Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0938/17.6BALSB
Data do Acordão:05/26/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:DEPRECIAÇÃO DE BENS
PARQUE EÓLICO
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JURISPRUDENCIA CONSOLIDADA
Sumário:I - A constatação de que a decisão arbitral recorrida perfilhou a mesma orientação que vem sendo acolhida pela jurisprudência mais recentemente consolidada do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é, per se, suficiente, à luz do regime de verificação cumulativa consagrado, conjugadamente, nos artigos 152.º do CPTA e 25.º do RJAT, para que não se tome conhecimento do mérito do recurso interposto para Uniformização de Jurisprudência.
II - “Até 1 de Janeiro de 2015 na ausência de estipulação pelo legislador de uma taxa expressa de depreciação e amortização para os aerogeradores, deve admitir-se que a Administração Tributária, ex vi do disposto nas disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 31.º do CIRC e do n.º 3 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar 25/2009, fixasse como razoável o prazo de 20 anos, a que correspondia uma taxa de depreciação de 5%, atento o facto de esse ser o período de vida útil estimado de um aerogerador, segundo os seus fabricantes" (acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 9 de Dezembro de 2020, processo n.º 40/20.3BALSB).
Nº Convencional:JSTA000P27773
Nº do Documento:SAP202105260938/17
Data de Entrada:09/06/2017
Recorrente:A..................
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

ACÓRDÃO DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO

1.1. “A…………….”, veio, nos termos dos artigos 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 4 de Maio de 2017, no processo n.º 573/2016-T [que correu termos no Cento de Arbitragem Administrativa (CAAD)].(Integralmente disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/)

1.2. Como fundamento da referida interposição, alega que a decisão recorrida está em contradição com o decidido nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Junho de 1999 e 29 de Novembro de 2000, proferidos, respectivamente, nos processos 20.839 e 25.580, concretizando essa oposição, em súmula final, nos seguintes termos:

«A. Vem a Recorrente apresentar o seu Recurso com fundamento em Oposição de Acórdãos por oposição da Decisão Arbitral proferida a 04-05-2017 pelo Tribunal Arbitral Colectivo constituído sobre a égide do CAAD, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo na ordem jurídica as liquidações adicionais referidas supra no montante total de € 515.694,63, com: o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no recurso n.º 020839, de 16 de junho de 1999, que teve como Relator o Venerando Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, com os descritores “SISA. Impugnação de acto de avaliação. Regimes anterior e posterior ao código de processo tributário. Inconstitucionalidade do artigo 97º do CIMSISD. Discricionariedade técnica. Direito ao recurso contencioso”; e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no recurso nº 25.580, de 29 de Novembro de 2000, que teve como Relator o Venerando Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, com os descritores “Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Isenção. Pessoa Colectiva de utilidade pública. Fins predominantemente científicos. Sindicabilidade contenciosa dos actos administrativos. Exercício de poderes vinculados”.

B. Ora, Decisão Arbitral não conhece do período de vida útil com fundamento na “discricionariedade administrativa”, o que, em si mesmo, não é fundamento para decidir não decidir acerca do período de vida útil dos aerogeradores eólicos do Parque Eólico de ..............., sendo entendimento da Recorrente que a Decisão Arbitral em causa se mostra contrária à lei e à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. Acórdãos fundamento), não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica, conforme se passará a expor.

C. Estava o Tribunal Arbitral obrigado ao conhecimento do período de vida útil dos aerogeradores instalados no Parque Eólico de ..............., atento o contencioso de plena jurisdição e a sindicabilidade de questões que a Administração Tributária, não raras vezes, inclui num conceito lato de “discricionariedade técnica”, pelo que é ilegal a recusa do CAAD em controlar a aplicação de critérios técnicos pela Administração Tributária na aferição do período de vida útil dos aerogeradores do Parque Eólico de ................

D. Resulta da douta Decisão Arbitral recorrida o seguinte, que se reproduz por facilidade de exposição:

“Aproveita-se também para fazer aqui referência à declaração de voto vencido preferida no âmbito do Processo Arbitral n.º 593/2015, cuja exposição se aplaude, “(...) na discricionariedade técnica «stricto sensu» cabe, assim, o juízo de valoração assente em conhecimentos e regras próprios da ciência ou da técnica não jurídicas que estejam em causa, sendo certo que não cabe ao Tribunal controlar a boa ciência ou boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extrajurídicas para tanto necessária.

(…)

Mais especificadamente, se a lei confere à Administração o poder de especificar uma valoração não previamente fixada pela própria lei, não pode um tribunal proceder à reponderação dos juízos efectuados pela Administração nesse âmbito, a não ser que esteja demonstrada a existência de erro grosseiro ou manifesto nomeadamente a falta de apoio em informações e estudos técnico-profissionais corroborados por especialistas e reclamados pela densificação dos conceitos extrajurídicos.

(...)

Pode este Tribunal, ou qualquer outro, achar que é mais razoável o prazo proposto pelo Requerente, ou pode ao invés achar que é mais razoável o proposto pela AT — mas essa avaliação é, e tem que ser irrelevante no caso, porque, insiste-se o estabelecimento por lei de um poder discricionário, como o que foi exercido, veda qualquer possibilidade de razoabilidade entre períodos de depreciação, como veda qualquer outro juízo de mérito”.

E. No entendimento veiculado, quanto à questão de fundo, pelo Tribunal Arbitral, é indiferente o período de vida útil dos aerogeradores ou o período mais razoável, uma vez que se está no Âmbito de um poder discricionário da Administração Tributária, que veda qualquer possibilidade de apreciação judicial, o que consubstancia uma ilegalidade e, mais do que isso, está em contradição com a jurisprudência dos tribunais superiores.

F. No que concerne às considerações que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz —, e que foram estranhamente acolhidas pelo Tribunal Arbitral - sobre a impropriamente chamada «discricionariedade técnica», como área de aplicação de critérios de natureza técnica pela Administração pretensamente insindicáveis pelos Tribunais, trata-se de um conceito que se tornou obsoleto com a revisão constitucional de 1989, ao passar a estabelecer no artigo 268º, n.º 4, da CRP a lesividade do acto como critério para aferir da impugnação contenciosa e consequente sindicabilidade pelos tribunais.

G. Ora, há muito que o Supremo Tribunal Administrativo, na esteira de alguma doutrina e com o posterior apoio do Tribunal Constitucional, se apercebeu do alcance dessa alteração legislativa, como pode ver-se pelo Acórdão de 16-06-1999, proferido no processo n.º 020839, do qual foi relator o Exmo. Senhor juiz Conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa (Acórdão Fundamento n.º 1), que se cita por comodidade de exposição:

Desde há muito que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vem uniformemente admitindo o controle judicial de questões de carácter técnico, nos casos em que se detecta erro grosseiro ou manifesto.

Mas, a sindicabilidade dos actos praticados pela Administração que envolvem conhecimentos técnicos avultados, que habitualmente se denominam como praticados no domínio da discricionariedade técnica, deverá ir para além disso.

Na verdade, por força do preceituado no n.º 4 do art. 268.ºda CRP. (n.º 3 na redacção de 1982), não pode deixar de admitir-se recurso contencioso dos actos da administração que afectem a esfera jurídica dos particulares.

Com efeito, este direito ao recurso refere-se a "quaisquer actos" e, por isso, qualquer restrição de tal direito que resulte da lei ordinária será materialmente inconstitucional.

Assim, as únicas restrições a tal direito que se poderão compaginar com tal princípio constitucional serão as que possam resultar da própria natureza dos actos administrativos, designadamente aqueles em que esteja em causa a gestão de interesses públicos conflituantes que caiba à administração ponderar.

A tal sindicabilidade não poderá constituir obstáculo o carácter técnico das questões a resolver, já que, precisamente para permitir a resolução de questões de carácter técnico no âmbito do contencioso administrativo, é que a LPTA, no seu artigo 14º, prevê generalizadamente a possibilidade de intervenção de técnicos.

Esta norma, assim, constitui uma prova evidente da existência de uma intenção legislativa de assegurar a apreciação jurisdicional de matérias de carácter predominantemente técnico.

Por outro lado, a restrição da sindicabilidade dos actos administrativos em que haja aplicação de critérios técnicos aos casos de erro manifesto implica uma subversão prática do princípio da legalidade, constitucionalmente imposto à Administração (n.º 2 do artigo 266º da Constituição) que passaria a traduzir-se, na prática, no dever de não praticar ilegalidades manifestas e correlativo direito de praticar ilegalidades não manifestas, consequência esta que não é compatível com tal norma constitucional.

(...)Assim, tem-se por seguro que os Tribunais não podem recusar ao Interessado a possibilidade de obter um controlo efectivo da aplicação de critérios técnicos pela administração”.

H. No mesmo sentido, Esteves de Oliveira (in Direito Administrativo, Volume I, página 249):

“O facto de o tribunal administrativo não ser perito em matérias técnicos, de ter mais dificuldades do que a Administração na busca do conteúdo de um conceito técnico, de muitas vezes não ter a certeza se o juízo científico do perito por si consultado é ou não mais correcto que o juízo de perícia do órgão administrativo, são, tudo, circunstâncias que se ligam à dificuldade da prova judicial e que nada têm que ver com a liberdade da Administração”.

