Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02214/09.9BELRS 0276/17
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
TRIBUTAÇÃO
DIVIDENDOS
ÂMBITO DO RECURSO
Sumário:I - Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via do disposto no art. 24.º da CEDT Portugal/Países Baixos, porque nos Países Baixos os dividendos em causa estão isentos de tributação.
II - Em sede do recurso interposto da segunda sentença proferida nos autos, na sequência de anterior acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que definiu o regime jurídico aplicável, como lhe compete em sede de revista (cf. art. 682.º, n.º 1, do CPC), e ordenou a descida dos autos ao tribunal de 1.ª instância apenas para apurar um facto e proferir nova sentença em que adeqúe à situação de facto o enquadramento jurídico já estabelecido (cf. arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1, do CPC), não pode voltar a discutir-se o regime jurídico aplicável à situação.
Nº Convencional:JSTA000P27331
Nº do Documento:SA22021031002214/09
Data de Entrada:10/23/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)
Recorrido 1:A………………..
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2214/09.9BELRS
Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
Recorrida: “A…………….”

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada (doravante Recorrida ou Impugnante), na sequência do indeferimento de pedido de revisão oficiosa, anulou a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), por retenção na fonte, efectuada quando da colocação à disposição da Impugnante dos dividendos distribuídos pela sociedade, sua participada, “B………, S.A.” (a seguir “B………”), condenando a Fazenda Pública à restituição desse montante, acrescido de juros indemnizatórios.

1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor ( A Recorrente identificou a primeira conclusão pela letra B).):

«B) In casu, pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a retenção na fonte, à taxa liberatória de 25%, sobre os dividendos distribuídos pela sociedade B…. à impugnante, violava o princípio da livre circulação de capitais, em razão da localização da sede da impugnante, ou seja, haveria uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes.

C) Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se haveria ou não diferença de tratamento entro residentes e não residentes, em razão da localização da sede.

D) Relativamente à causa decindendi, a Administração Tributária aquilatou que a Douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes.

E) O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art. 4.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23107 ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.

F) Na verdade, o Estado-Membro da entidade distribuidora dos dividendos, cumpriu com todos os preceitos legislativos, pelo que não se vislumbra de que modo o mesmo possam violar o direito comunitário.

G) Além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, B…., efectuou a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos arts. 90.º n.º 1, al c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, al. c), 14.º, n.º 3 e 89.º, n.º 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.

H) Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável a Administração Tributária.

I) Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo” esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões do facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos arts. 90.º, n.º 1, al c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, al c), 14.º, n.º 3 e 89.º, n.º 1, todos do CIRC, bem como da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho do 23/07 e dos arts. 12.º, 46.º,48.º e 56.º do Tratado CE.

J) Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o respeitoso Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ao factos que compõem o objecto da presente lide.

K) Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA in totum (no que concerne ao segmento recorrido) da Impugnação judicial aduzida pela Recorrida.

L) Por conseguinte, decidindo como decidiu, o respeitoso Areópago a quo lavrou em erro de julgamento nos termos supra explanados.

M) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado, vertido e fundamentado nos itens 19.º ao 110.º das Alegações que supra se aduziram, e das quais, as presentes Conclusões são parte integrante.

SEM PRESCINDIR,

N) Em sede de Contestação (datada de 12.03.2010) a qual, em sede de remissão para a informação de fls. 168 e sgs do PAT (datada de 05.03.2009) junto aos autos, foi suscitada pela aqui Recorrente, a intempestividade da apresentação da Impugnação judicial sub judice,

O) e como resulta do teor da decisão recorrida, o respeitoso Tribunal a quo não se pronunciou sobre a referida vicissitude processual, vulgo, Caducidade do Direito de Acção da Impugnante.

P) E tudo assim, apesar de a fls. 2 da douta sentença recorrida constar que:
Refere o Exm.º RFP que a presente impugnação é intempestiva por dever aplicar-se a previsão do art. 132.º do CPPT, atenta a data do acto tributário original 13/04/2004 (retenção na fonte) e a data em que foi deduzida a presente impugnação”.

Q) Ora, como é sabido, o douto tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sejam de natureza processual ou substantiva, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e deve limitar-se a tais questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

R) Todavia, o respeitoso Tribunal a quo, não conheceu, nem tão pouco se pronunciou sobre aquela vicissitude suscitada pela RFP.

