Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01182/11.1BEPRT 0397/17
Data do Acordão:12/02/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:EXPORTAÇÃO
BENS
ISENÇÃO DE IVA
CERTIFICAÇÃO
AUTORIDADE ADUANEIRA
Sumário:I - É competência dos serviços aduaneiros, no momento da exportação, verificar se estão ou não preenchidos os requisitos do Decreto-Lei n.º 295/87 relativamente a bens, viajantes e facturas, antes de certificar a exportação dos bens transportados pelos viajantes mediante a aposição de carimbo.
II - A certificação da exportação é um acto autonomamente impugnável, uma vez que se trata de uma decisão administrativa relativa à verificação dos requisitos da isenção fiscal previstos no Decreto-Lei n.º 295/87.
III - O certificado de exportação emitido pela autoridade aduaneira e aposto na factura é um acto constitutivo do direito à isenção e só poderá ser anulado nos termos legais previstos para a anulação dos actos administrativos constitutivos de direitos.
Nº Convencional:JSTA000P26848
Nº do Documento:SA22020120201182/11
Data de Entrada:04/05/2017
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A…………, com os sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 14 de Junho de 2016, que julgou parcialmente procedente a impugnação, por si deduzida, contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios n.ºs 10315849. 10315850, 10315851, 10315852, 10315853, 10315854, 10315855, 10315856, 10315857, 10315858,10315859, 10315860, 10315861, 10315862, 10315863, 10315864, 10315865, 10315866,10315867, 10315868, 10315869, 10315870, 10315871, 10315872, 10315873, 10315874,10315875, 10315876, 10315877, 10315878, 10315879, 10315880, relativas a Janeiro, Fevereiro, Abril a Outubro de 2007 e Março a Setembro de 2008, no valor de 375.869,93€, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
A) A sentença, ao julgar improcedente a impugnação no que toca ao montante de IVA liquidado de 28.229,32 € (questão analisada sob a alínea B) da fundamentação, correspondente ao ponto 2.2 do relatório da inspecção tributária) está ferida de nulidade, por manifesta oposição dos fundamentos com a decisão (art.º 125, n.º 1, do CPPT).
B) Sendo, quanto a este ponto, correta a fundamentação da sentença, haveria, necessariamente, que concluir pela procedência da impugnação.
C) A sentença recorrida, ao julgar improcedente a impugnação no que toca ao montante de IVA liquidado de € 157.173,36 + € 131.057,61 (questão analisada sob a alínea E) da fundamentação, a que corresponde o ponto 2.5 do Relatório da Inspecção Tributária) está viciada por vários erros de direito.
D) Sendo elemento estrutural do sistema IVA o princípio da tributação no país do destino e estando em causa bens que, indiscutivelmente, foram tempestivamente exportados, nunca poderia haver tributação em IVA em Portugal.
E) Um eventual erro quanto ao procedimento administrativo a ser utilizado para documentar as exportações em causa nunca pode ser erigido em facto tributário, como, de resto, é entendimento pacífico desse Tribunal, ainda que em outros contextos.
F) O conceito indeterminado quantidade, constante do n.º 2 do art. 1º do DL n.º 295/87, deve ser preenchido tendo por referência o número de artigos transportados pelo passageiro em cada viagem e não, como foi feito pelo Tribunal a quo, por referência ao número de artigos adquiridos em Portugal durante determinado período.
G) Para o preenchimento de tal conceito quantidade apenas pode relevar a quantidade de bens idênticos transportados (in casu, relógios da mesma marca e modelo) e não apenas o género desses bens (relógios), pois só o primeiro critério é apto para indiciar se estarão em causa aquisições para fins privados ou para outros fins (comercialização).
H) Ao fundamentar a sua decisão na quantidade de relógios adquiridos, sem qualquer referência aos concretos relógios em causa, o Tribunal a quo errou na qualificação das exportações em causa.
I) A AT não incluiu na fundamentação da liquidação impugnada os factos necessários ao preenchimento do conceito indeterminado quantidade constante da norma legal que considerou aplicável.
J) É da competência dos serviços aduaneiros da AT, no local de embarque, controlar se os artigos transportados pelos passageiros reúnem ou não as condições previstas no DL n.º 295/87 para, por este meio, lhes ser reconhecida a isenção de IVA.
K) O não reconhecimento da “isenção”, pelos serviços aduaneiros ao abrigo do DL n.º 295/87 não impede o posterior reconhecimento, por outra via, de tal “isenção”, no pressuposto que, entretanto, os bens em causa não saiam do território nacional.
L) A confirmação de que tais condições previstas no DL n.º 295/87 para o reconhecimento do direito à “isenção” estão verificadas consubstancia-se na aposição do respectivo carimbo nas facturas apresentadas pelos passageiros.
M) Tal constitui um acto administrativo em matéria tributária expresso.
N) As saídas dos relógios em causa foi [sic] confirmada pelos serviços aduaneiros, nos termos e para os efeitos do DL 295/87.
O) A AT não pode, sem mais, em resultado de actividade inspectiva posterior, praticar um acto tributário (liquidação adicional) que, na prática, revoga o acto expresso de reconhecimento do direito à isenção antes por ela praticado.
P) A liquidação ora impugnada viola, por esta razão, e de forma frontal, os princípios constitucionais da segurança jurídica, própria de um Estado de Direito, e da confiança na actuação da administração fiscal.
Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, devendo, em consequência, a sentença recorrida ser substituída por decisão que reconheça a procedência da impugnação com exceção da parte da liquidação de IVA, no montante de € 9.917,88, a que se refere o ponto D) da sentença, o qual corresponde ao ponto 2.3 do Relatório de Inspeção (“saída posterior aos noventa dias previstos na lei”).