O que nós sustentamos é que o particular há-de ser admitido — salvo os casos que adiante se referirão — a fazer em tribunal a prova de que o conceito técnico foi mal aplicado pelo órgão administrativo: se, dessa prova resultar, inequivocamente, que a Administração errou ao interpretar o conceito técnico, ou ao subsumir nele os factos da vida real, então o tribunal não pode recolher-se nu sua pretensa incapacidade para recusar a anulação do acto administrativo, e isto porque não existe aí qualquer discricionariedade, como a própria jurisprudência o reconhece”,

I. Em sentido essencialmente coincidente António Francisco de Sonsa (in “A Discricionariedade Administrativa”, páginas 308-309);

“Fazendo parte da categoria mais ampla da «discricionariedade imprópria», a doutrina, e a jurisprudência de alguns países, entre os quais de Portugal mas também de Espanha e da Itália, continua a falar de «discricionariedade técnica» para referir aquele tipo de decisões administrativas que contêm um elevado grau de conhecimentos técnicos e que, por isso, só quem as toma seria juiz delas.

Os juízes administrativos, por terem outra preparação e função, devem «respeitar» este tipo de decisões não as controlando ou, melhor, controlando apenas os «erros manifestos» de que elas eventualmente padeçam. Da impossibilidade técnica e falta de preparação dos juízes, resultaria para a Administração uma «liberdade limitada» de manobra, isto é, toda a decisão altamente técnica da Administração seria livre desde que não fossa viciada de «erro manifesto».

Claro que esta doutrina não tem fundamento científico em muitos aspectos. Por um lado, não se pode definir com clareza o que são decisões altamente técnicas). Onde começa e acaba o carácter «altamente técnico» de uma decisão nunca foi nem pode ser respondido em termos satisfatórios por se tratar de uma resposta que contém necessariamente um alto grau de subjectividade daquele que se pronuncia. Por outro lado, se o juiz não conhece todos os ramos da ciência para poder controlar decisões «altamente técnicas» — como não tem o dever de conhecer-, ele sempre poderá ouvir peritos, como, aliás, está previsto na lei, não só para o direito civil como também para o direito administrativo. Trata-se de um direito e dever que aquele que julga tem, de se esclarecer sobre os factos sobre que decide. O juiz não sabe se uma determinada substância é tóxica ou não, mas pode ouvir químicos ou médicos que o esclareçam a esse respeito. Da dificuldade inegável de controlo destas decisões administrativas não deve retirar-se - só explicável por razões de comodidade do juiz mas pondo em causa a certeza e a segurança do direito - uma liberdade para a Administração decidir conforme quiser. A discricionariedade técnica perde, assim, o seu fundamento pois, no Estado de Direito, a liberdade da Administração só pode resultar da vontade do legislador expressa na lei e não da «dificuldade de controlo jurisdicional. Em terceiro lugar, ao limitar-se o controlo jurisdicional ao controlo do «erro manifesto» está-se a tolerar o «erro não manifesto». O que é o erro manifesto e onde acaba e começa o carácter «manifesto» de um erro nunca foi nem pode ser respondido em termos satisfatórios. Tanto é erro o «erro manifesto» como o «erro não manifesto». Ambos são ilegais e têm de ser controlados pelos tribunais administrativos. Aquilo que o Legislador não concedeu, isto é, a tolerância do «erro manifesto», não pode ser concedido pelos tribunais. A todas estas imperfeições de ordem científica da «doutrina da discricionariedade técnica» vêm juntar-se a incerteza e insegurança jurídicas que ela traz consigo, com amplos reflexos no enfraquecimento do direito de defesa dos particulares garantidos constitucionalmente”.

J. Essencialmente no mesmo sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 29-11-2000, recurso nº 25580 (Acórdão Fundamento n.° 2), em que sumariou:

“O direito ao recurso contencioso de quaisquer actos administrativos lesivos, assegurado no n.° 4 do art. 268º da constituição, só pode ser restringido relativamente a actos que, por sua natureza, não permitam controlo jurisdicional, designadamente aqueles em que esteja em causa a gestão de interesses públicos conflituantes que caiba à administração ponderar, o que não é o caso dos actos do Governo em matéria de reconhecimento das isenções referidas, que tem pressupostos integralmente fixados na lei”.

K. De resto, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-06-1999 (proc. n.º 020839), foi confirmado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 269/2000, de 03-05-2000, proferido no processo n.º 598/99, publicado no DR 2.ª série, de 15-7-2000, no qual se decidiu o seguinte:

“Garantido o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, é com a abrangência deste conceito, tendo como parâmetro o bloco de legalidade a que a Administração deve observância por força do princípio constitucional da legalidade e o limite a que ela está sujeita na prossecução do interesse público (artigo 266º da CRP) — o respeito pelos direitos dos cidadãos — que os tribunais administrativos vão “ampliando” os seus poderes de cognição.

A Constituição, as leis e os regulamentos, os contratos firmados, os actos administrativos consolidados, tudo são parâmetros de aferição da legalidade dos actos da Administração.

A vinculação da Administração à revelada em domínios onde tradicionalmente apenas se reconhecia a discricionariedade administrativa, cuja sindicabilidade se limitava, a coberto do artigo 19º da LOSTA, à verificação do vício de desvio de poder.

É em particular nesta área que, por imperativo constitucional, a fiscalização contenciosa dos actos administrativos se aprofunda.

Não basta que a Administração, no uso de poderes discricionários, prossiga o interesse público que justifica a atribuição desses poderes, para além de existirem, sempre, áreas de vinculação quando a Administração age no exercício de tais poderes(v.g. quanto aos pressupostos de facto em que assenta) é a própria estatuição do acto que se confronta com os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (artigo 266º nº 2 da CRP)a que a Administração se encontra igualmente vinculada.

Mas se é assim no domínio da discricionariedade volitiva, também o é – se não por maioria de razão – no domínio da “discricionariedade técnica” (usando esta expressão à margem de qualquer juízo sobre a propriedade da terminologia), onde, diversamente do que acontece no primeiro caso, não há, na definição da situação jurídica concreta em apreço, um leque de opções legalmente indiferentes.

Retornando ao tratamento constitucional da matéria, assinala-se, por fim, que a última revisão coloca um marco importante na apontada linha evolutiva, com o claro sentido de assegurar plenamente os direitos e garantias dos administrados.

O princípio fundamental, plasmado pela primeira vez na Constituição enquanto reportado aos direitos e garantias dos cidadãos face à Administração, é o da “tutela jurisdicional efectiva” dos direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268º nº 4).

Consagrado este princípio, em termos genéricos no artigo 20º nº 1 da CRP, não se dispensou o legislador constituinte de o repetir quando garantiu a defesa dos direitos ou interesses do cidadão, enquanto administrado.

Não cuidou, porém, de fixar os meios de que os cidadãos dispõem para fazer valer em Juízo os seus direitos ou interesses — esta é tarefa da competência do legislador infra-constitucional que há-de criar os instrumentos necessários e suficientes para os cidadãos defenderem esses direitos ou interesses em termos tais que nenhum deles quede sem defesa jurisdicional adequada.

Limitou-se a Constituição a apontar, a título exemplificativo (mas desde logo vinculativos), alguns desses meios.

E é entre eles, como mais uma Indicação da, sua perda de importância relativa no âmbito da justiça administrativa, que surge o recurso contencioso (“impugnação”) “de quaisquer actos administrativos”.

Mantendo-se expressamente essa garantia — já não agora em preceito autónomo — deixa, contudo, de se apontar o “fundamento em ilegalidade” que, como vimos, desde a revisão de 71 do Constituição da 33 e com as sucessivas revisões da Constituição de 76, permanecia no nosso ordenamento Jurídico constitucional.

Sem embargo de se admitir que esta eliminação possa abrir caminho a teses que, mesmo não indo ao ponto de sustentar que a ilegalidade deixou de ser fundamento exclusivo de impugnação de actos administrativos a justifiquem pelo propósito de evidenciar a razão de ser e fim último da garantia — a defesa contra a ofensa ou lesão de direitos ou interesses dos administrados — afigura-se que a ilegalidade, tal como vinha sendo entendida, não deixou de ser o fundamento único do recurso contencioso.

Neste contexto jurídico-constitucional se inscrevem alguns acórdãos deste Tribunal que Julgam inconstitucionais, por violação da garantia do recurso contencioso, normas que restringem os fundamentos do recurso.

Foi assim no caso do Acórdão nº 429/69 (in ATC 13° vol. II, págs. 1237 e segs.) que julgou inconstitucional a norma do § 4º do artigo 97° do DL nº 42641, de 12/11/59, que restringe ao quantitativo da multa a possibilidade de impugnação contenciosa de decisão sancionatória do Ministério das Finanças em processo instaurado por infracção aos diplomas reguladores do comércio bancário e cambial, e onde se escreveu:

“É óbvio que, constitucionalmente, o recurso não pode deixar de abranger todos os aspectos juridicamente relevantes para apreciar da ilegalidade do acto administrativo em causa (…)”.