S) Consequentemente, assim tendo preconizado uma omissão de pronúncia.

T) O tribunal a quo, nada disse, assim, é notório que há ilegal omissão de pronúncia, i.e., nulidade da sentença.

U) A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr. art. 668.º, n.º 1, do CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT).

V) No processo judicial tributário, o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no art. 125.º, n.º 1, do CPPTributário, no penúltimo segmento da norma cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11).

W) O prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis para as partes. X) É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do art. 493.º, nº.3, do CPCivil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento de meritis e a consequente absolvição oficiosa do pedido (cfr. Ac.T.C.A.Sul, 15/1/2013, proc.6038/12).

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais».

1.3 A Recorrida contra-alegou, formulando conclusões do seguinte teor:

«A) É objecto do recurso a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 12.06.2018, que julgou procedente impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida,

B) a qual determinou: (i) a anulação da retenção na fonte efectuada sobre os dividendos que lhe foram distribuídos em 08.11.2004; (ii) a condenação da AT à restituição do imposto indevidamente retido; e (iii) a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.

C) A sentença proferida pelo Tribunal a quo determinou a ilegalidade da retenção na fonte, por considerar que a discriminação imposta pela legislação portuguesa às sociedades não residentes no que diz respeito à tributação dos dividendos de fonte portuguesa viola o princípio da liberdade de circulação de capitais na União Europeia, consagrado nos artigos 56.º e 58.º do TCE a que actualmente correspondem os artigos 63.º e 65.º, do TFUE.

D) Resulta das conclusões de recurso apresentadas pela Fazenda Pública – se bem entendemos o alegado – que esta discorda da Sentença proferida, pois considera que: (i) padece de erro de julgamento, por entender que é feita pelo Tribunal uma errónea apreciação dos factos e do direito aplicável aos mesmos, por considerar que a tributação dos dividendos auferidos pela Recorrida é conforme o Direito da União Europeia; (ii) que não são devidos juros indemnizatórios por não se verificar qualquer das situações previstas no artigo 43.º da LGT e que (iii) a mesma é nula, por omissão de pronúncia sobre a excepção dilatória da caducidade do direito de acção, suscitada pela Recorrente.

E) Contudo, é convicção da Recorrida que a decisão proferida pelo Tribunal a quo revela uma correcta valoração da matéria de facto dada como provada e a correspondente subsunção às normas aplicáveis, não violando qualquer disposição legal, pelo que deverá ser a mesma mantida na íntegra.

F) Quanto à questão da intempestividade da acção, a excepção deve improceder, porquanto:
i) o pedido de revisão oficiosa do acto de retenção na fonte a título definitivo sobre dividendos distribuídos à Recorrida em 08.11.2004 foi apresentado dentro do prazo de quatro anos, previsto no n.º 2 do artigo 78.º da LGT (na redacção em vigor à data dos factos), sendo que este meio procedimental é, não só adequado, como o único meio à disposição da Recorrida;
ii) a notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa ocorreu em 20.10.2009 e a impugnação judicial foi apresentada em 04.11.2009 – ou seja, decorridos 15 dias – dentro do prazo de 90 dias previsto para o efeito, em cumprimento do disposto no artigo 102.º n.º 1 do CPPT.

G) Da leitura que se faz das conclusões de recurso da Fazenda Pública não é possível ficar com a certeza dos vícios que considera padecer a sentença, se está a imputar à sentença erro na aplicação do direito aos factos ou se está a impugnar a matéria de facto.

H) Não obstante, num e outro caso, considera a Recorrida que a pretensão da Fazenda Pública não pode proceder.

I) Se a Fazenda Pública estiver a imputar à sentença erro na fixação da matéria de facto então o recurso foi indevidamente dirigido ao STA, devendo este Tribunal declarar-se incompetente em razão da hierarquia, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 280.º do CPPT.

J) Caso este Tribunal tenha o mesmo entendimento, e se declare incompetente para conhecimento do mesmo, ordenando a baixa dos autos ao TCAS, sempre se dirá que as alegações da Fazenda Pública não cumprem o ónus da impugnação da matéria de facto previsto artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT,

K) porquanto a impugnação da matéria de facto não se satisfaz com a contradição ou, neste caso, com a demonstração (mais ou menos conseguida) de um ponto de vista contrário ao do juiz [do tribunal] a quo, devendo a inobservância da imposição prevista naquele artigo determinar a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da matéria de facto, o que se alega para todos os efeitos legais.

L) Quanto à alegada conformidade da tributação dos dividendos auferidos pela Recorrida com o Direito da União Europeia defendida pela Fazenda Pública, bem andou o Tribunal a quo ao ter decidido no sentido de considerar – conforme, aliás, parece hoje ser jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores – que “(…) a tributação ora posta em causa, é ilegal por violar o direito comunitário, nomeadamente os 12.º, 43.º, 46.º, 56.º e 58.º, n.º 3 do Tratado CEE, aplicáveis directamente na ordem interna dos Estados-membros por via do princípio do primado do direito comunitário (...) e, assim do efeito directo das normas do Tratado CEE, em vigor à data dos factos em presença nos autos”,

M) pelo que inexiste aqui qualquer erro de julgamento que possa ser imputado à sentença proferida.

N) Por último, declarada a ilegalidade do acto tributário de retenção na fonte, por desconformidade do direito Português com o direito da União Europeia, resulta erro imputável aos serviços, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, pelo que a sentença não merece qualquer censura».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja revogada a sentença recorrida e ordenada a baixa do processo, a fim de ser proferida nova sentença, após ampliação da matéria de facto, com a seguinte fundamentação: «[…]

III. Apreciação do Recurso

1. A Recorrente começa por assacar à sentença o vício de nulidade, por omissão de pronúncia, alegando que o tribunal não se pronunciou sobre a questão por si suscitada da caducidade da acção.
Mas não lhe assiste razão. Com efeito, a referida questão foi apreciada na sentença proferida pelo TT de Lisboa em 13/09/2016 e julgada improcedente, não tendo a Fazenda Pública se insurgido, no recurso que interpôs para este tribunal, contra essa parte da sentença, motivo pelo qual se formou caso julgado formal quanto a essa questão.
Na verdade, nesse primeiro recurso a Fazenda Pública apenas se insurgiu quanto à apreciação que o tribunal fez da questão da violação do princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e do princípio da livre circulação de capitais invocados pela impugnante e que conduziu à procedência da acção.
E sendo certo que a referida sentença foi revogada pelo acórdão do STA de 11/04/2018, esta revogação respeita apenas à parte da sentença objecto de recurso e que apreciou a referida questão (cfr. ponto 1.6 do referido aresto).
Assim sendo, em face da formação de caso julgado formal sobre essa questão, não se impunha ao TT de Lisboa, aquando da prolação da sentença agora objecto de impugnação, que voltasse a apreciar novamente essa mesma questão.
Entendemos, assim, que não se verifica a apontada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

2. A Recorrente questiona a sentença recorrida imputando-lhe erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 46.º, n.º 1, e 90.º, n.º 1, alínea c), do CIRC.
A questão passa pois por saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento que a Recorrente lhe assaca, designadamente se o entendimento sufragado na sentença sobre a violação dos princípios da livre circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento consagrados no direito comunitário se mostra ou não correto, e designadamente se à luz da Convenção celebrada entre o Reino dos Países Baixos e a República Portuguesa o crédito de imposto resultante da tributação operada em Portugal é passível de dedução na Holanda e assim neutralizar o efeito negativo da discriminação.
Como se deixou exarado no acórdão do STA de 11/04/2018, impõe-se indagar no caso concreto se «não obstante da legislação nacional decorrer, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais, consubstanciada em maior tributação da entidade não residente, essa restrição vem a ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação. Na verdade, se o imposto retido na fonte sobre os dividendos distribuídos por entidade com sede em Portugal à sua accionista não residente puder ser recuperado no país de residência, isto é, puder ser imputado no imposto sobre o rendimento devido pela sociedade ora Recorrida nos Países Baixos até ao montante da diferença de tratamento, não se verificará discriminação e restrição da livre circulação de capitais; mas se o imposto retido em Portugal não poder ser imputado no imposto devido pela ora Recorrida nos Países Baixos, em qualquer percentagem, por virtude de a lei holandesa não permitir a dedução, compensação ou recuperação do imposto pago em Portugal aquando da distribuição de dividendos – designadamente por estes beneficiarem aí de isenção de imposto –, verificar-se-á a violação dos invocados princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais».
E foi por o tribunal “a quo” não ter feito essa indagação, nem ter ponderado a força probatória de documento junto pela impugnante que o STA considerou não dispor de «base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se porque o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – exige-se que o Tribunal a quo amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa».
Ora, tendo os autos baixado à 1.ª instância, foi proferida novamente sentença, datada de 12/06/2018, na qual o tribunal “a quo” considerou, com base no ponto 13 do probatório, no qual se reproduz parte do conteúdo de documento junto pela impugnante, que «os dividendos distribuídos à impugnante não eram efectivamente tributados na Holanda (estado de residência)», concluindo-se, assim, que «não se produz a anulação dos efeitos discriminatórios provocada pela retenção na fonte efectuada ao abrigo da convenção para evitar a Dupla Tributação entre Portugal e a Holanda, i.e., não há neutralização».
Do referido documento, emitido por Serviços da Administração Fiscal Holandesa, consta, para além do mais que aqui não releva, que a impugnante «é sujeito a imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas nos Países Baixos, sem possibilidade de opção ou isenção». E é desta informação que a Mma. Juiz [do Tribunal]“a quo” conclui que «os dividendos distribuídos à impugnante não eram efectivamente tributados na Holanda (estado de residência)».
Afigura-se-nos, contudo e salvo o devido respeito, que da informação vertida no documento levado ao ponto 13 do probatório não é admissível extrair a conclusão retirada pelo tribunal “a quo”. Na verdade, no referido documento a Administração Fiscal holandesa apenas confirma a residência do sujeito passivo e que a mesma está sujeita ao imposto de sociedades correspondente ao IRC da legislação portuguesa. Nada mais se retira de tal documento e muito menos a conclusão que o tribunal “a quo” extraiu de que “os dividendos distribuídos à impugnante não eram tributados” (por referência ao ano de 2004 em que os mesmos foram obtidos).
Como deixamos exarado no parecer por nós emitido no recurso n.º 0884/17 tramitado neste tribunal (e no qual foi proferido o acórdão de 12/09/2018), ainda que se dê como dado adquirido que a legislação holandesa consagra a denominada “participation exemption”, impunha-se definir em que termos essa isenção está estabelecida, e tais elementos não podem ser dados como adquiridos no processo. Por outro lado e salvo o devido respeito, não se aceite o entendimento sufragado no acórdão do STA de 07/10/2015 (proc. 0768/13), no sentido de que não tendo a Fazenda Pública posto em causa o regime assim delineado na sentença, deve considerar-se que «…está, suficientemente adquirido nos autos o regime de tributação de tais dividendos nos Países Baixos (isenção), forçoso é concluir que se trata de um regime que não permite a neutralização da tributação, ainda que por via da aplicação da CEDT, impondo-se, por conseguinte, a anulação das liquidações, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56.º do TCE (63.º do actual TFUE)».
Entendemos, assim, que para apreciação da questão colocada nos autos se impõe a aquisição para o processo dos elementos da legislação holandesa em vigor no ano de 2004 a fim de aferir da possibilidade de a impugnante imputar no imposto a que está sujeita na Holanda do montante correspondente à retenção suportada em Portugal, indagação esta que o tribunal “a quo” não fez (pois limitou-se a proferir nova decisão sem efectuar quaisquer diligência).
E nessa medida afigura-se-nos que se impõe novamente a revogação da sentença recorrida, para uma ampliação adequada da matéria de facto, em ordem a decidir tal questão».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou verificar-se a invocada ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela Impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o princípio da liberdade de circulação de capitais, o que, como procuraremos demonstrar adiante, passa exclusivamente por indagar se a sentença deu como provado que os rendimentos em causa (os dividendos distribuídos pela sociedade nacional, sua participada) à Impugnante e ora Recorrida (sociedade comercial de direito neerlandês, com sede social nos Países Baixos, sem direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional) não eram tributados no país da residência (i.e., nos Países Baixos).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«1- A impugnante é uma sociedade comercial de direito holandês, denominada “besloten vennootschap met beperkte aansprakelijkheid”, com sede social na Holanda, sem direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional – cfr. fls. 36 dos autos;

2- Em 19/05/1999, a impugnante tornou-se accionista do B………., este com sede em Portugal, adquirindo 6.000.000 acções por um valor unitário de 26,63 €, no montante total de 159.780.000, procedendo a sucessivas aquisições até 2008 – Acordo;

3- Em 08/11/2004, o B…… procedeu à distribuição de dividendos aos seus accionistas, relativos às acções identificadas pelo código PTB......OAM0007, no montante bruto de € 0,03 por acção – cfr. fls. 31 e 32 dos autos;

4- No âmbito da referida distribuição de dividendos, a impugnante, titular de 82.142.072 acções, auferiu um rendimento bruto de € 2.464.262,16, o qual foi objecto de retenção na fonte, à taxa de 25%, no montante total de € 616.065,54 – cfr. fls. 31 e 32 dos autos;

5- Em 09/11/2004, a impugnante apresentou pedido de reembolso parcial do imposto português sobre dividendos mencionados na alínea anterior, ao abrigo da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda, através de formulário 14 RFI – Acordo;

6- Em 20/12/2008, a taxa de retenção na fonte veio a ser corrigida pela A.T. tendo sido efectuado o reembolso à impugnante no valor de € 369.639,32, por meio de cheque emitido em 22/12/2008 e pago em 27/01/2009 (Guia de RF n.º 80037105167) – cfr. fls. 12 e 13 do processo administrativo em apenso aos autos;

7- A correcção efectuada pela Administração Tributária, referida no ponto anterior, é resultante do accionamento da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e a Holanda – cfr. fls. 26 a 48 do processo administrativo em apenso aos autos;

8- Do accionamento da Convenção resultou a decisão de redução da taxa que se traduz no valor final não reembolsado à impugnante seguinte: € 616.065,54 - € 369.639,32 = € 246.426,22 – cfr. fls. 12 e 13 do processo administrativo em apenso aos autos;

9- Em 11/11/2008, a ora impugnante, apresenta junto do Director-Geral dos Impostos pedido de revisão do acto tributário (art. 78.º da LGT), solicitando o reembolso do montante de € 616.065,54, acrescido de juros indemnizatórios – cfr. fls. 62 a 84 do processo administrativo em apenso aos autos;

10- Em 14/05/2009, pela Directora de Serviços da DSIRC, é proferido despacho do projecto de decisão, para o exercício do direito de audição prévia, estribado na informação n.º 671/09 “ (…) no caso em apreço, a Administração Tributária não teve participação directa na liquidação, uma vez que esta foi da responsabilidade do substituto tributário que efectuou a retenção na fonte. E, nestes termos, não é líquido que existindo erro na liquidação, este possa ser imputado à Administração fiscal; Pois, conforme no n.º 2 do art. 78.º da LGT, apenas para efeito de pedido de revisão, o erro na autoliquidação é equiparado a erro dos serviços; Todavia, considerando que foi aqui posta em causa legislação fiscal portuguesa relativa a dividendos pagos por sociedade residente a outra residente noutro Estado-Membro, admite-se que indirectamente possa ter existido erro imputável aos serviços; Ora, a liquidação de imposto por retenção na fonte sobre os dividendos pagos pelo banco português a seu accionista neerlandês, foi efectuada na estrita observância do disposto nos arts. 88.º, 89.º, 90.º, todos do CIRC e no art. 10.º da CEDT respectiva (…) E, verificando-se a inexistência de qualquer vício na relação jurídica tributária, é devido o imposto retido na fonte (…) Por conseguinte, não se dando por verificado qualquer erro nos pressupostos de facto e de direito da relação jurídico-tributária, não há qualquer erro imputável aos Serviços da Administração fiscal que justifique a revisão da liquidação. E nestes termos não é legitimo o pedido de revisão; Pelo que não deverá ser promovida a revisão da liquidação (…).” – cfr. fls. 46 a 56 dos autos;

11- Em 20/10/2009, a impugnante foi notificada da decisão da A.T. que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, indeferindo o mesmo – cfr. fls. 2 e 3 do processo administrativo em apenso aos autos;

12- Em 04/11/2009, por meio de carta registada com aviso de recepção é remetida à Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, petição inicial que consubstancia a presente impugnação judicial – cfr. fls. 3 a 64 dos presentes autos;

13- Em 17/03/2008 a Administração Fiscal de Amesterdão certifica que a A………… Holding N.V., n.º de identificação fiscal …………..: “(...) a) é uma sociedade abrangida pelo conceito do artigo 2.º da Directiva do Concelho de 23 de Julho de 1990 sobre o sistema comum de tributação aplicável às sociedades mães/sociedades filhas de diferentes Estados-Membros (90/435/EEC), alterada pela Directiva do Concelho 2003/123/EC, de 22 de Dezembro de 2003 (doravante Directiva do Concelho); b) é residente nos Países Baixos para fins fiscais e, de acordo com uma convenção de dupla tributação celebrada com Estado terceiro, não é considerada, para fins fiscais, como sendo residente fora da Comunidade; c) é sujeito a imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas nos Países Baixos, sem possibilidade de opção ou de isenção.
Esta sociedade tem continuamente reunido as condições mencionadas nos parágrafos a), b) e c), desde Janeiro de 1999 (...)” – cfr. (tradução certificada) a fls. 93 a 97 do processo administrativo em apenso aos autos».

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, a sentença deu ainda como assente, se bem que na parte onde procedeu à fundamentação de direito, o seguinte facto:

«os dividendos distribuídos à impugnante não eram efectivamente tributados na Holanda (Estado de residência)».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 A ora Recorrida é uma sociedade de direito neerlandês, com sede social na Holanda, sem direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional. Em 2004, recebeu dividendos de um banco português, no qual detinha uma participação no capital social.
Esse banco, quando da colocação desses dividendos à disposição da sociedade ora Recorrida, reteve IRC à taxa de 25%. Ulteriormente, na sequência do pedido efectuado pela sociedade ora Recorrida, a AT restitui-lhe o imposto retido na parte em que excedeu a taxa de 10%, que considerou ser a aplicável.
A ora Recorrida formulou pedido de revisão da liquidação, com o fundamento de que foi violado o princípio comunitário da livre circulação de capitais, pois que no momento da ocorrência dos factos tributários estavam verificados, com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os requisitos de que dependia a aplicação dos arts. 46.º, n.º 1, e 90.º, n.º 1, alínea c) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), pelo que, se a Impugnante fosse, à data de tais factos, residente em território português, não lhe seria efectuada retenção alguma de imposto relativamente aos valores em causa.
O pedido de revisão foi indeferido e a ora Recorrente deduziu a presente impugnação judicial, ao abrigo do disposto nos arts. 99.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), mantendo a tese de que não estava sujeita a tributação pelos rendimentos em causa, sob pena de violação do princípio comunitário por restrição não justificada à livre circulação de capitais e pedindo também a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art. 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

2.2.1.2 Em 13 de Setembro de 2016, foi proferida nos autos sentença, que, anuindo à argumentação da Impugnante e ora Recorrida, julgou a impugnação judicial procedente, por considerar, em síntese, que o acto impugnado é ilegal, por violação do direito comunitário, nomeadamente os arts. 12.º, 43.º, 46.º, 56.º e 58.º, n.º 3 do Tratado da Comunidade Económica Europeia (CEE), aplicáveis directamente na ordem interna dos Estados-membros por via do princípio do primado do direito comunitário (cf. art. 8.º da Constituição da República Portuguesa) e, assim, do efeito directo das normas do Tratado CEE, em vigor à data dos factos em presença nos autos.
A sentença apreciou também a questão da intempestividade da impugnação judicial, suscitada pelo Representante da Fazenda Pública na contestação, e julgou-a improcedente.

