Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:08197/14.6BCLSB
Data do Acordão:11/06/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOÃO SÉRGIO RIBEIRO
Descritores:RECURSO HIERÁRQUICO
INTEMPESTIVIDADE
Sumário:I - A questão fundamental a que importa dar resposta, e em que assenta o acórdão recorrido, é a de saber se o recurso hierárquico foi ou não interposto tempestivamente.
II - Não poderia o Secretario de Estado ter recusado conhecer do recurso hierárquico, merecendo o acórdão recorrido censura relativamente a esta questão. Impondo-se ainda que o Secretário de Estado aprecie o recurso, com todas as inerentes consequências legais, designadamente o retomar do procedimento e o assegurar de todos os direitos e garantias, incluindo as impugnatórias, que possam ser suscitados pela decisão que vier a ser tomada.
III - Acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo provimento ao recurso, revogar parcialmente o acórdão recorrido e anular o ato do Secretário de Estado impugnado, mais ordenando a baixa dos autos ao TCA Sul.
Nº Convencional:JSTA000P32847
Nº do Documento:SA22024110608197/14
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. A..., LDA., identificada nos autos, inconformada, interpõe recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 15/09/2022 que, na ação administrativa especial de impugnação que intentara do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 724/2006-XVII, de 05/06/2006 - que não conheceu o recurso hierárquico interposto do despacho da Diretora-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, de 11/04/2005, o qual revogou o estatuto de pequena cervejeira da ora recorrente e que havia sido atribuído pelo despacho do Subdiretor-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, de 26/03/1999 -, julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação suscitada, ficando prejudicado, por inutilidade, o conhecimento das demais questões invocadas, e, em consequência, absolveu as entidades demandadas da instância, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:

«1. Dezasseis anos passados sobre a entrada dos presentes autos em Tribunal, decide-se pela intempestividade da presente acção, o que é incompatível com a advinhada complexidade da entrada em tabela, pelo menos seis vezes, sem que a Conferência, até agora, tivesse proferido Acórdão.
2. Um dos Senhores Desembargadores que foi titular do processo, manifestamente que não admitia ocorrer intempestividade que o Acórdão recorrido entende que se regista, pois justificou o seu atraso na necessidade obter perícia sobre a questão de fundo em causa.
3. O processo, bem como o processo administrativo instrutor, contêm todos os elementos que teria permitido ao Tribunal “a quo” concluir pela ilegalidade do ofício/notificação subscrito pela diretora de Serviços AA, da sua inteira lavra, e sem a menor correspondência com o teor e conteúdo do despacho da Diretora-Geral das Alfândegas, de 11-04-2005, objecto de tal notificação.
4. Tratando-se, como se tratava, de despacho de “Concordo” “per relationem”, teria o mesmo, por imperativo legal, de ser notificado com cópia ou fotocópia integral, incluindo dos documentos (pareceres ou informações) a que se reportava (alínea a), do nº 1 do artº 123º do CPA).
5. Não tendo tal acontecido e não sendo possível destrinçar no arrazoado do ofício subscrito pela Diretora dos Serviços AA, o que seria de sua exclusiva lavra e o que integraria o despacho notificando, assistia à recorrente o direito de requerer, como requereu, que lhe fosse extraída e entregue certidão integral do acto em causa e demais elementos que o integravam (nº 1., do artº 37º do CPPT e nº 2., do artº 60º do CPTA, aplicável ex vi da alínea a) do artº 2º do CPPT).
6. É unânime a doutrina e a Jurisprudência, relativamente à essencialidade da notificação integral do acto, quando recorre a fundamentação “per relationem”, para que se assegure ao recorrente o acesso necessário ao exercício do direito de impugnação dos actos da Administração (artºs 20º e 268º da CRP).
7. A omissão de tal obrigação implica a nulidade do procedimento de notificação que enferme de tal falta ou vício, por ferir a esfera essencial de um direito fundamental.
8. Por assim ser, o prazo para a interposição do recurso hierárquico, bem como para a impugnação contenciosa do despacho da Diretora-Geral das Alfândegas em causa, de 11-04-2005, só se inicia com a notificação à recorrente da certidão, por fotocópia, do acto em causa “Concordo por isso revogo”, bem como das informações e demais documentos a que o mesmo se reportava, pese embora a falta dos pareceres dos Diretores das Alfândegas do Funchal e de Ponta Delgada, bem como da informação ...05.
9. Tendo-se interposto, dentro do prazo legal, recurso hierárquico facultativo e não contendo o nº 4, do artº 59º do CPTA o inciso “consoante o que ocorra em primeiro lugar”, conjugado com o nº 5 da mesma disposição, dúvidas não existiam que era legítimo aguardar a notificação do acto expresso que recaísse sobre o recurso hierárquico.
10. Tanto mais que, tratando de recurso hierárquico facultativo, como bem refere o prof. Esteves de Oliveira, não se forma acto tácito de indeferimento, pelo decurso do tempo para a sua decisão, que tivesse de ser impugnado, razão pela qual o prazo para a impugnação contenciosa manteve-se suspenso até ser proferido despacho expresso pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
11. Assim sendo e porque haviam decorrido apenas 30 dias dos três meses de prazo para a impugnação contenciosa, a entrada da presente acção em 15-09-2006, tendo em consideração as férias judiciais, foi totalmente tempestiva.
12. Aliás, relativamente a processo paralelo da Empresa B..., envolvendo o mesmo acto da Diretora-Geral das Alfândegas, e respeitando a mesma tramitação e os mesmos timings (prazos) do caso sub judice, mereceu o inequívoco reconhecimento de absoluta tempestividade da acção relativa à B..., conforme Acórdão de 15-01-2013, que em parte se transcreveu.
13.O Acórdão recorrido violou, de entre outras, todas as disposições legais supra citadas.
14. Protesta-se juntar certidão do Acórdão de 15-01-2013, a que se reporta o Processo nº 4127/10 (Acão Administrativa Especial), não obstante o Tribunal ter pleno acesso.
Termos em que dever-se-á declarar procedente o presente recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido, como é de Direito e de Justiça.»

1.2. O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e a Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência do presente recurso e pela confirmação do acórdão recorrido, mas não ofereceram conclusões.

