Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:092/22.1BCLSB
Data do Acordão:11/10/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:ARBITRAGEM
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Sumário:I - O comentário técnico do jogo e das decisões de arbitragem nele praticadas, sempre que se limite a apontar erros técnicos, não consubstancia uma violação das normas regulamentares que protegem o direito à honra dos agentes desportivos.
II - O ilícito disciplinar previsto e punido pelo artigo 112.º do RDLPFP 2020 terá de consubstanciar-se numa afirmação de que os erros técnicos de arbitragem se fundaram numa intencionalidade dolosa dos agentes desportivos (sejam eles identificados de forma expressa ou por via indirecta através da indicação do jogo em causa) com o intuito de favorecer ou prejudicar alguma das equipas.
Nº Convencional:JSTA00071601
Nº do Documento:SA120221110092/22
Data de Entrada:10/13/2022
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:SPORT LISBOA E BENFICA – FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:REGULAMENTO DISCIPLINAR DA LPFP 2020 ART112
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – Sport Lisboa e Benfica - Futebol SAD (Benfica SAD), com os sinais dos autos, apresentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), contra a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), igualmente com os sinais dos autos, recurso do acórdão, proferido em plenário, do Conselho de Disciplina (Secção Profissional) da Federação Portuguesa de Futebol de 13.7.2021, no âmbito de um processo disciplinar.

2 – Por acórdão de 11 de Março de 2022 do TAD, o processo arbitral foi julgado procedente e, consequentemente, revogada a decisão condenatória.

3 – Inconformada, a FPF recorreu daquela decisão para o TCA Sul, que, por acórdão de 2 de Junho de 2022, negou provimento ao recurso.

4 – Novamente inconformada com a decisão, a FPF apresentou recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido por acórdão de 29 de Setembro de 2022.

5 - A Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«[…]

1. A Recorrida vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 2 de Junho de 2022, que manteve o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral de anular a multa aplicada pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar n.º 52 - 2020/2021, que correu termos na Secção Profissional daquele órgão, por aplicação do artigo 112.º, n.º 1, 3 e 4, do RD da LPFP (doravante RDLPFP).

2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes e respectivos dirigentes pelas declarações e/ou publicações consideradas ofensivas da honra e reputação de agentes desportivos e de órgãos da estrutura desportiva e que podem com isso afetar a própria competição, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social, uma vez que, infelizmente, tais declarações têm eco nos episódios de violência em recintos desportivos que têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno.

3. A Recorrida não pretende fazer deste recurso de revista e do STA uma terceira (ou quarta, se tivermos em consideração a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Requerida) instância de apreciação deste caso, o que, como se sabe, não é possível.

(…)

11. Em concreto, em causa nos presentes autos estão declarações produzidas e divulgadas pela Recorrida no seu sítio da internet oficial, cujo teor consubstancia comportamento desrespeitoso e lesivo da honra e consideração dos elementos das equipas de arbitragem visados, colocando em causa o núcleo essencial da função da arbitragem, materializado na isenção e imparcialidade que a deve caracterizar, afetando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva.

12. Entendeu o Tribunal a quo, na linha e recorrendo à fundamentação do Tribunal Arbitral, que as expressões utilizadas pela Recorrida não são disciplinarmente relevantes, porquanto: (i) A integralidade do teor do texto onde se encontra inserida a referida expressão não tem relevância disciplinar; (ii) Verifica-se a existência de factos que suportam a crítica; (iii) A expressão está sustentada e “sufragada em opiniões de especialistas similares à vertida no escrito em análise”; (iv) A expressão sustentada tem “um significado que não implica necessariamente uma ação dolosa”.

13. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar.

14. As declarações sub judice tiveram repercussão na comunicação social, designadamente em duas (de três) publicações desportivas nacionais;

15. A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.

16. Assim, quando analisado o artigo 112.º do RD da LPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.

17. Por outro lado, não se pode olvidar que a Recorrida tem deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.

18. A Recorrida tem, designadamente, o dever de “usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores de espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes), sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo” (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RD da LPFP); de “zelar por que dirigentes, técnicos, jogadores, pessoal de apoio, ou representantes dos clubes ajam de acordo com os preceitos das alíneas h) e i)” (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RD da LPFP), e bem assim, o dever de “incentivar o respeito pelos princípios éticos inerentes e implementar procedimentos e medidas destinados a prevenir e reprimir fenómenos de (…) intolerância nas competições” (RPVLPFP); e de manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes.” (artigo 51.º, n.º 1 do RC da LPFP);

19. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir pública e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.

20. Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc..

21. Com efeito, para que a Recorrida seja condenada pela prática do ilícito disciplinar previsto no artigo 112.º, n.º 1, 3 e 4, do RD da LPFP é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.

22. Ao contrário daquilo que parece entender o TCAS, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.

23. Em suma, o Acórdão recorrido erra também ao analisar a questão sub judice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, pelo que se impõe que o STA proceda a uma correta aplicação do direito ao caso.

24. Ademais, a questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto este tipo de casos são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.

25. A contrário do que entendeu o TCAS o conteúdo das declarações produzidas e difundidas pela Recorrida em órgão de comunicação social de sua propriedade, tem relevância disciplinar, porquanto quando a Recorrida afirma que “foi-nos sonegada uma grande penalidade evidente», «[a equipa] foi, novamente, prejudicada pela equipa de arbitragem» ou «torna-se óbvio que a verdade desportiva não tem sido defendida», - sublinhados nossos - está a levantar suspeição sobre a atuação dos referidos elementos de arbitragem, apenas se podendo considerar que tais declarações não configuram uma lesão da honra e reputação das equipas de arbitragem, se se abordar tal questão, como parece fazer o TCAS, tendo por referência as normas penais que sancionam condutas típicas dos crimes de injúria ou difamação.

26. Ao referir que existem outros erros e que a verdade desportiva é prejudicada, sem apresentar qualquer prova factual de tais afirmações – principalmente da primeira – as afirmações deixam de se mover dentro dos limites do exercício da liberdade de expressão.

27. Não se verifica a existência de base factual que suporta a crítica, apenas pelo facto de determinados “especialistas” em arbitragem afirmarem que se verificou determinado erro, não bastando tal factualidade para legitimar a crítica ofensiva a determinado agente(s) de arbitragem.

28. A expressão “sonegar” – pelos sinónimos maioritariamente depreciativos que o próprio TAD traz à liça -, e bem assim, no contexto em que foi usada, na perspetiva de um declaratário normal, não pode deixar de ser entendida no sentido de que o árbitro intencional e dolosamente não quis assinalar a grande penalidade, não se contendo no âmbito dos deveres regulamentares que impendem sobre a Recorrida, devendo tais declarações ser entendidas com o sentido de ter existido uma conduta voluntária dos agentes de arbitragem visados em não assinalar a grande penalidade.

29. O facto de o autor das declarações em crise afirmar que não foi sua intenção ofender a honra dos visados não deve ser suficiente, do ponto de vista da razoabilidade e da valoração da prova, para concluir pela irrelevância disciplinar de tais afirmações, como o fez o Colégio Arbitral, e o Tribunal a quo acompanhou.

30. Conforme já deixámos bem patente na parte inicial deste recurso, o valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito “ao bom nome e reputação”, cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.

31. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (artigo 112.º do RD da LPFP) é, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.

32. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.

33. A Recorrida sabia ser o conteúdo do texto publicado adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação dos árbitros a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.

34. Com efeito ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo e como supra se demonstra, as declarações da Recorrida não se limitam a remeter para erros das equipas de arbitragem, referindo e deixando a entender claramente que tais erros são premeditados, conscientes e com o intuito de prejudicar a Recorrida e consequentemente, beneficiar outros competidores;

35. Para além de imputar a tais equipas de arbitragem a prática de atos ilegais, as expressões sub judice encerram em si um juízo de valor sobre os próprios árbitros que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva.

36. Assim, não podemos deixar de considerar que se é legítimo o direito de crítica da Recorrida à atuação dos árbitros, já a imputação desonrosa não o é, e aquelas expressões usaram esse tipo de imputação sem que se revele a respetiva necessidade e proporcionalidade para o fim visado.

37. Não se nega que expressões como a usada pela Recorrida são corriqueiramente usadas no meio desporto em geral e do futebol em particular.

38. Porém, já não se pode concordar que por serem corriqueiramente usadas não são suscetíveis de afetar a honra e dignidade de quem quer que seja ou de afetar negativamente a competição, ademais quando nos referimos a uma suspeita de falta de isenção por parte de agentes de arbitragem, uma vez que tais afirmações têm intrinsecamente a acusação ou pelo menos a insinuação de que eventuais erros dos árbitros são intencionais. Deste modo, vão muito para além da crítica ao desempenho profissional do agente.

39. O facto de os visados serem figuras públicas, sob maior escrutínio não pode legitimar que tudo se diga, não os destituindo do direito à honra e consideração, sob pena de se negar a proteção da honra das figuras públicas, conforme sufragou já o Tribunal da Relação.

40. Não se tratará nesta sede do legítimo exercício do direito à liberdade de expressão, este deverá ser harmonizado com outro direito fundamental, o direito à honra e bom nome, devendo aquele primeiro direito – liberdade de expressão - conter-se, sempre nos limites de proporcionalidade, necessidade e adequação constitucionalmente impostos – artigo 18.º da CRP - de modo a salvaguardar o núcleo essencial do direito constitucional com que conflitua.

41. O ordenamento disciplinar desportivo – que resulta da expressão da autovinculação regulamentar, por parte dos próprios agentes desportivos, traduzida na adesão a um conjunto de deveres especiais que sobre si impendem e que comportam as necessárias restrições à sua liberdade de expressão em nome e na salvaguarda da ética e valores desportivos, bem como da credibilidade da competição - pelos princípios em que se estriba, ambiciona criar e conservar um espaço comunicacional de respeito nas relações desportivas, mesmo que isso implique, para os agentes desportivos, o dever de suportar constrangimentos à liberdade de expressão que, no campo do direito penal, isto é, enquanto cidadãos, não lhes seriam exigíveis.

42. Todo este entendimento, não é colocado em crise pelo disposto no artigo 10.º da CEDH, havendo que atentar no respetivo n.º 2, sendo que, ali se refere que certas pessoas ou grupos, pela natureza das suas funções e responsabilidades, poderão ver a sua liberdade de expressão limitada.

43. Ademais, não nos podemos olvidar que uma das funções essenciais do desporto é, precisamente, a função de arbitragem, sendo que, todos concordarão que, se não há desporto - e futebol – sem as leis de jogo -, também não haverá sem aquele agente desportivo que tem como função fazer cumprir as mesmas, em suma, não existirá futebol sem o vulgarmente designado “juiz da partida”, permanecendo no âmago dessa função de arbitragem, o valor da imparcialidade, da isenção entre os competidores, valores colocados em crise pelas declarações sub judice.

44. Não se tratará nesta sede do legítimo exercício do direito à liberdade de expressão, este deverá ser harmonizado com outro direito fundamental, o direito ao bom nome e à reputação, na esteira do que entende a melhor doutrina do Professor Gomes Canotilho e também do Professor Jorge Miranda, que alerta que deve ter-se em consideração o direito geral de personalidade, bem como a jurisprudência produzida nesta matéria, no sentido de que deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível, razão pela qual, afirmamos nós, se é legítimo o direito de crítica por parte do arguido, já a imputação desonrosa não o é, como se verificou nos presentes autos, entendimento aliás perfilhado pela jurisprudência do STA;

45. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão, muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta, razão pela qual deve ser admitida a presente Revista, porquanto as declarações e/ou publicações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência no futebol, sendo um assunto de grande relevância social e de grande importância na consciencialização dos diversos “actores” desportivos, sobre a sua acrescida responsabilidade junto das massas que notoriamente influenciam.

46. É aliás de salientar que as declarações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência no mundo do desporto em geral e no futebol em particular, sendo um assunto de grande relevância social e de grande importância na consciencialização dos diversos “atores” desportivos, sobre a sua acrescida responsabilidade junto das massas que notoriamente influenciam.

47. A tese sufragada pelo TCAS e pela Recorrida é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em quem pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés – o que é mais preocupante -, criando na comunidade um sentimento de descrédito nas competições e nas autoridades que gerem o futebol português.

48. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 112.º, n.º 1, 3 e 4, ambos do Regulamento Disciplinar da LPFP.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis,

Deverá o presente recurso de revista ser admitido, sendo determinando procedente o recurso apresentado, e, consequentemente, revogado o acórdão proferido pelo TCA Sul e a decisão arbitral, com as necessárias consequências, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.

