Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 03161/16.3BEPRT |
Data do Acordão: | 03/10/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | GUSTAVO LOPES COURINHA |
Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE DE SENTENÇA ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS |
Sumário: | I – Não ocorre falta de pronúncia quando, deduzida na Contestação uma exceção de falta de objecto da impugnação, o Tribunal não toma conhecimento expresso de tal questão por ter previamente aceite rectificação do teor da petição inicial onde tal objecto se encontrava, por lapso, erroneamente identificado. II – A isenção vertida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC não configura uma isenção subjectiva simples, porque faz depender o tratamento mais favorável aí consagrado de uma condição objectiva – o não exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas. Trata-se de uma isenção subjectiva mista. |
Nº Convencional: | JSTA000P27342 |
Nº do Documento: | SA22021031003161/16 |
Data de Entrada: | 07/16/2019 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | LIPOR - SERVIÇO INTERMUNICIPALIZADO DE GESTÃO DE RESIDUOS DO GRANDE PORTO |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações Inconformada vem a Fazenda Pública recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls. 278 a 287 do SITAF, a qual julgou a procedente a impugnação judicial deduzida pela “Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto”, melhor identificada nos autos, contra a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2015 e respetivos juros de mora, no valor de € 516.926,19. Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: A. Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO quanto à interpretação e aplicação do artigo 9º alínea a) e alínea b) do Código do IRC. B. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2015 no valor de € 516 926,19. C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera existir omissão de pronúncia e, em consequência, erro de julgamento em matéria de direito, considerando que o Tribunal a quo faz uma errada interpretação e subsunção da lei ao caso em apreço, pois contrariamente ao julgado procedente, entende a Fazenda Pública, que não goza a recorrida, das isenções previstas no artigo 9º alínea a) e/ou alínea b) do Código do IRC. D. Foram levados ao probatório os seguintes factos: - alínea G) Em 16-01-2017 foi proferido despacho de indeferimento da Reclamação graciosa referida em F) –cfr. fls. 44 do PA apenso.; - alínea H) Os presentes autos foram enviados por site em 27/12/2016 – cfr.fls.1 dos autos; - alínea I) Em 29-12-2016 a Impugnante apresentou uma Impugnação retificada da referida e, H) – fls. 114 dos autos; E. Da consulta ao SITAF, verifica-se que as petições iniciais a que é feita referência nas alíneas H) e I), do probatório, apresentam a mesma versão, sendo que, F. aquela que foi entregue em 27.12.2016, o foi através da plataforma SITAF, G. tendo sido recebida em 29.12.2016 “via de registo” correio. H. Consultados os elementos constantes do processo eletrónico (plataforma SITAF) resulta que a ora recorrida apresentou, em 23.01.2017, requerimento onde solicita a rectificação da petição inicial “(…) na qual, por lapso, referiu a impugnação do indeferimento expresso da reclamação graciosa que lhe precede, quando em rigor, se pretendia referir ao indeferimento tácito da mesma(…).” I. Requerimento de rectificação, que não integrava a notificação efectuada nos termos e para os efeitos dos artigos 110º e 111º do CPPT, remetida a esta Divisão de Representação da Fazenda por ofício datado de 20.02.2017. J. Razão que justifica, que em sede de contestação na sua defesa, a Fazenda Pública tenha invocado a excepção peremptória de falta de objecto (a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa é notificada em data posterior à data da apresentação da petição inicial da impugnação judicial). K. Excepção sobre a qual, o Tribunal a quo não se pronunciou, o que contraria o disposto nos arts. 123º e 124º do CPPT. L. A Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, ora impugnante, é uma pessoa colectiva de direito público, constituída como Associação de Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde, através de escritura pública outorgada em 12.11.1982, cfr. estatutos da LIPOR publicados no D.R. n.º 284 de 10.12.1982, III Série, fls. 17216 a 17221 e republicados no D.R. n.º 130 de 05.06.2001, III Série, fls. 12158 – (24) a 12158-(29), que constam de fls…. M. De acordo com o artigo 2º dos Estatutos da Impugnante republicados no D.R. n.º 130 de 05.06.2001, III Série “1. A associação tem por objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. 2. A associação pode ver ampliado aquele seu objecto imediato e vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com excepção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos directamente por eles. 3. Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se: a) Ao tratamento de resíduos sólidos; b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares; c) À exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto.(…) N. O thema decidendum, radica em saber se a ora recorrida se encontrava abrangida pelas isenções vertidas nas alíneas a) e/ou b) do artigo 9º à data da liquidação de IRC ora controvertida. O. A ora recorrida, sustenta, beneficiar da isenção prevista no artigo 9º, alínea a) do Código do IRC, para as autarquias locais, porquanto entende que lhe é aplicável: 1. O princípio da equiparação, em matéria de isenções, entre as comunidades intermunicipais de fins gerais e associações de municípios de fins específicos e as autarquias locais previsto no artigo 36º, da Lei 11/2003, de 13 de Maio, 2. Bem como o princípio da equiparação entre as associações de municípios de fins múltiplos, designadas por comunidades intermunicipais e as autarquias locais, previsto no artigo 30º da Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto, que revogou a Lei 11/2003, de 13 de Maio. P. A Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, estabeleceu o regime de criação e o quadro de atribuições e competências das comunidades intermunicipais de direito público e o funcionamento dos seus órgãos. Q. A lei identificada no ponto anterior foi revogada pela Lei 45/2008, de 27 de Agosto, que veio estabelecer o regime jurídico do associativismo municipal. R. Em 30.09.2013 (dia seguinte ao da realização