 263 e ss., onde, a p. 327, cita Castanheira Neves, Questão-de-facto-Questão-de-direito, p. 264. À luz dos antecedentes considerandos, abonando a tese do Ministério Público sustentada no seu douto Parecer, cremos ser evidente que na situação sub judice o CEJ não usufrui qualquer vantagem económica, sendo igualmente dificilmente aceitável que se considere, como defende a recorrente, que os auditores de justiça não agem independentemente, mas sob orientação de docentes e formadores. Não existe qualquer situação de orientação dos docentes e formadores, dado que a toda a atividade e os trabalhos práticos elaborados no decurso do período de formação decorrem da capacidade de análise, decisão técnica e autonomia científica de cada auditor de justiça. Por assim ser, torna-se insofismável que todos os objectivos do curso de formação do CEJ se reconduzem, apontam para a aprendizagem e o treino de competências pessoais e técnicas do auditor de justiça, com respeito integral pela liberdade e autonomia técnica e sem qualquer sujeição a liames de dependência típicos da prestação de serviços pelo trabalhador público ou privado. Dito de outro modo: a intenção do legislador não foi o de criar qualquer vínculo de subordinação jurídica ou de qualquer outro tipo com os auditores de justiça, mas apenas um contrato de formação com objectivos bem delineados, um plano da formação e uma bolsa de apoio a essa formação. À semelhança da situação referida pela recorrida e que retro se referiu, ainda na esteira do que se alerta no Parecer do Ministério Público, existem outras situações similares ao acesso às magistraturas, noutras carreiras da administração pública, cujos candidatos se submetem a um concurso de admissão e estão sujeitos a estágios de formação e em que as prestações pecuniárias auferidas estão sujeitas a tributação em sede de IRS mas, como já se evidenciou, em matéria de interpretação de normas de incidência tributária tais considerações não podem ser valoradas, devendo os elementos integrantes das mesmas estar formulados de modo preciso e determinado, considerando o princípio da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade. Pontifica a tal respeito uma situação evocada nos autos com contornos semelhantes à presente e que se reporta à bolsa adicional paga aos médicos internos em regime de vaga preferencial, sendo pacífica a jurisprudência do STA a esse respeito no sentido de, contrariamente ao que ocorre na situação sub judice, naquela estamos perante uma prestação relacionada exclusivamente com acções de formação profissional dos trabalhadores, compensando-os pela obrigação de permanência naquele serviço após a conclusão do internato médico. Porém, essa bolsa de formação constitui rendimento do trabalho dependente, dado tratar-se de remuneração acessória da remuneração principal e, como tal, sujeita a tributação nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), n.º 2 e n.º 3, alínea b), do CIRS. Neste sentido, podem consultar-se, entre outros, os acórdãos do STA de 08.05.2019, proferido no processo n.º 02553/14.7BELRS, de 21-11-2019, proferido no processo n.º 016/15.2BEPDL, de 17.02.2021, no processo n.º 577/13.0BEAVR e de 13-07-2021, proferido no processo n.º 01044/15.3BESNT, livremente acessíveis em www.dgsi.pt/jsta, tendo ficado plasmada no sumário deste último a seguinte doutrina pacífica: “ I- A bolsa adicional paga aos médicos internos em regime de vaga preferencial, deve ser considerada como uma prestação relacionada exclusivamente com acções de formação profissional dos trabalhadores pois o seu escopo é o de estimular a fidelização do médico interno no serviço ou hospital onde se verificou uma carência de profissionais, compensando-os pela obrigação de permanência naquele serviço após a conclusão do internato médico. II- Como corolário dessa opção, a quantia atribuída mensalmente ao sujeito passivo a título de bolsa de formação, constitui rendimento do trabalho dependente, enquanto remuneração acessória da remuneração principal e, por isso, fora da incidência objectiva da norma de exclusão da tributação (art. 2º n.ºs 3 al. b) e 8 al. c) CIRS em vigor à data dos factos), sendo que, ao invés, estes rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte no momento do seu pagamento ou colocação à disposição nos termos do artigo 99°,1 do CIRS e do Decreto-Lei n° 42/91 de 1991-01-22.” Significa que, por se tratar de remuneração acessória da remuneração principal não tem similitude com a auferida pelos auditores de justiça que, é de realçar por ser determinante, constitui a única prestação por estes auferida. Tão relevante e decisivo como a argumentação acabada de expender, é o facto de não nos encontrarmos diante de uma verdadeira “remuneração por trabalho dependente”. Quer dizer, o fundamento da atribuição daquele quantitativo pecuniário não parece residir na prestação de uma actividade dependente e sujeita a subordinação jurídica – não é, com efeito, um montante “remuneratório” pelo trabalho desenvolvido –, mas antes se estriba na compensação pelos encargos incorridos e apoio aos auditores formandos, ao longo da sua formação. De resto, o artigo 31.