Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0301/24.2BEPRT
Data do Acordão:01/23/2025
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO
CRIME
FUMUS BONI JURIS
Sumário:I - Para o prazo de prescrição penal ser aplicável o que a lei exige é que os factos em causa no processo disciplinar também consubstanciem, em abstrato, a prática de um crime.
II - Nos termos do disposto no artigo 170.º do Código Penal, sob a epígrafe, “importunação sexual”: “Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
III - O tipo legal em análise criminaliza, assim, a “importunação sexual” de outra pessoa através de duas condutas distintas: a prática, perante outra pessoa, de atos de caráter exibicionista e o constrangimento de outra pessoa a contacto de natureza sexual.
IV - O legislador entendeu que esse constrangimento a contacto de natureza sexual se traduzia numa ofensa ao bem jurídico liberdade sexual, cujo relevo é merecedor de tutela penal, não obstante esse contacto não revestir uma gravidade idêntica ou equiparável à do “ato sexual de relevo” (este previsto e punido nos art.s 171.º a 174.º do C. Penal).
V - Vindo provado que o arguido, professor de educação física, no contexto de sala de aula ..., em momentos distintos no tempo, deu palmadas nas nádegas de alunas e que era muito frequente auxiliar as mesmas a subir para as paralelas segurando-lhes nas nádegas, o que apenas fazia às alunas do sexo feminino, e que essas ações provocaram nestas um sentido de constrangimento e de desconforto, o comportamento descrito é hábil a subsumir-se, em abstrato, ao tipo legal de crime de importunação sexual.
VI - Consequentemente, operando a extensão do prazo de prescrição disciplinar, pela aplicação conjugada dos artigos 178.º, n.º 1, da LGTFP, 118.º e 170.º do Código Penal, atendendo ao probatório fixado, não ocorre a prescrição do mesmo.
VII - Dispõe o artigo 150.º, n.º 5, do CPTA, aditado pela revisão de 2015, que “[n]a revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme o acórdão recorrido, substitui-o mediante decisão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias”.
VIII - Tendo presente a factualidade apurada no processo disciplinar e levada ao probatório, a instrução havida no mesmo e a motivação constante do Relatório Final para sustentar a sanção disciplinar concretamente aplicada, absorvida pelo ato sancionatório, não se apresenta como provável a procedência da pretensão impugnatória no processo principal.
IX - O conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional concretiza-se através de juízos de prognose, na fixação dos quais a Administração goza de grande liberdade de apreciação. Margem de liberdade administrativa que não é sindicável pelo tribunal, salvo em caso de erro grosseiro ou palmar, ou seja, em que a pena fixada se revele, em concreto, manifestamente injusta ou desproporcionada (o que está longe de ser o caso).
X - A aplicação da pena expulsiva justificar-se-á perante o comportamento apurado do arguido que encerrou um grau de desvalor elevado (especial censurabilidade da conduta, acumulação de infrações, afetação do bom nome e prestígio da comunidade educativa e do Instituto Politécnico ..., para além da notória repercussão social que o caso mereceu), expresso fundamentadamente no ato sancionatório definitivo, o que se apresenta como suscetível de quebrar efetiva e irremediavelmente a confiança que deve existir entre o serviço e o funcionário.
XI - Num juízo de prognose de summaria cognitio, não se concluindo pela existência de fumus boni juris (titularidade séria do direito invocado), tratando-se os critérios previstos no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA (periculum in mora, fumus boni juris e ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade), de verificação cumulativa, o não preenchimento de um deles, determina inexoravelmente a improcedência do pedido cautelar, sem necessidade, por tal conhecimento ficar prejudicado, da averiguação dos demais requisitos.
Nº Convencional:JSTA00071901
Nº do Documento:SA1202501230301/24
Recorrente:INSTITUTO POLITÉCNICO ...
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Área Temática 2:SUSPEFIC
Legislação Nacional:CPTA ART 120
CPTA ART 150 N 5
LGTFP ART 73 N 2 A), E) e H)
LGTFP ART 73 N 3
LGTFP ART 73 N 7
LGTFP ART 73 N 10
LGTFP ART 178 N 1
LGTFP ART 218
CP ART 118
CP ART 170
CP ART 171
Jurisprudência Nacional:Ac STA 29 de Maio de 2014, Proc 502/13; Ac STA 21 de Fevereiro de 2024, Proc 368/21.5BESNT; Ac STA 2 de Maio de 2024, Proc 309/12.0BEAVR; Ac Pleno STA 7 de Maio de 2020, Proc 22/19.8BALSB; Ac Pleno STA 1 de Junho de 2023, Proc 726/18.2BESNT; Ac TC 105/2013; Ac TR Évora de 10 de Outubro de 2023, Proc 113/22.8T9EVR.E1 ; Ac TR Guimarães de 22 de Fevereiro de 2023, Proc 182/19.8JAVRL.G2; Ac TR Coimbra de 8 de Novembro de 2023, Proc 770/22.5T9ACB.C1
Referência a Doutrina:Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.º ed., 2021, pág. 1209
Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª ed., págs 733-739
Simas Santos e Leal-Henriques, Código Penal Anotado, III, 4.ª ed., pág. 534.
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