Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0205/14.7BESNT
Data do Acordão:03/13/2025
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:MULTA CONTRATUAL
MULTA
Sumário:I - Considerando o conteúdo material do artigo 403.º do CCP, desde logo, assumido no n.º 1, em consonância com a sua respetiva epígrafe, decorre que a finalidade do exercício do poder de aplicação da sanção contratual em causa consiste a de prevenir e sancionar o atraso da execução da obra por facto imputável ao empreiteiro, independentemente de esse atraso se verificar no início ou na conclusão da execução do contrato da empreitada.
II - O CCP não tem nenhuma norma semelhante à que vigorava no regime anterior, o D.L. n.º 59/99, de 02/03, que aprovou o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP), designadamente, os seus artigos 233.º, com a epígrafe “Liquidação das multas e prémios”, inserida no Capítulo VII - Liquidação e pagamento das multas e prémios contratuais, e 201.º, com a epígrafe “Multa por violação dos prazos contratuais”, inserida no Capítulo VIII - Não cumprimento e revisão do contrato.
III - Ao contrário do artigo 233.º do RJEOP, o artigo 403.º do CCP não prevê qualquer limite temporal para haver lugar à aplicação de multas contratuais correspondentes a factos ou situações anteriores, não se referindo ao auto de receção provisória como momento limite para haver lugar à aplicação de multas contratuais correspondentes a factos ou situações anteriores.
IV - O n.º 1 do artigo 403.º do CCP, estabelece que o dono da obra “pode aplicar uma sanção contratual”, tendo esta sanção natureza sancionatória do comportamento do empreiteiro na execução da obra, com reflexo na execução do contrato.
V - Dando por adquirido que o legislador do CCP conhecia o regime anterior, aprovado pelo D.L. n.º 59/799, de 02/03 (RJEOP), relativo à aplicação de multas contratuais no âmbito dos contratos de empreitada de obra pública, que fixava expressamente o limite da receção provisória para poder haver a aplicação de multas contratuais, ao nada dizer no novo regime, no artigo 403.º do CCP, tem de convocar-se as normas legais de interpretação e aplicação da lei, nos termos das quais, na tarefa de fixação do sentido e alcance da lei, “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, segundo o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil.
VI - Tendo o CCP estabelecido um regime de aplicação de sanções contratuais em que não reproduziu o limite temporal anteriormente existente, não é difícil admitir que se pretendeu permitir que o dono da obra possa aplicar sanções contratuais, mesmo depois da receção provisória da obra, desde logo, por ser nessa altura que melhor se encontra para aferir do impacto que os eventuais atrasos no início, na execução ou na finalização da obra, possam ter produzido danos imputáveis ao empreiteiro e que justifiquem a aplicação de sanções, tal como previsto no n.º 1 do artigo 403.º do CCP.
VII - Acresce estabelecer o CCP um regime próprio para as situações em que o incumprimento do contrato pode ser sancionado com uma sanção de natureza compulsória, correspondente ao disposto no artigo 372.º, n.º 4, al. a), que não tem a mesma natureza da sanção contratual prevista no artigo 403.º, n.º 1 do CCP, cuja função essencial é a de possibilitar ao dono da obra o poder de sancionar o incumprimento do contrato por culpa do empreiteiro pelos danos sofridos com os atrasos de execução da obra.
VIII - As sanções aplicadas ao abrigo do artigo 403.º do CCP decorrem diretamente da lei, constituindo um poder-dever ope legis, a ser exercido pelo dono de obra quando verificados os respetivos pressupostos de incumprimento pelo empreiteiro, em defesa do interesse público assumido no cumprimento das prestações contratuais e enquanto garantia, de através do exercício desse poder sancionatório, existir o cumprimento do contrato que visa satisfazer a necessidade pública.
IX - Releva a frequência com que o fator prazo de execução da empreitada integra o sistema de avaliação dos procedimentos pré-contratuais, constituindo um atributo da proposta, pelo que, o sistema sancionatório contratual prossegue ele próprio, também, o interesse público das vinculações assumidas na fase procedimental, convocando a aplicação dos princípios gerais da contratação pública, da concorrência, da igualdade e da imparcialidade (artigo 1.º-A, n.º 1 do CCP).
X - Os comandos normativos constituem aspetos de vinculação e não de discricionariedade administrativa, devendo ser tido em devida conta que está em causa o exercício de um poder legal especialmente conferido ao dono da obra e, não de um instrumento contratual, que pode ou não ser consagrado e que, por isso, pode ou não ser usado.
XI - Tanto basta para concluir que no atual CCP se verifica uma mudança no modo de sancionar contratualmente os atrasos imputáveis ao empreiteiro, deixando a aplicação da sanção de ter como limite o momento da receção provisória.
XII - Não definindo o artigo 403.º do CCP a imposição de qualquer limite associado à fase de vigência do contrato de empreitada, tem de se entender que esse poder de aplicação de sanções contratuais pode ser exercido durante toda a vigência do contrato, sendo esta a condição-limite para ser aplicada a multa contratual nos termos do artigo 403.º do CCP, pois quando o contrato deixe de produzir os seus efeitos não mais se manterá tal poder do dono da obra.
XIII - O dono da obra pode aplicar multas contratuais ao abrigo do artigo 403.º do CCP durante todo o tempo em que o respetivo contrato se mantiver a produzir os seus legais efeitos, negando a possibilidade de exercício desse poder sancionatório após a extinção do contrato.
XIV - A aplicação de sanções contratuais não assentam na única finalidade de compelir ao bom e pontual cumprimento do contrato e, por isso, um propósito compulsório, mas também uma finalidade sancionatória, na aplicação de uma sanção-castigo, em consequência do incumprimento contratual ou legal por parte do empreiteiro.
Nº Convencional:JSTA00071912
Nº do Documento:SA1202503130205/14
Recorrente:PARQUE ESCOLAR EPE
Recorrido 1:A..., S.A. – CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:Revista admitida
Objecto:Acórdão TCAS
Decisão:Negar provimento
Área Temática 1:Contratos Públicos
Área Temática 2:Multa contratual
Legislação Nacional:Código dos Contratos Públicos art.403.º
Jurisprudência Nacional:Ac. STA 17/10/2002 proc. 0574/02
Aditamento: