Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02111/15.9BELRS 0246/16
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:OPOSIÇÃO
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
COIMA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I - Não constituem questões que o juiz deva apreciar, para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aquelas que não aprecia por se ter abstido de decidir a causa.

II - Não integra a nulidade por falta de fundamentação de facto, para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, o facto de não ter sido elencada ou especificada na decisão de indeferimento liminar qualquer factualidade provada.

III - Não integra a nulidade por violação do princípio do contraditório, para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a falta da audição do oponente antes do indeferimento liminar da oposição.

IV - Não constitui fundamento admitido de oposição à execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de coimas fiscais fixadas com fundamento na falta de entrega do imposto único de circulação o facto de o oponente não ser o possuidor dos veículos a que se reporta e no período de tributação correspondente.

V - A falta ou invalidade da assinatura do documento que incorpora a notificação da decisão que aplicou a coima não importa a falta de notificação dessa decisão nem a inexigibilidade da dívida proveniente dessa coima.

Nº Convencional:JSTA000P25242
Nº do Documento:SA22019112702111/15
Data de Entrada:03/02/2016
Recorrente:A.....- INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A.
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A……… – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, SA., Pessoa Coletiva n.º …….., com sede na Rua ………, Lote …….., 1950-….. Lisboa, recorre da decisão do Mm.º Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que rejeitou liminarmente a oposição à execução fiscal n.º 3328201501004573, instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 9 para cobrança coerciva de dívidas de coimas, no montante total de € 7.083,79.

Recurso este que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(…)

Invocou a Opoente na PI da Oposição (artigos 162. A 164.) a “nulidade insuprível” a que alude o artigo 63º nº 1 d) do RGIT – dado que a assinatura válida das decisões de aplicação de coima (os títulos executivos) é um requisito legal essencial das mesmas.

Razão pela qual, segundo a Opoente, deveriam ser anulados/extintos todos os termos subsequentes àquelas que foram proferidas, designadamente o processo de execução fiscal aqui em questão.

Tudo conforme foi oportunamente alegado na PI de Oposição.

Ora, sucede que nesta matéria a douta Sentença aqui recorrida é totalmente omissa.

Não estando a decisão da mesma prejudicada pela solução dada às demais questões.

Pelo que a douta sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, atento o disposto nos artigos 125º nº 1 do CPPT, 608º nº 2 e 615º nº 1 d) do CPC.

Sendo certo, sem prescindir,

Se neste segmento a Oposição não seria o meio processual adequado, deveria pelo menos ter sido ordenada a sua convolação em requerimento de arguição de nulidade processual em processo de execução fiscal, em obediência ao princípio pro actione e anti-formalista (artigos 98º nº 4 do CPPT e 97º nº 2 e 3 da LGT, entre outros).

Ao invés da decisão de rejeição liminar aqui recorrida.

Incorrendo a douta decisão recorrida, por isso, em erro de julgamento e violação das referidas disposições legais.

Por outro lado,

10º A douta Sentença recorrida padece de total ausência de fundamentação de facto, não tendo sido elencada ou especificada qualquer factualidade provada (ou não provada) que sustentasse o sentido decisório, de rejeição liminar da Oposição.

11º Por essa razão, a douta decisão recorrida padece ainda de nulidade por falta de fundamentação de facto, atento o disposto nos artigos 123º nº 2 e 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 607º nº 3, 4 e 5 e 615º nº 1 b), 1ª parte, do CPC.

Ainda sem prescindir, por cautela de patrocínio,

12º Fundamentalmente, entendeu a douta decisão recorrida que a presente Oposição à Execução não incidiu diretamente sobre questões do processo de execução fiscal “segundo algum dos fundamentos do citado art. 204º nº 1 corpo e suas alíneas”, visando outrossim discutir a legalidade das decisões de aplicação de coima que estão na génese do processo de execução fiscal, só “mediata ou reflexamente” podendo influir na legalidade deste mesmo processo de execução fiscal.

13º Contrariamente ao pressuposto na douta decisão recorrida, e conforme resulta da PI de Oposição, esta fundamentou-se expressamente no disposto nas alíneas b) e i) do nº 1 do artigo 204º do CPPT.

