Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0136/24.2BALSB
Data do Acordão:01/22/2025
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Sumário:I – A admissão do Recurso para Uniformização de Jurisprudência que tem por objeto decisões arbitrais que apreciaram o mérito dos respetivos pedidos, exige necessariamente que entre as decisões arbitrais exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito e que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (artigos 25.º, n.ºs 2 e 3 do RJAT e 152.º, n.º 3 do CPTA).
II – Pressupondo a referida oposição que haja uma identidade substancial da factualidade que suporta as decisões alegadamente em oposição, não é de admitir o recurso se se constata que são distintos os pressupostos fácticos presentes em cada um dos probatórios e que foi essa distinção que sustentou quer as distintas ilações de facto deles extraídas quer os subsequentes e distintos enquadramentos jurídicos realizados.
Nº Convencional:JSTA000P33143
Nº do Documento:SAP202501220136/24
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do artigo 25.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. No requerimento de interposição do recurso invocou, sumariamente, que a decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa, a 9 de Agosto de 2024, no processo n.º 570/2024-T, a que se dirige o recurso, está em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a decisão proferida, no mesmo Centro de Arbitragem, a 17 de Junho de 2024, no processo n° 795/2024-T, já transitada em julgado (doravante designadas, respetivamente, por decisão recorrida e decisão fundamento, encontrando-se as mesmas publicadas em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/).

1.3. Nas alegações apresentadas, tendo em vista a anulação da decisão recorrida e consequente fixação de jurisprudência que acolha os fundamentos e sentido decisório da decisão fundamento, formulou a Recorrente as seguintes conclusões:

«a) O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem deduzido contra a decisão arbitral de 09/08/2024, prolatada nos autos que correm termos no CAAD com o nº 570/2023-T, na parte relativa ao segmento decisório que condena a AT no pagamento de juros indemnizatórios nos moldes a seguir transcritos: “(…) e ainda a serem indemnizados do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.”

b) Tendo a decisão sob recurso julgado procedente o pedido das Requerentes, ora Recorridas, anulando as autoliquidações de imposto de selo controvertidas, as quais incidiram sobre os encargos suportados com comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, inexistindo qualquer orientação genérica ou informação vinculativa da AT de acordo com as quais aquelas autoliquidações tenham sido efectuadas, estando a impugnação arbitral daquelas autoliquidações dependente de prévia reclamação graciosa, nos termos do nº 1 do art. 131º do CPPT,

c) A Recorrente entende, com o devido respeito por opinião contrária, que o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios é o que resulta da conjugação da alínea c) do nº 3 do art. 43º da LGT com o nº 1 daquele normativo legal, iniciando-se o período de contagem dos juros indemnizatórios a 22/05/2023, data em que foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa, antes de concluído um ano após a sua apresentação (e que findaria a 21/12/2023).

d) A decisão arbitral sob recurso encontra-se em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão arbitral, já transitada em julgado, prolatada no processo nº 795/2023-T, o qual anulou as autoliquidações de imposto de selo controvertidas, também com enquadramento na verba 17.3.4 da TGIS, condenando a AT no pagamento de juros indemnizatórios a partir da data do indeferimento da reclamação graciosa.

e) Em suma, a questão objecto do presente recurso consiste em saber qual o termo inicial do período de contagem dos juros indemnizatórios devidos pela anulação de autoliquidações de imposto de selo quando o erro na autoliquidação não é imputável à AT e o pedido de pronúncia arbitral é deduzido contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada nos termos do nº 1 do art. 131º do CPPT.

f) A decisão arbitral sobre recurso, quanto à matéria de facto, considerou o seguinte que se transcreve na parte relevante para o presente recurso:

Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

A) O Primeiro Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular (…).

B) O Segundo Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular (…).

G) Entre junho de 2021 e agosto de 2022, o Primeiro Requerente suportou encargos com as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã (…).

H) Entre junho de 2021 e agosto de 2022, o Segundo Requerente suportou encargos com as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã (…).

(…)

I) Sobre as aludidas comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes foi liquidado Imposto de Selo, à taxa de 4%, constante da Verba 17.3.4, da TGIS, o qual foi refletivo como custo daqueles (…).

J) A liquidação do Imposto do Selo em questão foi promovida através da entrega das declarações mensais de Imposto do Selo durante o período em apreço, tendo sido efetuado pelos Requerentes o respetivo pagamento, no montante de 28.909,38 € pelo Primeiro e no montante de 27.753,50 pelo Segundo, o que perfaz a importância total de 56.662,88 € (Cf. Documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

K) Em 21-12-2022 o Primeiro Requerente e o Segundo Requerente apresentaram as reclamações graciosas n.ºs ...50, e ...68, respetivamente, contra as supra identificadas liquidações de Imposto do Selo, nas quais peticionaram a respetiva anulação (…)

L) Em 30-05-2023, os Requerentes foram notificados das decisões de indeferimento das reclamações graciosas que apresentaram (…).

M) Em 02-08-2023, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (…).

g) Em face da factualidade apurada e que serviu de fundamento à decisão, a Recorrente entende que o Tribunal Arbitral incorreu em erro de julgamento quanto ao direito no segmento decisório de que ora se recorre, mais concretamente quanto à determinação do termo inicial do período de cômputo dos juros indemnizatórios devidos pela AT, não se conformando que os mesmos sejam contados a partir das datas em que o imposto de selo foi pago uma vez que o erro nas autoliquidações não é imputável à AT.

Da admissibilidade do recurso

h) Quanto à questão de direito ora controvertida, a decisão arbitral sob recurso considerou, conforme supra se transcreveu, que o cômputo inicial dos juros indemnizatórios em apreço corresponde à data do pagamento do imposto de selo autoliquidado, muito embora não tenha apurado, conforme respectivo probatório, qualquer circunstância susceptível de imputar o erro das autoliquidações à AT, nomeadamente uma qualquer orientação genérica ou informação vinculativa de acordo com as quais aquelas autoliquidações tenham sido efectuadas.

i) A decisão arbitral sob recurso está em clara oposição com a decisão arbitral fundamento, a qual considerou, conforme supra se transcreveu, que os erros nas autoliquidações de imposto de selo não são imputáveis à AT e que a data a partir da qual são devidos juros indemnizatórios é a data do indeferimento da reclamação graciosa.

j) Quanto à identidade da matéria de facto para efeitos de se poder concluir pela oposição quanto à mesma questão fundamental de direito ora controvertida, a factualidade assente no acórdão arbitral assim como no acórdão fundamento são essencialmente idênticas, subsumindo-se às mesmas normas e não se distinguindo por qualquer aspecto que possa determinar soluções diferentes em face do mesmo quadro legal.

k) Na decisão arbitral sob recurso está em causa o seguinte, conforme se conclui a partir do respectivo probatório:

a. As Requerentes suportaram encargos com comissões de gestão cobradas pela sociedade gestora alemã e autoliquidaram o correspondente imposto de selo, ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS através das declarações mensais de imposto de selo entregues para os períodos de 06/2021 a 08/2022;

b. O erro nas autoliquidações não é imputável à AT e a sua impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa prévia, nos termos do nº 1 e nº 2 do art. 131º do CPPT;

c. As Requerentes deduziram o pedido de pronúncia arbitral contra o indeferimento expresso das reclamações graciosas que apresentaram contra as autoliquidações de imposto de selo.

l) No acórdão fundamento está em causa a seguinte factualidade, conforme se transcreve do mesmo:

Estão em causa, nos presentes autos, as autoliquidações de Imposto do Selo relativas aos períodos de Abril de 2021 a Março de 2023, assentes na Verba 17.3.4 da TGIS, que estabelece a incidência de IS sobre as operações financeiras, nomeadamente operações realizadas por, ou com intermediação de, instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, e quaisquer outras instituições financeiras – no que concerne à aplicação da taxa de 4% às comissões de gestão cobradas aos fundos de capital de risco geridos pela Requerente.

m) Muito embora a factualidade não seja exactamente a mesma nas decisões arbitrais em confronto, uma vez que na decisão arbitral ora recorrida as Requerentes são Fundos de Investimento Imobiliário e as autoliquidações de imposto de selo incidiram sobre as comissões de gestão pagas à Sociedade de Gestora Alemã, tendo o Tribunal Arbitral concluído, quanto à questão decidenda objecto do pedido de pronúncia arbitral, que as comissões de gestão cobradas por sociedade gestora alemã aos fundos de investimento imobiliário não está sujeito a imposto de selo por não estar abrangido pela norma de incidência territorial da norma prevista na alínea c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS,

n) Ao passo que na decisão arbitral fundamento a Requerente é uma sociedade de capital de risco e as autoliquidações de imposto de selo incidiram sobre as comissões de gestão cobradas aos fundos de capital de risco, tendo o Tribunal Arbitral concluído, quanto à questão decidenda objecto do pedido de pronúncia arbitral, que as comissões de gestão cobradas por SCR a FCR não está sujeito a imposto de selo por não estar abrangido pela norma de incidência subjectiva contida na verba 17.3.4 da TGIS,

o) Entende-se que a decisão arbitral fundamento é aplicável aos factos apreciados pela decisão arbitral recorrida, na parte referente ao termo inicial de cômputo dos juros indemnizatórios devidos pela anulação das autoliquidações de imposto de selo.

p) E a resposta para as situações de facto em confronto é necessariamente a mesma porque nos acórdãos em confronto está em causa, justamente, o seguinte:

a. As autoliquidações incidiram sobre encargos suportados com comissões de gestão pagas a sociedades gestoras ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS através das declarações mensais de imposto de selo;

b. O erro nas autoliquidações não é imputável à AT e a sua impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa prévia, nos termos do nº 1 e nº 2 do art. 131º do CPPT;

c. O pedido de pronúncia arbitral foi deduzido contra o indeferimento expresso das reclamações graciosas;

d. Nos períodos de imposto em confronto, junho de 2021 a agosto de 2022 na decisão arbitral sob recurso, e abril de 2021 a março de 2023 na decisão arbitral fundamento, não existem alterações legislativas susceptíveis de impor soluções de direito distintas para os períodos em confronto.

Do mérito do Recurso

q) Quanto ao mérito do recurso, a Recorrente defende o entendimento quanto ao direito plasmado no a decisão arbitral fundamento, remetendo-se para as respectivas considerações, acima transcritas, e que merecem o nosso acolhimento.

r) Concluindo, entende-se que estão preenchidos os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, existindo a semelhança entre as situações de facto em causa por serem subsumíveis ao mesmo quadro normativo e estando as soluções jurídicas em causa em manifesta contradição entre si quanto à mesma questão fundamental de direito,

s) Requerendo-se a admissão do recurso e o seu conhecimento de mérito, com a procedência do mesmo e a anulação da decisão arbitral, com as devidas consequências legais.

1.4. Notificados da admissão liminar do Recurso e para, querendo, contra-alegarem, vieram os Recorridos fazê-lo, pugnando pela sua não admissão, concluindo nos seguintes termos:

«A) O presente recurso foi interposto, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, da Decisão Arbitral proferida no CAAD no âmbito do processo n.º 570/2023-T, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 e n.º 3 do RJAT e do artigo 152.º do CPTA;

B) A Decisão arbitral objeto do presente recurso julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, tendo determinado a anulação do indeferimento das reclamações, com a consequente anulação das liquidações de Imposto de Selo do período compreendido entre junho de 2021 e agosto de 2022, julgando procedente o reembolso do respetivo imposto e o pagamento dos juros indemnizatórios;

C) A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs o presente recurso por entender que, quanto ao segmento decisório que a condenou ao pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento do imposto em causa, até ao momento do seu reembolso, a referida Decisão Arbitral se encontrava em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 795/2023-T;

D) No entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento, acima identificada, estamos perante a mesma questão fundamental de direito, existindo uma patente e inarredável contradição de ambas as decisões quanto à mesma:

«12. Quanto à questão de direito ora controvertida, a decisão arbitral sob recurso considerou, conforme supra se transcreveu, que o cômputo inicial dos juros indemnizatórios em apreço corresponde à data do pagamento do imposto de selo autoliquidado, muito embora não tenha apurado, conforme respectivo probatório, qualquer circunstância susceptível de imputar o erro das autoliquidações à AT, nomeadamente uma qualquer orientação genérica ou informação vinculativa de acordo com as quais aquelas autoliquidações tenham sido efectuadas.

13. A decisão arbitral sob recurso está em clara oposição com a decisão arbitral fundamento, a qual considerou, conforme supra se transcreveu, que os erros nas autoliquidações de imposto de selo não são imputáveis à AT e que a data a partir da qual são devidos juros indemnizatórios é a data do indeferimento da reclamação graciosa.».

E) Ademais, no que importa a identidade da matéria de facto entende essa última que «(…) a factualidade assente no acórdão arbitral assim como no acórdão fundamento são essencialmente idênticas, subsumindo-se às mesmas normas e não se distinguindo por qualquer aspecto que possa determinar soluções diferentes em face do mesmo quadro legal.» (artigo 14.º das alegações).

F) No entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, «(…) tendo a decisão sob recurso julgado procedente o pedido das Requerentes, ora Recorridas, anulando as autoliquidações de imposto de selo controvertidas, as quais incidiram sobre os encargos suportados com comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, inexistindo qualquer orientação genérica ou informação vinculativa da AT de acordo com as quais aquelas autoliquidações tenham sido efectuadas, estando a impugnação arbitral daquelas autoliquidações dependente de prévia reclamação graciosa, nos termos do nº 1 do art. 131º do CPPT,

26. Afigura-se forçoso concluir, com o devido respeito por opinião contrária, que o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios é o que resulta da conjugação da alínea c) do nº 3 do art. 43º da LGT com o nº 1 daquele normativo legal, iniciando-se o período de contagem dos juros indemnizatórios a 22/05/2023, data em que foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa, antes de concluído um ano após a sua apresentação (e que findaria a 21/12/2023).» (artigo 25.º e 26.º das alegações).

G) Ora a decisão arbitral ora recorrida no que importa a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios entendeu que:

«Quanto ao pedido de reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, formulado pelos Requerentes, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso em apreço, o erro que afeta as liquidações anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que o praticou sem o necessário suporte factual e legal.

Assiste assim aos Requerentes o direito a serem reembolsados da quantia de 56.662,88 € (28.909,38 €, quanto ao Primeiro Requerente e 27.753,50 €, quanto ao Segundo Requerente), que pagaram indevidamente, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 5, do RJAT, por força do ato anulado e ainda a serem indemnizados do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.» (realce dos Recorridos);

H) Os Recorridos não podem deixar de discordar da fundamentação apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas suas alegações de recurso porquanto não existe, verdadeiramente, oposição com a jurisprudência invocada quanto à matéria de facto e, de forma absolutamente patente, não existe oposição quanto à questão fundamental de direito pelos motivos que se detalharão infra.

I) A procedência deste recurso depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos substanciais:

- A Decisão Arbitral recorrida tem de se encontrar em contradição com um Acórdão proferido por um Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral;

- A contradição tem de ser relativa à mesma questão fundamental de direito;

- A orientação perfilhada pela Decisão Arbitral recorrida não pode estar de acordo com a jurisprudência consolidada do STA.

J) Concretizando, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que:

a) As situações de facto sejam substancialmente idênticas;

b) Haja identidade na questão fundamental de direito;

c) Se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta;

d) Que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do STA.

K) Como ficou claro no acórdão do Pleno do STA, de 4 de Junho de 2014 (Proc.º n.º 01763/13), para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto»;

L) Acresce que, a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas - cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, Proc. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, Proc. nº 557/08;

M) Para que se considere que há oposição de soluções jurídicas, a jurisprudência do STA entende que ambos os acórdãos devem versar sobre situações fáticas substancialmente idênticas;

N) No presente caso, não existe uma plena identidade da matéria de facto, conforme reconhecido pela própria Autoridade Tributária (AT). Os Requerentes configuram fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular, sujeitos a comissões de gestão cobradas por uma Sociedade Gestora Alemã, liquidadas mensalmente sobre o valor dos ativos dos fundos, sendo essas comissões sujeitas a Imposto de Selo;

O) Em contraste, na decisão utilizada como fundamento, a entidade envolvida era uma sociedade de capital de risco, cuja atividade principal consistia na gestão de fundos de capital de risco, incidindo o Imposto de Selo sobre as comissões cobradas por essa gestão;

P) Assim, não há uma identidade absoluta nos factos entre os dois casos analisados. Ademais, no que respeita à questão jurídica essencial, as diferenças entre os dois processos são ainda mais pronunciadas;

Q) Para que exista uma oposição de soluções jurídicas entre decisões, é necessário que estas se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, com base em situações factuais substancialmente idênticas e sem alteração relevante na regulamentação jurídica. Além disso, devem adotar soluções jurídicas opostas de forma expressa, não sendo suficiente uma divergência implícita ou colateral entre os argumentos utilizados nas decisões;

R) No presente caso, a decisão arbitral e a decisão fundamento não tratam da mesma questão jurídica. A decisão arbitral recorrida imputou à Autoridade Tributária um erro de facto, aplicando o n.º 1 do artigo 43.º da LGT, enquanto a decisão fundamento considerou que o erro só seria imputável à AT a partir do indeferimento de uma reclamação graciosa, aplicando a alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo. Portanto, as questões jurídicas em análise são distintas, dado que envolvem a aplicação de diferentes disposições normativas;

S) Adicionalmente, a jurisprudência do STA esclarece que "erro imputável aos serviços" abrange tanto erros de facto como de direito, sendo sempre imputável à AT qualquer ilegalidade não resultante da atuação do sujeito passivo. Assim, se um erro de direito é cometido pela AT sem base em informações fornecidas pelo contribuinte, tal erro é imputável aos serviços, em conformidade com o princípio da legalidade;

T) Face a esta análise, a Autoridade Tributária não demonstrou a existência de uma contradição entre as decisões quanto à mesma questão de direito, sendo manifestamente improcedente o argumento de oposição de acórdãos. Consequentemente, não se verificam os requisitos legais para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, pelo que não há motivo para conhecer do mérito do recurso interposto;

U) O conhecimento do mérito do recurso, na medida em que este tem na sua base a oposição de julgados e tem como objetivo fundamental a uniformização de jurisprudência, exigiria a demonstração de que as decisões em presença, relativamente ao mesmo fundamento de direito, perfilharam soluções opostas;

V) Um eventual erro de julgamento da decisão recorrida, só poderia ser sindicado por este Supremo Tribunal caso o recurso passasse a primeira fase, a da verificação dos requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, o que não é manifestamente o caso;

W) Em suma, não há que conhecer do respectivo mérito do recurso em apreço já que não estão verificados os requisitos substanciais para que o mesmo venha a ser apreciado».

1.5. O Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer, no qual conclui que o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência deve ser admitido e, revogada a decisão recorrida, ser uniformizada jurisprudência nos seguintes termos:

«Nos casos em que o ato de liquidação é da autoria do contribuinte ou do substituto (e não for o caso de obedecerem a orientações genéricas da AT, devidamente publicitadas) o erro sobre os pressupostos de facto e de direito que inquinar esse ato só é imputável à Administração Tributária a partir do indeferimento da reclamação graciosa que for apresentada contra esse ato, motivo pelo qual só há lugar a juros indemnizatórios a partir da data desse indeferimento (expresso ou tácito)».
1.5. Tendo os autos sido disponibilizados para vista dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, nos termos do artigo 92.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPTA) cumpre, agora, decidir, em conferência, no Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Pretende a Recorrente com a interposição do presente recurso que se uniformize jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito, que, em seu entender, foi decidida em sentido oposto nas identificadas decisões do CAAD, a saber, qual o termo inicial do período de contagem dos juros indemnizatórios devidos pela anulação de autoliquidações de imposto de selo quando o erro na autoliquidação não é imputável à Autoridade Tributária e o pedido de pronúncia arbitral é deduzido contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada nos termos do nº 1 do art. 131º do CPPT (vide, alínea e) das conclusões de recurso transcritas no ponto 1.1. do presente acórdão).