2. Não foram produzidas contra-alegações.

3. O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso deve improceder.

4. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Pela factura n.º 3223, de 15.10.2007, foi devolvido ao fornecedor ……….., S.A., um relógio, no valor de CHF 15.152,00. por deficiente funcionamento - facto constante de fls. 21 do “Relatório Final da Acção Inspectiva, elaborado pela DSAF Divisão Operacional do Norte, a fls. 92 do PA apenso.
B) As vendas a dinheiro n.ºs 10453, de 17.05.2007, e 10609, de 31.07.2007, e as facturas n.ºs 3171, de 04.09.2007, 3171, de 04.09.2007, e 3215, contêm carimbos de saída das mercadorias correspondentes do território da União Europeia pelo Aeroporto de Lisboa - cfr. docs. 33 a 37 juntos com a p.i. e ponto 2.2. do relatório de inspecção.
C) Em resposta a pedido de informação dirigido à Alfândega do Aeroporto de Lisboa, relativamente às facturas e vendas a dinheiro n.ºs 10609, de 31.07.2007, 3171 de 04.09.2007, 3215, de 04.10.2007, 10453, 17.05.2007, e 3170, de 04.09.2007, não foi confirmada a autenticidade e a veracidade dos carimbos apostos por não corresponderem aos que, às datas, se encontravam em uso - facto constante de fls. 8 e 22 do “Relatório Final da Acção Inspectiva elaborado pela DSAF - Divisão Operacional do Norte, a fls. 79 e 93 do PA apenso.
D) As mercadorias correspondentes às facturas n.ºs 3195 e 3197, de 28.09.2007, saíram da Comunidade em 11.01.2008 - facto constante de fls. 7 do “Relatório Final da Acção lnspectiva elaborado pela DSAF Divisão Operacional do Norte, a fls. 78 do PA apenso.
E) Nas vendas a dinheiro n.ºs 2686, 2764 e 3018, consta como adquirente ………….. com o n.º de passaporte ………. (Luanda- Angola) - cfr. docs. 39 a 41 juntos com a p.i.
F) Na factura n.º 3189, consta como adquirente ……….. com o n.º de passaporte ………. (China) – cfr. doc. 42 junto com a p.i.
G) No ano de 2007 a impugnante vendeu 122 relógios a B……………., 63 relógios a C…………. e 36 relógios a D……………., conforme quadro que se segue - facto constante de fls. 13 do relatório de inspecção e não impugnado.
H) No ano de 2008, a impugnante vendeu 224 relógios a B……….., 27 relógios a C…………… e 37 relógios a D……………., conforme quadro que se segue - facto constante de fls. 14 do relatório de inspecção e não impugnado.


I) Os clientes B…………, C………… e D………… têm ligações às empresas …………, SA, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, e ………………Inc, com sede no Panamá, ambas clientes da impugnante em 2007 e 2008 - facto constante de fls. 13 do relatório de inspecção e não impugnado.
J) Relativamente aos clientes B………….., C……………e D…………., os documentos provisórios utilizados para dar saída dos stocks eram emitidos já com os seus nomes e números de cliente - facto constante de fls. 14 do relatório de inspecção e não impugnado.
K) No ano de 2007, os clientes B………., C…………. e D………… entregaram valores para “crédito em conta”, destinados, no caso dos dois últimos, a pagar facturas de meses anteriores - facto constante de fls. 14 do relatório de inspecção e não impugnado.
L) No ano de 2007, o cliente B………… efectuou transferências frequentes de valores “redondos” (€ 10.000,00, € 20.000,00) para crédito em conta, incluindo uma transferência efectuada por outro indivíduo, por sua conta - facto constante de fls. 14 do relatório de inspecção e não impugnado.
M) Em Janeiro de 2008, foi registada na contabilidade da impugnante uma factura referente ao alojamento de B…………… no Hotel ………... do Porto, emitida em nome da impugnante pela mesma suportada - facto constante de fls. 14 do relatório de inspecção e não impugnado.
N) Em 15.10.2010 pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto foi emitido “Relatório de inspecção tributária” relativamente à impugnante com o seguinte teor - cfr. fls. 21 e ss. do PA apenso:
“(...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(…)
2) IVA
(…)
2.1) Falta da declaração de exportação
Na análise efectuada pela DGAIEC, foram detectadas algumas situações em que documentos, considerados isentos de IVA por a mercadoria se destinar a um país terceiro, não têm associado qualquer comprovativo de exportação.
Ora, não sendo processada a declaração aduaneira de exportação e comprovada a saída da mercadoria por uma alfândega da Comunidade, não é possível aplicar a isenção prevista no artigo 14º nº 1, alíneas a) ou b) do Código do IVA, pelo que terá que haver lugar à liquidação do IVA correspondente.
Essa situação ocorre nos documentos que se seguem, sendo também indicado o montante de imposto em falta:

2.2) Carimbo de saída não confirmado
Na acçâo levada a cabo pela DGAIEC, foi por esta entidade solicitada a confirmação de alguns dos carimbos apostos em documentos de venda aos quais seria aplicável a isenção do DL 295/87, atestando a saída do território da União Europeia. As situações detectadas referem-se a saídas pelo Aeroporto de Lisboa, tendo sido informado pela Alfândega desse aeroporto que os carimbos apostos não correspondem aos que se encontravam em uso nas datas correspondentes.
Dado que as condições para aplicação do referido decreto não se encontram efectivamente reunidas (não é confirmada a saída do território comunitário), cabe ao sujeito passivo a responsabilidade pela liquidação do IVA em falta. Deste modo temos os seguintes valores, detectados no ano de 2007:

2.3) Saída posterior aos 90 dias previstos na lei
Foram detectados dois documentos em que se verifica que a saída dos bens do território comunitário ocorreu após os 90 dias previsto no DL 295/97. Deste modo, deveria ter havido liquidação do correspondente imposto, sendo esta responsabilidade do sujeito passivo. Refira-se que, embora nas facturas não seja efectivamente mencionada a aplicação do DL 295/87, os procedimentos adoptados foram nesse sentido. De igual modo, tendo sido mencionada uma isenção ao abrigo do art.º 14º do Código do IVA, esta apenas seria aceite como tal na presença de uma declaração de exportação, devidamente validada e atestada a saída pela Alfândega, o que não ocorre. Assim, a liquidação do IVA nas facturas em causa é efectivamente devida, tendo por base os seguintes valores, detectados no ano de 2007:

2.4) Adquirente residente em território nacional
Do disposto no DL 295/87, apenas se encontram abrangidas pela Isenção as transmissões efectuadas a adquirentes residentes em países não pertencentes à União Europeia. Refere ainda o artigo 1º nº 3 do referido decreto-lei que se consideram como não tendo residência no território nacional as pessoas que não permaneçam, no ano civil, mais de 180 dias seguidos ou interpolados.
Na análise efectuada pela DGAIEC, verificaram a existência de dois clientes aos quais foi aplicado a isenção prevista no DL 295/87 e que se verifica serem residentes em território português, já que ambos possuem número de contribuinte português, sem indicação (à data dos factos) de serem não residentes, nomeadamente pela indicação de representante fiscal. A comprovação do estatuto de residente ou não deveria ter sido efectuada na consulta do passaporte.
Dado que as condições para aplicação do referido decreto não se encontram efectivamente reunidas (o adquirente é residente em território nacional), cabe ao sujeito passivo a responsabilidade pela liquidação do IVA em falta. Deste modo temos os seguintes valores, detectados no ano de 2007.

2.5) Transmissões não enquadráveis no conceito de “fins privados"
Foram detectadas transmissões muito frequentes para três clientes:
- B…………., cidadão italiano, com morada na Rússia e passaportes italiano e russo;
- C……………, cidadão suíço, detentor de passaporte desse pais;
- D…………., cidadão italiano, detentor de passaporte dos Estados Unidos da América.
De acordo com a informação da DGAIEC, estes senhores têm ligações às empresa ………….., SA, com morada nas ilhas Virgens Britânicas e ………….. Inc., com sede no Panamá. Ambas as empresas são clientes da A…….. (a …………em 2007 e 2008, a ………… a partir de 2008), sendo os bens, em virtude da sua natureza e valor, transportados pelos senhores acima referidos. Nas exportações destinadas à ………. e à ………, não foram detectadas irregularidades.
No entanto, são também feitas transmissões para estes senhores, em nome pessoal.
Na maioria dos casos, essas transmissões são consideradas isentas. Embora seja mencionado o artigo 14° n.º 1 do Código do IVA, não são feitas declarações de exportação, sendo aplicado o procedimento previsto no DL 295/87. Nos restantes casos, é igualmente aplicado o DL 295/87, através da utilização do sistema “tax free", com intervenção da empresa ………….., pelo que na venda é liquidado imposto.
Da análise exaustiva das vendas efectuadas a estes senhores, verifica-se que as aquisições por eles feitas não se podem enquadrar no conceito de aquisições para fins privados, conforme definido no artigo 1º nº 2 do DL 295/87:
Consideram-se feitas para fins privados as transmissões dos bens que se destinem a ofertas, a uso próprio ou familiar do adquirente e que, pela sua natureza ou quantidade, não devam presumir-se adquiridos para fins comerciais”.
Ora as aquisições efectuadas por estes senhores, não só atingem valores monetários muito elevados (factor de menor importância, face ao valor unitário elevado de alguns artigos comercializados pelo sujeito passivo), como revelam aquisições de quantidades de modo algum compatíveis com fins privados, conforme se vê pelos quadros seguintes:




Conforme se pode ver do quadro, as compras apresentam quantidades significativas, não compatíveis com a aquisição para fins privados prevista no DL 295/87.
O sujeito passivo tinha que ter noção destas quantidades, tanto mais que eram pessoas com as quais tinha alguma ligação que não a simples venda ao balcão, não só pelas quantidades e frequência das compras, como pelo facto de estarem ligados às empresas acima referidas.
Além do mais, estes clientes tinham ficha aberta no programa de gestão de stocks, conforme se deduz do facto de o documento provisório utilizado para dar saída dos stocks (já que os documentos de venda eram manuais) serem emitidos já com o seu nome e com um número de cliente, o que não se verifica na generalidade das transmissões ao abrigo do DL 295/87,
Qualquer um destes clientes apresenta, no ano de 2007, entrega de valores para ''crédito em conta". No caso de C……….. e D…………, esses valores destinaram-se a pagar facturas de meses anteriores. No caso de B………., verifica-se a existência de transferências frequentes, de valores “redondos" (€10.000,00, €20.000,00), para crédito em conta, incluindo uma transferência efectuada por outro indivíduo, por sua conta.
Em 2008, a relação comercial de B……… com a A……….. é ainda mais forte, verificando-se que perto do final do ano foram já adoptados os procedimentos correctos, sendo feita a exportação através de declaração aduaneira de exportação.
Verificou-se também que foi registada na contabilidade uma factura de Janeiro de 2008, referente ao alojamento do Sr. B……….. no Hotel ………. do Porto, tendo sido essa factura emitida em nome da A………. e por ela suportada.
Pelos factos expostos, as transmissões efectuadas nos anos de 2007 e 2008 para estes clientes não são passíveis de enquadramento na isenção do DL 295/87, pelo que estão sujeitas a liquidação de IVA.
Dado que as condições para aplicação do referido decreto não se encontram efectivamente reunidas (as aquisições não são consideradas como para fins privados), cabe ao sujeito passivo a responsabilidade pela liquidação do IVA em falta. Excluem-se as vendas efectuadas com intermediação das empresas de “tax free" já que nestes casos o sujeito passivo procedeu à liquidação do imposto.
Deste modo temos os seguintes valores totais, detectados nos anos de 2007 e 2008 (em virtude da extensão, os mapas discriminativos encontram-se nos anexos I e II, folhas 21 e 22 do presente relatório)



Total das correcções para efeitos de IVA:
De acordo com os pontos acima referidos, foram detectadas diversas situações em que as transmissões efectuadas não poderiam ser isentas. Deste modo, as referidas transmissões encontram-se sujeitas à liquidação do IVA, conforme previsto nos artigos 1º, 7º, 16° e 18° do Código do IVA. Lembramos que a taxa de IVA aplicável é a taxa normal, prevista no artigo 18° n.º 1 c) do Código do IVA, sendo a mesma de 21% no período de 01/01/2007 a 30/06/2008 e de 20% de 01/07/2008 a 31/12/2008.
Assim, teremos as seguintes correcções para os anos de 2007 e 2008, repartidas por períodos de IVA (conforme mapas discriminativos em anexos III e IV, folhas 23 e 24 do presente relatório):
O) Em nome da impugnante foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios n.ºs 10315849, 10315850, 10315851, 10315852, 10315853, 10315854, 10315855, 10315856, 10315857, 10315858, 10315859, 10315860, 10315861,10315862, 10315863, 10315864, 10315865, 10315866, 10315867,10315868, 10315869, 10315870, 10315871, 10315872, 10315873, 10315874, 10315875, 10315876, 10315877, 10315878, 10315879, 10315880, relativas a Janeiro, Fevereiro, Abril a Outubro de 2007, Março a Setembro de 2008, no montante global de € 375.869,93 - cfr. fls. docs. 1 a 32 juntos com a p.i
P) Em 11.04.2011, foi remetida a este Tribunal via correio registado a p.i. que deu origem aos presentes autos - cfr. fls. 66 do processo físico.


2. Questões a decidir
2.1. O Recorrente alegou nulidade da sentença relativamente ao decidido no ponto B da mesma – “Da falta de confirmação da saída das mercadorias do território nacional” –, por contradição entre a fundamentação e a decisão, o que veio a ser reconhecido e corrigido pela Mma. Sra. Juíza do Tribunal a quo no Despacho de sustentação de fls. 262 do SITAF, cujo teor se transcreve:
Despacho de sustentação
«Nas conclusões das alegações de recurso de fls. 158 e ss. do SITAF, a recorrente assaca à sentença a nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão na medida em que, no ponto B. da fundamentação de direito, julgou improcedente a impugnação no que toca ao montante de IVA liquidado sendo a fundamentação em sentido inverso.
Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a sentença é nula quando: “a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido."
Está em causa a nulidade prevista na alínea c) da citada norma.
Efectivamente, como bem nota a recorrente, verifica-se um lapso manifesto da sentença no que toca à liquidação de IVA correspondente às operações datadas de 15.05.2007 (…………), 31.07.2007 (………..), 04.09.2007 (…………….. e……………..), e 04.10.2007 (………..) pois que a fundamentação vai no sentido da ilegalidade da liquidação e a conclusão expressa é no sentido da improcedência da impugnação nessa parte.
Assim, reconhece-se a verificação de nulidade da sentença que, naturalmente, importa suprir.
Assim, no ponto B. da fundamentação de direito, a páginas 20 da p.i., onde se lê "Pelo exposto, improcede a impugnação também nesta parte.”, deverá ler-se "Pelo exposto, procede a impugnação também nesta parte, anulando-se a liquidação correspondente.”
Na parte final da fundamentação de direito, a páginas 26 da sentença, onde se lê "Vencidas, são ambas as partes responsáveis pelo pagamento das custas, na proporção do decaimento, que se fixa em 95,64% para a impugnante e 4,36% para a Fazenda Pública, considerando que as correcções em causa totalizam € 341.268,25 e que a impugnante obteve ganho de causa relativamente a correcções no montante de € 14.890,08, nos termos do artigo 446.° do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, e do Regulamento das Custas Processuais.”, deve ler-se "Vencidas, são ambas as partes responsáveis pelo pagamento das custas, na proporção do decaimento, que se fixa em 87,37% para a impugnante e 12,63% para a Fazenda Pública, considerando que as correcções em causa totalizam € 341.268,25 e que a impugnante obteve ganho de causa relativamente a correcções no montante de € 43.119,40, nos termos do artigo 446.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, e do Regulamento das Custas Processuais.”»
Em consonância, no dispositivo decisório da sentença, a páginas 26 da mesma, onde se lê "Pelo exposto, decide-se julgar a presente impugnação parcialmente procedente e, em consequência, anular as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios na parte relativa às correcções pela falta de declaração de exportação (ponto 2.1. do relatório de inspecção), pela falta de confirmação da saída das mercadorias do território comunitário (ponto 2.2. do relatório de inspecção) e pela aquisição por residente em território nacional (ponto 2.4 do relatório de inspecção).»

2.1. Assim, a questão que importa ainda decidir no presente recurso é apenas a de saber se existe o alegado erro de direito a respeito do decidido no ponto E da sentença – “Da aquisição para outros fins que não privados”.

3. Do direito
3.1. Estão aqui em apreço as operações de venda de relógios aos clientes B…………, C……… e D……… (pontos G e H da matéria de facto assente), nos anos de 2007 e 2008, que a AT, no ponto 2.5. do RIT, considerou que não preenchiam os pressuposto legais para se poderem enquadrar como “aquisições para fins privados” ao abrigo do regime jurídico previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 295/87, de 31 de Julho de 1987 (diploma que isenta do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) as transmissões de bens para fins privados feitas a adquirentes sem residência no território nacional que os transportem na sua bagagem pessoal com destino ao estrangeiro) A redacção actualizada deste diploma legal conta as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 290/92, de 28 de Dezembro; 202/1995, de 3 de Agosto; e 206/96, de 26 de Outubro.
O Decreto-Lei n.º 295/87 foi entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 19/2017, de 14 de Fevereiro, que, no que aqui importa, mantém como requisito da isenção do imposto a “aquisição para fins privados”. no qual se estipula o seguinte:
«[…]
Artigo 1.º
1 - São isentas de imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens para fins privados feitas a adquirentes sem residência no território nacional que, no prazo de 90 dias, os transportem na sua bagagem pessoal com destino ao estrangeiro.
2 - Consideram-se feitas para fins privados as transmissões dos bens que se destinem a ofertas, a uso próprio ou familiar do adquirente e que, pela sua natureza ou quantidade, não devam presumir-se adquiridos para fins comerciais.
[…]».

Este regime jurídico regulamenta o disposto no artigo 14.º, n.º 1, al. b) do CIVA, onde se estipula que:
«[…]
Artigo 14.º
Isenções nas exportações, operações assimiladas e transportes internacionais
1 - Estão isentas do imposto:
(…)
b) As transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade por um adquirente sem residência ou estabelecimento em território nacional ou por um terceiro por conta deste, ainda que, antes da sua expedição ou transporte, sofram no interior do País uma reparação, uma transformação, uma adaptação ou qualquer outro trabalho, efectuado por terceiros agindo por conta do adquirente, com excepção dos bens destinados ao equipamento ou abastecimento de barcos desportivos e de recreio, de aviões de turismo ou de qualquer outro meio de transporte de uso privado e dos bens transportados nas bagagens pessoais dos viajantes com domicílio ou residência habitual em outro Estado membro;
[…]».

3.2. O Decreto-Lei n.º 295/87, tal como se refere no respectivo preambulo, transpõe para o direito interno a Directiva n.º 69/169/CEE [relativa à harmonização das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às franquias dos impostos sobre consumos específicos cobrados na importação no tráfego internacional de viajantes], entretanto revogada pela Directiva 2006/112, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.

Com interesse para a questão em apreço, importa o disposto nos seguintes preceitos da referida Directiva 2006/112
«[…]
CAPÍTULO 6
Isenções na exportação
Artigo 146.º
1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:
(…)
b) As entregas de bens expedidos ou transportados pelo adquirente não estabelecido no respectivo território, ou por sua conta, para fora da Comunidade, com excepção dos bens transportados pelo próprio adquirente e destinados ao equipamento ou ao abastecimento de embarcações de recreio, aviões de turismo ou qualquer outro meio de transporte para uso privado;
(…)
Artigo 147.o
1. Quando a entrega prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 146.o incidir sobre bens transportados na bagagem pessoal de viajantes, a isenção só é aplicável quando estejam reunidas as seguintes condições:
a) O viajante não está estabelecido na Comunidade;
b) Os bens são transportados para fora da Comunidade antes do termo do terceiro mês seguinte ao da entrega;
c) O valor global da entrega, IVA incluído, excede o montante de EUR 175 ou o seu contravalor em moeda nacional, fixado uma vez por ano, através da aplicação da taxa de conversão do primeiro dia útil do mês de Outubro, com efeitos a 1 de Janeiro do ano seguinte.
Todavia, os Estados–Membros podem isentar de imposto as entregas de valor global inferior ao montante previsto na alínea c) do primeiro parágrafo.
2. Para efeitos do n.º 1, entende-se por «viajante não estabelecido na Comunidade» qualquer viajante cujo domicílio ou residência habitual não se situe no território da Comunidade. Neste caso, entende-se por «domicílio ou residência habitual» o lugar mencionado no passaporte, no bilhete de identidade ou em qualquer outro documento reconhecido como documento de identificação válido pelo Estado–Membro no território do qual é efectuada a entrega.
A prova da exportação é feita mediante apresentação da factura, ou de um documento comprovativo que a substitua, munida do visto da estância aduaneira de saída da Comunidade.
Cada Estado-Membro envia à Comissão um espécime dos cunhos dos carimbos utilizados na emissão do visto a que se refere o segundo parágrafo. A Comissão comunica essa informação às autoridades fiscais dos restantes Estados–Membros.
[…]».

3.3. Tal como já havia sido afirmado no RIT, a sentença recorrida confirmou a interpretação de que a isenção de IVA ao abrigo do disposto nos artigos 14.º/1b) do CIVA e 1.º do Decreto-Lei n.º 295/87 tinha como requisito a “aquisição para fins privados” e que, in casu, esse requisito não se verificava, atentos os seguintes elementos dados como assentes na matéria de facto: a quantidade elevada de relógios adquiridos; as ligações dos adquirentes a empresas clientes da impugnante; a existência de “créditos em conta” e o pagamento de alojamento a um dos adquirentes em causa, o que permitia concluir que se tratava de aquisições para fins comerciais e não para uso próprio ou familiar.

É contra esta interpretação normativa e subsunção da factualidade que a Recorrente se insurge no presente recurso, alegando, fundamentalmente, duas coisas: i) que o requisito da quantidade só pode ter relevância se forem idênticos os bens transportados, mas já não se a identidade for apenas quanto ao género (relógios), sem incluir marca e modelo; ii) que a verificação daqueles pressupostos cabe à autoridade aduaneira no momento da exportação (saída dos bens do território nacional) e é atestada mediante a aposição do carimbo nas facturas apresentadas pelos passageiros, o que sucedeu no caso.

3.4. Ora, quanto à interpretação do requisito da quantidade, e embora se reconheça a pertinência da objecção suscitada pelo Impugnante e aqui Recorrente, cumpre dizer que a inexistência de dados de facto sobre a marca e modelo dos relógios deveria ter sido alegada em sede de recurso na matéria de facto e não no âmbito do presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, que dela não pode conhecer. Porém, a questão só terá relevância se se considerar que o Recorrente não tem razão quando alega que a AT não podia, em sede de inspecção tributária, conhecer dos requisitos da isenção do IVA, pelo que importa analisar, em primeiro lugar, este segundo argumento.

3.5. No que respeita à questão da efectivação da isenção por meio da aposição do carimbo dos serviços aduaneiros do aeroporto e a constituição do direito à isenção nesse momento, considera o Recorrente que tal isenção não pode ser posteriormente “anulada” por um acto de liquidação adicional do imposto (praticado pela AT) com fundamento na ilegalidade do reembolso do IVA, mesmo que esse acto seja praticado de forma subsequente a um procedimento de inspecção tributária em que se considere que os requisitos da dita isenção afinal não se devem considerar preenchidos.

No essencial, alega neste ponto o Impugnante que as vendas por si realizadas foram “validadas como isentas de IVA” com a aposição do carimbo nas facturas dos clientes, tornando-se efectivas quando estes procederam à exportação dos bens, o que permitiu ao vendedor, depois de receber do comprador a cópia da factura carimbada, proceder ao reembolso do imposto àquele pela forma acordada. Contrariamente ao que resulta da sentença recorrida, este é um fundamento de ilegalidade da liquidação adicional autónomo em relação à verificação ou não dos requisitos da isenção e por isso a sentença recorrida errou ao considerar (ainda que o não tenha afirmado de modo expresso) que a AT poderia livremente fiscalizar e corrigir aqueles actos tributários no prazo geral da caducidade do direito à liquidação se entendesse que as aquisições se destinavam a outros fins que não privados.

É que, como se estipula no Manual do IVA – Vertente Aduaneira, o procedimento tributário respeitante à Isenção do IVA prevista no Decreto-Lei n.º 295/87 assenta nos seguintes momentos:

E no momento 3, como aí se afirma expressamente, “Caso o vendedor não tenha acordo com empresas, vulgarmente designadas por “empresas tax-free”, os viajantes devem devolver o original da factura ao vendedor - no prazo máximo de 150 dias após a venda - devidamente visada pelos serviços aduaneiros nacionais, a fim de o vendedor proceder ao reembolso do imposto pela forma acordada no momento da venda - cheque, transferência bancária, etc.

O vendedor devolve ao viajante o montante o imposto, após guardar a factura carimbada pelas autoridades aduaneiras que é a prova da saída da mercadoria do território fiscal comunitário e, por conseguinte, uma operação isenta”.

Como resulta expressamente deste procedimento [descrito de forma detalhada no ponto 6.4. do referido Manual do IVA – Vertente Aduaneira], cabe aos serviços aduaneiros, no momento da exportação, verificar se estão ou não preenchidos os requisitos do Decreto-Lei n.º 295/87 relativamente a bens, viajantes e facturas, antes de certificar a exportação dos bens transportados pelos viajantes mediante a aposição de carimbo.

Se a Autoridade Aduaneira entender que não estão verificados os requisitos da isenção não certifica a exportação e fundamenta sumariamente essa decisão na factura. Esse acto será objecto de impugnação autónoma, uma vez que se trata de uma decisão administrativa relativa à verificação dos requisitos da isenção fiscal.

3.6. Ora, no caso dos autos apenas foram “desconsideradas” as isenções respeitantes às vendas sem utilização do sistema “tax free”, ou seja, vendas em que o aqui Impugnante dispunha das facturas certificadas e havia procedido directamente ao reembolso do IVA aos clientes, por isso, o único ponto que importa decidir é o de saber se esse acto de certificação das exportações que ocorreram em 2007 e 2008, isto é, de reconhecimento da isenção de IVA, se constituiu na esfera jurídica do comprador, formando caso decidido, também quanto ao reembolso, ou se aquela isenção pode ser livremente revogada pela AT em sede de inspecção tributária. E a nossa opinião é a de que se formou caso decidido, tendo em conta que: i) se trata de um acto dotado de autonomia – certificação ou não certificação da exportação do bem – ii) e que a competência para a sua prática é da autoridade aduaneira e não da autoridade tributária.

Por estes motivos, tem razão a Impugnante e aqui Recorrente quando alega que existe erro de direito da sentença recorrida na interpretação e aplicação das regras previstas no Decreto-Lei n.º 295/87.

Com efeito, tem sido afirmado pela Jurisprudência do TJUE [v. acórdão BDV Hungary Trading kft., proc. C-563/12] que, “como resulta do artigo 131.° da Diretiva 2006/112, as isenções previstas nos capítulos 2 a 9 do título IX desta diretiva, de que o artigo 146.° faz parte, aplicamse nas condições fixadas pelos EstadosMembros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso”, mas “No exercício das competências que lhes são atribuídas pelo referido artigo 131.°, os Estados-Membros devem respeitar os princípios gerais do direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais se contam os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da proteção da confiança legítima (v., neste sentido, acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Netto Supermarkt, C-271/06, Colet., p. I-771, n.° 18, e acórdão R., já referido, n.° 45 e jurisprudência referida)”.

No acórdão Netto Supermarkt (Proc. C-271/06) o TJUE vai mais longe nas orientações que dá a respeito da interpretação e aplicação destas normas e afirma o seguinte: “Seria igualmente contrário ao princípio da segurança jurídica que um Estado-Membro, que previu os pressupostos para a aplicação da isenção a uma entrega de bens para exportação para fora da Comunidade, fixando designadamente uma lista de documentos a apresentar às autoridades competentes, e que aceitou inicialmente os documentos apresentados pelo fornecedor como provas justificativas do direito à isenção, pudesse depois obrigar este fornecedor a pagar o IVA relativo a essa entrega, quando se demonstre que, devido a uma fraude cometida pelo adquirente da qual o fornecedor não tinha nem podia ter conhecimento, os pressupostos da isenção não estavam efectivamente preenchidos (v., neste sentido, acórdão Teleos e o., já referido, n.° 50)”.

Ora, por maioria de razão, seria também contrário ao princípio da segurança jurídica que a AT pudesse obrigar o fornecedor a pagar o IVA, quando este dispõe dos documentos certificados pelas autoridades aduaneiras e legalmente exigidos para a isenção do IVA ao abrigo do Decreto-Lei n.º 295/87.

Aquele documento certificado, emitido pela autoridade aduaneira, é constitutivo do direito à isenção e só poderia ser anulado nos termos legais previstos para a anulação dos actos administrativos constitutivos de direitos, na redacção em vigor à data dos factos (artigos 136.º e 141.º do CPA). Ora, quando teve lugar a inspecção tributária, em 2010, há muito que já havia decorrido o prazo para a anulação daqueles actos.

Mesmo que se considere que a protecção da confiança legítima não seria mobilizável neste caso, atento o facto de o Impugnante, como agente económico avisado e conhecedor do regime jurídico aqui em discussão, ter a obrigação de saber que a venda de uma quantidade tão elevada de relógios não poderia ser qualificada como venda para fins privados, sendo essa uma das condições da isenção, a verdade é que perante um documento certificado, emitido pela autoridade legalmente competente para avaliar e julgar do preenchimento daquele requisito da isenção fiscal, não lhe poderia ser exigível outro comportamento, que não o de proceder ao reembolso do IVA nos termos da lei.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e anular as liquidações impugnadas.

Custas pela Recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário] em ambas as instâncias, com dispensa da taxa de justiça nesta instância por não ter contra-alegado e com dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, por se considerarem preenchidos os requisitos legais aí estabelecidos.

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Lisboa, 2 de Dezembro de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.