14º Ou seja, como nela expressamente se referiu, fundamentou-se, por um lado, na “ilegitimidade da pessoa citada por esta (…) não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram” (artigo 204º nº 1 b) do CPPT).

15º E fundamentou-se, por outro lado, em “quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.” (artigo 204º nº 1 i) do CPPT) – mais concretamente, na inexequibilidade das decisões de aplicação de coima.

16º Como é dito na PI de Oposição, a “ilegitimidade da pessoa citada” baseou-se na circunstância da Opoente não ser o possuidor das viaturas em questão nos períodos a que se reportam as dívidas de coimas exequendas – por já os ter vendidos ou locado a terceiros (clientes).

17º Sendo certo que foi precisamente a (presumida) posse das viaturas nos períodos em causa que originou as dívidas de IUC e, consequentemente, que originou as dívidas de coimas exequendas, decorrentes do atraso no pagamento do IUC.

18º Esta situação enquadra-se, pois, no disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 204º do CPPT.

19º Tudo conforme referido na PI.

20º Com a consequente ilegitimidade passiva da Opoente no processo de execução fiscal em questão e a concomitante extinção do mesmo em relação à Opoente.

21º Se assim é em casos de processos de execução fiscal de liquidações de imposto ou de taxas, não vemos qualquer razão para preconizar entendimento diferente nos casos de processos de execução fiscal de decisões de aplicação de coimas fiscais,

22º Tratando-se de situações perfeitamente análogas, inexistindo qualquer razão substancial, de fundo, que importe diferenciar nos casos de execução e coimas – sobretudo quando o próprio legislador não o fez nem há qualquer sinal de que tenha sido essa a sua intenção ao ratio legis.

23º Com efeito, contrariamente ao entendimento da douta decisão recorrida, não se vislumbra que o fundamento de oposição à execução consignado na alínea b) do nº 1 do artigo 204º do CPPT – ilegitimidade da pessoa citada – seja “inapropriado” no caso de oposição à execução fiscal coerciva de decisões de aplicação de coima.

24º Sendo certo que a lei, quanto àquele fundamento (ou quanto a qualquer outro fundamento previsto no nº 1 do mesmo artigo 204º do CPPT), não estabelece qualquer excepção ou restrição no caso de estar em causa um processo de execução fiscal de coimas (e não liquidações de imposto) aplicadas pela AT.

Aliás,

25º Nos casos de algumas viaturas, conforme afirmado em 90 a 92 da PI o IUC não chegou sequer a ser liquidado à Opoente, mas outrossim aos clientes da Opoente, por serem estes os presumíveis possuidores das viaturas cujo IUC estava em questão.

26º E nesses casos foram os clientes da oponente a pagar o IUC com atraso em relação à respectiva data limite de pagamento; não a Opoente.

27º Pelo que, tal como foi firmado na PI, também nesses casos é evidente a ilegitimidade processual passiva da oponente para a execução fiscal em questão – decorrente de coimas aplicadas por pagamento atrasado do IUC.

28º Com efeito, a legitimidade processual passiva para a presente execução fiscal, também nesses casos, seria evidentemente dos clientes da Opoente, e não da Opoente.

Por outro lado,

29º Como se disse, invocou também a Opoente, aqui Recorrente, a inexequibilidade das decisões de aplicação de coimas.

30º O que constitui fundamento de oposição à execução, nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 204º do CPPT.

31º Para o efeito, baseou-se a Opoente na circunstância das decisões de aplicação de coimas exequendas (os títulos executivos) não se mostrarem válida e regularmente assinadas pelo respectivo autor – com a consequente ineficácia jurídica, inexigibilidade e inexequibilidade em relação à Opoente (artigos 123º nº 1 g), 133º nº 1 e 134º nº 1 do CPA).

32º Mais uma vez, se assim é relativamente à execução dos actos de liquidação nulos, não se vislumbra qualquer razão de fundo para preconizar entendimento diferente quando está em causa a execução fiscal de decisões de aplicação de coima nulas, por não se mostrarem válida e regularmente assinadas.