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2008 já o deixava entender, quando esclarece que o valor da bolsa exclui os “suplementos devidos pelo exercício efectivo das respectivas funções” (sublinhado nosso), querendo com isto indiciar que não se verifica qualquer valor de natureza remuneratória de uma função. Particularmente decisivo a este respeito é o facto de, num cenário teórico, a hipotética violação da contraprestação que incumbe aos auditores formandos (o incumprimento dos deveres de formação pelo mesmo, entenda-se) não ser sancionada disciplinarmente, em resultado de um inadimplemento contratual – como resultaria inapelavelmente de qualquer relação de trabalho dependente ou outra equivalente; ao invés, tal incumprimento é, antes, objeto de uma potencial (mera) avaliação letiva do discente inferior (porventura, até negativa) no final do período de formação – assim cominando uma formação menos conseguida e não um qualquer incumprimento contratual laboral. A resposta a esta questão hipotética de um cenário patológico conduz à forçosa conclusão de que, se o auditor não fica sujeito aos deveres disciplinares por violação das obrigações de formação que lhe assistem, isso só pode dever-se à inexistência de quaisquer reais deveres emanados de uma relação de subordinação jurídico-laboral proprio sensu, como sucederia, naturalmente, nas relações laborais ou em relações no âmbito do funcionalismo público. Acresce, que o pagamento de tais prestações é do indiscutível interesse do pagador e não predominantemente (e, muitos menos, exclusivamente) em benefício do auditor, uma vez que o acréscimo de competências trazido a este com a conclusão com sucesso do curso de formação vai favorecer de sobremaneira a qualidade da realização da Justiça que ao pagador incumbe – na linha, aliás, da exclusão de tributação expressamente prevista, para as acções de formação profissional, no artigo 2.º-A, n.º 1, alínea c) do Código do IRC. Em termos conclusivos, diríamos, por isso, que a causa do valor recebido é, predominantemente, a concreta realização da formação jurídica e visando o ulterior exercício de funções enquanto titular de órgão de soberania, que apenas se lhe seguirá – e apenas em termos eventuais, uma vez concluída com sucesso a formação assim realizada; entendemos, em suma e nas palavras da lei, que tais quantias não são atribuídas “devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta” – cfr. artigo 2.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRS. Propendemos, pois, com a fundamentação acabada de gizar por arrimo à solução contida na doutrina e jurisprudência citadas, para julgar improcedente o presente recurso para uniformização de jurisprudência, com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão arbitral recorrida, uniformizando-se jurisprudência nos seguintes termos: a bolsa atribuída aos auditores de justiça, em formação no Centro de Estudos Judiciários, nos termos do artigo 31.º, n.º 5 da Lei n.º 2/2008, de 14.01, não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS, não estando sujeita a imposto, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS. * 3. – Decisão:Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão arbitral recorrida, fixando-se a jurisprudência nos termos supra referidos. Custas pela recorrente. * Lisboa, 24 de Maio de 2023. - José Gomes Correia (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (vencido nos termos da declaração anexa) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (com a declaração em anexo) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (com a declaração em anexo) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (“Voto apenas a decisão”) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro ("Voto a decisão nos termos da declaração subscrita pelo Ex.mo Sr. Cons. Aníbal Ferraz"). * Voto de vencido Entendo que as quantias recebidas pelos auditores de justiça, de que trata o acórdão que fez vencimento, devem ser enquadradas no âmbito do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, uma vez que não se nos afigura que o legislador, apesar de ter criado um regime “singular” que regula o estatuto do auditor de justiça, não pretendeu em momento algum excluir tais quantias de tributação nos termos gerais. Não se descortina nas diversas normas deste regime uma qualquer razão evidente para que assim não seja, tendo em conta que, apesar de tudo, o legislador estabeleceu um regime jurídico muito próximo do exercício de funções públicas e dos estatutos dos magistrados judiciais e do ministério público, ou seja, as quantias respeitantes à bolsa são pagas segundo o regime aplicável aos magistrados em efetividade de funções, para efeitos disciplinares o regime