Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0100/20.0BALSB
Data do Acordão:05/26/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JURISPRUDENCIA RECENTEMENTE CONSOLIDADA
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário:I - O recurso para uniformização de jurisprudência, tendo por objecto decisão arbitral e sendo dirigido ao S.T.A., pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr.artº.25, nº.2, do R.J.A.T.).
II - Apesar de, no caso, se verificar entre ambas as decisões arbitrais em confronto, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, não deve o recurso ser admitido se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr.artº.152, nº.3, do C.P.T.A., "ex vi" do artº.25, nº.3, do R.J.A.T.).
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27764
Nº do Documento:SAP202105260100/20
Data de Entrada:09/25/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA deduziu recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº.904/2019-T, datado de 30/07/2020, o qual julgou totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela recorrida, A…………, tendo por objecto liquidação de I.R.S., relativa ao ano de 2018, na parcela correspondente ao acréscimo de tributação resultante da sujeição a imposto da totalidade da mais-valia imobiliária em causa.
A recorrente invoca oposição com a decisão arbitral proferida no processo nº.539/2018-T, em 22/04/2019, já transitada em julgado (cfr.certidão junta a fls.54 a 72 do processo físico).
X
Para sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto fundamento, a entidade recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.5 a 22 do processo físico), formulando as seguintes Conclusões:
A-O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão recorrida e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição;
B-Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos suscetível de recurso por oposição, é necessário que: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas;
C-No caso vertente encontram-se reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição entre a Decisão arbitral 904/2019-T e a Decisão arbitral n.º 539/2018-T Vejamos:
D-Entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, ou seja, em ambas as situações estamos perante casos de tributação de mais valias resultantes de venda de imóveis situados em Portugal por residentes em Estados-Membros da União Europeia, tendo sido aplicada a taxa de 28% ao rendimento coletável, conforme melhor se explicitou nas alegações para cuja leitura se remete;
E-Por outro lado, as decisões em confronto pronunciam-se sobre a mesma questão fundamental de direito, a não aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias em 50%, de acordo com a previsão do artigo 43º, nº. 2 do Código do IRS, a residentes fiscais noutro Estado-Membro da União Europeia;
F-Enquanto que na decisão fundamento se considera que a opção de escolha do melhor dos regimes de tributação que é facultada pelo legislador nacional ao não residente não implica uma violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação, julgando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral;
G-Na decisão recorrida entendeu-se que a previsão de um regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não afastando a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é́ extensiva aos residentes e que o regime de tributação à taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redação vigente em 2018, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado;
H-Em suma, entre a decisão recorrida e a decisão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida nos termos do entendimento propugnado pela AT em sede arbitral, bem como de acordo com a fundamentação invocada na Decisão Fundamento;
I-O regime de tributação dos ganhos resultantes das mais valias imobiliárias, que tenham como fonte imóveis situados em Portugal obtidas por pessoas singulares, residentes em Portugal e por pessoas singulares residentes na União Europeia, estabelece que no caso dos contribuintes residentes, os rendimentos provenientes de mais-valias imobiliárias, se bem que sejam considerados em 50%, são obrigatoriamente englobados, isto é, somados aos demais rendimentos, sendo este somatório, e não apenas aquele saldo, sujeito a taxas progressivas, que vão até 48%, às quais pode acrescer uma taxa que tem como valor máximo 5%, pelo que a taxa marginal de imposto aplicável àqueles rendimentos poderá ascender a 53%;
J-Importa desde já referir, a bem da verdade que a tributação das mais-valias imobiliárias, auferidas por residentes na União Europeia, foi já foi objeto de apreciação, no que respeita à conformidade e do direito fiscal português com as disposições do Direito da União, e particularmente, com a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º TFUE, no Acórdão Hollmann - Proc. C 433/06;
K-Todavia, o quadro legal vigente à data daquele Processo Hollmann não é o que atualmente vigora porquanto, na sequência da decisão, desse Tribunal, naquele Processo, datada de finais do ano de 2007, foram introduzidas, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2008, as alterações ao Código do IRS que constam, atualmente do artigo 72. n.ºs 12 e13;
L-Essas alterações legislativas vieram introduzir um regime que permite a um contribuinte residente no Estado-Membro não ser sujeito a um tratamento menos favorável do que aquele que seria aplicado a um residente em Portugal que se encontrasse em idênticas condições;
M-A conformidade do regime introduzido pela Lei 67-A/2007, de 31 de dezembro, no artigo 72.ºdo CIRS encontra a sua justificação na ratio legis do artigo 43.º n.º 2 do mesmo Código, uma vez que sendo o ganho de mais-valia tributável apenas no momento da sua obtenção, e sendo o IRS um imposto único e progressivo, o legislador português entendeu que seria excessivamente oneroso relativamente à tributação que incidiria sobre estes rendimentos caso fossem obtidos de forma faseada ao longo do período de detenção do imóvel;
N-Foi justamente esta circunstância que, desde sempre, determinou que o saldo positivo das mais-valias de bens imobiliários fosse englobado (somado aos demais rendimentos) em 50% do seu valor, para efeito de determinação da taxa progressiva, à qual todos os rendimentos, e não apenas aqueles saldo, seriam sujeitos para apurar o imposto devido sendo esta regra de determinação do rendimento coletável (o rendimento ao qual se aplicam as taxas progressivas) inserida no artigo 43.º n.º 2 do CIRS;
O-E, daí, a consideração do saldo em 50% só fazer sentido para os contribuintes que sejam tributados de acordo com as taxas progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, isto é no caso dos contribuintes residentes, que são os únicos obrigados a englobar aquele saldo (cf. artigo 22.º do CIRS), sem possibilidade de verem esse saldo tributado a uma taxa proporcional;
P-Ou, ainda, para os contribuintes residentes noutro Estado-Membro da União Europeia que escolherem ser tributados por aplicação de uma taxa proporcional ao saldo positivo das mais-valias relativamente aos quais, por natureza, não ocorre o efeito do aumento da taxa de imposto aplicável que o legislador nacional visou atenuar através do referido artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS;
Q-Daqui resulta que só os residentes na União Europeia que escolham ser tributados nos termos previstos e permitidos pelo regime introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, no artigo 72.º n.ºs 12 e 13, podem ser comparados com os residentes em Portugal, no que à tributação de 50% do saldo das mais valias imobiliárias respeita, e só em relação a estes se pode colocar a questão de discriminação (cf. Acórdão Hollmann já referenciado, n.ºs 44, 45 e jurisprudência aí referida);
R-Ora, não dispondo em geral, a administração fiscal portuguesa de elementos que lhe permitam conhecer a totalidade dos rendimentos obtidos por residentes na União Europeia, manteve-se o regime que existia no n.º 1 do artigo 72.º, o qual funciona assim como regime aplicável a não residentes na UE ou no EEE e como regime supletivo aplicável sempre que os residentes EU ou no EEE escolham ser tributados à taxa proporcional prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS;
S-Deve sublinhar-se que a forma de tribulação escolhida resulta de uma decisão livre do não residente que resida na UE ou EEE, e não de uma aplicação automática de um dos regimes pela administração fiscal portuguesa, decisão essa que pode sempre ser alterada, sem custos de forma graciosa;
T-O regime previsto no n.º1 e o regime previsto nos n.ºs 12 e 13 do artigo 72.º do CIRS constituem dois regimes alternativos, e mesmo na eventualidade deste último regime poder vir a ser considerado como opcional face ao previsto no n.º 1 do mesmo artigo, é evidente que o mesmo neutraliza de forma adequada a ilegalidade apontada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Hollman;
U-Os não residentes, que residam num Estado-Membro da UE ou do EEE e que obtenham em Portugal mais-valias imobiliárias, um regime de tributação similar ao aplicável aos residentes, que permite considerar o saldo das mais-valias imobiliárias em 50%, tributando-o a uma taxa progressiva, que será determinada com base no seu rendimento de base mundial, porquanto, como se viu já, a consideração do saldo das mais-valias imobiliárias em 50% deve ser conjugada com a aplicação de uma taxa progressiva que leve em consideração o rendimento global do contribuinte, atento o facto do IRS ser um imposto único e global;
V-A atual legislação portuguesa relativa à tributação das mais valias imobiliárias obtidas por residentes noutro Estado-Membro, no seu conjunto deve ser considerada como conforme com o Direito da União, porquanto as condições exigidas para que a tributação seja feita com base neste regime não são mais onerosas que as condições do regime de tributação alternativo pois os contribuintes residentes na União Europeia têm sempre que entregar uma declaração de rendimentos à administração fiscal, portuguesa, tal como sucede com os contribuintes residentes em Portugal;
W-Assim, o regime previsto nos atuais n.ºs 12 e 13 do artigo 72.º do CIRS, afigura-se suficiente e adequado para sanar a incompatibilidade com o Direito da União anteriormente apontada ao regime previsto no n.º 1 do mesmo artigo, eliminando os efeitos discriminatórios apontados a este regime em termos que respeitam os princípios do Direito da União e a jurisprudência do TJUE, devendo salientar-se, nomeadamente, que, contrário do que ocorria no processo Beker e Beker (Acórdão do TJUE de 28 de fevereiro de 2013, Proc. C-168/11, Manfred Beker e Christa Beker vs Finanzamt Heilbron,ELCI:EU:C:2013:117) a tributação com base nas regras inscritas no n.º 1, não é automaticamente aplicada, caso inexista uma vontade expressa assinalada no Quadro 8 B da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS;
X-Razões pelas quais se considera que a legislação nacional relativa à tributação das mais-valias imobiliárias obtidas por residentes noutro Estado-Membro, atualmente prevista nos números 1, 12 e 13 do artigo 72.ºdo CIRS, que confere a um residente na União Europeia a possibilidade de escolher entre dois sistemas alternativos entre si, não se mostra incompatível com o Direito da União, nomeadamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada nos artigos 63.º, 64.ºe 65.º TFUE;
Y-Na verdade, o regime consagrado do artigo 72.º conjugado com o artigo 43.º, n.º 2, todos do CIRS, garante que, sempre que um contribuinte residente noutro Estado-Membro coloca à disposição da autoridade tributária portuguesa as informações de que esta carece para determinar a taxa marginal de imposto que seria aplicável a esses rendimentos caso os mesmos fossem obtidos por um contribuinte residente em Portugal, a taxa aplicável aos rendimentos obtidos em Portugal é idêntica à que seria aplicável caso esses rendimentos fossem obtidos por um contribuinte residente que se encontrasse numa circunstância comparável assegurando assim que aquele seja tributado de forma não discriminatória;
Z-Acresce que os processos do CAAD n.ºs 598/2018-T e 569/2019-T sobre a mesma matéria encontram-se pendentes de análise e decisão no Tribunal de Justiça da União Europeia sob os n.ºs C-388/19 e C-103/20, respetivamente;
AA-Por tudo o exposto, resta concluir que a Decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por nova Decisão judicial que julgue improcedente o pedido arbitral.
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Foi proferido despacho pelo Exº. Conselheiro relator a admitir liminarmente o recurso, mais ordenando a notificação da recorrida para produzir contra-alegações (cfr.despacho exarado a fls.74 do processo físico).
X
A recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.77 a 79-verso do processo físico), nas quais encerra pugnando pela não admissão, ou improcedência, do presente recurso, embora sem estruturar qualquer quadro conclusivo.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual conclui que não estão reunidos os requisitos do recurso de uniformização de jurisprudência no caso concreto, motivo pelo qual não é admissível a pronúncia ao abrigo do disposto no artº.152, do C.P.T.A. (cfr.fls.85 e 86 do processo físico).
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Colhidos os vistos de todos os Exºs. Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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O aresto arbitral recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.31 e 32 do processo físico):
27-A Requerente reside no Reino Unido.
28-Em novembro de 2017 adquiriu um prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ……, sito no Concelho de Braga, pela quantia de € 53.620,00.