33º Conforme resulta dos sinais dos autos, a Opoente, aqui recorrente, legítima e oportunamente juntou prova documental e requereu a produção e prova testemunhal,

34º Esta última sobre a matéria da ilegitimidade da pessoa citada, cfr. fundamento previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 204º do CPPT.

35º Tudo exposto, parece-nos, pois, com o devido respeito, que inexistia fundamento legal para decisão aqui recorrida, de rejeição liminar da presente Oposição.

36º Padecendo a douta sentença recorrida, por conseguinte, de erro de julgamento e errónea interpretação e aplicação das supra citadas disposições legais, fazendo ainda errada aplicação ao caso do disposto no artigo 209.º nº 1 b) do CPPT.

37º Com efeito, segundo o disposto neste preceito legal, a oposição só pode ser liminarmente rejeitada se “não tiver sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204º” do CPPT.

38º Ora, conforme resulta do acima explanado, e tal como se extrai do teor da PI, a Oponente alegou aí expressamente fundamentação que se integra nas alíneas b) e i) do n.º 1 do artigo 204º do CPPT.

39º Para haver lugar a indeferimento liminar é necessário que se trate de uma razão evidente, indiscutível, em termos de razoabilidade, que permita considerar dispensável a audição das partes.

40º Com efeito, o juiz só deve indeferir a petição inicial quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente que se torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial.

41º Ora, não é manifestamente o caso dos autos, conforme resulta do acima exposto.

42º Para além disso, foi suscitada a sobredita nulidade processual, que sempre obrigaria, por imposição legal, à convolação da oposição à execução em requerimento de arguição de nulidade processual, como acima se referiu.

43º Assim, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao rejeitar liminarmente a presente Oposição à Execução.

Sem prescindir,

44º Como se disse, mesmo que, por mera hipótese, a Oposição à Execução não constituísse “in casu” o meio de reação adequado, devendo outrossim ter sido interposto recurso extraordinário para revisão das decisões de aplicação de coima conforme preconiza a douta Sentença recorrida,

45º Nem por isso o sentido decisório poderia ter sido o de rejeição liminar da Oposição.

46º Devendo outrossim ser ordenada a convolação da petição de Oposição para o meio processual correcto, conforme determinam o n.º 3 do artigo 97º da LGT e o nº 4 do artigo 98º do CPPT.

Finalmente,

47º A Opoente, aqui Recorrente, foi confrontada com uma “decisão surpresa”, de rejeição liminar da oposição, sem que lhe tivesse sido dada qualquer oportunidade de se pronunciar previamente sobre a matéria.

48º Foi, por isso, violado o princípio do contraditório, consignado no artigo 3º, n.º 2 e 3 do CPC.

49º Ao não ter sido previamente notificada a Opoente para se pronunciar sobre esta matéria de excepção, foi omitida formalidade susceptível de influir na decisão da causa.

50º Pelo que estamos perante uma nulidade processual, nos termos do artigo 195º nº 1 do CPC, com as consequências previstas no nº 2 do mesmo preceito legal – anulação dos termos subsequentes, designadamente da douta Sentença aqui recorrida.

Concluiu dizendo que deve ser concedido provimento ao presente recurso e deve ser revogada, anulada ou declarada nula a douta Sentença recorrida, com as legais consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Mm.º Juiz a quo lavrou douto despacho de sustentação da decisão recorrida.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que deve ser concedido parcial provimento ao recurso e ordenada a convolação dos autos em requerimento de arguição de nulidade do título executivo por falta de requisitos essenciais, dirigido ao OEF, baixando os autos à instância para os devidos efeitos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Das questões a decidir

Das conclusões do recurso extraem-se as seguintes questões a decidir:

a) Saber se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia (1.ª a 6.ª conclusões);

b) Saber se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação de facto (10.º e 11.ª conclusões);

c) Saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao rejeitar liminarmente a oposição (12.ª a 46.ª conclusões);

d) Saber se se a decisão recorrida é nula por ter violado o princípio do contraditório (47.ª a 50.ª conclusões);

Tem precedência lógica o conhecimento das nulidades imputadas à decisão recorrida. Que, por isso serão apreciadas antes do também imputado erro de julgamento.



3. Dos fundamentos

3.1. A decisão recorrida tem, no que agora importa relevar, o seguinte teor:

«(…) Na sua petição de 10 de fevereiro último sustenta a oposição, numa longa e extenuante exposição dos fundamentos da tributação em sede de Imposto Único de Circulação, e em como não era ela a possuidora ou dona dos diferentes veículos cujo não pagamento do respetivo tributo ocasionou as contraordenações que em ulteriores decisões viriam a dar origem à aplicação das coimas exequendas. Termina a pedir a extinção da execução, junta documentos e arrola testemunhas.

O Tribunal já noutras ocasiões semelhantes, na sua generalidade suscitadas por oposições incidentais de execuções fiscais de decisões contraordenacionais em matéria de taxas de portagem, mas do famigerado Instituto das Infra-Estru[tu]ras Rodoviárias, I. P., depois do seu sucessor legal, o Institu[t]o da Mobilidade e dos Transportes, I. P., segundo as versões pregressas da não menos famigerada Lei 25/2006 de 30 de junho, já então, dizíamos, entendeu – entendimento esse que continua, e mais, a perfilhar-se, diga-se para maior realce – que os fundamentos de oposição à execução, pese embora taxativamente previstos no art.204º nº1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quando referidos à execução coerciva de decisões em matéria de matéria de ilícito de mera ordenação social, como é o caso, têm de ser objeto de uma interpretação e leitura tanto quanto possível inclusiva do invocado, por forma a adequar os que se lhe deparem aos ali consentidos. Com efeito, não estando a execução fiscal pensada para a execução coerciva de sanções, surge consequente que haja um certo desajuste entre as questões concitadas pela oposição e aquelas para que está pensada a oposição à execução fiscal. Simplesmente, essa interpretação, ainda que abrangente, tem de manter-se nos quadros do sistema, considerando do mesmo passo que o Legislador consagrou a melhor solução, sob pena aliás de se gerarem disfuncionalidades.

Dito isto, volvendo agora ao caso presente, que na sua base tem uma pletora de decisões condenatórias em matéria de ilícito de mera ordenação social tributária, mas agora por omissão do oportuno pagamento de Imposto Único de Circulação de diversos veículos, podemos também aqui dizer que a petição, pese embora de oposição à execução, trai a subjacente intenção impugnatória do teor das decisões condenatórias exequendas. Com efeito, observa-se que sob o seu tonus de invocação aparente da ilegitimidade substantiva prevista, como fundamento opositivo, no art.204º nº1 corpo e alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segmento em que enuncia não ser possuidor do bem no período em que foi originada a dívida exequenda, o que verdadeiramente se questiona é, antes, a intrínseca bondade das decisões condenatórias, sob a invocação dessa mesma alteridade possessória aquando dos períodos em que o Imposto Único de Circulação deveria ter sido pago. Dito de outro modo: mais não se pretende do que impugnar a legalidade dessas múltiplas decisões de ilícito de mera ordenação social que condenaram a ora Requerente de oposição em diferentes coimas. Na verdade, do percurso enunciativo e conclusivo da petição resulta claramente que é imputado um erro radical na determinação dos factos em que assentam, a partir do facto seminal da omissão de pagamento do imposto e, designadamente, erro na imputação subjetiva do ilícito típico sancionado. É óbvio pretender-se retirar daí consequências ao nível da possibilidade de censura dos factos, maxime à Executada, para além da vaguidade de identificação específica relação dos factos com ela, via sua relação com o veículo infrator.

Por ser como descrito, a oposição à execução incide não diretamente sobre questões do processo executivo segundo algum dos fundamentos do citado art.204º nº1 corpo e suas alíneas, mas em questões que se situam em momento anterior à formação dos “títulos” na sua base, as decisões condenatórias dos diversos processos contraordenacionais, o que só mediata ou reflexamente poderia influir na legalidade da execução, a se considerada. S. m. o., seria então consequente com essa posição que então a Executada recorresse de ordinário dessas decisões, ou o fizesse a título extraordinário, em recurso para sua revisão, consoante o que achasse ser mais adequado, em função quer dos atos notificativos ali realizados, quer da superveniência da prova em sua defesa.