subsidiário é o do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, os deveres e incompatibilidades são semelhantes aos dos magistrados judiciais e do ministério público, as férias só podem ser gozadas dentro do período estabelecido para as férias judiciais, etc. Por outro lado, a concluir-se como no acórdão que fez vencimento, teremos dois tipos de auditores de justiça, aqueles que não pagam imposto sobre o rendimento e aqueles que terão que o pagar, os que se encontram em comissão de serviço, em virtude de terem optado pela remuneração da categoria ou cargo de origem, excluídos suplementos devidos pelo exercício efetivo das respetivas funções. Pelo exposto, teria concluído em sentido contrário. Aragão Seia * Voto a decisão, com a fundamentação que segue. Deriva do artigo 2.º do Código do IRS que são tributadas como rendimentos da categoria A as remunerações pagas ou postas à disposição do titular e provenientes de um conjunto de situações que o legislador considerou estarem relacionadas com a prestação de trabalho dependente, a saber: [a)] trabalho prestado por conta de outrem prestado ao abrigo de um contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado; [b)] trabalho prestado ao abrigo de contrato de aquisição de serviços ou outro de idêntica natureza; [c)] exercício de função, serviço ou cargo públicos; [d)] situações de pré-reforma, pré-aposentação ou reserva e materialmente similares. Na decisão do recurso hierárquico, a Administração Tributária entendeu que a situação do auditor de justiça não era equiparada ao do titular de um contrato individual de trabalho e reconheceu que o contrato de formação não gera nem titula uma relação jurídica e emprego público. Mas contrapôs que os rendimentos de trabalho dependente também podiam ter origem num contrato de prestação de serviço ou outro de idêntica natureza, desde que sob a autoridade e a direção da pessoa ou entidade que ocupa a posição do sujeito ativo da relação jurídica dele resultante. Ora, parece-me incontroverso que, para se estar perante um «contrato de aquisição de serviços ou outro legalmente equiparado» (na terminologia adotada na alínea b) do n.º 1 do referido artigo 2.º) é necessário, além do mais, que seja prestado um serviço. Neste ponto, a Administração Tributária observou que, as componentes formativas junto dos tribunais tinham «caráter profissional» e que os auditores realizavam atividades na magistratura, como a elaboração de peças processuais, a intervenção em atos preparatórios do processo, a coadjuvação do formador nas tarefas de direção e instrução do processo, a assistência na produção de prova. Sucede que as atividades formativas elencadas pela Administração Tributária e todas as demais que os auditores de justiça prestam no contexto daquele contrato de formação não integram em caso algum atos de magistrado nem são dirigidas os destinatários dos serviços de justiça. As peças processuais elaboradas não são destinadas aos processos e o que a Administração designa de «coadjuvação do formador» não constitui nenhum complemento ou auxílio na sua atividade. Na verdade, constitui um encargo adicional na atividade do formador como magistrado. Por outro lado, o facto de as atividades formativas terem um caráter profissionalizante e serem ministradas tendo em vista a transmissão das competências de magistrado, não permite caracterizar as tarefas do formando como «trabalho» ou «serviço» nem ajuda a identificar nenhuma vantagem – económica ou outra – para os serviços públicos onde sejam realizadas. Assim sendo, não encontro fundamento para concluir que se esteja perante trabalho prestado ao abrigo de contrato de aquisição de serviços ou outro de idêntica natureza. Pelo que a situação descrita nos autos não tem enquadramento naquela alínea b) nem em qualquer outra alínea do n.º 1 daquele artigo 2.º. Nuno Bastos * Voto a decisão, com suporte, apenas, em parte, da parcela da fundamentação que aponta para não nos encontrarmos diante de uma verdadeira “remuneração por trabalho dependente” (cf. pág. 41 segs. do acórdão). Concretamente, acompanho as premissas de que: - o fundamento de atribuição da bolsa parece residir na compensação pelos encargos incorridos e apoio aos auditores formandos, ao longo da sua formação; - a hipotética violação da contraprestação que incumbe aos auditores formandos - o incumprimento dos deveres de formação pelos mesmos, entenda-se - (poder) não ser sancionada disciplinarmente, em resultado de um inadimplemento contratual, mas, objeto de uma potencial (mera) avaliação letiva do discente inferior (porventura, até negativa) no final do período de formação; - o pagamento da bolsa ser do interesse do pagador e não predominantemente (e, muitos menos, exclusivamente) em benefício do auditor; - a causa do valor recebido ser, predominantemente, a concreta realização da formação jurídica. * [redigi em meio informático e revi] Lisboa, 24 de maio de 2023 Aníbal Ferraz |