2.2. Considerando que este Supremo Tribunal só admite um Recurso para Uniformização de Jurisprudência e fixa o sentido desta após confirmar que estão verificados os pressupostos formais e substanciais para a sua admissão, temos, então, que são duas as questões a decidir: (i) saber se o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência deve ser admitido, pressuposto que apenas a Recorrente e o Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal entendem estarem verificados; (ii) respondida afirmativamente a primeira questão, decidir qual o termo inicial do período de contagem dos juros indemnizatórios devidos pela anulação de autoliquidações de imposto de selo nos casos em que o erro na autoliquidação não é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira e o pedido de pronúncia arbitral é deduzido contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada nos termos do nº 1 do artigo 131º do CPPT .

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

3.1.1. Na decisão recorrida estão dados como assentes os seguintes factos:

A) O Primeiro Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, tendo a sua constituição sido autorizada pela CMVM, em 14-09-2006 (cfr. documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

B) O Segundo Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, tendo a sua constituição sido autorizada pela CMVM, em 16-06-2016 (cfr. documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

C) Os Requerentes são geridos pela B... GmbH, com sede em ... 45, ...86 ..., registada junto do Tribunal de Frankfurt am Main sob o número ...29 (cfr. documentos n.ºs 7 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

D) A Entidade Gestora — B... GmbH – é uma sociedade de responsabilidade limitada, constituída ao abrigo do direito da República Federal da Alemanha, que desde 11 de Julho de 2011 gere organismos de investimento coletivo, estando registada junto da Bundesanstalt fur Finanzdienstleistungsaufsicht (BaFin) com o número ...00 para o efeito e devidamente autorizada pela CMVM para exercer atividade em Portugal (cfr. documentos n.ºs 7 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

E) No exercício da sua atividade, a Sociedade Gestora Alemã, é responsável pela administração e gestão dos Requerentes (cfr. documentos n.ºs 7 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

F) A Sociedade Gestora Alemã cobra aos Requerentes, pela atividade exercida, comissões de gestão, as quais são liquidadas e pagas em duodécimos, mensal e postecipadamente, sendo as mesmas calculadas sobre o valor mensal do ativo total daqueles Fundos (cfr. documentos n.ºs 7 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

G) Entre junho de 2021 e agosto de 2022, o Primeiro Requerente suportou encargos com as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, nos seguintes valores (cfr. documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

[IMAGEM]

H) Entre junho de 2021 e agosto de 2022, o Segundo Requerente suportou encargos com as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, nos seguintes valores (cfr. documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

[IMAGEM]

I) Sobre as aludidas comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes foi liquidado Imposto de Selo, à taxa de 4%, constante da Verba 17.3.4, da TGIS, o qual foi refletivo como custo daqueles (cfr. documentos n.ºs 3, 4, 9 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

J) A liquidação do Imposto do Selo em questão foi promovida através da entrega das declarações mensais de Imposto do Selo durante o período em apreço, tendo sido efetuado pelos Requerentes o respetivo pagamento, no montante de 28.909,38 € pelo Primeiro e no montante de 27.753,50 pelo Segundo, o que perfaz a importância total de 56.662,88 € (cfr. documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

K) Em 21-12-2022 o Primeiro Requerente e o Segundo Requerente apresentaram as reclamações graciosas n.ºs ...50, e ...68, respetivamente, contra as supra identificadas liquidações de Imposto do Selo, nas quais peticionaram a respetiva anulação (cfr. documentos n.ºs 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e Processo Administrativo).

L) Em 30-05-2023, os Requerentes foram notificados das decisões de indeferimento das reclamações graciosas que apresentaram (cfr. documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

M) Em 02-08-2023, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD).

3.1.2. Na decisão fundamento ficou apurada a seguinte factualidade:

1. A Requerente é uma sociedade de capital de risco, constituída em 6 de Abril de 2016, registada junto da CMVM, e que tem por objecto social a “Realização de investimentos em capital de risco e, no desenvolvimento da respectiva actividade, realização de todas as operações e o exercício de todas as actividades legalmente autorizadas às sociedades de capital de risco, incluindo, sem limitar, a gestão de fundos de capital de risco e, acessoriamente, o desenvolvimento das actividades que se revelem necessárias à prossecução das operações e actividades supra referidas, em relação às sociedades por si participadas ou aos fundos de capital de risco que se encontrem sob sua gestão”.

2. A sua actividade principal é a gestão dos fundos de capital de risco “C... Portugal L1 Fund - Fundo de Capital de Risco Fechado”, e “C... Portugal L2 Fund - Fundo de Capital de Risco Fechado”.

3. O seu CAE principal é o Cod. 064992 (OUT. ACT. SERV. FINANC. DIV., N.E., EXC. SEGUROS FUNDOS PENSÕES).

4. Na prossecução da sua actividade, a Requerente cobrou comissões aos fundos por si geridos, e liquidou sobre as mesmas IS à taxa de 4%, prevista na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), entregando o valor global de €93.516,67 correspondente às guias de pagamento e facturas:

[IMAGEM]

5. Em 16 de Maio de 2023, a Requerente veio, ao abrigo do disposto no artigo 131º, 1 do CPPT e do artigo 9.º, n.º 3 da LGT, deduzir reclamação graciosa dos actos tributários de autoliquidação.

6. Notificada em 25 de Julho de 2023 para exercer o seu direito de audição prévia, a Reclamante não o fez.

7. Em 6 de Setembro de 2023 foi proferido despacho de indeferimento no procedimento de reclamação graciosa, notificado em 7 de Setembro de 2023.

8. Em 7 de Novembro de 2023 a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Vimos já que o presente recurso vem interposto com a alegação de que a decisão arbitral recorrida se encontra em oposição com a decisão arbitral fundamento na solução que perfilharam sobre a questão de saber qual a extensão temporal dos juros indemnizatórios. Mais concretamente, qual o termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios nas situações em que, deduzida reclamação graciosa de autoliquidação de imposto de selo, ao abrigo do preceituado no artigo 131.º do CPPT, esta é expressamente indeferida e impugnada judicialmente esta decisão, vem a ser anulada sem que o erro de que padece seja imputável à Autoridade Tributária.

3.2.2. Para a Recorrente, nas referidas circunstâncias, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios deve coincidir com o que resulta da conjugação do n.º 1 e 3 alínea c) artigo 43º da LGT. Ou seja, deve entender-se que o período de contagem dos juros indemnizatórios se inicia na data em que foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa, como ficou decidido na decisão fundamento, e não na data em que foi realizada a autoliquidação como se julgou na decisão recorrida.

3.2.3. Em suma, para a Recorrente estão preenchidos os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, existindo semelhança suficiente entre as situações de facto em causa, por ainda ser possível subsumir os distintos factos ao mesmo quadro normativo. E estando as soluções jurídicas em causa em manifesta contradição entre si quanto à mesma questão fundamental de direito, impõe-se a anulação da decisão recorrida e que seja fixada jurisprudência em conformidade.

3.2.4. Adiantamos desde já que à Recorrente assiste razão quanto a estarem verificados os requisitos formais de admissibilidade - considerando que face à certidão do CAAD junta aos autos se confirma que o Recurso para Uniformização de Jurisprudência deu entrada no prazo de 30 dias subsequente à notificação da decisão arbitral recorrida e foi interposto por quem tem interesse legítimo na apreciação de mérito da decisão recorrida, tendo sido indicado como decisão fundamento decisão arbitral há muito transitado em julgado, mais se julgando verificados, agora definitivamente, os demais pressupostos e ónus formais consagrados nos artigos 25.º e 152.º do CPTA – e, consequentemente, nada obsta a que se avance para a aferição do preenchimento dos pressupostos substanciais de que está dependente o conhecimento de mérito. Porém, quanto ao preenchimento destes últimos a nossa resposta é diametralmente oposta.

3.2.5. Na verdade, como é sabido, a admissibilidade do Recurso para Uniformização de Jurisprudência depende, nuclearmente, da verificação cumulativa de dois requisitos: que haja contradição entre a decisão recorrida e a decisão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que a decisão impugnada não esteja em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo sobre a mesma questão (artigos 27.º, alínea b), do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA).

3.2.6. Procedendo a uma breve densificação destes requisitos, limitar-nos-emos a dizer que existe jurisprudência recentemente consolidada a obstar à admissão do recurso sempre que estejamos perante uma situação em que este Supremo Tribunal Administrativo por sucessivos acórdãos (especialmente quando deles resulta a intervenção de todos ou quase todos Senhores Conselheiros em exercício de funções na data de prolação do acórdão, o que permite concluir que todos perfilham o mesmo fundamento e sentido decisório), já se pronunciou sobre a questão, julgando-a, reiteradamente e sem votos de vencido, no mesmo sentido.

3.2.7. Relativamente há contradição ente a decisão recorrida e a decisão fundamento sobre uma mesma questão fundamental de direito verificar-se-á sempre que a questão de direito que nos é submetida para julgamento de uniformização tenha sido apreciada e decidida nos arestos em confronto num quadro fáctico substancialmente idêntico. Ou seja, a existência de uma mesma questão de direito pressupõe que exista uma identidade substancial de situações fácticas e que os factos determinantes em ambos os julgamentos tenham sido subsumidos a um regime jurídico substancialmente idêntico. Se o regime aplicado numa e noutra das decisões não for substancialmente idêntico - o que ocorrerá sempre que à luz de eventuais alterações de regime possam ser suscitados e valorados argumentos capazes de conduzir a outra solução - então não pode afirmar-se que num e noutro dos arestos foi apreciada uma mesma questão fundamental de direito.

3.2.8. Sintetizando: a apreciação do mérito do Recurso para Uniformização de Jurisprudência depende de um conjunto de pressupostos substantivos e o Supremo Tribunal Administrativo só o aprecia e uniformiza jurisprudência se esses requisitos estiverem cumulativamente preenchidos. Estes pressupostos destinam-se a confirmar que a questão de direito suscitada em ambas decisões (recorrida e fundamento) é substancialmente idêntica e que as respostas dadas por cada um dos julgamentos convocados são opostas.

