Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:062/23.2BALSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO ARBITRAL
JURISPRUDENCIA RECENTEMENTE CONSOLIDADA
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário:I - O recurso para uniformização de jurisprudência, tendo por objecto decisão arbitral e sendo dirigido ao S.T.A., pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr.artº.25, nº.2, do R.J.A.T.).
II - Apesar de, no caso, se verificar entre ambas as decisões arbitrais em confronto, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, não deve o recurso ser admitido e, tendo-o sido, não há que conhecer do respectivo mérito, se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr.artº.152, nº.3, do C.P.T.A., "ex vi" do artº.25, nº.3, do R.J.A.T.).
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P32044
Nº do Documento:SAP20240321062/23
Recorrente:AA E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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AA E BB, com os demais sinais dos autos, deduziram recurso, para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº.592/2022-T, datado de 31/03/2023, o qual, além do mais, julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral, deduzido pelos ora recorrentes e visando o acto de liquidação de I.R.S., relativo ao ano de 2021 e no valor a pagar de € 7.832,90.
O recorrente invoca oposição entre o acórdão arbitral recorrido e o aresto fundamento, já transitado em julgado, proferido no âmbito do processo nº.739/2016-T, que correu termos no CAAD, sendo datado de 21/11/2017 (cfr. cópia junta a fls.34 a 43 do processo físico).
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Para sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto fundamento, os recorrentes terminam as alegações do recurso (cfr.fls.4 a 11 do processo físico), formulando as seguintes Conclusões:
1-Há identidade da factualidade julgada pela DECISÃO RECORRIDA e pela DECISÃO FUNDAMENTO, a saber a realização de menos-valias mobiliárias (previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS) por um dos membros do casal em união-de-facto, e a realização de mais-valias da mesma natureza pelo outro membro do casal, estando o casal abrangido pelo regime da tributação conjunta dos seus rendimentos por ter optado pela tributação conjunta, conforme faculdade conferida pelo n.º 2 do artigo 13.º do Código do IRS.
2-Em ambas as liquidações de IRS realizadas pela AT, quer a relativa ao ano de 2016, quer a relativa ao ano de 2021, a AT, com fundamento no n.º 1 do artigo 55.º do Código do IRS, na redacção dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31-12, não considerou a comunicabilidade das mencionadas menos-valias às mais-valias, portanto, não liquidando o imposto tendo em conta o rendimento conjunto do casal, tendo essas liquidações sido objecto de impugnação pelo casal, pelos SP, aqui Recorrentes, e consequentemente, tendo sido proferidas a DECISÃO FUNDAMENTO (IRS, 2016) e a DECISÃO RECORRIDA (IRS, 2021).
3-A DECISÃO FUNDAMENTO considerou procedente o pedido de anulação da liquidação do IRS de 2016 deduzido pelos dos SP (casal) e anulou a liquidação, por considerar que:
3.1. A fundamentação em que se estribou a AT para proceder à emissão do acto de liquidação de IRS, o n.º 1 do artigo 55.º do Código do IRS (na redacção dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31-12) “não é uma norma de incidência, nem tão pouco interfere com o apuramento dos saldos e dos ganhos sujeitos a imposto, sendo ao invés uma mera norma de reporte de perdas”; segundo a mesma douta decisão: “Em momento algum, o legislador teve a intenção de privar os contribuintes casados, ou em união de facto, de poderem apurar o ganho sujeito a imposto através da soma da totalidade dos ganhos e da subtração das perdas totais obtidas em conjunto”;
3.2. Concluindo pela violação da lei por não considerar a tributação conjunta dos Requerentes, i.e., por não considerar a comunicabilidade das perdas entres os membros do casal em regime de tributação conjunta, que conduz ao apuramento do saldo sujeito a “em função da regra consagrada no artigo 43.º do Código do IRS, segundo a qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias corresponde ao saldo apurado entre as mais e as menos-valias realizadas no mesmo ano, cujo valor de aquisição, no caso de valores mobiliários, é determinado nos termos do artigo 48.º”, solução que respeita o regime de tributação conjunta previsto no n.º 2 do artigo 13.º.
3.3. Interpretação que, s.m.o., é conforme ao disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 67.º, e, em particular ao disposto no n.º 1 do artigo 104.º, ambos da CRP.
Em contradição,
4-A DECISÃO RECORRIDA considerou improcedente o pedido de anulação da liquidação do IRS de 2021 deduzido pelos dos SP (casal), mantendo a liquidação realizada pela AT, estribando-se em jurisprudência do CAAD ulterior e contrária à pioneira decisão em que se consubstanciou a DECISÃO FUNDAMENTO, no essencial, por considerar que:
4.1. A fundamentação em que se estribou a AT para proceder à emissão do acto de liquidação de IRS de 2021, o n.º 1 do artigo 55.º do Código do IRS (na redacção dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31-12), não considerando a comunicabilidade de perdas entre ao SP, membros do casal unido-de-facto em regime de tributação conjunta, é conforme à lei.
4.2. No essencial a douta DECISÃO RECORRIDA acompanha a jurisprudência ulterior à emissão da DECISÃO FUNDAMENTO, que sustenta a incomunicabilidade, a qual tem particularmente em conta o expendido nas “propostas consagradas no «Anteprojecto da Reforma do IRS» (Julho de 2014) e no «Projecto de Reforma do IRS» (Setembro de 2014)”, circunscrevendo os efeitos do regime da tributação conjunta tributação conjunta de casados à aplicação do regime do quociente conjugal e ao nível das deduções à coleta relacionadas com despesas de natureza pessoal ou familiar.
4.3. Consequentemente, considera que “o impedimento à comunicabilidade de menos valias entre cônjuges, no âmbito da tributação conjunta do agregado familiar, não constitui violação dos princípios constitucionais e jurídico-fiscais vigentes no ordenamento português”.
5-Os Recorrentes, para além da total insegurança jurídica que sentem, decorrente de a AT proceder à liquidação do seu IRS de 2021 em violação do que foi objecto de julgamento, pela DECISÃO FUNDAMENTO, quanto ao seu IRS de 2016, estando em causa a mesma factualidade e o mesmo direito, mantém o que alegado de que a fundamentação em que assentou a liquidação da AT e que foi mantida pela douta DECISÃO RECORRIDA, traduz uma interpretação contra a lei ordinária por retirar do disposto no n.º 1 do artigo 55.º do Código do IRS um suposto regime de incomunicabilidade das perdas entre o casal no âmbito da tributação conjunta, desprezando o disposto na CRP sobre a tributação da família, na alínea f) do n.º 2 do artigo 67.º e no n.º 1 do artigo 104.º da CRP, bem como na norma de incidência do n.º 2 do artigo 13.º e nas normas de determinação do rendimento colectável consagradas nos artigos 43.º e 48.º, todas, do Código do IRS.
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Foi proferido despacho pelo Exº. Conselheiro relator a admitir liminarmente o recurso, mais ordenando a notificação da entidade recorrida para produzir contra-alegações (cfr. despacho exarado a fls.46 do processo físico).
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual conclui pela verificação dos pressupostos para o conhecimento do mérito do presente recurso, mais se devendo negar provimento ao mesmo (cfr.fls.51 a 54 do processo físico).
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Colhidos os vistos de todos os Exºs. Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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Do aresto arbitral recorrido consta provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.28-verso a 29-verso do processo físico):
A-Os Requerentes procederam à entrega conjunta da Declaração Modelo 3 do IRS, respeitante ao ano de 2021 em 23.4.2022 (Cf. fls.34 a 44 do PA);
B-Tal acto declarativo tomou o n.º de Identificação ...82... (Cf. fls.34 a 44 do PA).
C-Tratada a referida declaração anual de rendimentos, os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS n.º ...22..., de 16.5.2022, da qual resultava IRS a pagar que se cifrava em 7.832,90 € (Cf. fls. 45/49 do PA);
D-Os Requerentes na declaração de rendimentos identificada no ponto A) do probatório, mais concretamente no seu Quadro 5, optaram expressamente por se sujeitar à tributação conjunta dos seus rendimentos (Cf. fls. 34/49 do PA);
E-Subsequentemente à apresentação da declaração referida nos pontos A) e D) do probatório, foram os Requerentes notificados da liquidação de IRS n.º ...22..., de 16.5.2022, mediante carta registada, sob registo n.º ...PT, datado de 15.6.2022. (Cf. fls. 46/49 do PA);
F-Da liquidação identificada no ponto C) do probatório, mais concretamente da linha 17 da demonstração da liquidação que tem por descrição “Imposto relativo a Tributações Autónomas”, resulta inscrita a quantia de 15.390,34 € (Cf. fls. 45/49 do PA);
G-No ano de 2021, os Requerentes declararam conjuntamente rendimentos decorrentes da alienação de valores mobiliários (Cf. Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 40/49 do PA);
H-Os montantes inscritos no Quadro 9, do Anexo G, da Declaração Modelo 3 de IRS, de 2021, ascenderam a 563.893,49 € €, a título de valores de realização e a 570.446,40 €, a título de valores de aquisição. (Cf. Quadro 9 do Anexo G da declaração Modelo 3 do IRS de 2021 constante do Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 40/49 do PA);
I-No Quadro 9, do Anexo G, da Declaração Modelo 3 de IRS, de 2021,os Requerentes inscreveram despesas e encargos de 983,20 €, sendo que 952,00 €, respeitavam ao sujeito passivo A e 31,20 €, ao sujeito passivo B. (Cf. Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 40/49 do PA);
J-O saldo positivo das mais e menos-valias associado às alienações onerosas de valores mobiliários realizadas pelo sujeito passivo A resulta de diversas operações dispostas nas linhas 9001, 9002 e 9004, do Quadro 9, do Anexo G, da Declaração Modelo 3 do IRS, de 2021 e eleva-se a 7.536,11 €, que traduz a realização de uma mais-valia que se cifra em 61.597,49 € (558.397,49 VR - 496.800,00 VA), à qual deve ser deduzida a quantia referida no ponto I) do probatório de 952,00 €, donde resulta uma mais-valia líquida de 60.645,49 €. (Cf. Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 40/49 do PA);
K-O saldo negativo das mais e menos-valias associado às alienações onerosas de valores mobiliários realizadas pelo sujeito passivo B, resulta da operação disposta na linha 9003, do Quadro 9, do Anexo G, da declaração Modelo 3 do IRS, de 2021 e eleva-se a 68.150,40 €, que traduz a realização de uma menos-valia correspondente àquele valor, acrescido da quantia referida no ponto I) do probatório de 31,20 €, donde resulta uma menos-valia líquida de - 68.181,60 €. (Cf. Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 40/49 do PA);
L-O resultado apurado na liquidação de IRS sindicada e melhor identificada no ponto C) do probatório e que se cifrava em 7.832,90 €, decorreu da aplicação da taxa autónoma de 28% ao saldo de mais-valias apurado em relação à alienação de valores mobiliários concretizada pelo sujeito passivo A, do qual resultou a tributação autónoma de 15.390,34 € (Cf. fls. 45/49 do PA);
M-A liquidação de IRS sindicada foi paga em 2.8.2022. (Cf. Doc. n.º 1 junto ao PPA);
N-Em 6.10.2022, 17:42 horas, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);
O-O pedido foi aceite em 10.10.2022, 12:58 horas (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
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Do acórdão fundamento proferido no âmbito do processo 739/2016-T e datado de 21/11/2017, consta provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.38-verso e 39 do processo físico):
A-Os Requerentes exerceram a opção pela tributação conjunta dos seus rendimentos, em sede de IRS, relativamente aos anos de 1999 a 2015, conforme se alcança das cópias dos comprovativos de entrega que foram juntos com o pedido arbitral como Doc. n.º 1;
B-No ano de 2003, passou a integrar o agregado familiar dos Requerentes um dependente, como se alcança da cópia da 1ª página da respetiva Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS junta com o pedido arbitral como Doc. n.º 1);
C-Nos referidos anos de 2009 a 2015, os Requerentes declararam que o seu estado civil era o correspondente a “unidos de facto” (Cf. Doc. n.º 1 junto com o pedido arbitral);
D-No que tange ao ano de 2015, foi declarada, no Quadro 9 do Anexo G da respetiva Declaração de Rendimentos Modelo 3, relativamente ao Sujeito Passivo A (o ora Requerente), a alienação onerosa, em 15/06/2015, de valores mobiliários que haviam sido adquiridos em 25/06/2007, 05/05/2009 e 27/12/2011, respetivamente, nos montantes de € 1.155.600,00, de € 9.969,74 e de € 8.916,40, tendo sido indicado um montante de despesas e encargos inerente de € 1.402,13, € 19,79 e € 38,95, respetivamente (Cf. Doc. n.º 2 junto com o pedido arbitral);
E-O valor de realização declarado com referência aos valores mobiliários identificados no ponto anterior, foi, respetivamente, de € 1.348.200,00, de € 19.033,14 e de 37.448,88 (Cf. Doc. n.º 2 junto com o pedido arbitral);
F-Foi ainda declarado, no Quadro 9 do Anexo G da Declaração de Rendimentos Modelo 3 de 2015 dos Requerentes, relativamente ao Sujeito Passivo B (a ora Requerente), a alienação onerosa, em 01/07/2015, de valores mobiliários que haviam sido adquiridos em 31/12/2013, no montante de € 380.281,28, tendo sido indicado um montante de despesas e encargos inerente de € 163,18 (Cf. Doc. n.º 2 junto com o pedido arbitral);
G-Em face disso, o valor de realização total declarado foi de € 1.567.862,42, enquanto que o valor de aquisição total declarado foi de € 1.554.767,42 e, por fim, o valor total de despesas e encargos declarados de € 1.624,05 (Cf. Doc. n.º 2 junto com o pedido arbitral);
H-Foi emitido, em nome dos Requerentes e por referência ao ano de 2015, o ato de liquidação de IRS n.º ...16…, de 04/08/2016, correspondente ao Documento n.º ...16…, com referência ao ano de 2015, nos termos do qual foi apurado um montante de imposto a pagar de € 24.216,79, com data de pagamento voluntário de 15/09/2016 (Cf. Doc. n.º 7 junto com o pedido arbitral);
I-O ato de liquidação referido no ponto anterior foi pago em 13/09/2016 (Cf. Doc. n.º 8 junto com o pedido arbitral).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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AA E BB deduziram, ao abrigo do disposto no artº.25, nº.2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária( (na redacção introduzida pela Lei 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos). ), o qual foi introduzido pelo dec.lei 10/2011, de 20/01 (R.J.A.T.), recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo nº.592/2022-T (datada do pretérito dia 31/03/2023), invocando contradição entre essa decisão e o aresto fundamento, já transitado em julgado, proferido no âmbito do processo nº.739/2016-T, que correu termos no CAAD, sendo datado de 21/11/2017 (cfr. cópia junta a fls.34 a 43 do processo físico).
A oposição alegada é respeitante à questão que se consubstancia em saber se, optando os sujeitos passivos, casados ou unidos de facto, pela tributação conjunta em sede de I.R.S., o apuramento do saldo de mais ou menos-valias deve ser efectuado conjuntamente ou, ao invés, por cada sujeito passivo, separadamente, sem comunicabilidade de menos-valias entre cada titular para efeitos fiscais, tudo considerando o disposto no artº.55, nº.1, do C.I.R.S., na redacção em vigor a partir de 1/01/2015, transmitida pela Lei 82-E/2014, de 31/12 (cfr.artº.17, nºs.1 e 6, da Lei 82-E/2014, de 31/12).
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, no seu douto parecer, conclui no sentido de estarem reunidos os pressupostos para tomar conhecimento do mérito do recurso, mais se devendo negar provimento ao mesmo, dado que a decisão arbitral recorrida está de acordo com a jurisprudência deste Tribunal expressa no ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 23/02/2023, rec.125/22.1BALSB.
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Examinemos, antes de mais, os requisitos formais e substanciais de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
O regime de interposição do recurso de decisão arbitral para o S.T.A., ao abrigo do artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., difere do regime do recurso previsto no artº.152, do C.P.T.A., na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre do referido artº.152, nº.1 (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 21/04/2021, rec.29/20.2BALSB; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.484).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada, face ao aresto identificado como tal, no caso "sub iudice".
Não se colocando dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da entidade recorrente e tempestividade do recurso), haverá que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Nos termos do citado artº.25, nº.2, do R.J.A.T., norma que remete, com as devidas adaptações, para o artº.152, do C.P.T.A., os requisitos de admissibilidade do recurso para o S.T.A. da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes:
1-Que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;
2-Que exista contradição entre essa decisão arbitral e outra decisão arbitral, um acórdão proferido por algum dos Tribunais Centrais Administrativos ou pelo S.T.A., relativamente à mesma questão fundamental de direito;
3-Que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do S.T.A.
No que ao segundo requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, é mester adoptar os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição.
Estes critérios jurisprudenciais são os seguintes:
a) haver identidade da questão de direito sobre que incidiram os acórdãos em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto;
b) a oposição deve emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
c) não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos, se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
d) as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
e) em oposição ao acórdão recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/06/2014, rec.1447/13; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/02/2015, rec.964/14; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec. 8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 21/04/2021, rec.29/20.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 29/06/2022, rec.93/21.7BALSB; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 5ª. Edição, 2021, pág.1232 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.488 e seg.).