[…]».


6 – A Recorrida Benfica SAD produziu contra-alegações em que pugnou pela não admissão da revista e pela sua improcedência em caso de admissão.


7 – O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.


Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃOSIM

1. De facto
O TCA Sul deu como assente a seguinte matéria de facto:
«[...]
1. A arguida, S...... – Futebol, SAD, proferiu declarações na sua newsletter oficial “News B...”, como é pública e notoriamente reconhecida, Edição n.º 507, reproduzidas no dia 22 de fevereiro de 2021, na sequência dos jogos oficialmente identificados sob o n.º 11904 e sob o n.º 12003, respetivamente disputados entre a M...– Futebol SAD e a S...SAD, no dia 14 de fevereiro de 2021, no Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas, a contar para a 19.º Jornada da Liga NOS, e entre a S... SAD e a S...SAD, no dia 21 de fevereiro de 2021, no Estádio de São Luís, a contar para a 20.º Jornada da Liga NOS.
2. A equipa de arbitragem do jogo entre a M...– Futebol SAD e a S...SAD, disputado no dia 14 de fevereiro de 2021, no Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas, a contar para a 19.º Jornada da Liga NOS era composta pelos seguintes elementos: M...(Árbitro); T… (Assistente 1); N… (Assistente 2); C… (4.º Árbitro); F…o (VAR) e R… (AVAR).
3. A equipa de arbitragem do jogo entre a S... SAD e a S...SAD, disputado no dia 21 de fevereiro de 2021, no Estádio de São Luís, a contar para a 20.º Jornada da Liga NOS era composta pelos seguintes elementos: H…l (Árbitro); B… (Assistente 1); R…. (Assistente 2); J …. (4.º Árbitro); V… (VAR) e P… (AVAR).
4. As declarações são as que se seguem:
«Oportunidades perdidas. É urgente serem conhecidas as comunicações e imagens mostradas nos jogos em que defrontámos M… e F…. Se o VAR veio para melhorar o futebol, então que se demonstre que tal acontece, começando pela transparência. Mais uma vez, foi-nos sonegada uma grande penalidade evidente, desta feita num lance faltoso sobre R…. A ser convertida, ter-nos-íamos adiantado no marcador e a história do jogo seria diferente. A equipa fez mais do que suficiente para vencer em Faro. Esteve organizada, foi pressionante e dispôs de oportunidades de golo em quantidade e qualidade que justificariam o triunfo. E foi, novamente, prejudicada pela equipa de arbitragem. Tudo isto contribuiu para a ansiedade e intranquilidade crescentes no seio da equipa, derivadas não só da classificação atual, mas também do desenrolar do jogo, em que ao desalento por não conseguir transformar em golos as boas ocasiões criadas, acresceu a frustração por se sentir prejudicada por sucessivos erros de arbitragem. O lance de falta evidente sobre R... na área do Farense foi precedido por diversas situações de golo iminentes aos 19, 25 e 27 minutos, só para referir as mais evidentes. E a toada do jogo manteve-se, com desperdício de oportunidades claras aos 38 e 45 minutos da primeira parte. No segundo tempo, P... chutou ao poste e outras jogadas houve que, com um pouco mais de clarividência e pontaria, poderiam ter resultado em golo. A falta de eficácia tem sido prejudicial à nossa equipa ao longo da época, tornando-se mais evidente nas últimas partidas, em que se notou, apesar dos resultados aquém do desejado, um incremento qualitativo a nível exibicional, o que não surpreende visto que se regressou a uma situação de normalidade após os muitos casos de Covid detetados no plantel.
Independentemente da avaliação que se possa fazer ao percurso da nossa equipa, não se compreende a sucessão de lances suscetíveis de marcação de grande penalidade a nosso favor decididos erradamente pelas equipas de arbitragem. Muito menos num tempo em que se dispõe de uma ferramenta, o vídeo árbitro, concebida como propósito da defesa da verdade desportiva. Infelizmente, do que nos tem sido dado a observar, torna-se óbvio que a verdade desportiva não tem sido defendida».
5. Estas declarações tiveram repercussão nos órgãos de comunicação social.
6. A arguida agiu de forma livre, consciente e voluntária.
7. A arguida tem antecedentes disciplinares.
8. No meio de comunicação referido no facto provado n.º 1, a Demandante formulou comentários críticos acerca das prestações da equipa da Demandante, isto é, visando diretamente a própria equipa.
9. O ex-árbitro internacional D…, a respeito de um lance ocorrido no jogo M… SAD vs. B... SAD, em que o jogador R…(M… SAD) acerta com o braço esquerdo no rosto do jogador V… (B... SAD) que poderia dar lugar à marcação de grande penalidade a favor da Demandante, referiu que se tratava de “penalti claro e óbvio que justificava a intervenção do VAR”.
10. O ex-árbitro ….., a respeito de outro lance ocorrido no jogo M... SAD vs. B... SAD, em que F… (M... SAD) toca em …. (B... SAD) na área de grande penalidade da M... SAD, que poderia dar lugar à marcação de grande penalidade a favor da Demandante, referiu que a decisão do árbitro [que assinalou grande penalidade] foi “aceitável”, mas “inaceitável foi depois a decisão do VAR” [que revogou a grande penalidade] e que “o amarelo por simulação foi má decisão”.
11. Os ex-árbitros J…, J…, F…, J… M… a consideraram, nos jornais “Record” e “O Jogo”, ter sido cometido erro pela equipa de arbitragem e pelo VAR ao não ter sido assinalada a grande penalidade referida na alínea d) sobre J….
12. Os ex-árbitros J…. e J…. consideraram, nos jornais “Record” e “O Jogo”, ter sido cometido erro na decisão do árbitro e na intervenção do VAR por considerarem ter existido motivo para marcação de grande penalidade referida na alínea e) sobre J….
13. Os ex-árbitros D…. e J…. opinaram respetivamente, nos jornais “A Bola” e “Record” que no jogo a que versam as declarações dos autos ficou por assinalar uma grande penalidade a favor da Demandante ao minuto 36.
14. A Demandada utilizou, no canal televisivo por si explorado, o verbo “sonegar”, através de um dos seus apresentadores em comentário a um juízo arbitral, por ocasião da não validação de um golo em jogo da seleção principal.
15. O Presidente do Conselho de Arbitragem da Demandada afirmou, em 21/12/2020, em declarações ao jornal “Público”, que “neste momento é muito difícil colocar em prática as comunicações em tempo real”, que “no futuro esta é a forma de dar maior transparência e credibilidade ao VAR”, que “precisamos de tempo, treino e aprendizagem.” No início, colocámos uns clips nos media para os adeptos perceberem que não havia ali quaisquer segredos, para as pessoas perceberem como trabalhámos com o VAR”, que haverá “muito trabalho para fazer nesta área”, que a divulgação das comunicações em tempo real levaria as pessoas a criticar “a forma como o árbitro e o VAR falaram e não a decisão” em si, que “no futuro podemos fazer mais do que agora”, e que “a nossa opinião, neste momento, é que precisamos de muitas horas de treino antes de podermos dar este passo.”
16. O Presidente do Conselho de Arbitragem da Demandada afirmou, nessa mesma data, que “as pessoas que estão no VAR sofrem pressão para tomar a decisão certa. Há situações de interpretação, o que para uns é claro em termos de erro, para outra pessoa não é. O stress e a pressão são os principais problemas que levam a decisões erradas no VAR. Temos que treinar muitas horas e educar a implementação do VAR. Não temos de mudar muito as leis do jogo. Algumas ligeiras mudanças”.

I) OS FACTOS NÃO PROVADOS
a) Que as declarações em causa tenham tido ampla repercussão nos órgãos de comunicação social (relevo nosso).
b) Que a Demandante soubesse que o seu comportamento, por ser desrespeitoso, lesava a honra e consideração dos elementos das equipas de arbitragem visados, afetando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva em que se encontra ordenamento jusdisciplinar desportivo, não se absteve, porém, a arguida de o concretizar.
[…]».

2. De Direito

2.1. Nos autos discute-se, essencialmente, a legalidade da decisão do Conselho de Disciplina da FPF de 13.07.2021, que aplicou uma multa à Benfica SAD no valor de €20.400 por infracção do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP 2020) em razão das declarações proferidas na newsletter daquela entidade com repercussão na comunicação social.

2.2. O TAD, em decisão de 11.03.2022, considerou que os factos apurados, em especial, as declarações em apreço (v. ponto 4 da matéria de facto assente), na parte em que envolviam a utilização do verbo “sonegar”, estavam apoiadas em factos concretos, eram sufragadas por especialistas, existia um “precedente jurisdicional” do STJ que considerava que a expressão não tinha inelutavelmente associada uma dimensão subjectiva de intencionalidade, e, ainda, que aquela expressão tinha, semanticamente, um significado que não implicava um comportamento doloso. Com base nestes pressupostos, o TAD considerou que não estavam preenchidos os requisitos do ilícito disciplinar previsto e punido pelo artigo 112.º, n.º 1 do RDLPFP 2020.

2.3. Na sequência do recurso interposto pela FPF, o TCA Sul, no acórdão de 02.06.2022, negou provimento ao recurso, essencialmente por considerar que as declarações em causa deveriam se qualificadas apenas como discordâncias com as decisões tomadas pela equipa de arbitragem que, objectivamente, prejudicavam a equipa, mantendo-se no domínio da enunciação de erros técnicos, não podendo, assim, aquelas declarações ser reconduzidas ao ilícito disciplinar do artigo 112.º do RDLPFP 2020.

A questão recursiva reconduz-se, exclusivamente, à verificação da correcta ou incorrecta qualificação daquelas declarações como enunciação de erros técnicos, e, consequentemente, a respectiva subsunção ou não ao ilícito disciplinar previsto e punido no dito artigo 112.º do RDLPFP 2020.

2.3. Ora, este Supremo Tribunal Administrativo teve já oportunidade de se pronunciar anteriormente sobre a conformidade jurídica ou não de declarações com um teor equiparável às que estão aqui em apreço.

Assim:

- no acórdão de 26.02.2019, exarado no processo n.º 066/18.7BCLSB, concluiu-se que as declarações em apreciação — “«Golo limpo anulado ao B………. que nem o vídeo árbitro viu. Esta é a jornada da vergonha»” e “«Não se via uma jornada com uma arbitragem assim desde o Apito Dourado: falta nítida de ……….. antes do penalty a favor do C………, dois penalties limpos contra o D………. não assinalados e golo limpo mal anulado à B………... É um escândalo, esta é a jornada da vergonha» — atingiam não apenas os árbitros envolvidos, mas que assumiam, também “potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, é o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa (nº 1 do art. 112º, 17º e 19º do RDLPFP)”.

- no acórdão de 04.06.2020, exarado no processo n.º 0154/19.2BCLSB, concluiu-se que: “I – Preenche o tipo de infração disciplinar previsto e punido nos artigos 19.º e 112.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP) a publicação de um artigo, na imprensa privada de um clube de futebol, onde se afirma que os árbitros atuaram com a intenção deliberada de errar e de favorecer a equipa adversária, imputando-lhes um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso. II – Aquelas normas não restringem desproporcionalmente a liberdade de expressão e de informação garantidas pelo artigo 37.º da CRP, que neste caso cedem para assegurar a salvaguarda de outros direitos e valores constitucionais, nomeadamente os direitos de personalidade inerentes à honra e à reputação dos árbitros (artigo 26º/1 da CRP), e a prevenção da violência no desporto (artigo 79.º/2 da CRP)”; estavam em causa declarações com o seguinte teor: “Por uma Liga com verdade desportiva O balanço da primeira volta da Liga 2018/19 fica marcado por um conjunto de erros de arbitragem de uma dimensão que há muitos anos não se via. Muitos deles inexplicáveis e incompreensíveis. O que habitualmente se verifica é que, entre eventuais benefícios e perdas, acaba por haver um equilíbrio no final das contas, entre equipas que lutam pelos mesmos objetivos. Na atual temporada isso não acontece. Pelo contrário: desta vez existe um clube que tem beneficiado sistematicamente de erros a seu favor. Situação reconhecida pela esmagadora maioria dos analistas e que coloca em causa a verdade desportiva desta competição. Outra evidência é que, no confronto direto entre os principais candidatos ao título, não se tem afirmado a superioridade de quem surge destacado na liderança. Bem pelo contrário. Trata-se, pois, de uma liderança muito alicerçada em erros sucessivos em momentos decisivos de jogos, a que não será alheio todo o clima de pressão, ameaças e coação dirigidos a diferentes agentes desportivos. Neste quadro, mais se torna urgente que, de forma transparente, se faça um balanço e se tornem públicos os 9 erros que recentemente foram assumidos. Ao nível do VAR, assistiram-se inclusive às mais incríveis decisões, onde mesmo com a ajuda de diversos ângulos e imagens, houve quem não visse o que toda a gente viu. Esperamos que, na segunda volta, esta dualidade de critérios e proteção absurda a um clube termine para que todos estejam em igualdade de circunstâncias e assim, com verdade desportiva, possam lutar pelos seus objetivos. O Sport Lisboa e Benfica também assume os seus erros quando eles existem. E não nos custa reconhecer o mérito dos adversários. Demonstrámos isso mesmo já esta época, nos jogos que não conseguimos vencer”.

- no acórdão de 02.07.2020, exarado no processo n.º 0139/19.9BCLSB, concluiu-se que: “I – Preenche a infracção disciplinar prevista e punida pelos artºs. 19.º e 112.º do RDLPFP a publicação de um artigo na “newsletter” de um clube desportivo onde se imputa ao VAR uma actuação deliberada de erro com o objectivo de favorecer um clube em detrimento de outro, colocando em causa a sua idoneidade para o exercício das funções que desempenha. II – Os citados preceitos do RDLPFP não podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervêm nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.”. Em causa estava um comunicado com o seguinte teor: “A……… teve uma carreira de árbitro recheada de decisões insustentáveis e, agora como VAR, segue a mesma lamentável tradição. Ontem, na feira, assinalou um penálti a favor do Benfica depois de um toque tão levezinho que fez G……. cair em câmera (sic) lenta, mas fez vista grossa a dois lances na área do Benfica, um deles uma pisadela clara. Já no ano passado, também na Feira, o mesmo VAR deixou passar um penálti claríssimo sobre H………... Definitivamente, A… parece ter um problema com a imparcialidade, o que pode e deve afastá-lo dos jogos que vão decidir o campeonato”.

- no acórdão de 09.09.2021, exarado no processo n.º 050/20.0BCLSB, sumariou-se o seguinte: “Questão diferente [da mera referência a erros de apreciação técnica] é o clube perdedor extravasar do plano objectivo dos erros técnicos implicados no resultado desfavorável e passar para o plano subjectivo, afirmando que os erros técnicos nas faltas assinaladas e omitidas foram levados à prática pela equipa de arbitragem por esta prever e querer o resultado desfavorável que veio a verificar-se, ou seja, imputando aos árbitros um agir claramente pré-ordenado e ilícito à luz do princípio da verdade desportiva, dirigido ao cometimento dos erros técnicos assinalados tendo por finalidade o resultado verificado”. Neste caso estava em apreço um comunicado com o seguinte teor: “Campeonato Desvirtuado - Mais uma jornada, mais uma demonstração da falência da arbitragem em Portugal, da incoerência dos seus critérios e da sua clara interferência na classificação em prol do "status quo" vigente. Este domingo, contra o SL Benfica, assistimos a mais um rol de decisões inacreditáveis em prejuízo do SC Braga. Desde logo, um penálti por assinalar por jogo perigoso com contacto sobre ………. (17’). Aos 57’, porém, seria indevidamente marcada grande penalidade a favor do SL Benfica, apesar de não existir falta de …………… Tão instável como o critério técnico foi o critério disciplinar, com ……….. (61') e ………….. (78' e 79') a escaparem a claras infrações merecedoras de segundo cartão amarelo...”. A decisão haveria de sufragar a tese de que o mesmo não consubstanciava uma ofensa à honra de agentes desportivos.

No acórdão de 03.11.2022, exarado no processo n.º 041/22.7BCLSB, qualificou-se como não violador do artigo 112.º n.º 1 do RDLPFP 2020 o uso das seguintes expressões por um dirigente desportivo num órgão de comunicação social do clube: “(…) A APAF está a ser coerente com ela própria... Quando o Sporting fala, a APAF reage, quando os outros falam, a APAF fica em silêncio... Uma dualidade de critérios de que nos queixamos fora e dentro do campo. Em 9 jogos realizados, o Sporting apenas perdeu pontos em 2 jogos. Curiosamente teve o mesmo árbitro e curiosamente ambas as atuações foram contestadas [...]. Não queremos regras diferentes para o Sporting, não queremos fazer nomeações cirúrgicas dentro do Sistema para as coisas correrem melhor para nós. Nós queremos regras iguais para todos. Eu acho que isto assusta muita gente, assusta o poder instalado. O verdadeiro poder instalado assusta-se com a transparência e com as regras iguais para todos. Não queremos nomear este árbitro para aqui, aquele árbitro para ali, como já o disseram outros clubes e até com orgulho...... não apitou bem nos 2 jogos com o Sporting... [...] Se me pergunta se eu quero ver o ….. a apitar mais jogos do Sporting... Não, não quero... E não quero até para o proteger a ele próprio... [...] mais uma vez provou-se que seria útil ouvir as comunicações entre árbitro e VAR ...Gostaria de ouvir a conversa entre …. e …, perceber qual foi o critério. Quem é competente não teme a transparência...(…)”.

Da jurisprudência antes referenciada resulta um padrão claro de decisão deste STA que assenta no pressuposto de que o comentário técnico do jogo e das decisões de arbitragem nele praticadas, sempre que se limite a apontar erros técnicos, não consubstancia o ilícito previsto e punido pelo artigo 112.º, n.º 1 do RDLPFP 2020. Tal violação terá de consubstanciar-se numa afirmação de que os erros se fundaram numa intencionalidade dolosa para favorecer ou prejudicar alguma das equipas.

2.4. O critério de decisão antes mencionado, que consubstancia um parâmetro decisório conforme com as regras constitucionais e da CEDH e com a jurisprudência do TC e do TEDH em matéria de harmonização em abstracto da colisão potencial entre o direito à honra e ao bom nome e a liberdade de expressão, deve igualmente prevalecer no caso sub judice, para assim se assegurar uma interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3 do CC).

2.5. Transpondo a aplicação daquele parâmetro normativo de decisão para a factualidade apurada nos autos, afigura-se-nos que tanto o TAD como o TCA Sul têm razão quando concluem que a imputação de uma intencionalidade dolosa ao erro técnico não pode concluir-se do uso da expressão “sonegar”.

Com efeito, é verdade que “sonegar”, em si, significa “ocultar (algo), deixando de mencionar ou de descrever nos casos em que a lei exige a menção ou a descrição” [in dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Editora Temas e Debates, Lisboa, 2003] e que o conceito apenas quer dizer que se deixou de assinalar algo que teria de ter sido assinalado segundo as regras, mas não determina que essa omissão ou falha tenha uma intencionalidade perniciosa, pois pode haver “sonegação” por esquecimento ou por má interpretação das regras. Acresce que também o contexto em que a expressão está utilizada não permite concluir que o elemento intencional esteja presente, pois o que resulta das expressões empregues na comunicação emitida pelo clube é que “existiu uma situação que, segundo as regras do jogo, devia ter sido sancionada com um penálti a favor do clube, o qual não foi assinalado em violação daquelas regras” [foi-nos sonegada uma grande penalidade evidente], que este (alegado) “erro técnico na arbitragem prejudicou a equipa no plano dos resultados desportivos” [“novamente, prejudicada pela equipa de arbitragem”] e que se expressou um inconformismo perante os (alegados) “erros técnicos” que não foram “corrigidos” pelo VAR, considerando a equipa que essa teria sido uma via eficaz para evitar os (alegados) prejuízos em termos de resultado desportivo [“não se compreende a sucessão de lances suscetíveis de marcação de grande penalidade a nosso favor decididos erradamente pelas equipas de arbitragem. Muito menos num tempo em que se dispõe de uma ferramenta, o vídeoárbitro, concebida como propósito da defesa da verdade desportiva. Infelizmente, do que nos tem sido dado a observar, torna-se óbvio que a verdade desportiva não tem sido defendida”].

Assim, afigura-se-nos correcto o juízo, quer do TAD, quer do TCA Sul, em qualificar as declarações em apreço como mero discurso desportivo que fundamenta em “erros técnicos da arbitragem” um prejuízo desportivo para o clube, o que não se subsume ao ilícito do n.º 1 do artigo 112.º do RDLPFP 2020, por não se poder qualificar como “injurioso, difamatório ou grosseiro”, nem incitador “à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina”.

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 10 de Novembro de 2022. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.