das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais) nos termos do artigo 4º, da Lei n. 75/2013, de 12 de Setembro, entrou em vigor o presente diploma, que veio estabelecer o regime jurídico das autarquias locais, aprovar o estatuto das entidades intermunicipais, estabelecer o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprovar o regime jurídico do associativismo autárquico. S. Atenta a sucessão legislativa vinda de descrever e o facto de a declaração de rendimentos em crise nos presentes autos se reportar ao exercício de 2015, entregue pela recorrida em 20.05.2016 e não na data que consta da alínea E) do probatório 20.06.2016, T. O diploma aplicável nos presentes autos é a Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro. U. Ora, este diploma legal eliminou a equiparação entre as associações de municípios e as autarquias locais. V. Assim, atenta a eliminação da equiparação entre associações de municípios as autarquias locais, a recorrida não goza da isenção prevista na alínea a) do artigo 9º do Código do IRC. W. Não obstante considerou erradamente na opinião da Fazenda Pública o tribunal a quo que “(…) independentemente da situação retratada recair sobre a alínea a) ou b), a mesma encontra-se sempre abrangida pela isenção.” X. Concluindo-se que a recorrida não goza da isenção prevista na alínea a) do artigo 9º do Código do IRC, importa agora verificar se a recorrida se encontra abrangida pela alínea b) do artigo 9º, conforme resulta do inciso decisório. Y. A isenção de IRC das associações de municípios está condicionada ao carácter não comercial, industrial ou agrícola de quaisquer actividades por elas desenvolvidas, independentemente de serem desenvolvidas a título principal ou acessório. Z. O artigo 9º alínea b) do Código do IRC, refere o exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, sem distinguir se se trata de uma actividade exercida a título principal ou a título acessório. AA. É a própria recorrida que admite que e passamos a citar “(…) que a actividade empresarial da LIPOR se resume à recolha e tratamento de resíduos hospitalares(…)” BB. Sustentando que o desenvolvimento desta actividade empresarial, que qualifica como acessória, surge como meio de financiamento da actividade principal, e que CC. ““(…) os proveitos resultantes das actividades acessórias prosseguidas pela LIPOR destinam-se exclusivamente a ser utilizados no desenvolvimento da sua actividade principal, encontrando-se excluída do seu escopo qualquer finalidade lucrativa ou remuneratória, que perspective o retorno ou enriquecimento patrimonial dos seus associados(…)” DD. Decorre, implicitamente, da alínea b) do artigo 9º do CIRC, que basta o exercício de uma qualquer daquelas actividades, seja a título principal, seja a título acessório para que a associação de municípios não se mantenha abrangida pela isenção aqui prevista. EE. Para efeitos de enquadramento na isenção de IRC prevista no artigo 9º, do Código de IRC, releva o não exercício das actividades ali discriminadas e não o destino (distribuição de lucros/investimento na actividade principal) ao resultado obtido pelo exercício dessas actividades. FF. Atento o exposto entende a Fazenda Pública, que a recorrida não preenche os requisitos de incidência subjectiva para beneficiar da isenção automática prevista na alínea b) do artigo 9º do Código do IRC. GG. Assim, decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO quanto à interpretação e aplicação da lei ao caso em apreço, designadamente, o disposto no artigo 9º, alínea a) e b) do Código do IRC, bem como de omissão de pronúncia por falta de apreciação da invocada excepção peremptória de falta de objecto (a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa é notificada em data posterior à data da apresentação da petição inicial da impugnação judicial), o que contraria o disposto nos arts. 123º e 124º do CPPT. I.2 – Contra-alegações Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso com o seguinte quadro conclusivo: A. Inconformada com a decisão a Fazenda Pública interpôs o presente recurso, a cujas alegações se apresenta agora resposta. B. Entende a recorrida que a decisão de que vem interposto o presente recurso não merece censura, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento de direito, por a mesma se encontrar em conformidade com as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 123º do CPPT e pelos nº 2 e 3 do artigo 659º do CPC, ou, bem assim, qualquer nulidade das previstas no artigo 125º do CPPT e no artigo 668º do CPC.. C. Pelo contrário, a recorrente limitou-se a uma vez mais reiterar aquele que é o seu posicionamento originário – impugnado – face às questões jurídicas suscitadas. D. A Fazenda Pública limitou-se, enfim, a repetir nesta sede, os mesmos dogmas ou preconceitos que já tinha tornado públicos no relatório que fundamenta o ato tributário impugnado, basicamente assentes em falsos pressupostos, num incompreensível desconhecimento da matéria de facto e numa profunda ignorância do alcance das funções e do serviço públicos. E. A respeito da questão central dos presentes autos, a de saber se a LIPOR exerce ou não uma atividade comercial e industrial, o Tribunal a quo não hesita em responder negativamente. E fá-lo com a consciência de que, como consta dos estatutos da recorrida, publicados em Diário da República, o objeto imediato da LIPOR é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados e por outras entidades que a associação venha admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias pata o efeito. F. Assim sendo, a atividade exercida pela LIPOR tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos reveste natureza eminentemente dum serviço público — vulgarmente designado de recolha e tratamento de lixo urbano —, pois, a circunstância de tal atividade poder ser exercida por privados (o que não é o caso), não retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública). G. A tese prosseguida pela recorrente merece, com efeito, alguns esclarecimentos: pela atividade comercial ou industrial (ou, ainda, agrícola) que consubstancia o objeto de uma sociedade comercial entende-se, nos termos do n.º 4 do artigo 3.