2.2.1.3 A Fazenda Pública discordou dessa sentença, exclusivamente na parte respeitante à violação do direito comunitário ( No que respeita ao decidido quanto à intempestividade da impugnação judicial, a Recorrente conformou-se com o decidido.), e dela recorreu para este Supremo Tribunal. Por acórdão proferido em 11 de Abril de 2018 ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bb11ef0c69bcb8578025826e004b53b0.), o Supremo Tribunal Administrativo decidiu conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressassem à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova sentença, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, nos termos que definiu e que, nos termos do sumário daquele aresto, se podem enunciar do seguinte modo:
«I- Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
II- Tendo em conta o disposto no art. 24.º da CEDT Portugal/Países Baixos, em face da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente nos Países Baixos, impõe-se apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa – maxime a sua alegada isenção de tributação – para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos, em ordem a fazer respeitar a imposição comunitária da livre circulação de capitais (art. 56.º do TCE, actual art. 63.º do TFUE).
III- Não dispondo o Supremo Tribunal Administrativo de base factual para decidir a questão, há que ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, após ampliação da matéria de facto pertinente».
Em síntese, o Supremo Tribunal considerou que da legislação nacional decorre, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais, consubstanciada em maior tributação da entidade não residente.
No entanto, considerou também que essa restrição poderia vir a ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação. Isto porque, se o imposto retido na fonte sobre os dividendos distribuídos por entidade com sede em Portugal à sua accionista não residente puder ser recuperado no país de residência, isto é, puder ser imputado no imposto sobre o rendimento devido pela sociedade ora Recorrida nos Países Baixos até ao montante da diferença de tratamento, não se verificará discriminação e restrição da livre circulação de capitais; mas se o imposto retido em Portugal não puder ser imputado no imposto devido pela ora Recorrida nos Países Baixos, em qualquer percentagem, por virtude de a lei neerlandesa não permitir a dedução, compensação ou recuperação do imposto pago em Portugal aquando da distribuição de dividendos – designadamente por estes beneficiarem aí de isenção de imposto –, verificar-se-á a violação dos invocados princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais.
Assim, prosseguiu aquele acórdão, para que se pudesse concluir no sentido da restrição da livre circulação de capitais e do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as sociedades não residentes, no caso teria que ficar demonstrado que, por via da retenção na fonte efectuada em Portugal e da taxa de imposto neerlandês incidente sobre os rendimentos obtidos globalmente, resultou uma tributação mais gravosa para a ora Recorrida (entidade não residente) do que a aplicável às sociedades residentes.
Mais se considerou no referido acórdão que se impunha apurar se, como alegou a Recorrida, a discriminação do tratamento resultante da legislação portuguesa não é resolvida por via convencional, uma vez que os rendimentos em causa (os dividendos pagos à ora Recorrida pelo banco nacional) estavam isentos de tributação nos Países Baixos, ao abrigo do regime da participation exemption neerlandês e se e em que medida é a CEDT – Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999 ( Publicado no Diário da República, n.º 159/2000, I Série - A, de 12 de Julho de 2000,
ELI: http://data.dre.pt/eli/resolassrep/62/2000/07/12/p/dre/pt/html.) –, permitia, no caso concreto, neutralizar a tributação, e, por conseguinte, fazer respeitar a imposição comunitária da livre circulação de capitais; que, sem apurar tal facto, não era possível decidir sobre a concreta ilegalidade e, em função desse julgamento, anular ou manter a liquidação impugnada.
Foi com essa argumentação que este Supremo Tribunal, no referido acórdão, anulou a primeira sentença proferida nos autos e determinou que o Tribunal a quo ampliasse a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa.
Ou seja, o Supremo Tribunal Administrativo definiu o direito aplicável, como lhe compete em sede de revista (cf. art. 682.º, n.º 1, do CPC), e apenas ordenou a descida dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa para apurar o referido facto e proferir nova sentença em que adeqúe à situação de facto o enquadramento jurídico já estabelecido (cf. arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1, do CPC).

2.2.1.4 Os autos regressaram ao Tribunal Tributário de Lisboa e aí foi proferida nova sentença.
No que ora nos interessa considerar, entendeu a sentença recorrida que está provado que «os dividendos distribuídos à impugnante não eram efectivamente tributados na Holanda (Estado de residência)».
Decidiu, em conformidade, anular a liquidação impugnada e condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios.

2.2.1.5 Recorre novamente a AT. Considera a Recorrente que esta segunda sentença proferida nos autos

i) enferma de omissão de pronúncia quanto à questão da caducidade do direito de impugnação, invocada na contestação [cf. conclusões N) a X)] e

ii) fez errado julgamento quando considerou que se verificava a invocada ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela Impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o princípio da liberdade de circulação de capitais [cf. conclusões B) a M)].