1.3. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, emitiu douto parecer que se transcreve:
«(…)
A..., Ld.ª. vem interpor recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em primeira instância, datado de 15 de Setembro de 2022, que julgou procedente a suscitada excepção de caducidade do direito de acção relativamente ao despacho da Directora-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, de 11/04/2005, que revogou o estatuto de pequena cervejeira, ficando prejudicado por inutilidade o conhecimento das demais questões suscitadas, e, consequentemente, absolve-se as entidades requeridas da instância (artigo 89.º, n.º 1, alínea h) do CPTA).

A ora recorrente, intentou acção administrativa especial de impugnação contra o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e contra o Directora Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, após ter sido notificada do despacho n.º 724/2006XVII, datado de 05/06/2006, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que rejeitou, por intempestividade, o recurso hierárquico interposto do despacho da Directora Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, datado de 11/04/2005, que lhe revogou o estatuto de pequena cervejeira.

O presente recurso, encontra-se sujeito às regras previstas no CPTA, como resulta do estatuído na norma n.º 2 do artigo 279.º do CPPT:
“Os recursos dos actos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”

Com efeito, a acção administrativa constitui um meio processual comum à jurisdição administrativa e tributária e do artigo 279.º do CPPT resulta inequivocamente que o regime de recursos que nele se encontra previsto só se aplica aos processos regulados nesse mesmo Código.
Pelo que, na falta de indicação do regime de recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária há aplicar o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do artigo. 2.º do CPPT.

Aliás, o n.º 2 do artigo 97.º do CPPT impõe que se aplique às acções administrativas o regime previsto nas normas sobre processo nos tribunais administrativos, e nesse regime inserem-se, naturalmente, as normas referentes aos recursos jurisdicionais que nesses processos sejam interpostos (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 14 i2) ao artigo 97.º, pág. 49, e IV volume, anotação 3 ao artigo 279.º, pág. 321).

A intervenção do Ministério Público nos recursos jurisdicionais interpostos no âmbito do CPTA é subsequente à sua notificação (cf. artigo 146º, nº 1, do CPTA).

No entanto, o MºPº não se pronuncia sobre o mérito do recurso, uma vez que a relação jurídico-material controvertida não implica direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais (cf. artigos 9º, nº 2, 85º, nº 2 e 146º, nº 1, todos do CPTA).»

1.4. Notificadas as partes para se pronunciarem sobre o conteúdo do Parecer do Ministério Público, nada disseram.

1.5. Cumpre apreciar e decidir.

2. Fundamentação de facto

O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto:
1) Em 17/12/2004 a A. deu entrada de requerimento dirigido ao Director-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, expondo, em síntese, que em 22/11/1998 foi-lhe deferido por despacho do Subdirector-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo a atribuição do estatuto de pequena cervejeira, que desde então e até à data tem observado os requisitos legais inerentes à manutenção de pequena cervejeira, justificando-se que continue a beneficiar desse estatuto, requereu a final a atribuição do estatuto de pequena cervejeira (cfr. fls. 1 a 3 do processo instrutor).

2) Através do ofício datado de 10/03/2005 a A. foi notificada do projecto de decisão de revogação do estatuto de pequena cervejeira, para exercer o direito de audição prévia, previsto no artigo 60.º da LGT (cfr. fls. 279 a 280 do processo instrutor apenso).

3) Em 24/03/2005 a A. exerceu o direito de audição prévia através do requerimento de fls. 291 a 300 do processo instrutor.

4) Em 11/04/2005 a Directora-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo revogou o estatuto de Pequena Cervejeira à “A..., Lda.”, tendo exarado na informação n.º ...05, que remete para os fundamentos apontados nas informações n.ºs ...05 e ...05, que aqui se dá por integralmente reproduzida, o seguinte despacho «Concordo, pelo que revogo» (cfr. fls. 116 e 117 do suporte físico).

5) Através do ofício datado de 26/04/2005, registado com aviso de recepção, a A. foi notificada de que «(…) por despacho de 11.04.2005, proferido pela Senhora Directora-Geral, (…), foi revogado o estatuto de pequena Cervejeira à C..., Lda., com os seguintes fundamentos: (…)», que se transcrevem:
De Facto

I
1. Em 17/12/2004 deu entrada na Direcção de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo um pedido de atribuição do Estatuto de Pequena Cervejeira, formulado, pela B... Lda., sedeada em ....
2. A requerente fundamenta o seu pedido no facto de ser detentora, desde 1998, do referido estatuto, afirmando sempre ter observado os requisitos legais inerentes à manutenção do mesmo, sendo detentora de um único Entreposto Fiscal de Produção.
3. A B... Lda., empresa constituída sob a forma de sociedade comercial por quotas, afirma sempre ter sido, jurídica, económica e contabilisticamente independente de outras empresas cervejeiras, prevendo que a produção de cerveja no ano 2005 não atingirá os 200.000 hl.
4. Embora entenda não ser legalmente exigível a renovação anual do estatuto, apresenta o pedido tendo em conta o teor da nota Circular n.° 390 de 2004.
5. Por último, refere que os serviços de inspecção desta Direcção-Geral suscitaram dúvidas sobre se, a circunstância da A... ser detentora da totalidade do seu capital social, seria impeditivo da manutenção do estatuto. Para remover tais dúvidas, protestou apresentar documento comprovativo de que a empresa em causa deixou de ser titular do capital social da requerente, o que, até à presente data, não se verificou.
6. Entretanto, em 20/12/2004, a A..., Lda., sedeada em ... - Funchal, veio apresentar, nestes Serviços, um pedido de manutenção do Estatuto de Pequena Cervejeira, que fundamenta no facto de ser detentora, desde 1999, do referido estatuto.
7. A requerente vem declarar sempre ter observado os requisitos legais inerentes à manutenção do mesmo estatuto, sendo detentora de um único Entreposto Fiscal de Produção.
8. Mais afirma trata-se de uma empresa constituída sob a forma de sociedade comercial por quotas, sempre ter sido, jurídica, económica e contabilisticamente independente de outras empresas cervejeiras e prevê igualmente que a produção de cerveja no ano 2005 não atingirá os 200.000 hl.
9. Entendendo, também, não ser legalmente exigível a renovação anual do estatuto, apresenta o pedido tendo em conta o teor da nota Circular n.º 390 de 2004.
II
10. As duas cervejeiras foram objecto de acções de fiscalização pela Direcção de Serviços Antifraude, (cujos relatórios se dão por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais), na sequência das quais, foi detectado e apurado que, em Novembro de 2002, deixaram de usufruir do estatuto de pequena cervejeira previsto no art.° 61° do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), pelo que se procedeu ao apuramento de uma dívida no montante de 2.029.130,48 €, imputável à A…, Lda., e de outra dívida no montante de 375.999,57 € imputável à B..., Lda..
11. De acordo com o teor do relatório final das acções fiscalizadoras efectuadas, cujo período em análise se reportou aos anos de 2002, 2003 e primeiro semestre de 2004, ficou apurado que a A..., Lda., é, desde 1991, detentora de 100% do capital social da B... Lda., conforme, aliás, também se conclui pela fotocópia da certidão da Conservatória do Registo Comercial, junta ao processo.
12. Atentos os factos, considerou-se que a situação das empresas se enquadrava no n ° 2 do art.° 61.º do CIEC, por ter sido violado o estabelecido na alínea b) do n.° 1 deste mesmo artigo, pois atenta a definição constante no n.° 2 do art.° 486.° do Código das Sociedades Comerciais (CSC), com referência aos artigos 482.° e 1.° do mesmo Código, a B… Lda., presume-se dependente da A..., Lda..
13. Assim, procedeu-se à soma das produções anuais das duas empresas, conforme determina o n.º 2 do referido art.º 61.º do CIEC.
14. Apuradas as produções individuais das duas empresas, concluiu-se que a produção de cerveja da B… Lda. foi, no ano de 2002 de 4.494.442 L, e de 3. 550. 207 L no ano de 2003 e que, a A..., Lda, no ano de 2002, produziu ...8 L de cerveja e ...0 L. em 2003.
15. Atenta a soma das produções anuais das duas empresas, verificou-se que o limite legal de 200.000 hl, estabelecido no art.º 61.º do CIEC foi ultrapassado, tendo-se procedido ao apuramento dos restantes 50% do imposto, dividido proporcionalmente pelas duas cervejeiras.
16. Aquando da elaboração dos relatórios das acções de fiscalização, foi dado cumprimento ao disposto no art.º 60.º da lei Geral Tributária, tendo as duas empresas exercido o direito de audição prévia, embora o alegado nesta sede em nada tenha alterado os factos.
17. Com efeito, a B... Lda. no uso do direito de resposta argumentou, resumidamente, que não concorda com a interpretação dada pelos serviços de fiscalização, pois entende que continua a reunir os requisitos legais para usufruir do estatuto, aqui em causa, afirmando que, sempre foi e é, jurídica, económica e contabilisticamente independente de outras cervejeiras.
18. Defende esta empresa que o conceito de dependência jurídica, económica e contabilística, definido no Código das Sociedades Comerciais não tem aplicação ao caso em apreço porque Isso seria integrar uma lacuna existente no Direto Fiscal com recurso à analogia, e isso é inconstitucionalmente inadmissível.
19. E, ainda no seu entender, mesmo que a empresa não possa ser considerada Independente, existem no nosso sistema jurídico-fiscal três circunscrições fiscais: Portugal continental, a Região Autónoma dos Açores e a Região Autónoma da Madeira, pelo que não poderá proceder-se à soma das duas produções.
20. Por seu turno, a A..., defendeu que a empresa dominante nunca perde o estatuto só porque a soma da sua produção com a das empresas dependentes excede os 200.000 hl., não concordando, também, com a aplicação da definição do art.º 486.º do Código das Sociedades Comerciais, utilizando os mesmos argumentos da B…, Lda..
21. Contudo, é de salientar que, apesar de as empresas em causa terem deixado de poder usufruir do estatuto de pequena cervejeira em Novembro de 2002, continuaram a beneficiar do mesmo.
22. E em face da proposta de revogação do estatuto de pequena cervejeira às empresas supra identificadas e em cumprimento do despacho de 09/02/2005, da Sra. Directora-Geral, foram ouvidas as respectivas alfândegas de controlo, que manifestaram a sua concordância.
23. Actualmente, e de acordo com a informação junta ao processo em 25/02/2005, proveniente da alfândega do Funchal, nos termos do pacto social apresentado, em 05/02/2004 naquela alfândega, a empresa D... é detentora da totalidade do capital social da A….
24. As empresas foram notificadas nos termos e para os efeitos do art.º 60. ° da LGT, para que se pronunciassem quanto ao projecto de decisão de revogação dos respectivos estatutos, tendo exercido o direito de audição prévia mas nada apresentando de novo, apenas repetindo o já alegado em sede de audição prévia aquando da elaboração do projecto de relatório da acção de fiscalização.
De Direito
25. De acordo com o estabelecido no n.° 1 do art.° 61» do CIEC, aprovado pelo Dec-Lei n.° 566/99, de 22 de Dezembro, o Estatuto de Pequena Cervejeira pode ser concedido a empresas que detenham um único Entreposto Fiscal de Produção de cerveja desde que:
a) Produzam por ano até ao máximo de 200.000 hl. de cerveja;
b) Sejam jurídica, económica e contabilisticamente independentes de outras cervejeiras;
c) Não operem sob licença ou por conta de outrem.
26. O n.° 2 deste mesmo artigo esclarece que, consideram-se uma única empresa independente duas ou mais empresas cervejeiras cuja produção anual não exceda 200.000 hl. de cerveja.
27. Relativamente às taxas, o n.° 3 estabelece que a taxa aplicável à cerveja produzida pelas pequenas cervejeiras é fixada em 50% da taxa normal.
28. O n.º 1 do art.º 1.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), estabelece que o mesmo (Código) é aplicável às Sociedades Comerciais.
29. E de acordo com o n.º 2, são sociedades comerciais, aquelas que tenham por objecto a prática de actos de comércio e adoptem o tipo de sociedade em nome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita.
30. As regras a que terão de obedecer a constituição e funcionamento de uma sociedade por quotas constam dos art° 197.º a 270.º G. do CSC.
A sociedade por quotas constituída por um único sócio, seja ele pessoa singular ou colectiva, designa-se por sociedade unipessoal por quotas, art.º 270-A. Sendo de realçar que de acordo com o estabelecido no art.º 270-E, o sócio único de uma sociedade por quotas, exerce as competências das assembleias gerais, designadamente, as de nomear gerentes.
Sendo que a sociedade é administrada pelos gerentes, (art ° 252.° do CSC), que podem ser destituídos, a todo o tempo, pelos sócios da sociedade, (artº 257° do CSC).
31. O art.º 481.º do CSC que tem por título Sociedades Coligadas, estabelece que o mesmo se aplica a relações que entre si estabeleçam sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por acções.
32. E de acordo com o art.° 482° do mesmo código, consideram-se sociedades coligadas:
a) As sociedades em relação de simples participação;
b) As sociedades em relação de participações recíprocas;
c) As sociedades em relação de domínio;
d) As sociedades em relação de grupo.
33. Atento o estabelecido no art.º 486.º do CSC, considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas pode exercer, directamente ou por sociedades, sobre a outra, uma influência dominante.
34. De acordo com o n.° 2 do mesmo artigo, presume-se que uma sociedade é dependente de outra se esta outra, directa ou indirectamente:
a) Detém uma participação maioritária no capital;
b) Dispõe de mais de metade dos votos;
c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.
35. Ora, tratando-se no caso em apreço de sociedades constituídas sob a forma de sociedades por quotas, estão submetidas às regras constantes do CSC, não tratando o direito fiscal da matéria de constituição e funcionamento das empresas.
36. Subsumindo a matéria de facto ao direito, dúvidas não restam que, a B... Lda., é dependente da A..., Lda..
37. E, assim sendo, não pode ser considerada independente para efeitos de aplicação do preceituado no art.° 61.º do CIEC.
38. A este propósito é ainda de salientar que o CIEC, tem um âmbito de aplicação Nacional, e não Regional, como as requerentes pretendem fazer crer - art.° 2° do CIEC.
39. Por outro lado, confrontando os factos detectados aquando da fiscalização às empresas atrás identificadas, com a legislação aplicável, constata-se que, em Novembro de 2002, as duas cervejeiras deixaram de cumprir o requisito exigido pela alínea b) do n.° 1 do art.° 61.° do CIEC.
40. No que concerne aos pedidos de manutenção do estatuto de pequena cervejeira apesar de invocarem a circular n.º 390/2004, as requerentes não fazem prova da alteração dos factos que estão subjacentes à revogação do estatuto, indeferindo-se a pretensão apresentada, por falta do requisito legal exigido pela alínea b) do n ° 1 do art.° 61.º do CIEC.
41. Quanto ao facto de a empresa D..., Lda., constar, no último pacto social, de que se tem conhecimento, como detentora da totalidade do capital social da Cervejas da Madeira em nada altera o atrás afirmado pois que, a relação de dependência entre as duas cervejeiras, se mantém (art.ºs 483.º e 486.º do CSC).
42. Por outro lado, refira-se ainda, quanto a esta questão, que os factos detectados aquando da acção de fiscalização se reportam a data anterior à da alteração do pacto social da A…, sendo que esta é detentora do capital social da B… Abreu desde 1991.

Do acto de revogação poderá V. Exa.:
- interpor recurso hierárquico para o superior hierárquico no prazo de 30 dias após a notificação, conforme o previsto no art.º 80.º da Lei Geral Tributária e art.º 66.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
- interpor recurso contencioso para o tribunal competente, no prazo de três meses nos termos do disposto nos artigos 95.º e 101.º da Lei Geral Tributária, art.º 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
Com os melhores cumprimentos.
A DIRECTORA DE SERVIÇOS
(cfr. Doc. n.º 2 da p.i., de fls. 96 a 104 dos autos de suporte físico).

6) Em 02/05/2005 foi assinado o aviso de recepção da notificação do ofício referido em 5 (cfr. por acordo; pontos 1 da p.i. e 39 da contestação).

7) A A. apresentou ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, requerimento dirigido à Directora de Serviços dos Impostos sobre o Consumo, datado de 23/05/2005, com o seguinte teor:

A..., pessoa coletiva n.º ...20, com sede no ..., em ..., tendo sido notificada, em 28 de Abril de 2005, da decisão final sobre o pedido de manutenção do estatuto de pequena cervejeira, vem, nos temos e para os efeitos do disposto no artigo 37.º n.º 1 do Código de Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), expor e requer a V. Exa. o seguinte:
1. Por Ofício de 26/04/2005, V. Exa. informa a requerente que, “por despacho de 11.04.2005, proferido pela Senhora Directora-Geral, Dra. BB, foi revogado o estatuto de pequena cervejeira à C... Lda”.
2. Mais informa V. Exa que do acto de revogação a requerente poderá, designadamente, "interpor recurso hierárquico para o superior hierárquico”.
3. Sucede, porém, que a notificação nada refere quanto ao órgão competente para apreciar o recurso hierárquico, violando assim o disposto no artigo 68º, n.º 1 alínea c) do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do artigo 2° do CPPT, segundo o qual “Da notificação devem constar... o órgão competente para apreciar a impugnação do acto”.
4. Com efeito, apesar da referência ao superior hierárquico, a notificação não concretiza quem é ele, ficando a requerente sem saber contra quem há-de interpor o recurso hierárquico.
5. Para mais, a notificação, apesar de indicar como autor do acto a Senhora Directora Geral, é assinada por V. Exa., sem qualquer menção de delegação de competências.
6. Ora, nos temos do disposto no artigo 123» n." 1 alínea g) do CPA, aplicável por força do artigo 2.º do CPPT, a assinatura que deveria constar na notificação deveria ser a do autor do acto.
7. Por outro lado, nada é dito se a Senhora Directora Geral emitiu o despacho no uso de competências próprias ou delegadas.
8. Acresce que o ponto 22 da notificação refere que “em face da proposta de revogação do estatuto de pequena cervejeira às empresas supra identificadas e em cumprimento do despacho de 09/02/2005, da Sra. Directora-Geral, foram ouvidas as respectivas alfândegas de controlo, as quais manifestaram a sua concordância”, sem, contudo, ter sido concretizada os moldes desta concordância, até porque não foi junta nenhum, documentação que comprovasse este item da fundamentação.
9. Desta forma, a requerente não sabe se as instâncias aduaneiras locais acolhem, integralmente ou em parte, a fundamentação constante na proposta de revogação ou apenas concordam com o seu sentido final, o que é revelador de fundamentação deficiente.
10. Em Face do exposto, verifica-se que a notificação efectuada é, pelos motivos supra apontados, manifestamente insuficiente.
Termos em que se requer, ao abrigo do disposto no artigo 37° n.° 1 do CPPT, a passagem de certidão que contenha o teor integral do acto objecto de notificação e que contenha, designadamente, os seguintes requisitos em feita:
a) Indicação do órgão competente para apreciar o recurso hierárquico,
b) A assinatura do autor do acto;
c) Menção de a decisão ter sido proferida no uso de competências próprias ou delegadas;
d) Informações/pareceres emitidos pelas alfândegas de controlo.
Em consequência, o prazo para exercer os meios de reacção contra a decisão final sobre o pedido de manutenção do estatuto de pequena cervejeira só começará a correr a partir da entrega da certidão ora requerida, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 37° do CPPT.
..., 23 de Maio de 2005
(cfr. Doc. 3 da p.i., fls. 105 a 107 dos autos de suporte físico):

8) A Direcção de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo deu resposta ao requerimento referido no ponto anterior, através do ofício n.º 0619, datado de 02/06/2005, recebido pela A. em 06/06/2005, com o seguinte teor:
Em referência ao requerimento apresentado por V.Exa, relativo ao assunto em epígrafe, informo o seguinte:
1- Da notificação da revogação do estatuto que lhe foi feita pelo ofício n°491 de 26/4/2005, desta Direcção -Geral, constam a fundamentação de facto e de direito do acto, a identificação do órgão que o proferiu, bem como os meios de reacção contra o acto notificado, tudo conforme determina o n°2 do art° 36 do CPPT.
2- No entanto, sempre se acrescenta que do acto praticado pela Directora-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, cabe recurso hierárquico, nos termos gerais, para o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, art° 66° do CPPT.
3- Decorre do disposto no n°2 do art° 36° do CPPT, que o órgão que pratica o acto, sempre que o faça no uso de uma competência delegada ou subdelegada, deve fazer essa menção no próprio despacho. Ora, não sendo esse o caso, tal exigência não se coloca, pelo que, ao contrário do alegado, nada foi omitido.
4- Na notificação pela qual foi dado conhecimento do acto praticado pela Sr.ª Directora-Geral, foram observados os requisitos exigidos pelo CPPT, e dele não resulta que a notificação deva ser assinada pelo autor do acto, considerando-se, assim, a notificação efectuada pelos Serviços regularmente efectuada.
5- Quanto ao requerido nos pontos 8 e 9 do pedido, è de salientar que a competência para autorizar e revogar o estatuto em causa é do Director-Geral, e apesar de não estar sujeito a parecer do Director da Alfândega, deu-se conhecimento prévio do projecto de decisão, tendo o mesmo manifestado inteira concordância com o projecto de revogação do estatuto e seus fundamentos. Assim sendo, considerando que do mesmo projecto foi V. Ex.ª, também, notificado, nos termos e para os efeitos do artº60º da LGT, logo tem conhecimento de toda a fundamentação que sustentou o despacho de revogação.
(cfr. Doc. n.º 4 da p.i., de fls. 108 a 109 dos autos de suporte físico; por acordo quanto à data do recebimento).

9) Por requerimento, datado de 09/06/2005, que deu entrada na Divisão do Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas em 14/06/2005, a A. insiste pela emissão da certidão contendo o despacho de 11/04/2005, da Directora-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais do Consumo e do parecer do Director da Alfândega (cfr. Doc. 6 da p.i., de fls. 111 a 113 dos autos de suporte físico e fls. 372 do processo instrutor apenso).

10) A Direcção de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo remeteu a certidão solicitada a A., através do Ofício n.º 0659, datado de 14/06/2005, com o seguinte teor: «Não obstante entendermos que a notificação efectuada contem todos os requisitos legalmente exigidos, junto remetemos a certidão nos termos requeridos.» (cfr. Doc. 7 da p.i., de fls. 114 e segs. e fls. 375 do processo instrutor).

11) O ofício referido no ponto anterior foi recebido pela A. em 21/06/2005 (cfr. cópia registo e aviso de recepção no processo instrutor).

12) A certidão a que se refere o ponto 10) supra, emitida em 14/06/2005, certifica que as folhas anexas numeradas de 1 a 9 estão conforme com o original do processo de revogação do estatuto de pequena cervejeira, constando da mesma, designadamente, a informação n.º ...05 e a informação n.º ...05 (cfr. Doc. n.º 7 da p.i. e processo instrutor apenso).

13) Em 06/07/2005 a A. deduzir recurso hierárquico dirigido ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (cfr. Doc. 5 da p.i. e fls. 467 do processo instrutor).

14) Pelo ofício datado de 05/08/2005 o recurso hierárquico foi enviado ao gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (cfr. fls. 545 do processo instrutor apenso).

15) O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais exarou em 05/06/2006, na informação n.º ...06, o seguinte despacho: «Concordo, pelo que rejeito os recursos hierárquicos apresentados nos termos e com os fundamentos aqui expostos.» (cfr. fls. 95 e 128 a 130 dos autos de suporte físico).

16) Através do oficio datado de 08/06/2006, que aqui de dá por integramente reproduzido, o Director-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo notificou a A. do teor do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referido no ponto anterior ainda, designadamente que «Os recursos foram considerados extemporâneos, porque tendo as notificações da decisão da revogação do estatuto sido recepcionadas em 2-5-2005 e 4-5-2005 respectivamente pela A... e pela B..., e os recursos apresentados em 6-7-2005, já tinha decorrido o prazo de 30 dias. Nesta conformidade devem os mesmos ser rejeitados nos termos da alínea d) do art. 173.º do C.P.A..
Muito embora as recorrentes tenham vindo requerer informações complementares na sequência das notificações atrás referidas, o certo é que as mesmas continham todos os elementos exigidos pelo art. 36.º do CPPT. (…)» (cfr. Doc. n.º 1 da p.i. de fls. 95).