Vejamos se tais pressupostos substanciais se verificam no caso concreto.
Nesta sede, mesmo admitindo que os acórdãos em confronto deram resposta divergente à questão que os recorrentes erigiram como decidenda no presente recurso para uniformização de jurisprudência: saber se, optando os sujeitos passivos, casados ou unidos de facto, pela tributação conjunta em sede de I.R.S., o apuramento do saldo de mais ou menos-valias deve ser efectuado conjuntamente ou, ao invés, por cada sujeito passivo, separadamente, sem comunicabilidade de menos-valias entre cada titular para efeitos fiscais, tudo considerando o disposto no artº.55, nº.1, do C.I.R.S., na redacção em vigor a partir de 1/01/2015, transmitida pela Lei 82-E/2014, de 31/12, o recurso não deve prosseguir para conhecimento do mérito, porquanto, a decisão recorrida se encontra em plena sintonia com orientação mais recentemente consolidada deste S.T.A. sobre a matéria.
Expliquemos porquê.
Conforme se alude supra, constitui pressuposto da admissão do recurso por oposição de acórdãos que a decisão impugnada não esteja em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Nos termos do artº.152, nº.3, do C.P.T.A., se o acórdão impugnado seguir o entendimento expresso pelo Pleno no âmbito de um julgamento ampliado de revista ou em anterior acórdão uniformizador, não tem, na verdade, justificação submeter a questão de novo à apreciação do Pleno. Face à literalidade do preceito, a possibilidade de não admissão do recurso também existe quando o acórdão impugnado se conforme com a jurisprudência pacífica e uniforme do STA, mesmo quando tirada pelas secções ou, pelo menos, com a jurisprudência firme que se tenha consolidado mais recentemente. Por outro lado, deve reputar-se como "jurisprudência consolidada" aquela que revele uma estabilidade de julgamento, seja porque provém do Pleno, segundo a formação prevista no artº.17, nº.2, do E.T.A.F., seja porque evidencie uma constância decisória através de uma sequência ininterrupta de decisões no mesmo sentido oriundas de uma das Secções deste Tribunal, obtidas por unanimidade ou maiorias significativas. Por outras palavras, o conceito legal de jurisprudência consolidada consubstancia-se numa estabilidade de julgamento demonstrativa de uma constância decisória, a qual pode transparecer, ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção, ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade e em todas as formações da mesma Secção (cfr.Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª. Edição, Almedina, 2017, pág.1175 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.402 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.491; ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 18/09/2008, rec.212/08; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 19/10/2016, rec.139/16; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/10/2017, rec.1022/16; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/03/2021, rec.82/20.9BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 30/06/2021, rec.141/20.8BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 21/02/2024, rec.158/21.5BALSB).
Revertendo ao caso dos autos, deve levar-se em consideração o recente acórdão lavrado pelo Pleno desta Secção, em 23/02/2023, no âmbito do processo 125/22.1BALSB, o qual uniformizou jurisprudência (sem qualquer voto de vencido) no sentido de: a partir de Janeiro de 2015, em sede de I.R.S., os contribuintes titulares casados ou unidos de facto que optem pela tributação conjunta em sede de I.R.S., fazem o apuramento do saldo entre resultados líquidos negativos e positivos por cada sujeito passivo separadamente, sem comunicabilidade dos resultados líquidos negativos entre cada titular, nos termos do disposto no artº.55, do C.I.R.S. (aresto este que se encontra acessível em www.dgsi.pt, por isso sendo dispensável a junção da respectiva cópia, sendo lavrado em recurso para uniformização de jurisprudência no qual o acórdão arbitral fundamento é idêntico ao reconhecido no presente processo).
Estando a decisão recorrida em plena sintonia/harmonia com esta jurisprudência do S.T.A., a qual entretanto se consolidou, e tendo o recurso sido admitido, não há que conhecer do respectivo mérito, atento o disposto no artº.152, nº.3, do C.P.T.A., ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO MÉRITO DO RECURSO.
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Condenam-se os recorrentes em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil), nesta instância de recurso.
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Registe.
Notifique.
Comunique ao CAAD.
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Lisboa, 21 de Março de 2024. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.