Em processo de oposição à execução, a tipologia de fundamentação opositiva exposta traz, naturalmente, a questão da adequação do pedido e seus fundamentos à forma processual adotada. Deste prisma, os fundamentos reportados à legalidade e bondade da decisão exequenda e do processo onde foi proferida, fazem necessariamente apelo, assim, ou ao fundamento descrito no art.204º nº1 corpo e alínea h) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou àquele da sua alínea i), pois qualquer um dos outros fundamentos legais de oposição, adaptados embora à execução coerciva de uma decisão de aplicação de coima, se revelam inapropriados. Com efeito, pelas duas alíneas h)-i) do citado art.204º pretendeu o Legislador providenciar pelo estabelecimento de uma válvula de segurança à taxatividade do elenco de fundamentos de oposição que simultaneamente estabelece, justamente para acolher na oposição à execução fundamentos concretos de ilegalidade em sentido amplo que, não tendo embora cabimento sob as demais alíneas que enuncia, se impõe sejam todavia atendidos numa oposição.

Assim, ao abrigo da alínea i), aqueles que possam, «externamente» aos atos de liquidação propriamente ditos [aqui, decisões que irrogaram coimas], acolher-se sob as mais diversas questões posteriores, ou mesmo coetâneas ou anteriores, que alteram a possibilidade legal de subsistência do tributo [aqui, aquelas decisões], tal qual ele havia sido definido pela liquidação, ou do título nela assente, sem que por esse modo se ponha em causa ou convoque a concreta legalidade da liquidação a se considerada [aqui, aquelas decisões], ou matérias reservadas à entidade emitente do título dado à execução, mas sem que deixe de se acolher o relevo do que influa na integridade ou na exequibilidade do descrito no título. E, ao abrigo da alínea h), o Legislador pretendeu salvaguardar os casos excecionais em que ao contribuinte não seja oportunamente dado ensejo de se fazer ouvir no procedimento que conduz à liquidação do tributo, ou de reagir contra o ato de liquidação [aqui, uma vez mais, a decisão exequenda], designadamente quando a extração da certidão de dívida não assente num ato administrativo tributário, mas em mera verificação de omissão de prestação pecuniária, ou quando estes atos impliquem imediato curso de prazo de pagamento, impeditivo do recurso ao processo de reclamação ou de impugnação, ou ainda quando pressuponham já o prazo de prestação voluntária exaurido: em suma, quando os fundamentos de impugnação só são praticamente exercitáveis quando pende já a execução coerciva.

No caso presente, porém, resulta ostensivo que, ao invés do consentido pelos fundamentos acolhidos sob aquelas duas alíneas, se pretende, precisamente, ver aqui reapreciada a legalidade concreta da decisão de aplicação das coimas, pondo em causa a sua correção e acerto, pela demonstração do erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que assenta, o que subtrai o caso do âmbito da alínea i), como dito, tanto mais que a prova nesse âmbito admitida é apenas a documental; e, por outra parte, ocioso é dizer que no procedimento contraordenacional é assegurada a intervenção necessária do arguido, até por imposição constitucional, arts.32º nº10 da Constituição da República, 50º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 70º-71º do Regime Geral das Infrações Tributárias, donde que a intervenção daquele na devida tramitação desses processos, o oportuno e indispensável momento de exercício do direito de defesa antes da decisão final, eventualmente condenatória, vir a ser proferida, se impõe por natureza, do mesmo modo que a necessária notificação e possibilidade de reação a uma decisão condenatória, arts.58º-60º do citado Regime Geral das Contraordenações e Coimas; o que igualmente subtrai o caso do âmbito da citada alínea h).

Donde que os concretos fundamentos de oposição, reportados à legalidade dos procedimentos percorridos nos autos donde foram extraídos os títulos executivos, quer à legalidade das decisões aí proferidas, não sejam legalmente admissíveis como tais, antes o sendo como fundamento de recurso das decisões que impuseram as coimas e condenaram no pagamento do mais, seja por via de um recurso ordinário ou impugnação judicial dessas decisões administrativas, seja por via de um recurso extraordinário para sua revisão.

Em face do exposto, sem necessidade de mais alongado excurso, sob o estatuído nos arts.204º nº1 a contrario citado, nos termos do art.209º nº1 corpo e alínea b), ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, rejeitamos liminarmente esta oposição, por inadmissibilidade legal do concreto fundamento invocado como sendo opositivo, por erradamente reconduzido à ilegitimidade substantiva referida à falta de posse de um bem em determinado período, a que se reporta a norma contida no art.204ºnº1 corpo e alínea b). (…)».

3.2. A RECORRENTE começa por apontar à decisão recorrida a nulidade por omissão de pronúncia, por o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto à nulidade insuprível invocada nos artigos 162.º a 164.º da petição inicial da oposição. Invocou os artigos 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), estes do Código de Processo Civil.

É manifesto, no entanto, que a RECORRENTE toma como pressuposto que a decisão recorrida é uma sentença. Não apenas por ser assim que a designa nas alegações de recurso, mas também por invocar disposições que regulam as formalidades a observar nas sentenças.

Ora, a decisão de que recorre não é uma sentença, mas um despacho. Não apenas por ser assim designado pelo legislador (cfr. o artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), mas também porque o processo ainda não tem, nesta fase, a estrutura de uma causa. Porque ainda não é um processo de partes (a instância ainda não está constituída porque ainda não foi chamada a intervir a parte contrária). E a sentença é o ato pelo qual o juiz decide a causa ou um incidente que tem a estrutura de uma causa (artigo 152.º, n.º 2, do mesmo Código).

Ora, nos despachos o juiz não tem que se pronunciar quanto a todas as questões suscitadas na causa. Desde logo, porque, através deles, o juiz não decide – ou não decide na esmagadora maioria das situações – a causa. Abstém-se de a decidir. E não faria sentido que o juiz, para se abster de decidir a causa, tivesse que se pronunciar sobre todas as questões nela suscitadas.

Assim, embora o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (aplicável aos despachos «com as necessárias adaptações», por força do disposto no artigo 613.º, n.º 3, do mesmo Código) preveja a nulidade da decisão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, deve entender-se que não constituem questões que o juiz deva apreciar aquelas que não aprecia por se ter abstido de decidir a causa.

É claro que, se pode vir a concluir que o juiz as deveria ter apreciado. Mas, em tal caso, não estamos perante uma nulidade, mas perante um erro de julgamento. Por ter julgado erradamente que não deveria decidir.

Tanto basta para concluir que a decisão recorrida não padece de tal nulidade. Pelo que o recurso não merece provimento na parte a que se reportam as conclusões 1.ª a 6.ª.

3.3. A RECORRENTE também aponta à decisão recorrida a nulidade por falta de fundamentação de facto. Alega a este propósito que a decisão recorrida não elencou ou especificou qualquer factualidade provada. Invocou os artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, n.º 1, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Bem como os artigos 607.º, n.ºs 3 a 5 e 615.º, n.º 1, alínea b), 1.ª parte, estes do Código de Processo Civil.

Ora, sendo verdade que a decisão recorrida não elencou quaisquer factos, não é menos verdade que não a poderia ter elencado. Porque ainda não tinha efetuado o julgamento. E nem o podia ter efetuado, porque o processo ainda não estava nessa fase. E não estava nessa fase porque ainda nem sequer tinha sido chamada ao processo a parte contrária. E sem a audiência da parte contrária não podiam ter sido admitidas ou produzidas quaisquer provas, como deriva do artigo 415.º do Código de Processo Civil.

Salvo o devido respeito, a RECORRENTE incorre aqui no mesmo erro a que já aludimos no ponto anterior. O de considerar que a decisão recorrida é uma sentença ou deve observar a estrutura de uma sentença. Já explicamos ali porque é que não a acompanhamos nesse entendimento. Pelo que agora só resta remeter para o que ali foi dito.

Pelo que a decisão recorrida não padece da nulidade a que se reportam as conclusões 10.ª a 11.ª.

3.4. A RECORRENTE também aponta à decisão recorrida uma nulidade reflexa, a que deriva da omissão de uma formalidade processual que, no seu entendimento, deveria ter precedido a decisão recorrida (ver as conclusões 47.º a 50.º). Alega, a este propósito, que não lhe foi dada a oportunidade de se pronunciar previamente sobre a matéria abordada na decisão recorrida e que foi, por isso, violado o princípio do contraditório. Invocou o artigo 3.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil.