29-Prédio que alienou, em outubro de 2018, pelo preço de € 175.000,00.
30-No dia 22-05-2019 submeteu da declaração de IRS - Mod.3, referente ao ano de 2018, com o Anexo G, respeitante às mais valias imobiliárias obtidas pela requerente com a alienação de bem imóvel, onde declarou exclusivamente aquela operação de transmissão onerosa de património imobiliário.
31-De que resultou a liquidação n.º 2019 5005561887, no montante de € 30.370,20 (Doc. n.º 1).
32-A AT, na quantificação da mais valia tributária, considerou a mais valia por inteiro, resultando daí um rendimento coletável no valor de € 108.465,00 (Doc. n.º 1).
33-A AT aplicou a taxa de 28% sobre a totalidade do rendimento declarado, ou seja, das mais valias (Doc. n.º 1).
34-A Requerente pagou o montante de € 30.370,20 (Doc. n. 2).
35-Inconformada, e por não concordar com a determinação do rendimento coletável pela totalidade da mais valia calculada, em vez de 50% do seu valor, a requerente apresentou reclamação Graciosa do ato tributário de liquidação.
36-No dia 27-10-2019, o mandatário da Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (Doc. nº 3).
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O acórdão arbitral fundamento julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.117 a 119 do processo físico):
1-O Requerente era residente à data de 2017, em Madrid, Espanha, ou seja, era residente num Estado-Membro da União Europeia, como comprovou;
2-O Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais (Doc. 6);
3-Verifica-se pelo Rosto da Declaração Mod. 3 que no quadro 8 B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes);
4-E verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro);
5-Os referidos bens alienados e rendimentos declarados foram todos auferidos todos em território português e eram os seguintes:
3.1 - Fração autónoma designada pela letra C, a que corresponde o 1.º andar D.to, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ………, n.º ……, Letras ……, freguesia de Santa Isabel, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Campo de Ourique sob o artigo …… (Doc. 4), por escritura de 15/09/2017, pelo preço de €255,000,00 (Doc. 3);
A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €90.000,00, por escritura pública de 20/04/2015 (Doc. 2);
3.2 - Fração autónoma designada pela letra F, a que corresponde o 2.º andar Esq.º, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ………, n.º ……, em Alcântara, concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …… (Doc. 4), por escritura de venda de 21/03/2017, pelo preço de €155,000,00 (Doc. 5);
A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €55.000,00, por escritura pública de 10/11/2015 (Doc. 4);
3.3 - Participações sociais vendidas 06/10/2017, pelo montante de €21.290,10, que havia adquirido em 26/08/2014, pelo preço de €19.805,40;
3.4 - Rendimentos prediais de €4.300,00 respeitantes às rendas relativas às duas frações autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta;
6-A sua declaração foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem à liquidação n.º 2018.5005367017, com um montante de imposto a pagar de €46.551,36 (Doc. 7), posteriormente retificada por uma 2.ª liquidação com o n.º 2018.5005490173, com um valor de imposto a pagar de €47.034,56, originando um estorno do montante também a pagar, em relação à 1.ª liquidação, de €483,20 (Doc.8);
7-O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 em 24-08-2018 e também de €483,20 na mesma data, num total de €47.034,56 (Doc.s 9 e 10);
8-Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o n.º 2018.5005367017, conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e coletável de €167.980,58 e a coleta de €47.034,56 (à taxa de 28%);
9-O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 e também de €483,20, num total de €47.034,56, em 24-08-2018 (Doc.s 9 e 10).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do disposto no artº.25, nº.2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (na redacção introduzida pela Lei 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos)., o qual foi consagrado pelo dec.lei 10/2011, de 20/01 (RJAT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo nº.904/2019-T (datada de 30/07/2020), invocando contradição entre essa decisão, e o aresto arbitral proferido no processo nº.539/2018-T, em 22/04/2019, já transitado em julgado, oposição essa respeitante à questão que consiste em saber se a exclusão de tributação de 50% das mais-valias imobiliárias, na cédula de I.R.S. e consagrada no artº.43, nº.2, do C.I.R.S. (na redacção em vigor nos anos de 2017/2018), obtidas em território português por não residentes em Portugal mas residentes noutro Estado-Membro da União Europeia (Reino Unido e Espanha nos arestos em oposição), podia não lhes ser aplicável sem violação do direito europeu, designadamente, do disposto no artº.63, nº.1, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), normativo que consagra o Princípio da Liberdade de Circulação de Capitais, tanto entre Estados-Membros da UE, como entre estes e Países Terceiros.
Para tanto e em síntese, argumenta que a decisão arbitral recorrida sofre de erro de julgamento, porquanto decidiu, em contradição com o acórdão fundamento, que o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artº.43, nº.2, do C.I.R.S., é aplicável aos não residentes, sob pena de violação do disposto no artº.63, nº.1, do TFUE. Que se deve anular a decisão arbitral recorrida, mais pugnando pela sua substituição por nova decisão que julgue improcedente o pedido arbitral, tudo conforme definido no acórdão fundamento.
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Contemplemos, em primeiro lugar, os requisitos formais e substanciais de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
O regime de interposição do recurso de decisão arbitral para o S.T.A., ao abrigo do artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., difere do regime do recurso previsto no artº.152, do C.P.T.A., na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre do referido artº.152, nº.1 (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.484).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso "sub judice".
Não se colocando dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da entidade recorrente e tempestividade do recurso), haverá que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Nos termos do citado artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., normas que remetem, com as devidas adaptações, para o artº.152, do C.P.T.A., os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao S.T.A. e visando decisão arbitral, são os seguintes:
1-Que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;
2-Que essa decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;
3-Que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do S.T.A.
No que ao segundo requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, é mester adoptar os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição.
Estes critérios jurisprudenciais são os seguintes:
a) haver identidade da questão de direito sobre que incidiram as decisões em oposição, que tem pressuposta a identidade das respectivas circunstâncias de facto;
b) a oposição deve emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
c) não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos, se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
d) as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
e) em oposição ao acórdão recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/06/2014, rec.1447/13; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/02/2015, rec.964/14; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.1177 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.488 e seg.).
Vejamos se tais pressupostos se verificam no caso concreto.
Examinemos, portanto, o que decidiram os acórdãos em confronto, tendo sempre presente, como pano de fundo, a questão relativamente à qual foi invocada a contradição de julgados, que consiste em saber se a exclusão de tributação, na cédula de I.R.S., de 50% das mais-valias imobiliárias consagrada no artº.43, nº.2, do C.I.R.S. (na redacção em vigor nos anos de 2017 e 2018), obtidas em território português por não residentes em Portugal mas residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, podia não lhes ser aplicável sem violação do direito europeu, designadamente, do disposto no artº.63, nº.1, do TFUE.
Examinado o probatório fixado na decisão arbitral recorrida e na decisão arbitral fundamento, ambos supra exarados, verifica-se que as situações de facto subjacentes aos dois arestos são substancialmente idênticas. Ambos têm por objecto liquidação de I.R.S. relativas aos anos fiscais de 2017 e 2018 e derivadas da declaração de mais-valias imobiliárias, obtidas em território português por não residentes em Portugal, embora residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, e sendo os identificados actos tributários estruturados, em sede de mais-valias, com base na tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes, mediante prévia opção dos respectivos sujeitos passivos (cfr.nº.32 do probatório da decisão arbitral recorrida; nº.3 do probatório da decisão arbitral fundamento).
Mais, sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, os dois arestos divergem, contudo, quanto às soluções jurídicas propugnadas. A decisão arbitral recorrida, concluindo que o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artº.43, nº.2, do C.I.R.S., é aplicável aos não residentes, sob pena de violação do disposto no artº.63, nº.1, do TFUE, anula a liquidação impugnada e condena a A. Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios. Por sua vez, na decisão arbitral fundamento, concluindo-se em sentido contrário, que a não aplicação do regime previsto no citado artº.43, nº.2, do C.I.R.S., não implica qualquer violação do direito comunitário, mantem a liquidação impugnada e julga improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
Ora, não obstante a verificada contradição, o recurso não deve prosseguir para conhecimento do mérito, porquanto, a decisão recorrida se encontra em plena sintonia com orientação mais recentemente consolidada deste S.T.A. sobre a matéria.