17) Em 27/06/2006 a A. apresentou requerimento pedindo certidão integral do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (cfr. Doc. n.º 8 da p.i., de fls. 125 a 126 dos autos de suporte físico).

18) Em resposta ao requerido, foi remetido à A. cópia da informação n.º ...06, elaborada em aditamento ao transmitido no ofício n.º 421/GAB, dirigido ao Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, com a entrada n.º ...32, de 05/08/2005, onde foi exarado o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, através do oficio de 14/07/2006, da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos sobre o Consumo (cfr. Doc. n.º 9 da p.i., de fls. 127 a 130 dos autos de suporte físico).

19) Em 15/09/2006, a sociedade “A..., Lda.”, apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal a petição inicial que deu origem ao presente processo (cfr. registo de autuação de fls. 1 dos autos de suporte físico).
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Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão.»
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Motivação da matéria de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que dos autos e apenso constam, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.
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3. Fundamentação de direito

A questão fundamental a que importa dar resposta, e em que assenta o acórdão recorrido, é a de saber se o recurso hierárquico foi ou não interposto tempestivamente. Podendo, a partir daí, ser determinado se poderiam ser impugnados: (ii) o ato da Diretora-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo que revoga o estatuto de pequena cervejeira e (ii) o ato do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que rejeitou, por extemporaneidade, o recurso hierárquico interposto do despacho da Diretora-Geral.


3.1. Ato da Diretora-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo que revoga o estatuto de pequena cervejeira

Começando pelo ato da Diretora-Geral, é importante referir que em circunstâncias em que o prazo para impugnar o ato é de 3 meses [artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA] se este período fosse contado a partir de 02/05/2005, como sustentam as entidades recorridas, e não ocorresse uma suspensão daquele prazo, por interposição do recurso hierárquico, como alega a recorrente; no dia 15/09/2006, mais de um ano após a notificação do ato a impugnar, já teria seguramente caducado o direito de ação.

Torna-se, portanto imperativo, desde logo, verificar quando é que foi feita a notificação do ato, para, depois, a partir daí, aferir se o recurso hierárquico foi tempestivo, pois só desse modo será possível determinar se a suspensão do prazo que dele advenha, permite, ainda assim, considerar que a instauração da ação administrativa especial para impugnar o ato da Diretora-Geral foi feita dentro do prazo.

Antes de dar resposta a estas questões importa fazer algumas precisões e dar conta do enquadramento legal relevante.

Decorre do artigo 66.º do CPPT que os recursos hierárquicos são dirigidos ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato e interpostos, no prazo de 30 dias a contar da notificação do ato respetivo, perante o autor do ato recorrido. Ora, aplicando esta formulação ao caso sub judice, a requerente deveria ter interposto recurso hierárquico junto do Secretário de Estado dos Assunto Fiscais no prazo de 30 dias a contar da notificação do despacho da Diretora-Geral. Sai, portanto, mais uma vez reforçada a necessidade de determinar qual do momento em que foi feita a notificação do despacho da Diretora-Geral. No sentido de fazer essa determinação de um modo mais apoiado, relembramos alguns dos factos considerados como provados (aproveitando a síntese que, na fundamentação do acórdão recorrido, se fez, acrescentando, todavia, para dar o necessário realce, sublinhados).

a) Em 11/04/2005 a Diretora-geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo revogou o estatuto de Pequena Cervejeira.

b) Em 26/04/2005 é remetido ofício, registado com aviso de receção, a notificar a A. do despacho de revogação do estatuto de pequena cervejeira.

c) Em 02/05/2005 o aviso de receção foi assinado.

d) Por requerimento datado de 23/05/2005, a A. requereu ao abrigo do artigo 37.º do CPPT certidão do teor integral do acto objeto de notificação, designadamente, os requisitos que considerou em falta.

e) Em 02/06/2005 a Direção de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo deu resposta ao requerimento referido na alínea anterior, informando, para além do mais, que a notificação feita pelo ofício de 26/04/2005, contém todos os requisitos previstos no n.º 2, do artigo 36.º do CPPT.

f) A A. recebeu o ofício referido anteriormente em 06/06/2005.

g) Em 14/06/2005, a A. apresenta novo requerimento insistindo pela emissão da certidão contendo o despacho de 11/04/2005, da Diretora-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais do Consumo e do parecer do Diretora da Alfândega.

h) Em 14/06/2005 foi emitida a certidão requerida pela Direção de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo e remetida por correio registado com aviso de receção.

i) Em 21/06/2005 a A. recebeu a certidão referida na alínea anterior.

j) Em 06/07/2005 a A. apresentou recurso hierárquico facultativo dirigido ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

k) Em 05/08/2005 o recurso hierárquico foi remetido ao gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos fiscais.

l) Em 05/06/2006, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais proferiu despacho rejeitando o recurso hierárquico por extemporâneo.

m) Em 08/06/2006 é remetido ofício a notificar a A. do teor do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos.

n) Em 15/09/2006 é instaurada a presente ação.

De acordo com o entendimento das entidades recorridas a notificação teria sido feita no dia 02/05/2005, pelo que o recurso hierárquico, ao ter sido interposto 06/07/2005, isto é, mais de 30 dias depois da notificação, seria intempestivo. Ora, num cenário de extemporaneidade do recurso hierárquico, não poderia a recorrente ter beneficiado da suspensão do prazo de impugnação contenciosa que resulta do artigo 59.º, n.º 4, do CPTA, pois quando foi impugnado o ato da Diretora Geral, tal como já avançamos anteriormente, já teria caducado o direito de ação relativamente àquele ato em especial.

A recorrente, todavia, tem um entendimento distinto, pois considera que a contagem do prazo para o recurso hierárquico começou, não no dia 02/05/2005, mas num momento subsequente, em virtude, sobretudo, da aplicação dos artigos 36.º e 37.º do CPPT [e do artigo 60º do CPTA «Notificação ou publicação deficientes»] que, curiosamente, nenhuma das partes, aliás, contesta, embora deles retire, consequências distintas, como demonstraremos.

Dada a relevância destes dois preceitos, passamos a fazer a transcrição de cada um deles, com as partes que consideramos mais relevantes sublinhadas.

Artigo 36.º

Notificações em geral

1 - Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.

2 - As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências.

3 - Constitui notificação o recebimento pelo interessado de cópia de acta ou assento do acto a que assista.


Artigo 37.º

Comunicação ou notificação insuficiente

1 - Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.

2 - Se o interessado usar da faculdade concedida no número anterior, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida.

As entidades recorridas sustentam o entendimento de que a notificação teria sido validamente feita no dia 02/05/2005, precisamente porque retiram da aplicação do artigo 36.º, n.º 2 do CPPT que a notificação feita nessa data cumpria todos os requisitos que constam da disposição referida; entendimento que foi, aliás, subscrito pelo acórdão recorrido.

A recorrente, por seu lado, sustenta que a notificação não teria sido feita validamente e que seria insuficiente, avançando, para sustentar essa asserção, com vários argumentos, dos quais destacamos, por serem os que consideramos relevantes, dois em especial.

Um primeiro argumento que assenta no facto de resultar da aplicação do, então, artigo 68.º CPA (transcrito abaixo) que da notificação não constava o texto integral do ato administrativo a notificar, algo que só seria de dispensar se aquele fosse substituído pela indicação resumida do seu conteúdo e objeto, mas apenas em situações em que o ato tiver deferido inteiramente a pretensão formulada pelo interessado ou respeite à prática de diligências processuais; o que não aconteceu no caso sob análise.

Artigo 68.º CPA

Conteúdo da notificação - [revogado - Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro]

1 - Da notificação devem constar:

a) O texto integral do acto administrativo;

b) A identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do acto e a data deste;

c) O órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para este efeito, no caso de o acto não ser susceptível de recurso contencioso.

2 - O texto integral do acto pode ser substituído pela indicação resumida do seu conteúdo e objecto, quando o acto tiver deferido inteiramente a pretensão formulada pelo interessado ou respeite à prática de diligências processuais.


Um segundo argumento baseado no facto de só na sequência de vários requerimentos feitos pela requerente, ter, a Direção de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo, unicamente em 14/06/2005, emitido a requerida certidão de teor integral, que só foi recebida pela requerente no dia 21/06/2005 (factos que se deram como provados).

A recorrente retira dos argumentos referidos, com apoio no artigo 37.º do CPPT, que o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial, se contaria a partir da notificação ou da entrega da certidão que tivesse sido solicitada, ao abrigo da possibilidade de requerer a notificação dos requisitos omitidos ou a passagem de certidão que os contivesse. Isto é, o prazo relevante seria o dia 21/06/2005.

Consideramos, com efeito, que o ato da Diretora-Geral, não obstante ser um ato em matéria tributária com as suas especificidades e sujeição às regras próprias do procedimento tributário, não deixa de ser um ato administrativo; o que implica, necessariamente, que tenha de obedecer aos requisitos de âmbito mais geral que se impõem aos atos administrativos (até pela via do artigo 2.º do CPPT), exigindo-se, portanto, que da notificação constasse o texto integral do ato. Até porque, o texto do artigo 36.º CPPT fala de um modo genérico de decisão, seus fundamentos sem delimitar com precisão o alcance desses termos. O artigo 37.º, n.º 1, do CPPT, por sua vez, fala de fundamentação legalmente exigida, o que dá naturalmente abertura aos vários dispositivos legais aplicáveis, independentemente de serem exteriores ao CPPT. Não havendo, portanto, entre a forma como é disciplinada a notificação em termos mais gerais e a notificação no âmbito do procedimento tributário qualquer colisão (situação em que prevaleceria, naturalmente, a lei especial, mas que não se verifica), pelo que se impõe a aplicação conjunta dos vários preceitos. Até pela complementaridade que existe entre eles, fazendo o artigo 68.º do CPA a regulamentação mais genérica, cuidando, depois, o artigo 36.º do CPPT de questões de recorte mais específico.

O argumento a que acabámos de aderir, apesar de relevante, é naturalmente superado pelo segundo argumento apresentado pela recorrente, bastando, em rigor, este para sustentar que o prazo determinante não seja o advogado pelas recorridas. Deu-se, com efeito, como provado que houve requerimentos por parte da recorrente no sentido de ser emitida uma certidão de teor integral, isto é, que fosse notificado o texto integral do ato (materializado no despacho) da Diretora-Geral, o que acabou por ocorrer. Ora, estes factos revelam que houve um diálogo entre a Direção-Geral e a requerente, que culminou com a emissão de ofício com o conteúdo requerido por esta, o que demonstra que, apesar de num primeiro momento a Diretora-Geral considerar que a notificação era suficiente, vem depois, perante os pedidos da recorrente, aquiescer e entregar o que foi pedido. Situação que quadra, naturalmente, não só com a teleologia do artigo 37.º, mas com a sua própria letra. O que sai reforçado num contexto em que, no respeito pelo princípio da colaboração decorrente do artigo 59.º da LGT (mas também do artigo 7.º do CPA, na altura em vigor), foram sendo feitos esclarecimentos e prestadas as informações requeridas. Impõe-se, portanto, a devida proteção da confiança gerada, e de uma atuação que se presuma conforme ao princípio da boa-fé e que, por conseguinte, o momento relevante, para efeitos de contagem do prazo para impugnação, seja o da emissão da certidão requerida, pois até aí ainda estava em curso o diálogo/colaboração entre uma das entidades recorridas e a recorrente – e não o da notificação do primeiro ofício.

A devida observância, princípios da confiança e boa-fé, ínsitos, aliás, ao princípio da colaboração, combinados com o facto de a notificação ser insuficiente – mesmo, na perspetiva da entidade recorrida, a notificação feita em primeiro lugar se não era insuficiente nos estritos termos do artigo 36.º, n.º 2 do CPPT, pelo menos não seria totalmente completa, pois veio aditar alguns dos elementos que segundo a recorrente estariam em falta – justificam, por conseguinte, que o momento relevante para a contagem do prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial seja o dia 21/06/2005, data em que a requerente recebeu a certidão contendo o teor integral do despacho, de 11/04/2005, da Diretora-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais do Consumo.

Fixada a data da notificação, vejamos agora se o recurso hierárquico foi feito tempestivamente. Resulta dos factos provados que este foi interposto em 06/07/2005, claramente menos de 30 dias depois da notificação da certidão que continha o teor integral do despacho que ocorreu a 21/06/2005, pelo que se conclui que o recurso hierárquico foi feito dentro do prazo.

A despeito de, num contexto em que o recurso hierárquico foi interposto tempestivamente, ser a impugnação do ato do Secretário de Estado que verdadeiramente passa a relevar, e que, na verdade, justificou, num primeiro momento, o envolvimento do TCA e, nesta fase, a apreciação deste Supremo Tribunal; importa, ainda assim, confirmar que, na parte em que o Tribunal a quo, decidiu pela caducidade do direito de ação relativamente ao despacho da Diretora-Geral, o fez corretamente. Isto porque, sem prejuízo de a partir do momento em que foi interposto o recurso hierárquico se ter suspendido o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo da Diretora-Geral (artigo 59.º, n.º 4 do CPTA), este retomou o seu curso uma vez decorrido o prazo legal de 60 dias que o Secretário de Estado tinha para decidir (artigo 66º, nº 5 do CPPT). Não obstante na altura resultar da lei (artigo 58.º, n.º 4 do CPTA) a seguinte formulação: «só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal», ainda sem o aditamento (que teria em momento subsequente) consoante o que ocorra em primeiro lugar, este já era o entendimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal (acórdão do pleno da 1ª secção de 27/02/2008, processo n.º 0848/06, disponível em www.dgsi.pt), que, naturalmente. seguimos. Portanto, o prazo retomou o seu curso não em 08/06/2006, altura em que foi remetido o ofício a notificar a recorrente do teor do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos, mas num momento muito anterior: naquele em que se verificou o decurso do prazo legal para decidir o recurso hierárquico.

Aderimos a propósito da contagem do prazo de 60 dias ao entendimento do acórdão recorrido que referiu «que se contou o prazo de 60 dias a partir da remessa do processo ao órgão competente, por os autos serem omissos quanto à data da notificação ao recorrente dessa remessa».

Consideramos, portanto, ter sido em 07/10/2005, por ausência de decisão expressa quanto ao recurso hierárquico apresentado, que se retomou a contagem do prazo para impugnação contenciosa, pelo que não merece censura o entendimento do acórdão recorrido no que diz respeito à seguinte conclusão:

«Se se contar o prazo de impugnação a partir da data da notificação da certidão, ou seja, 21/06/2005, temos que entre o dia 22/06/2005 e o dia 05/07/2005 decorreram 14 dias. Retomando a contagem do prazo a partir de 07/10/2005, o prazo de 90 dias terminou em 05/01/2006 (atento as férias judicias de natal), pelo que também por aqui é de considerar a presente acção intempestiva, uma vez que só deu entrada em tribunal no dia 15/09/2006.».

3.2. Ato do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que rejeitou, por extemporaneidade, o recurso hierárquico interposto do despacho da Diretora-Geral

É precisamente a impugnação do ato do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que rejeitou, por extemporaneidade, o recurso hierárquico interposto do despacho da Diretora-Geral, que justifica, tal como já foi afirmado, o envolvimento deste Tribunal. Num cenário em que se verifique a tempestividade do recurso hierárquico, a impugnação do ato do Secretário de Estado sobrepõe-se, naturalmente, à questão da impugnação do ato da Diretora Geral, por ser ao superior hierárquico a quem, no plano administrativo, compete dirimir o diferendo.

Como se sustentou, no ponto anterior, o recurso hierárquico foi interposto dentro do prazo. Faltando agora determinar se a ação administrativa especial onde foram cumulados os dois pedidos [nos termos artigo 47.º, n.º 4, alínea a) do CPTA)] foi tempestiva relativamente ao pedido de anulação do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 05/06/2006, n.º 724/2006-XVII, que recusou conhecer o recurso hierárquico interposto do despacho do Diretor-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo. Tendo em conta que em 08/06/2006 é remetido ofício a notificar a recorrente do teor do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos e que em 15/09/2006 é instaurada a presente ação (consoante resulta do probatório) e que o prazo para o fazer era de três meses [artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA], vejamos se foi feita dentro do prazo.

Nos termos do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA, os prazos contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em férias judiciais ou em dia em que os tribunais estiverem encerrados, para o 1.º dia útil seguinte. Ora, de acordo o artigo 144.º do CPC (atual artigo 138.º), o prazo processual (in casu de propositura de ação) é contínuo, suspendendo-se durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a 6 meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes, o que não era o caso.

Constata-se, portanto que entre 08/06/2006 e 15/09/2006 passaram pouco mais de 3 meses, se considerarmos que as férias judiciais decorreram de 01-08 a 31-08 (artigo 12º da Lei nº 3/99, de 13 de janeiro). Nesse enquadramento impõe-se concluir que o prazo de dedução da ação não estava esgotado na data da sua interposição, pelo que a ação administrativa especial visando a anulação do ato do Secretário de Estado foi tempestiva.


3.3. Conclusão

Face ao exposto, não poderia o Secretario de Estado ter recusado conhecer do recurso hierárquico, merecendo o acórdão recorrido censura relativamente a esta questão. Impondo-se ainda que o Secretário de Estado aprecie o recurso, com todas as inerentes consequências legais, designadamente o retomar do procedimento e o assegurar de todos os direitos e garantias, incluindo as impugnatórias, que possam ser suscitados pela decisão que vier a ser tomada.


4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo provimento ao recurso, revogar parcialmente o acórdão recorrido e anular o ato do Secretário de Estado impugnado (cfr. n.º 15 do probatório supra), mais ordenando a baixa dos autos ao TCA Sul.

Custas pelas recorridas.

Lisboa, 6 de novembro de 2024. - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Joaquim Manuel Charneca Condesso.