Visto que estamos perante uma decisão liminar, a questão que se coloca é a de saber se o juiz tem que ouvir o autor (neste caso, o Oponente) antes de indeferir liminarmente a oposição.

A resposta é negativa. Deriva do artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que a petição é indeferida quando é «apresentada a despacho liminar», o que sustenta a interpretação de que o despacho é proferido na sequência dessa apresentação. Por outro lado, o indeferimento liminar é admitido apenas em situações de manifesta improcedência ou quando ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis. Sendo que as situações manifestas ou de evidência são aquelas em que, precisamente, se afasta a obrigação de observar o princípio do contraditório, por serem casos de «manifesta desnecessidade» de ouvir a parte - cfr. o n.º 3 daquele artigo 3.º.

Em conclusão, o despacho é liminar também no sentido em que é proferido sem observância de qualquer diligência prévia, incluindo a de audição da parte. Pelo que o recurso também não merece provimento nesta parte.

3.5. A questão fundamental no presente recurso é a de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao concluir pela inadmissibilidade legal do seu objeto.

Nos artigos 6.º e 7.º da douta petição inicial anunciava-se que a oposição era apresentada com dois fundamentos:

a) A ilegitimidade da pessoa citada, por não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram – artigo 204.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) A inexequibilidade das decisões de aplicação das coimas, por não terem sido válida e regularmente assinadas pelo respetivo autor – fundamento que enquadra na alínea i) do mesmo número daquele dispositivo legal.

Na decisão recorrida, o Mm.º Juiz concluiu que a oposição não era admissível com o primeiro dos fundamentos por entender ser manifesto que a RECORRENTE não pretende mais do que impugnar a legalidade das decisões condenatórias dos diversos processos contraordenacionais, o que deveria ter feito no meio próprio.

E que não era admissível com o segundo fundamento por entender que – como melhor explicita no despacho de sustentação – também a questão da validade das decisões a que falta a assinatura é questão que se integra no âmbito de matérias a conhecer nos próprios processos de contraordenação e, por isso, exorbita do âmbito da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º citado.

A RECORRENTE não concorda com a primeira parte da decisão porque a oposição é fundada na presumida posse das viaturas nos períodos em causa que originou as dívidas de imposto único de circulação e, por consequência, as dívidas das coimas exequendas. Situação que enquadra na alínea b) do n.º 1 daquele artigo 204.º.

E não concorda com a segunda parte da decisão porque a falta de assinatura dos títulos executivos importa a sua inexequibilidade e a ineficácia jurídica, inexigibilidade e inexequibilidade são fundamentos de oposição.

A RECORRENTE não tem razão quando ataca a primeira parte da decisão. Desde logo porque, ao contrário do que alega, não foi a presumida posse das viaturas nos períodos em causa que originou as dívidas de coimas exequendas.

Porque, ainda que seja a posse das viaturas a que se reporta a dívida de imposto o facto gerador da obrigação tributária respetiva (o que aqui não cumpre apreciar), o que releva para efeitos de ilícito contraordenacional é o facto típico (v.g. a falta de entrega da prestação tributária), ilícito e culposo declarado punível pela lei respetiva – artigo 2.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias. E bem assim as circunstâncias modificativas, agravantes ou atenuantes, que determinaram a medida da coima.

É verdade que a falta de entrega da prestação tributária pressupõe, por sua vez, que seja devido o pagamento do tributo por parte do arguido e, por conseguinte, que estejam verificados os pressupostos de incidência respetivos. Mas isso não significa que sejam os mesmos os pressupostos da liquidação respetiva e os da infração tributária. Ou que os pressupostos da infração tributária absorvam os pressupostos da liquidação.

Significa apenas que, na verificação dos pressupostos da infração tributária se toma como pressuposto assente que estão verificados os pressupostos da liquidação. Por isso é que, quando esteja em causa a ocorrência do facto tributário, se prevê a suspensão do processo contraordenacional até que esteja decidida essa questão prejudicial no processo próprio.