2.2.1.6 Na delimitação das questões a apreciar e decidir, não podemos perder de vista que o presente recurso tem como objecto a segunda sentença proferida nos presentes autos e em cumprimento do anterior acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.
Assim, antes do mais, e como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto no parecer acima transcrito (em 1.4), não pode agora discutir-se a questão da caducidade do direito de impugnação, como pretende a Recorrente, que considera que a sentença omitiu pronúncia quanto a essa questão.
A caducidade do direito de acção foi apreciada na primeira sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 13 de Setembro de 2016, que a julgou improcedente, e, porque a questão não foi incluída no objecto do recurso interposto dessa sentença para este Supremo Tribunal, deve ter-se por transitada em julgado (cf. arts. 628.º e 635.º, n.º 5, do CPC). Sob pena de violação do caso julgado formal (cf. art. 620.º, n.º 1, do CPC), não podia a questão ser reapreciada pelo Tribunal Tributário de Lisboa – que, bem, o não fez na segunda sentença proferida nos autos –, nem o pode ser por este Supremo Tribunal em sede de recurso da segunda sentença proferida nos autos.
A sentença não enferma, pois, da nulidade por omissão de pronúncia que a Recorrente lhe assacou.

2.2.1.7 Também quanto ao invocado erro de julgamento, não podemos desprezar o facto de a sentença sob recurso ter sido proferida em sede de novo julgamento efectuado pelo Tribunal Tributário de Lisboa em cumprimento de anterior acórdão e dentro dos limites por ele definidos.
Como deixámos já dito, no âmbito do recurso da primeira sentença proferida nos autos, este Supremo Tribunal definiu o direito aplicável, deixando traçado o quadro jurídico regulador do caso concreto, e ordenou a descida dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa apenas para apurar o facto que considerou em falta e, depois, proferir nova sentença em que adeqúe à situação de facto o enquadramento jurídico já estabelecido (cf. arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1, do CPC).
Daqui resulta que o recurso interposto desta segunda sentença proferida nos referidos termos, ora sob julgamento, não pode ter como objecto a discussão sobre se da legislação nacional decorre, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais, consubstanciada em maior tributação da entidade não residente. Essa discussão foi já efectuada e, definitivamente, respondida por este Supremo Tribunal nos presentes autos, pelo que não pode agora ser reaberta.
A única questão subsistente era a de saber se essa restrição era neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação. Questão que este Supremo Tribunal não pôde responder no primeiro recurso por não ter sido estabelecida a pertinente factualidade.
A essa questão deu o Tribunal Tributário de Lisboa resposta negativa depois de estabelecer que «os dividendos distribuídos à impugnante não eram efectivamente tributados na Holanda (Estado de residência)». Se o fez bem ou mal, não nos cumpre agora apreciar, contrariamente ao que sustenta o Procurador-Geral-Adjunto, pois, salvo o devido respeito, nem essa factualidade foi objecto do recurso, nem este Supremo Tribunal teria competência, em razão da hierarquia, para sindicar o julgamento da matéria de facto efectuado pela 1.ª instância [cf. arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e art. 280.º, n.º 1, do CPPT.
Era essa questão – a de saber se essa restrição era neutralizada, em concreto, por via da já referida Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital – a única que ora podia ser objecto de recurso.
Mas não foi essa questão que a Recorrente elegeu como objecto do recurso, mas antes a de saber se da legislação nacional decorre, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais.
Porque, como ficou já dito, esta questão foi já decidida nos autos por este Supremo Tribunal, o recurso não pode ser provido, como decidiremos a final.

2.2.2 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via do disposto no art. 24.º da CEDT Portugal/Países Baixos, porque nos Países Baixos os dividendos em causa estão isentos de tributação.

II - Em sede do recurso interposto da segunda sentença proferida nos autos, na sequência de anterior acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que definiu o regime jurídico aplicável, como lhe compete em sede de revista (cf. art. 682.º, n.º 1, do CPC), e ordenou a descida dos autos ao tribunal de 1.ª instância apenas para apurar um facto e proferir nova sentença em que adeqúe à situação de facto o enquadramento jurídico já estabelecido (cf. arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1, do CPC), não pode voltar a discutir-se o regime jurídico aplicável à situação.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente [cf. art. art. 527.º do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, alínea e), do CPPT].

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Lisboa, 10 de Março de 2020. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Paulo José Rodrigues Antunes.