º do Código do IRC, uma atividade que consista na realização de operações económicas. H. Depois, de acordo com a Doutrina unânime, por atividade económica entende-se uma atividade que em regra gera lucros distribuíveis pelos sócios (cfr., por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II – Das Sociedades –, págs. 8 e seguintes). De resto, é o que se recolhe da lei: segundo o artigo 980º do Código Civil, o “[c]ontrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”. I. Sublinhe-se, neste momento, que, nem nas associações do regime geral (cfr. o artigo 157º do Código Civil), nem nas associações municipais, o lucro pode ser repartido pelos associados. J. Ora, a noção de “atividade prosseguida” tem de ser interpretada por remissão para os conceitos de fim associativo ou ainda, subsidiariamente, de objeto social, e atendendo, mais concretamente, ao entendimento que possamos fazer do que é que são fins ou objetos principais e acessórios. K. Neste ponto, a sentença recorrida é exímia: subjacente ao sentido da decisão do Tribunal está, pois, a caracterização de um determinado fim de uma associação ou objeto de uma sociedade dever-se-á fazer por apelo ao critério que melhor conjugue, por uma lado, a teleologia – isto é, o propósito, quanto a essa matéria, de quem constituiu a associação ou a sociedade – com, por outro lado, a formalidade – ou seja, a perceção que a comunidade jurídica pode ter de qual é esse objeto a partir dos documentos públicos que garantem a transparência e a segurança do tráfego jurídico. L. Assim sendo, melhor meio não há para averiguar qual o objeto de uma associação ou sociedade do que indagá-lo a nível estatutário. M. E esta tese é, de resto, bem apoiada na Doutrina societária, que vem definindo o objeto da sociedade como a atividade económica de não mera fruição que o sócio ou os sócios se propõem exercer através da sociedade ou propõem que a sociedade exerça (cfr., de novo por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Ob. Cit., págs. 8 e seguintes). Pelo que, então, o objeto principal dessa sociedade (ou o fim principal de uma associação) há-de sempre ser aquele que os sócios (ou os associados) fizeram, em primeira linha, constar expressamente do ato constituinte ou negócio jurídico por excelência expressivo da sua vontade – isto é, os estatutos. N. De acordo com o regime legal aplicável, as associações de municípios de fins específicos (como a LIPOR) são pessoas coletivas de direito público criadas para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que as integram, isto é, interesses exclusivamente de serviço público, não lucrativo ou empresarial. É o que acontece no caso concreto, como bem preconiza a sentença recorrida. O. É ao Estado e, mais especificamente, aos municípios – como todos reconhecem – que compete promover e garantir a realização dos serviços básicos de recolha e tratamento dos lixos: não é este um compromisso ou responsabilidade do Estado – dos municípios – nos resultados da atividade, mas um verdadeiro “dever que visa garantir sua existência”, o que, aplicado ao caso e à questão sub judice, transforma a atuação de uma associação com aquela natureza numa decorrência daquela responsabilidade de execução, não focalizada num interesse de cariz lucrativo, e já não numa responsabilidade de execução privada (embora de interesse público) de carácter empresarial. P. Uma associação deste tipo dedica-se, exclusiva ou principalmente, à realização, fora da lógica concorrencial, dos serviços de interesse público (não-lucrativos) típicos da atividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias), para o que necessita, muitas vezes, de recorrer ao exercício de outras atividades, a esta acessórias, como meio de financiamento da atividade principal – é o que acontece no caso concreto! Este é um ponto fundamental, que o Tribunal a quo apreendeu de um modo absolutamente irrepreensível. Q. Nestes termos, o Tribunal a quo compreendeu (bem) que uma qualquer atividade complementar da associação, a que estejam subjacentes prestações de serviços com escopo lucrativo e uma atuação no mercado, facilmente represente a fatia maioritária dos rendimentos da associação, por muito acessória que seja a intencionalidade dos associados na sua prossecução e residuais os meios a ela afetos. Mas o mesmo critério seria imprestável igualmente em concreto. R. Tendo em conta que a atividade acessória da LIPOR se resume à recolha e tratamento de resíduos, bem se percebe também, como já dissemos, que os respetivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a LIPOR aproveita todo um know-how e uma estrutura montada para a sua atividade principal de serviço público, assim logrando objetivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria. S. Ademais, como bem reconhece o Tribunal a quo, os proveitos resultantes daquela atividade acessória são sempre aplicados no desenvolvimento das condições em que é levada a cabo a atividade principal, muitas vezes até por imposições de Diretivas comunitárias e regulamentos do sector. Aqueles proveitos eventuais, não servem, assim, os fins que servem os lucros nas sociedades que prosseguem atividades comerciais, industriais e agrícolas, antes são integralmente alocados à prossecução dos interesses públicos que definem o seu objeto e a sua vocação. T. De resto, se fosse aquela – a atividade de recolha e tratamento de resíduos – a atividade pretendida, por definição e vocação, pela LIPOR, a forma jurídica que adotaria nunca seria, no seu próprio interesse, o de uma associação de municípios, mas aquela que lhe permitisse atuar como um agente económico livre – fixando livremente os preços dos serviços que presta e concorrendo a concursos públicos – e distribuir os lucros aos sócios. U. É, pois, partindo do princípio de que a LIPOR não exerce uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola que devemos interpretar a sua situação tributária. V. No fundo, temos que cabe à LIPOR a assunção direta de responsabilidades que relevam imediatamente da prossecução das atribuições dos municípios nela integrados (recolha e tratamento de resíduos) – é esta a destinação do essencial da sua atividade –, assumindo a Impugnante a condição de um operador dedicado, isto é, de uma entidade cuja atuação de serviço público e, nessa medida, desinteressada e altruísta, visa em derradeira instância alimentar ou satisfazer as necessidades daqueles municípios no sector específico da gestão de resíduos. W. Assim, de outra forma não se pode concluir senão que, caso se considere em vigor a alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC, a situação da LIPOR cabe, sem dúvida, no seu âmbito. X. É verdade que a letra da aludida alínea se refere às associações de municípios “que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas”, isto é, sem distinguir expressamente, na previsão literal da isenção, as que as exercem a título principal. Y. No entanto, este facto não coloca em causa a linha argumentativa que vimos traçando: o preceito em causa não poderá deixar de ser interpretado de acordo com a lógica sistemática do Código do IRC, no qual a referência àquelas atividades se reporta sempre ao seu exercício a título principal. Z. Sobre o conceito de exercício, a título principal ou meramente acessório, de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, deve atender-se ainda ao teor do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 29.11.2000, no âmbito do processo nº 025580, de acordo com o qual “I – Podem beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do nº 1 do art. 9º do CIRC, as pessoas coletivas de utilidade pública que tenham fins predominantemente científicos. II – Podem beneficiar desta isenção pessoas coletivas de utilidade pública que tenham por fins primaciais atividades científicas de qualquer natureza, incluindo de divulgação científica, não se restringindo a isenção `as que tenham atividades próprias de investigação científica”. Para concluir desta forma, esclarece aquele Tribunal, com interesse essencial para o presente caso, que “O que é relevante para que se conclua que as pessoas coletivas de utilidade pública visam predominantemente fins científicos, para efeitos da norma em apreço, é que as atividades de natureza comercial ou industrial a que respeita a isenção de IRC, sejam meramente acessórias dos fins científicos, designadamente que os proventos obtidos no seu exercício se destinem a ser utilizados na satisfação desses fins científicos” (o sublinhado é nosso). AA. Nestes termos, a AT só pode tributar a LIPOR com base no seu (alegado) lucro tributável se esta prosseguir uma atividade comercial a título principal (e não a qualquer outro título – acessório, marginal, residual, isolado), algo que, como vimos, não se verifica. BB. Seja como for e não concedendo, mesmo que, de novo, esta argumentação não obtivesse vencimento (no que não se concede), nunca seria viável, porém, que a posição “maximalista” da recorrente pudesse subsistir. Com efeito, se tal se verificasse, chegaríamos à conclusão de que uma associação de municípios, dedicada estatutária e maioritariamente à prestação de um serviço público (e, por isso, beneficiária de uma isenção de IRC), sairia do âmbito da isenção se, numa única situação concreta, no mais curto período temporal possível, afetando o mínimo de recursos e obtendo igualmente um mínimo de lucro, praticasse um único ato negocial de índole empresarial. I.3 – Parecer do Ministério Público O Ministério Público veio emitir parecer com o seguinte conteúdo: I. Objecto do recurso. 1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF do Porto que julgou procedente a ação de impugnação judicial intentada contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada da autoliquidação de IRC relativa ao ano de 2015, no valor de € 516.926,19 euros. A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por entender desde logo que a sentença padece do vício de nulidade, nos termos dos artigos 123º e 124º do CPPT, por omissão de pronúncia sobre a exceção invocada pela Fazenda Pública, na sua contestação, de falta de objeto da impugnação, por à data da sua apresentação ainda não ter sido proferido ato de indeferimento da reclamação graciosa. Considera igualmente a Recorrente que a sentença padece do vício de erro de julgamento, porque «o Tribunal a quo faz uma errada interpretação e subsunção da lei ao caso em apreço, pois contrariamente ao julgado procedente, entende a Fazenda Pública, que não goza a recorrida, das isenções previstas no artigo 9º alínea a) e alínea b) do Código do IRC». Entende a Recorrente que o regime jurídico da Lei nº 11/2003, de 13 de Maio, foi sucessivamente alterado pelas Leis nº 45/2008, de 27 de Agosto, e Lei nº 75/2013, de 19 de Setembro, sendo o regime jurídico desta última lei o aplicável, por estar em causa a liquidação de IRC de 2015. Mais entende a Recorrente que a Lei nº 75/2013 eliminou a equiparação entre as associações de municípios e as autarquias locais, pelo que não pode considerar-se que a impugnante goze da isenção prevista na alínea a) do artigo 9º do CIRC. E no que respeita à isenção prevista na alínea b) do mesmo preceito legal, entende a Recorrente que a «isenção de IRC das associações de municípios está condicionada ao caracter não comercial, industrial ou agrícola de quaisquer actividades por elas desenvolvidas, independentemente de serem desenvolvidas a título principal ou acessório». E como a própria impugnante reconhece, esta desenvolve a atividade empresarial de “recolha e tratamento de resíduos hospitalares”, pelo que «basta o exercício de uma qualquer daquelas actividades, seja a título principal, seja a título acessório para que a associação de municípios não se mantenha abrangida pela isenção aqui prevista». Concluindo, assim, que «a recorrida não preenche os requisitos de incidência subjectiva para beneficiar da isenção automática prevista na línea b) do artigo 9º do Código do IRC». E termina pedindo a revogação da sentença. 2. FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA. 2.1 Na sentença recorrida deu-se assente que a impugnante foi constituída em 12/11/1982 como associação de municípios, cujos estatutos publicados no DR de 10/12/1982, foram alterados em 26/03/2001, e dos quais resulta que a mesma tem por objeto «a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados e por outras entidades que a associação venha admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infraestruturas necessárias para o efeito». Mais se deixou assente que em 20/06/2016 a impugnante apresentou declaração periódica de rendimentos relativos ao ano de 2015, tendo em 15/07/2016 apresentado reclamação graciosa, a qual foi indeferida por despacho datado de 16/01/2017. Mais se deixou assente que a impugnação judicial foi apresentada em 29/12/2016. 2.2 Para se decidir pela procedência da ação considerou o tribunal "a quo" que a impugnante sendo uma "associação de municípios é uma entidade equiparada a autarquia local e como tal beneficia da isenção de IRC prevista na alínea a) do nº1 do artigo 9º do CIRC. E por outro lado, a atividade que a impugnante exerce - tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos - reveste natureza eminentemente dum serviço público, pelo que usufrui igualmente da isenção prevista na alínea b) do artigo 9º do CIRC.III. APRECIAÇAO DO RECURSO. A Recorrente FP suscita no essencial duas questões: (i) A primeira consiste em saber se a sentença padece do vício de nulidade, por omissão de pronúncia; (ii) A segunda se a sentença padece do vício de erro de julgamento na apreciação que fez sobre a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa, ao adotar o entendimento de que a autoliquidação é ilegal, por a impugnante gozar da isenção de IRC ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 9º do CIRC. 1. A Recorrente começa por invocar a nulidade da sentença, por não se ter pronunciado sobre a exceção invocada na contestação da falta de objeto da ação de impugnação judicial, por a apresentação desta ter sido extemporânea, uma vez que à data da sua apresentação ainda não tinha sido proferido o despacho de indeferimento da reclamação graciosa. No despacho que determinou a subida do recurso a este tribunal, a Mma. Juíza “a quo” limitou-se a afirmar que não se verificava qualquer nulidade. Não oferece dúvidas que a Recorrente Fazenda Pública invocou na contestação, a título de exceção, a falta de objeto da ação de impugnação, por à data da sua apresentação ainda não ter sido emitida qualquer pronúncia por parte da AT sobre a reclamação graciosa, exceção sobre a qual se pronunciou igualmente a Recorrida. Todavia, sobre essa questão não foi emitida qualquer pronúncia por parte do tribunal “a quo”, motivo pelo qual se estranha o teor do despacho da Mma. Juíza “a quo”, datado de 05/07/2019, a que se fez referência supra (dada a forma perentória dessa pronúncia). Ora, independentemente da manifesta falta de razão da FP nessa invocação, afigura-se-nos que se impunha a pronúncia do tribunal ”a quo” sobre essa questão suscitada por uma das partes, motivo pelo qual entendemos que deve ser reconhecida a nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC e 125º, nº 1, do CPPT, e ser determinada a baixa dos autos para efeitos de sanação dessa nulidade. 2. Para caso assim não se entenda e porque a questão de fundo tem sido colocada em diversos processos pendentes neste tribunal, vamos desde já emitir pronúncia sobre a mesma. Quanto à questão do vício de erro de julgamento na apreciação que a sentença fez sobre a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa, ao adotar o entendimento de que a autoliquidação é ilegal, por a impugnante gozar da isenção de IRC ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 9º do CIRC (Questão que se tem colocado noutros processos que correm termos neste tribunal, designadamente nos processos nºs 2694/08.0BEPRT, 21/10.5BEPRT, 419/12.4BEPRT, 264/14.2BEPRT e 4/16.1BEPRT.) Desde logo não podemos deixar de lamentar a escassez e imprecisão dos elementos de facto levados ao probatório e da ligeireza como o tribunal “a quo” apreciou a matéria de direito, designadamente por não ter identificado corretamente as questões decidendas e não ter explicitado devidamente o seu entendimento (sobre a natureza da atividade exercida pela impugnante) e não ter atentado que o quadro jurídico aplicável – está em causa IRC de 2015 - e inicialmente previsto na Lei nº 11/2003, já ter sido revogado, primeiro pela Lei nº 45/2008, de 27 de Agosto, e por último pela Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro. De acordo com a matéria assente na sentença recorrida a impugnante tem por objecto social "a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios seus associados e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento de infra-estruturas necessárias para o efeito". Ainda de acordo com os estatutos da recorrida, a mesma "desenvolve a sua actividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco, como serviço intermunicipalizado ou por qualquer outra forma legalmente possível". Para efeitos de apreciação da questão importa atender ao disposto nos artigos 2º, 3º e 9º do CIRC, na parte que nos interesse e na redação aplicável no ano de 2015 e que é a seguinte (sublinhados nossos): Artigo 2.º 1 - São sujeitos passivos do IRC:Sujeitos passivos a) As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português; Artigo 3.º 1 - O IRC incide sobre:Base do imposto a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola; CAPÍTULO II Estado, Regiões Autónomas, autarquias locais, suas associações de direito público e federações e instituições de segurança socialIsenções Artigo 9.º 1 - Estão isentos de IRC: a) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com exceção das entidades públicas com natureza empresarial; b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas; Decorre igualmente do nº 4 do artigo 3º do CIRC, que «Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços». Decorre das normas transcritas que as pessoas coletivas de direito público são sujeitos passivos de IRC, o qual incide sobre o lucro resultante do exercício, a título principal, de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, a qual consiste na realização de operações económicas de carater empresarial. No caso concreto dos autos, a "LIPOR - Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto" é uma pessoa coletiva de direito público e como tal caso exerça uma atividade que consista na realização de operações económicas de carater empresarial, a mesma está sujeita a IRC. O artigo 9º do CIRC prevê isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, benefício que é afastado no caso das entidades públicas com natureza empresarial (al. a)) ou das associações e federações de municípios que exerçam atividades de natureza comercial, industrial e agrícola. Assim e embora o CIRC preveja uma isenção subjetiva para o Estado e autarquias locais (que se compreende), assim como para as associações de municípios, essa isenção é arredada nos casos das empresas públicas (noção que abrange as empresas municipais), pela sua própria natureza (empresarial), e nos casos das associações municipais, em função da atividade que desenvolvam de forma predominante. A Lei nº 11/2003, de 13 de Maio, (Revogou a Lei nº 172/99, de 21 de Setembro.) que estabeleceu o regime de criação das comunidades intermunicipais, previa no nº 2 do seu artigo 1º a existência de dois tipos de comunidades: comunidades intermunicipais de fins gerais e associações de municípios de fins específicos. Mais se consagrava no artigo 2º da mesma lei que a associação de municípios de fins específicos é uma pessoa coletiva de direito público criada para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que a integram. Sendo que nos termos do artigo 5º da mesma lei, as associações eram criadas para a prossecução de determinados fins públicos no âmbito das atribuições concedidas às autarquias locais, designadamente na área do ambiente. E nos termos do artigo 6º, os recursos financeiros das associações assim criadas compreendem, entre outros, o produto da venda de bens e serviços (alínea g) do nº 3). Dispunha por último o artigo 36º da Lei nº 11/2003, que «As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais» A referida lei foi revogada pela Lei nº 45/2008, de 27 de Agosto, que na parte que agora interessa veio consagrar em preceito com a mesma numeração a mesma isenção fiscal, mas agora restrita às associações de municípios de fins múltiplos (CIM) (As CIM beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”.) - art. 2º, nº 1 e 2. Por sua vez esta lei foi revogada pela Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro, que deixou de consagrar qualquer isenção fiscal, tento apenas previsto transitoriamente, no artigo 3º, nº 2, a manutenção daquele regime até 31/12/2013: “2 - Os artigos 23.º a 30.º da Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto, e os artigos 23.º a 28.º da Lei n.º 46/2008, de 27 de agosto, alterada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, mantêm-se em vigor até 31 de dezembro de 2013”. A questão que se coloca desde logo é saber se, tendo a partir da Lei nº 45/2008, de 27 de Agosto, o regime jurídico das associações de municípios deixado de atribuir às associações de municípios de fins específicos o gozo da isenções conferidas às autarquias locais no artigo 9º do CIRC, o regime fiscal previsto neste último preceito legal é de alguma forma aplicável a esse tipo de associações. Como é bom de ver, essa isenção só pode ser apreciada à luz do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do CIRC, que se refere especificamente a esse tipo de entidades. Aqui chegados importa aferir se à luz do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 9º do CIRC, a “LIPOR” goza ou não da isenção ali prevista. Na abordagem que a sentença recorrida fez destas normas concluiu desde logo o tribunal "a quo" que "não se pode concluir que a impugnante exerce uma actividade comercial, industrial ou agrícola", embora não adiante qualquer argumento que sustente uma afirmação tão categórica. E na caraterização da atividade desenvolvida pela recorrida considerou-se que a mesma configurava "a prestação de um serviço público" e como não resultava provado que não afetasse todos os rendimentos obtidos à satisfação desse serviço público, não havia como não concluir pelo gozo do benefício da isenção à luz do disposto na alínea b) do transcrito preceito legal. Afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que a abordagem da questão foi efetuada de forma muito superficial. Desde logo porque não é apreciada a fundamentação aduzida pela Administração Tributária para se decidir pela prática do ato tributário, a qual foi suportada em parecer jurídico do CEF que o tribunal “a quo” simplesmente ignorou. E diga-se, trata-se de matérias delicadas e complexas que merecem uma aprofundada análise, sem a qual qualquer pronúncia carece da necessária e exigível fundamentação, que afeta a validade substancial dessa pronúncia. Assim sendo importa atender antes de mais à caraterização que se fez da atividade desenvolvida pela recorrida na sentença recorrida. Ora, nesta parte a sentença recorrida limitou-se a discriminar o que consta dos estatutos quanto ao objeto prosseguido pela impugnante e aqui recorrida. Ora, o que consta do artigo 2º dos Estatutos da CIPOR (Publicados no n.º 130 de 5 de Junho de 2001, DIÁRIO DA REPÚBLICA III SÉRIE 12 158-(25).) é que a associação tem por objeto: «A associação tem por objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. 2 A associação pode ver ampliado aquele seu objecto imediato a vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com excepção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos directamente por eles. 3 Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se: a) Ao tratamento de outros resíduos sólidos; b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares; c) À exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto.» Perante o âmbito de tal objecto e atento o supra exposto, importava apurar elementos sobre a real atividade desenvolvida pela “LIPOR” de modo a permitir aferir se a mesma desenvolvia ou não uma atividade de natureza comercial ou industrial a título principal. Para tanto importava levar ao probatório os elementos que a AT recolheu no âmbito da ação inspetiva e os elementos tidos por comprovados no âmbito da instrução dos autos. Ora, tal tarefa não foi realizada pelo tribunal “a quo”, o qual expressamente desvalorizou tal função. Ora, se no âmbito das suas atribuições a LIPOR é responsável pela “gestão do totalidade dos resíduos sólidos urbanos recolhidos nos municípios associados e outros, procedendo à sua triagem, tratamento e valorização, para além de desenvolver projetos de investigação e ações de sensibilização e educação ambiental”, impunha-se saber como são levadas a cabo tais atribuições, designadamente se explora diretamente estabelecimentos industriais, que serviços presta e qual o destino dos produtos, assim como saber qual o peso de cada um dos setores dessa atividade. Afigura-se-nos, assim, e salvo melhor opinião, que a sentença recorrida padece do vício de insuficiência da matéria de facto que obsta ao julgamento da questão de direito colocada ao tribunal, qual seja a de saber se a impugnante e aqui recorrida está ou não sujeita a tributação em sede de IRC no decurso do ano de 2013, o que implica saber se exerce ou não uma atividade de natureza comercial ou industrial a titulo principal (qual seja a de saber se a impugnante e aqui recorrida está ou não sujeita a tributação em sede de IRC no decurso do ano de 2013, o que implica saber se exerce ou não uma atividade de natureza comercial ou industrial a titulo principal). Entendemos, assim, que igualmente nesta parte se impõe a revogação da sentença recorrida, por insuficiência da matéria de facto que viabilize o conhecimento da questão de direito, e a remessa dos autos à 1ª instância, ao abrigo do disposto no artigo 682º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo tributário, a fim de ser ampliada a matéria de facto, tendo em consideração a interpretação que se fez supra do quadro legal aplicável. I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO II.1 – De facto A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 278 a 287 do SITAF: A) A Impugnante foi constituída através de escritura pública a 12 de Novembro de 1982 como associação de municípios, tendo sido publicado o seu estatuto no Diário da República a 10 de Dezembro de 1982, tendo aquele sido alterado a 26 de Março de 2001, considerando-se aqui reproduzido o seu estatuto – cfr. Doc nº 6 (DRE) junto aos autos que aqui se dá por reproduzido; B) A 10 de janeiro de 2008 a Impugnante foi notificada pela Direção de Finanças do Porto da informação nº 1399/2006 da Direção de Serviços de Imposto sobre o rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC), relativa ao seu enquadramento fiscal em sede de IRC – cfr.Doc nº 7 juntos aos autos que aqui se dá por reproduzido; C) No seguimento do referido em B), foram emitidas as liquidações nºs 20088310037407, 200800001929102, referentes, respetivamente, à liquidação de IRC e liquidação de juros compensatórios relativos ao exercício de 2004, as liquidações nºs 20088310037456 e 200800001929873, referentes, respetivamente, a liquidação adicional de IRC e liquidação de juros compensatórios relativas ao exercício de 2005 – cfr.Doc nº 8 a 11 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidos; D) A Impugnante apresentou impugnação judicial relativo à liquidação de IRC de 2004, a qual aguarda decisão em sede de recurso – cfr. Doc nº 12, que aqui se dá por integralmente reproduzido e consulta do SITAF; E) A 20-06-2016, a Impugnante apresentou declaração periódica de rendimentos relativa ao ano de 2015 – cfr. Doc nº 2 que aqui se dá por integralmente reproduzido; F) A Impugnante apresentou reclamação graciosa da declaração referida em E) a 15-07-2016 – cfr. fls. Doc nº 3 que aqui se dá por integralmente reproduzido fls. 3 do processo de reclamação graciosa apenso; G) Em 16-01-2017 foi proferido despacho de indeferimento da Reclamação graciosa referida em F) – cfr fls 44 do PA apenso. H) Os presentes autos foram enviados por site em 27/12/2016 – cfr. fls. 1 dos autos; I) Em 29-12-2016 a Impugnante apresentou uma Impugnação retificada da referida em H) – fls 114 dos autos; II.2 – De Direito I. São duas as questões que importa este Supremo Tribunal conhecer, no âmbito do presente Recurso: - saber se a sentença padece de nulidade por vício de omissão de pronúncia; e - saber se a sentença padece do vício de erro de julgamento na apreciação que fez sobre a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa, ao adotar o entendimento de que a autoliquidação é ilegal, por a impugnante gozar da isenção de IRC ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 9.º do Código do IRC. II. Começando pela primeira questão, a qual assume prioridade por força do disposto no Artigo 608.º do CPC – que dispõe: “a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância” –, ora aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, forçoso se torna concluir que o vício de Omissão de Pronúncia, conducente ao desvalor da nulidade da sentença, não se encontra efectivamente verificado in casu. Para o efeito, tenha-se presente a posição já sufragada por este Supremo Tribunal noutras ocasiões, designadamente no Acórdão proferido no Processo 01065/17, de 9 de maio de 2018, onde se esclarece que: “A nulidade da sentença por omissão de pronúncia a que se refere o artigo 125º, n.º 1 do CPPT, só ocorre quando haja uma omissão de pronúncia absoluta, isto é, quando o juiz não conheceu de determinada questão suscitada pelas partes silenciando totalmente a razão pelo qual não o fazia.” Com efeito, cotejando a sentença recorrida com a exceção deduzida pela Recorrente em sede de Contestação, logo se denota que nenhuma menção à mesma é feita em termos explícitos. Assim, é certo que, à arguição aduzida nos pontos 8 a 21 do articulado daquela Contestação, que suportava a exceção de falta de objecto da impugnação por falta de existência de um indeferimento expresso, a sentença nada respondeu. E nada respondeu, apesar de a ora Recorrida ter (e bem) expressamente rebatido a procedência de tal exceção, por requerimento avulso junto aos autos, datado de 19 de Junho de 2017. III. Porém, bem vistas as coisas, não precisava a Sentença de o fazer. Comecemos por recordar que a Omissão de Pronúncia invocada tem por objecto um erro manifesto na identificação do ato administrativo recorrido – indeferimento expresso, ao invés de tácito (como sucedia, à data). Todavia, ocorreu uma rectificação (tacitamente aceite pela Exma. Srª. Drª. Juíza, que não se opôs à mesma) para esclarecer que era de natureza tácita o ato de que se recorria. Ora, sendo a rectificação de qualquer declaração um direito que assiste sempre ao declarante – em particular, evidenciando-se um notório lapso, como foi o caso – o teor da mesma altera e substitui o teor da declaração inicial. E, recorde-se que o despacho de admissão liminar da petição inicial ocorreu ulteriormente à rectificação, pelo que se tem de considerar reportado à Petição inicial já rectificada. Ora, tendo tal rectificação ocorrido anteriormente à notificação da Fazenda Pública (ora Recorrente) para contestar o teor da Petição Inicial – no mesmo despacho acabado de mencionar – logo deixaria uma tal exceção perentória de poder ter qualquer sentido, por não ter objeto. Assim, e mesmo que, porventura, tivesse ocorrido algum lapso na notificação para efeitos da Contestação – sendo, eventualmente, a Petição Inicial remetida na sua versão não rectificada – a verdade é que foi a ora Recorrente ulteriormente notificada da resposta dada pela Recorrida à invocada exceção perentória por falta de objecto da Impugnação, onde aquela sublinhou e reiterou o teor da rectificação ocorrida. E, por conseguinte, nem problemas de exercício do direito ao contraditório podem ser invocados in casu. Assim sendo, logo se compreende que, tendo desaparecido o fundamento da exceção invocada em sede de Contestação por meio da mencionada rectificação atempadamente junta aos autos – e desta tendo conhecimento, mais cedo ou mais tarde, a Fazenda Pública – não se compreende que exigisse à Sentença que se pronunciasse sobre tal exceção que tem por objecto um teor já ultrapassado de uma Petição Inicial. IV. Entendemos que é, por isso, aqui aplicável a hipótese prevista no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, porquanto, pela fórmula vertida naquele preceito: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” (sublinhado nosso). Foi este, aliás, o argumento em que se estribou, igualmente, a Exma. Juíza do Tribunal a quo, no despacho em que manda subir os autos a este Supremo Tribunal – tendo-se reconhecido a rectificação e notificado a AT da mesma, a mencionada exceção perentória deixa de ter ipso facto objecto; pelo que deixa de carecer de pronúncia por parte da sentença. Aliás, já adiantamos que, a não ser assim, dificilmente a ora Recorrente não acabaria por ter de ser condenada por manifesta má-fé processual. V. Assim sendo, mais não resta do que concluir que não teve lugar uma verdadeira omissão de pronúncia. VI. Passemos, de seguida, ao conhecimento da segunda questão, que é a de saber se, perante a factualidade carreada para os autos, a impugnante goza ou não da isenção de IRC ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC, onde se pode ler: “1 - Estão isentos de IRC: a) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial; b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas.” A sentença recorrida pronunciou-se no sentido de reconhecer a aplicação ao caso da alínea b) acabada de referir, segundo a lógica de que “…prosseguindo a impugnante eminentemente um serviço público – o de recolha e tratamento de resíduos – e não existindo qualquer facto provado do qual se possa concluir que a Impugnante não afeta todos os rendimentos que obtém à satisfação desse serviço público, não restam dúvidas de que a Impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9º, al. b) do CIRC.”, mas tendo antecedido tal conclusão da ideia que: “independentemente da situação retratada recair sobre a alínea a) ou b), a mesma encontra-se sempre abrangida pela isenção.” VII. Ora, salvo o devido respeito, este raciocínio não se pode fazer com semelhante simplicidade. É que, por um lado, a alínea a) configura uma isenção subjectiva simples, que atende unicamente à qualidade do sujeito isento (v.g., autarquias locais), contrariamente à isenção vertida na alínea b), que faz depender o tratamento mais favorável de uma condição objectiva adicional, a saber, “associações de municípios… que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas”. Trata-se de uma norma mais complexa, uma isenção subjectiva mista, portanto. Acresce que a legislação em que se estriba a sentença recorrida – traduzida na Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, e na Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto, as quais remetiam para uma equiparação (quanto ao regime fiscal) entre as associações de município e as autarquias locais – se encontra, à data dos factos (ano de 2015), expressamente revogada pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro. Por conseguinte, logo por aqui se denotavam falhas argumentativas sérias no teor da sentença recorrida e que obrigavam à necessária reconsideração do teor da sentença. VIII. Mas de igual gravidade é a notória carência de densidade e detalhe na base instrutória da sentença, como bem sublinha o Ministério Público no seu Parecer. É que, como vimos, apenas a isenção contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC pode aqui ser equacionada – aliás, em bom rigor, só ela o era, mesmo nos termos da legislação anterior, uma vez que a equiparação que o artigo 36.º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio fazia entre associações de municípios e autarquias locais apenas tinha razão de ser nos casos de impostos em que não existisse qualquer referência expressa àquelas; o que não era, notoriamente, o caso do IRC, que distinguia umas e outras entidades. Assim, e como vimos, a isenção contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC não é uma isenção subjectiva simples, mas antes mista (com elemento objectivos, portanto): nem todas as associações de municípios se encontram isentas, mas tão só aquelas “que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas”. Ora, basta confrontar a natureza desta isenção com os exíguos elementos de facto levados ao probatório para, logo, nos apercebermos que existe uma absoluta insusceptibilidade de se poder concluir acerca dos exatos termos e extensão em que a Impugnante ora Recorrida exerceu actividades comerciais, industriais ou agrícolas. É que, se bem a interpretamos, como tomou a isenção referida como uma isenção exclusivamente subjectiva, a sentença recorrida apenas se preocupou em escrutinar os estatutos da associação de municípios impugnante, secundarizando quase por completo o condicionalismo objectivo da norma de isenção, traduzido na actividade real da mesma. E, como tal, a sentença impediu-se a si mesma de aplicar devidamente a norma, por não ter base instrutória para o efeito. IX. Ora, como vimos, a interpretação da norma em causa não pode ter lugar nestes termos, pelo que, acompanhando o douto Parecer do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, entendemos ser de anular a sentença recorrida, por insuficiência da matéria de facto que habilite ao conhecimento da questão de direito, impondo-se a remessa dos autos à 1ª instância, nos termos do artigo 682.º, n.º 3 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, a fim de ser ampliada a matéria de facto, tendo em consideração a interpretação que ora se faz da isenção fiscal contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC. III. CONCLUSÕES I – Não ocorre falta de pronúncia quando, deduzida na Contestação uma exceção de falta de objecto da impugnação, o Tribunal não toma conhecimento expresso de tal questão por ter previamente aceite rectificação do teor da petição inicial onde tal objecto se encontrava, por lapso, erroneamente identificado. II – A isenção vertida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC não configura uma isenção subjectiva simples, porque faz depender o tratamento mais favorável aí consagrado de uma condição objectiva – o não exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas. Trata-se de uma isenção subjectiva mista. IV. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso, ordenando a baixa dos autos para aprofundamento da matéria de facto, atenta a natureza de isenção subjectiva mista da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC. Custas pelas Recorrida. Lisboa, 10 de Março de 2021. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso. |