Expliquemos porquê.
Conforme se alude supra, constitui pressuposto da admissão do recurso por oposição de acórdãos que a decisão impugnada não esteja em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Nos termos do artº.152, nº.3, do C.P.T.A., se o acórdão impugnado seguir o entendimento expresso pelo Pleno no âmbito de um julgamento ampliado de revista ou em anterior acórdão uniformizador, não tem, na verdade, justificação submeter a questão de novo à apreciação do Pleno. Face à literalidade do preceito, a possibilidade de não admissão do recurso também existe quando o acórdão impugnado se conforme com a jurisprudência pacífica e uniforme do STA, mesmo quando tirada pelas secções ou, pelo menos, com a jurisprudência firme que se tenha consolidado mais recentemente. Por outro lado, deve reputar-se como "jurisprudência consolidada" aquela que revele uma estabilidade de julgamento, seja porque provém do Pleno, segundo a formação prevista no artº.17, nº.2, do E.T.A.F., seja porque evidencie uma constância decisória através de uma sequência ininterrupta de decisões no mesmo sentido oriundas de uma das Secções deste Tribunal, obtidas por unanimidade ou maiorias significativas. Por outras palavras, o conceito legal de jurisprudência consolidada consubstancia-se numa estabilidade de julgamento demonstrativa de uma constância decisória, a qual pode transparecer, ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção, ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade e em todas as formações da mesma Secção (cfr.Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª. Edição, Almedina, 2017, pág.1175 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.402 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.491; ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 18/09/2008, rec.212/08; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 19/10/2016, rec.139/16; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/10/2017, rec.1022/16; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/03/2021, rec.82/20.9BALSB).
Revertendo ao caso dos autos, sem prejuízo dos diversos acórdãos produzidos pela Secção de Contencioso Tributário, deste Tribunal, e sobre a matéria em discussão nos presentes autos (I.R.S.; Mais-valias imobiliárias; Não residentes), no pretérito dia 9/12/2020, foram proferidos em Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo dois Acórdãos - nos processos nº.75/20.6BALSB e nº.64/20.0BALSB - pelos quais se consolidou o entendimento - já antes consagrado em Acórdãos da Secção - segundo o qual:
"o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.".

Depois do citado dia 9/12/2020, outros acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, deste Supremo Tribunal, sedimentaram esta corrente jurisprudencial (cfr.v.g. ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/01/2021, rec.71/20.3BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/01/2021, rec.108/20.6BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/02/2021, rec.115/20.9BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/02/2021, rec.92/20.6BALSB).
Por último, recorde-se que, muito recentemente, o próprio T.J.U.E., em acórdão de 18/03/2021, Processo C-388/19, sustentou jurisprudência em sentido concordante:

"O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.".

Estando a decisão recorrida em plena sintonia/harmonia com esta jurisprudência do S.T.A., a qual entretanto se consolidou, e tendo o recurso sido admitido, não há que conhecer do respectivo mérito, atento o disposto no artº.152, nº.3, do C.P.T.A., ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO MÉRITO DO RECURSO.
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Condena-se a recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
Comunique ao CAAD.
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Lisboa, 26 de Maio de 2021


Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator)

O Relator atesta, nos termos do artº.15-A, do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exº.mos Senhores Conselheiros Adjuntos: Isabel Cristina Mota Marques da Silva; Francisco António Pedrosa de Areal Rothes; Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia; José Gomes Correia; Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos; Aníbal Augusto Ruivo Ferraz; Paulo José Rodrigues Antunes; Gustavo André Simões Lopes Courinha; Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro; Pedro Nuno Pinto Vergueiro; Anabela Ferreira Alves e Russo.
Joaquim Manuel Charneca Condesso