Pelo seu lado, a situação prevista no artigo 204.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário é a da execução para cobrança coerciva de impostos sobre a propriedade mobiliária ou imobiliária que tenha sido liquidada em nome do atual possuidor, fruidor ou proprietário e que deva reverter contra o anterior, nos termos do artigo 158.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. E não a execução para cobrança coerciva de coimas fixadas por falta de pagamento da prestação respetiva.

Dito de outro modo: a situação ali prevista é a de oposição em processo de execução fiscal para cobrança coerciva desses tributos. E não a da oposição em processo de execução fiscal para cobrança coerciva de coimas por falta de pagamento desses tributos. Pelo que a situação dos autos não tem enquadramento do artigo 204.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Analisemos por último a questão da inexigibilidade da dívida exequenda por falta de assinatura do título executivo.

Dispõe, na verdade, o artigo 163.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário que constitui requisito essencial do título executivo a assinatura da entidade emissora, por chancela ou através da aposição de assinatura eletrónica qualificada.

No entanto, como foi decidido no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 6 de maio de 2009 (processo n.º 632/08, citado no douto parecer do Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto e que, por sua, vez, cita abundante jurisprudência anterior), «a falta de requisitos do título executivo (…) não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na alínea i) do nº 1 do seu art.º 204.º».

A questão que fica é, por isso, a de saber se, como também alega a RECORRENTE e, de resto, promove o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, se impõe a convolação dos autos em requerimento de arguição de nulidade do título executivo, por falta de requisitos essenciais, dirigido ao órgão de execução fiscal.

A esta questão respondemos também negativamente.

Porque decorre dos documentos para que remete o artigo 155.º da douta petição inicial que a nulidade não é, afinal, imputada aos títulos executivos. A nulidade é imputada aos documentos que junta com a designação «Documento n.º 1» e que incorporam os atos de notificação das decisões de aplicação de coimas a que alude o artigo 79.º, n.º 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, alguns dos quais ostentam a designação de «assinatura inválida» e que integram fls. 197 e seguintes do processo físico.

E as nulidades dos atos praticados no processo de contraordenação devem ser invocadas e conhecidas no próprio processo de contraordenação. E não na execução fiscal. Como, de resto, bem assinala o Mm.º Juiz a quo.

Poderia a RECORRENTE ter querido dizer que a falta de assinatura dos documentos de notificação para que remete no artigo 115.º da douta petição inicial afetam a eficácia e a exigibilidade da decisão notificada e, por essa via, a sua exequibilidade.

Neste enquadramento, o meio processual utilizado até seria adequado, mas a sua alegação seria manifestamente improcedente.

Porque a assinatura da carta enviada para notificação não é um requisito essencial desse ato. Não integra os elementos da notificação a que aludem, nem o n.º 2 do artigo 79.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, nem o n.º 2 do artigo 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Assim, a falta ou invalidade da assinatura desse documento não importa a falta ou invalidade do ato documentado e não afeta, por isso, a eficácia ou exigibilidade da decisão notificada.

Pelo que o recurso não merece provimento.



4. Conclusões

4.1. Não constituem questões que o juiz deva apreciar, para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aquelas que não aprecia por se ter abstido de decidir a causa.

4.2. Não integra a nulidade por falta de fundamentação de facto, para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, o facto de não ter sido elencada ou especificada na decisão de indeferimento liminar qualquer factualidade provada.

4.3. Não integra a nulidade por violação do princípio do contraditório, para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a falta da audição do oponente antes do indeferimento liminar da oposição.

4.4. Não constitui fundamento admitido de oposição à execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de coimas fiscais fixadas com fundamento na falta de entrega do imposto único de circulação o facto de o oponente não ser o possuidor dos veículos a que se reporta e no período de tributação correspondente.

4.5. A falta ou invalidade da assinatura do documento que incorpora a notificação da decisão que aplicou a coima não importa a falta de notificação dessa decisão nem a inexigibilidade da dívida proveniente dessa coima.



5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela RECORRENTE.

D.n.

Lisboa, 27 de novembro de 2019. – Nuno Bastos (relator) – Ascensão Lopes – José Gomes Correia.