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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02188/23.3BEPRT
Data do Acordão:01/23/2025
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:HELENA MESQUITA RIBEIRO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
PEDIDO
ESCLARECIMENTO
ALTERAÇÃO
ATRIBUTOS DA PROPOSTA
DISPENSA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:I-Apresentando a «Memória descritiva e justificativa» que acompanha a proposta da concorrente desconformidades em relação a alguns dos materiais exigidos em Caderno de Encargos, mas constando da «Lista de preços unitários» que nela o concorrente procedeu à correta indicação de todos os materiais previstos em Caderno de Encargos, está-se perante duas declarações suscetíveis de se contradizerem, pelo que, qualquer declaratário médio colocado na posição do real declaratário que se visse confrontado com essas divergências ficaria na dúvida sobre se o concorrente se propunha executar os trabalhos de acordo com o CE, conforme genericamente declarou na declaração de aceitação (a que se refere a al.a), n.º1 do art.º 57. Do CCP), ou se antes se propunha executar aqueles trabalhos utilizando os tipos de material que, em concreto e especificamente, identifica na «Memória Descritiva e Justificativa». Por outro lado, tendo em conta a «Lista de preços unitários» qualquer declaratário médio ficaria na dúvida se, não obstante a CI ter indicado na «Memória descritiva e justificativa» que em relação a certos itens colocaria materiais diferentes dos previstos em CE, os iria efetivamente colocar, porquanto na lista de preços se referia aos materiais indicados em CE e não àqueles outros.
II-Essa situação de dúvida, é tão mais justificada, quando se atenta na natureza genérica da declaração a que se refere a al. a) do n.º1 do art.º 57.º do CCP, por contraposição à declaração exarada na «Memória Descritiva e Justificativa» que é uma declaração especifica/concreta que prevalece sob a primeira.
III-Impunha-se ao júri do procedimento que, nos termos do artigo 72.º, n.º1 do CCP tivesse solicitado esclarecimentos à concorrente, sem o que não podia concluir, como concluiu, que a proposta da concorrente não enfermava de qualquer causa de exclusão, dando prevalência ao documento «Lista de Preços Unitários» e à declaração de aceitação a que se refere a al.a), n.º1 do art.º 57.º do CCP, desconsiderando a «Memória descritiva e justificativa», por não resultar da conjugação desses documentos, sem mais, estar-se perante um erro de escrita ou de cálculo contido na proposta, que nos termos do n.º4 do artigo 72.º do CC, lhe permitisse a sua retificação oficiosa.
IV-A correta interpretação do disposto no artigo 72.º do CCP, mormente, da norma do seu n.º 1, força que se considere incluído no objeto dos esclarecimentos o suprimento pelo concorrente de uma eventual contradição entre documentos que integram a proposta relativamente a um termo ou condição da proposta que não seja suscetível de ser retificado oficiosamente, o que sucederá, quando, como na situação em análise, dos documentos que constituem a proposta não se possa concluir que a concorrente incorreu num lapso ou erro de escrita manifesto, e desde que, num juízo de prognose se conclua que o pedido de esclarecimentos não constitui uma possibilidade para a concorrente alterar a sua proposta no sentido de nela incluir atributos que não se pudessem considerar já como integrantes da proposta inicial, de modo a que daí não resulte a violação de nenhum dos princípios nucleares da contratação pública, como os da concorrência, da transparência, da igualdade de tratamento e da estabilidade da proposta.
V-Tendo a concorrente esclarecido na contestação que apresentou no âmbito da presente ação que a indicação a que procedeu na «Memória Descritiva e Justificativa» de materiais diferentes dos fixados no CE se ficou a dever a mero lapso de escrita e, sendo certo que a sua proposta deve valer com o sentido que dela se tem de extrair por referência à globalidade dos documentos que a integram, seria inaceitável que o Tribunal anulasse o ato admissão da proposta da CI com base nessas divergências, para que o Júri do Procedimento desse cumprimento a uma formalidade cujo resultado já se conhece. A uma tal consequência opõe-se o princípio do aproveitamento do ato administrativo, enquanto corolário do princípio da economia dos atos públicos, que consta presentemente do n.º 5 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
VI-Estando previsto nas Cláusulas Complementares do Caderno de Encargos que todos os encargos com as redes provisórias, incluindo luz elétrica e fornecimento de água, serão por conta do empreiteiro e que os respetivos encargos deverão estar contabilizados nos preços unitários do concurso, e tendo a concorrente declarado na «Memória Descritiva e Justificativa» que apresentou com a sua proposta que esses encargos com o fornecimento de água e de luz elétrica corriam por conta do Dono da Obra, essas declarações contrariam frontalmente o disposto em tais cláusulas, e nenhum vislumbre de dúvida se suscita que carecesse de ser esclarecida, pelo que não se justificava que o júri tivesse dirigido à concorrente, como fez, um pedido de esclarecimentos.
VII-O pedido de esclarecimentos que o júri dirigiu à concorrente, nestas circunstâncias em que se está perante afirmações claras, congruentes e inequívocas, não teve outro propósito objetivo que não o de facultar à concorrente a oportunidade de dar o dito por não dito na proposta inicial, alterando-a, de modo a conformá-la com as referidas exigências do CE.
VIII-Embora a possibilidade de os concorrentes procederem ao suprimento de irregularidades nas respetivas propostas tenha conhecido uma abertura por parte do legislador inexistente com essa amplitude antes da entrada em vigor das alterações ao CCP aprovadas pelo D.L. 78/2022, de 07/11, não pode admitir-se, mesmo à luz da redação do art.º 72.º, n.º3 conferida ao CCP pelo referido diploma, a possibilidade de o concorrente substituir a proposta apresentada por outra alterada em termos que afetam o seu conteúdo, e que violam “o núcleo da posição equitativa e concorrencial dos operadores económicos cumpridores”.
IX-O conhecimento da questão suscitada pela Recorrente de saber se no domínio dos recursos interpostos de decisões proferidas no âmbito do contencioso pré-contratual se deve aplicar a «Tabela II» e não a «Tabela I-B», ambas do RCP, e consequentemente, de não haver lugar à cobrança do remanescente da taxa de justiça, não perdeu utilidade no âmbito do presente recurso, em consequência da sua procedência, não obstante, com a revisão operada pela Lei n.º 27/2019, de 28/03, o n.º 9 do artigo 14.º, n.º9 do RCP ter passado a dispor que “9 - Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final”.
X-Com esta nova redação do n.º 9 do artigo 14.º do RCP , não obstante a parte vencedora já não tenha de pedir a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente nem esse pagamento esteja dependente da intervenção oficiosa do Tribunal- estando aquela dispensada ope legis do pagamento da taxa de justiça remanescente-, porque na conta final a elaborar o contador terá de calcular o valor do remanescente da taxa de justiça devida pelo vencedor pelo impulso inicial, que por aquele foi paga apenas até ao limite de 275.000,00€, de modo a imputar o valor do remanescente da taxa de justiça devida ao vencido, é apodítico que o facto de a Recorrente ser vencedora, não dispensa a apreciação da questão que vem colocada de saber se neste tipo de recursos se aplica ou não a «Tabela I-B» do RCP.
XI-Estando em causa uma ação de contencioso pré-contratual urgente, a taxa de justiça, em sede de recurso, é determinada de acordo com a «Tabela I-B», pelo que poderá haver lugar ao pagamento do designado remanescente da taxa de justiça nas situações mencionadas no n.º 7 do art.º 6º, se não for dispensado.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Nº Convencional:JSTA000P33159
Nº do Documento:SA12025012302188/23
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:B... UNIPESSOAL, LDA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento: