Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01768/22.9BEPRT
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
II - Na ausência total de alegação relativamente a esses requisitos a revista não pode ser admitida.
Nº Convencional:JSTA000P32116
Nº do Documento:SA22024041001768/22
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 1768/22.9BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente, notificado do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 25 de Janeiro de 2024 ( Disponível em https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/7ea47b11c9d2c7ee80258ac300506f71.) – que negou provimento ao recurso que interpôs da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 2 de Novembro de 2023, julgou improcedente a reclamação judicial por ele apresentada na execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade, reverteu contra ele por ter sido considerado responsável subsidiário pelas dívidas exequendas –, apresentou requerimento dizendo que, «não se conformando com o teor do mesmo, Vem INTERPOR RECURSO de REVISTA para o Supremo Tribunal Administrativo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo nos termos do disposto no art. 150.º do Cód. de Processo Tribunais Administrativos» quanto à «questão do não conhecimento da nulidade insanável invocada, violou o disposto no n.º 1 do art. 125.º do CPPT e n.º 1 do art. 195.º; n.º 1, al. d) e n.º 2, al. e) do art. 615.º ambos do Cód. de Processo Civil e o art. 22.º da Constituição da República Portuguesa».

1.2 Com esse requerimento juntou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A) A revista tem por objecto acórdão proferido pelos Exmos. Senhores Juízes Desembargadores que insistem em não conhecer da nulidade insanável de que padece o processo de execução fiscal, porquanto o não conhecimento da actuação ilícita e em manifesto Abuso de Poder por parte da Administração Tributária constitui uma omissão de pronúncia nos termos do art. 195.º do Cód. de Processo Civil, que por sua vez gera a nulidade elencada na al. d) do art. 615.º do mesmo Código, implicando a NULIDADE de todo o processado, que tem de ser sempre reconhecida, independentemente do tipo de processo fiscal em que é arguida;

B) No caso sub judice o Recorrente está a ser ABUSIVA e ILEGALMENTE executado, por efeito de reversão, nos termos dos arts. 23.º e 24.º, n.º 1 al. b) da Lei Geral Tributária, em 4 processos de execução fiscal, por dívidas fiscais revertidas relativas ao ano de 2007, ou seja 10 ANOS após o Revertido/Recorrente ter RENUNCIADO à gerência em 1997, como resulta demonstrado da Escritura Pública de cessão de quota, renúncia à gerência e nomeação de gerência e registo comercial, prova essa que beneficia de presunção legal por se tratar de documento autêntico;

C) Nenhuma das dívidas fiscais revertidas resulta de qualquer acto de gestão e administração praticado pelo Recorrente na Devedora, nem nenhuma dívida se venceu ou deixou de ser paga enquanto foi sócio e gerente – entre ../../1995 e ../../1997 – como tudo resulta de prova documental autêntica em cada um dos processos;

D) Os dados pessoais do Recorrente foram assim usados ABUSIVA e DOLOSAMENTE, uma vez que a Administração Tributária já tinha provas de que o mesmo, há já mais de 10 ANOS não representava, nem fazia parte da Devedora ou dos seus órgãos, como demonstram os documentos autênticos, factos que integram presunções legais contra a própria Administração Tributária;

E) A Administração tinha TODOS os elementos para verificar que estava a imputar factos falsos ao Recorrente por este há muito não ser gerente, nem sócio da Devedora originária;

F) TODOS os ACTOS relativos à alteração de gerência e de órgãos sociais, além de outros, – como resulta das Ap’s n.ºs 62, 63 e 64/...09; Ap. n.º ...6/...26; e Ap. n.º ...7/...26 – foram levados ao competente REGISTO COMERCIAL da Sociedade Devedora originária sob o n.º ...58 de 1996-01-02 na Conservatória do Registo Comercial ..., os quais foram comunicados à Administração Tributária e por isso têm força erga omnes;

G) É no mínimo estranho, se não insólito, que os funcionários da Administração Tributária, e responsáveis pela prolação dos despachos de reversão, não atentassem no teor de tais documentos autênticos e não tivessem verificado que estavam a fazer uma reversão sobre pessoa que já nada tinha a ver com a Devedora HÁ MAIS DE 10 ANOS;

H) Desta grave omissão praticada pelos funcionários da Administração Tributária no exercício das suas funções resulta a violação dos direitos e um evidente prejuízo para o Recorrente, como é o caso dos presentes autos de execução fiscal, como preceitua o art. 22.º da Constituição da República Portuguesa;

I) A reversão subjacente aos processos executivos só pode ter sido efectuada dolosamente e de MÁ-FÉ, o que para além de integrar crimes de abuso de poder e o de prevaricação, atenta a consciência da falsidade, uma vez que a A.T. indicou o nome do Recorrente, como se à data ainda fosse o gerente, apesar de não o ser, como bem sabia e constava de todas as declarações fiscais da devedora e da documentação existente nos autos;

J) Os fundamentos invocados eram e são mais do que suficientes para dever ter sido proferida decisão de revogação do despacho de reversão, o que o Tribunal a quo no acórdão revidendo omitiu apreciar e indeferiu a pretensão do aqui Recorrente;

K) A inclusão do nome do Recorrente/Revertido nas propostas de decisão de reversão e nestas, proferidas em cada um dos processos, é NULA e de nenhum efeito, seja por absolutamente ilegal, seja porque corresponde a um ABUSO de DIREITO pela Administração Tributária, seja porque corresponde a actuação da Administração Tributária corresponde a ACTOS ABUSIVOS de PODER praticados pelos Representantes da Administração Tributária, dos quais decorre a sua nulidade, a qual é de conhecimento oficioso e em qualquer momento;

L) A indicação pela Administração Tributária da pessoa do revertido NIF ...65, aqui Recorrente, para efeitos de reversão, relativamente a actos tributários quando o mesmo já não era nem sócio nem gerente da devedora NIPC ...73, foi efectuada abusivamente, de má-fé, em inequívoco e manifesto acto de abuso de poder e em benefício de terceiros, o que além dos crimes de abuso de poder e de prevaricação, atenta a consciência da falsidade, porquanto a indicação do nome do revertido, como se à data ainda fosse o gerente, apesar de o não ser. Tal conduta constitui por isso uma nulidade absoluta, invocável a todo o tempo, sem necessidade de qualquer processo prévio de anulação da decisão;

M) O conhecimento destas nulidades é OFICIOSO e INTEMPORAL, pelo que o seu não conhecimento por parte do Tribunal quando arguido sob pretextos formais é absolutamente ILEGAL e integra ex novo abuso de poder e de direito e constitui nulidade de decisão;

N) O incumprimento pelo Tribunal a quo em relação ao disposto nos arts. 8.º e 9.º, relativamente aos Princípios da Legalidade Tributária e de Acesso à Justiça Tributária, arts. 12.º, 23.º, 24.º, n.º 1 al. b) e 48.º, todos da Lei Geral Tributária, arts. 370.º e 371.º do Cód. Civil, art. 412.º do Cód. de Processo Civil e art. 22.º da Constituição da República Portuguesa integra a prática da NULIDADE processual prevista no n.º 1 do art. 125.º do CPPT, art. 195.º e 615.º, n.º 1 al. d) e n.º 2 al. e) do Cód. de Processo Civil.

Nestes Termos e nos mais de Direito que mui doutamente serão supridos, se Requer a V.ªs Ex.ªs se dignem revogar o acórdão revidendo e, em consequência, o substituam por outro que revogue as reversões fiscais que pendem sobre o Recorrente/Revertido e julgue verificada a arguida nulidade, dando como nulo todo o processado.

ASSIM, decidindo, farão V.ªs. Ex.ªs.,

Aliás como sempre, INTEIRA JUSTIÇA!».

1.3 A Recorrida não contra-alegou.

1.4 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Norte, tendo verificado a tempestividade do recurso e a legitimidade do Recorrente, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo

1.5 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de que «ao Ministério Público não compete emitir parecer sobre a admissão do Recurso de Revista, mas apenas quanto ao seu mérito no caso de o Recurso de Revista ser admitido».

1.6 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, da admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. art. 285.º, n.º 1, do CPPT).
Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar naqueles precisos termos.

2.1.2 Como a jurisprudência tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável).

2.2 O CASO SUB JUDICE

No caso, lidas as alegações de recurso, verificámos que o Recorrente não se desincumbiu do ónus de alegar e demonstrar a verificação dos requisitos de admissibilidade da revista, o que nem sequer ensaiou, pois nas alegações e respectivas conclusões não vislumbrámos tentativa alguma nesse sentido.
Assim, sem necessidade de outros considerandos, concluímos que o Recorrente, não atentando na natureza excepcional do recurso de revista, negligenciou o esforço que se lhe exigia para se desonerar do ónus de alegação e demonstração de que se verificavam os requisitos legais de admissibilidade enunciados no n.º 1 do art. 285.º do CPPT.
Ora, como deixámos já dito, em ordem à admissão do recurso de revista excepcional de revista, que não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, a lei não se basta com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo ainda verificar-se uma das circunstâncias de que o legislador faz depender este recurso excepcional – a relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso seja claramente necessário para uma melhor aplicação do direito –, cumprindo ao recorrente a respectiva alegação, o que não sucede no caso.
Tanto basta para que o recurso não seja admitido.

2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPTT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.

II - Na ausência total de alegação relativamente a esses requisitos a revista não pode ser admitida.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pelo Recorrente.


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Lisboa, 10 de Abril de 2024. - Francisco Rothes (relator) - Isabel Marques da Silva - Aragão Seia.