3.2.9. É o que resulta, tendo presente que este Recurso para Uniformização de Jurisprudência foi interposto de decisão arbitral, do preceituado nos artigos 25.º, n.ºs 2 e 3 do RJAT, 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 140.º, n.º 3 e 152.º, n.º 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 688.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC).

3.2.10. Ora, a leitura das duas decisões arbitrais cujo confronto nos foi dado apreciar para efeitos de decidir sobre a verificação destes pressupostos substantivos permite-nos concluir com relativa facilidade que a alegada oposição de julgados não existe – conclusão que, de resto, não surpreenderá a Recorrente atento o teor daquelas decisões e os termos finamente recortados com que elaborou as suas conclusões de recurso, das quais resulta um esforço notório em ultrapassar os obstáculos que os exigentes pressupostos legais de admissibilidade colocam à sua pretensão de uniformização.

3.2.11. Na verdade, revertendo agora ao caso concreto, concordamos com a Recorrente quando aduz que quer a decisão recorrida quer o acórdão fundamento apreciaram o mérito das pretensões e através desses julgamentos colocaram termo aos respectivos processos. E, como também afirma, que ambas as decisões se moveram no âmbito de um circunstancialismo fáctico-jurídico semelhante: em ambos as decisões estava em causa aferir da legalidade de autoliquidações de imposto de selo operadas pelo sujeito passivo, relativamente 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo, relativamente às quais foi deduzida Reclamação Graciosa expressamente indeferida; destas decisões foi requerida pronúncia arbitral pedindo-se a anulação da liquidação e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios e em ambos os processos as liquidações foram anuladas, sendo que apenas na decisão recorrida houve condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

3.2.12. Acontece, porém, que, distintamente do que nos pretende fazer crer a Recorrente, não há oposição de julgamentos, como resulta do teor das decisões, em que estão devidamente identificadas a natureza das partes, as pretensões deduzidas e os fundamentos que determinaram um e outro dos julgamentos no que respeita ao pedido de juros indemnizatórios.

3.2.13. Na decisão arbitral recorrida, o Tribunal enunciou como questão decidenda a de saber se as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes estão ou não sujeitas a imposto do selo em Portugal à taxa de 4%, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4, constantes da Tabela Geral do Imposto do Selo, questão a que deu resposta negativa com a fundamentação de facto e de direito que passamos a resumir: estando nós, no caso, em presença de uma entidade estrangeira não residente em Portugal, condição essa que não se encontra prevista e/ou abrangida pelas citadas normas de incidência de IS, a resposta a dar à referida questão passará pela interpretação que se dê ao preceito normativo da territorialidade previsto no artigo 4.º do CIS, nomeadamente à disciplina consagrada no n.º 2, al. c) do artigo 4.º do CIS já que são as regras de extensão de territorialidade contidas nas várias alíneas desse preceito que ampliam o âmbito de incidência do IS. E, após efectuar uma profunda exegese da norma em questão, o Tribunal conclui que não restam dúvidas que, face à norma prevista na al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS, na redação em vigor, as instituições financeiras (não residentes) não se encontram abrangidas pelas normas de incidência de IS e, como tal as comissões cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes não estão sujeitas a este imposto em Portugal, à taxa de 4%, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4, constantes da TGIS. Em conformidade, reconhecendo que os Recorrente têm razão, anula as decisões de indeferimento das Reclamações Graciosas e os actos de liquidação de Imposto do Selo sobre as comissões de gestão cobradas pela referida Sociedade Gestora Alemã.

3.2.14. Debruçando-se sobre o pedido de juros indemnizatórios decidiu o Tribunal que «o erro que afeta as liquidações anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira que o praticou sem o necessário suporte factual e legal», concluindo que assiste aos Requerentes o direito a serem reembolsados da quantia de 56.662,88 € (28.909,38 €, quanto ao Primeiro Requerente e 27.753,50 €, quanto ao Segundo Requerente), que pagaram indevidamente, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 5, do RJAT, por força do acto anulado e ainda a serem indemnizados do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

3.2.15. Por sua vez na decisão arbitral fundamento o Tribunal deu como assente que no âmbito da sua atividade a Requerente cobrou aos fundos por si geridos comissões de gestão sobre as quais fez incidir imposto de selo que entregou ao Estado, vindo posteriormente a apresentar Reclamação Graciosa dessas autoliquidações, a qual foi objecto de indeferimento por parte da Administração Tributária.

3.2.16. Nesta mesma decisão arbitral o Tribunal conclui pela ilegalidade dos atos de liquidação de imposto de selo, com o fundamento de que «as SCR deixaram de constituir sociedades financeiras para efeitos do RGICSF e, consequentemente, para efeitos das Verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS – deixando de verificar-se, portanto, o pressuposto da incidência subjectiva».

3.2.17. Relativamente ao pedido de juros indemnizatórios o Tribunal Arbitral considerou que os erros que afectam as autoliquidações não são imputáveis à Requerida, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivados da sua prática, em face do preceituado no artigo 43.º da LGT. Porém, por o erro já ser imputável à Administração Tributária a partir da decisão da Reclamação Graciosa, momento e sede processual a partir do qual a Recorrente podia e devia ter deferido a pretensão das Recorridas, o Tribunal arbitral, aderindo à jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal Administrativo, condenou a Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data em que esta confirmou e manteve na ordem jurídica os actos de liquidação ilegais, ou seja, 6 de Setembro de 2023, com fundamento no n.º 1 e 3 do mesmo artigo 43.º da LGT [embora este último preceito (n.º 3 do artigo 43.º) não tenha sido invocado de forma expressa pelo julgador ao exteriorizar o seu julgamento, o seu regime é invocado no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo que o Tribunal convoca, e parcialmente reproduz, para sustentar a sua decisão. Entende-se, por isso, que a melhor interpretação do julgado é a que inclui na fundamentação jurídica da condenação em juros indemnizatórios o regime consagrado em ambos os preceitos legais].

3.2.18. Ora, com o muito respeito que nos merece a tese recursiva da Recorrente e o parecer do Excelentíssimo Procurador-geral Adjunto, não perfilhamos, insistimos, o julgamento de oposição, uma vez que nem a factualidade é substancialmente idêntica nem a decisão jurídica foi determinada por interpretações jurídicas distintas do artigo 43.º, n.º 1 da LGT.

3.2.19. Quanto ao primeiro obstáculo jurídico que logramos alcançar – inexistência de identidade substancialmente idêntica – é perfeitamente visível de toda a fundamentação aduzida nas decisões em confronto que foram totalmente distintos os factos e os argumentos jurídicos em que essas decisões se apoiaram.

3.2.20. E não se diga que estando em causa neste Recurso para Uniformização de Jurisprudência apenas a questão dos juros indemnizatórios esses fundamentos distintos determinantes da anulação são irrelevantes, uma vez que é ainda nos termos em que ficou reconhecida essa ilegalidade, no particular circunstancialismo de facto e de direito determinante do julgamento de ilegalidade que a imputação do erro e, consequentemente, a responsabilização pelo pagamento de juros indemnizatórios e a data a partir da qual são devidos que justificam os termos em que é realizado o julgamento de condenação em juros indemnizatórios ora objecto de sindicância. Sendo que, como começamos por referir no enquadramento supra realizado, se o regime aplicado numa e noutra das decisões não for substancialmente idêntico não pode afirmar-se que estamos perante uma mesma questão fundamental de direito.

3.2.21. Acresce que determinante para que houvesse condenação em juros indemnizatórios na decisão recorrida foi fundamental o entendimento de que da factualidade apurada resultava que o erro que afeta as liquidações anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira que o praticou sem o necessário suporte factual e legal, estando, por isso, preenchidos os pressupostos do direito a juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º, n.º 1 da LGT. Distintamente, na decisão arbitral fundamento, face aos factos apurados, o Tribunal arbitral julgou que os erros que inquinam as autoliquidações não são imputáveis à Requerida, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, que não havia direito aos peticionados juros indemnizatórios derivados da sua prática, em face do preceituado no artigo 43.º, n.º 1 da LGT, pressupostos que apenas se verificaram com a decisão proferida na Reclamação Graciosa que não reconheceu a ilegalidade das autoliquidações nos ermos conjugados dos nºs 1 e 3 do mesmo preceito e diploma legais [não sendo por isso correcta a afirmação da Recorrente, vertida na conclusão p) b. das alegações de recurso, de que em ambas as decisões os julgadores entenderam não ser imputável à Autoridade Tributária o erro nas autoliquidações uma vez que é inquestionável que apenas na decisão recorrida se entendeu que esse erro lhe era imputável].

3.2.22. Temos, pois, no limite, um erro de julgamento derivado de deficiente interpretação e valoração do circunstancialismo apurado para efeitos de julgamento da imputabilidade do erro que ambos reconhecem ter existido, quanto à pessoa a quem tal erro é imputável, mas não uma distinção quanto aos pressupostos que estão consagrados no artigo 43.º da LGT para efeitos de atribuição dos juros indemnizatórios - aliás, a Recorrente não deixa de salientar a existência de erro de julgamento quando nas suas conclusões de recurso e em abono do desacerto afirma que esse julgamento foi realizado « muito embora não tenha sido apurado, conforme respectivo probatório, qualquer circunstância susceptível de imputar o erro das autoliquidações à AT, nomeadamente uma qualquer orientação genérica ou informação vinculativa de acordo com as quais aquelas autoliquidações tenham sido efectuadas».

3.2.23. Concluímos, pois, que não existe nos arestos em confronto uma efectiva oposição de julgamentos relativamente à mesma questão fundamental de direito e, consequentemente, que o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência não deve ser admitido, como, a final, se decidirá.

3.2.24. As custas serão integralmente suportadas pela Recorrente, totalmente vencida, nos termos dos artigos 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ao processo judicial tributário ex vi artigo 281.º do CPPT.

4. DECISÃO

Termos em que, acorda o Pleno da Secção Tributária não tomar conhecimento do presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2025. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro - Catarina Alexandra Amaral Azevedo de Almeida e Sousa.