É também o caso do Acórdão nº 233/94 (in ATC 27° vol. P.595) que julgou inconstitucional, por violação do mesmo direito fundamental, a norma do artigo 114° § 2 do código da Contribuição Industrial que fora interpretada na decisão recorrida como excluindo a sindicabilidade do acto administrativo com determinados fundamentos e onde se escreveu:

“(...) aos tribunais compete não somente a verificação dos pressupostos de aplicação da norma, mas também a correcção da interpretação da norma e a observância do princípio da proporcionalidade nessa aplicação, expressa não apenas no respeito do fim da norma mas também na correcção da adequação do meio ao resultado, ou seja, do “iter” lógico seguido pela Administração na valoração da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios lógico-discursivos que presidiram à sua aplicação ao caso.

É ainda o caso do Acórdão nº 728/98 (in DR II Série, nº 69, de 23/3/99, pags, 4232 que julgou inconstitucional, por violação do artigo 268º nº 4 da CRP, a norma do artigo 88º do CPCI.

É por último, o caso do Acórdão n° 8/99 (inédito) que julgou inconstitucional, ainda com o mesmo fundamento, a norma do artigo 20° do LOSTA que, nos recursos das decisões proferidas em processos disciplinares em que sejam arguidos agentes administrativos, impede o tribunal de conhecer da gravidade da pena aplicada ou da existência material das faltas, salvo em determinados condicionalismos expressos na mesma norma.

Trata-se, afinal, de uma linha jurisprudencial que radica no entendimento de que “o artigo 269° n°2 (redacção da altura) da Constituição pode e deve ser interpretado como estabelecendo uma garantia completa de recurso, quer dizer, uma garantia que assegura aos particulares a possibilidade de impugnarem judicialmente todos as actos singulares e concretos da Administração Pública que produzam efeitos externos e sejam susceptiveis. portanto, de lesar os seus direitos. Assim, quaisquer normas legais que excluam esta possibilidade de impugnação relativamente a certos actos ou a certas categorias de actos administrativos ou que restrinjam os possíveis fundamentos de tal impugnação apenas a alguns dos vícios susceptíveis de gerar a antijuridicidade desses actos, têm de ser havidas como inconstitucionais (...)” — cfr. J.M. Cardoso da Costa, “A tutela dos direitos fundamentais in “Documentação e Direito Comparado” n° 5, p. 209.

L. Neste mesmo sentido, cite-se, e independentemente de, lamentavelmente, não existir previsão legal de recurso por oposição de acórdãos dentro da jurisprudência do próprio CAAD, a lapidar Decisão Arbitral do CAAD proferida em 02-12-2016, no processo n.º 284/2016-T:

“Todavia, no caso, julga-se que é isso que acontece, ou seja, que o poder discricionário foi, face à lei incorrectamente exercido, o que se procurará demonstrar por duas vias.

Senão vejamos.

Embora, in casu, se esteja no campo da discricionariedade técnica, serão aplicáveis, directamente, as considerações tecidas no Acórdão do STA de 27-11-2013, proferido no processo 01159/09, a propósito da aplicação de conceitos indeterminados, entendendo-se que:

“Desse modo, deparando-se com conceitos indeterminados, cabe ao órgão decisor, desde logo, apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.

Nessa medida, e como bem observa ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA (In “Conceitos Indeterminados no Direito Administrativo”; Almedina, 1994, p. 18 e 60.). os “conceitos jurídicos indeterminados possuem peculiaridades no âmbito do Direito Administrativo, já que aí o juiz tem a função de fiscalizar se a administração deu a correta interpretação e aplicação a esses conceitos. A interpretação e aplicação de conceitos jurídicos indeterminados pela administração constitui, portanto, uma actividade estritamente vinculada à lei. Admitir qualquer margem de apreciação a favor da Administração «significaria alargar o campo da discricionariedade ao Tatbestand legal e com isso se estaria a aplicar um grave golpe nas garantias do cidadão que o Estado de Direito não admite».”

Ou seja: a norma que confere os poderes de discricionariedade técnica à AT, não deixa de ser uma norma jurídica, carente de, antes da aplicação (onde a discricionariedade é exercida), interpretação, interpretação esta que é, naturalmente, jurisdicionalmente sindicável.

Não se trata aqui, assim, transpor para o domínio da discricionariedade técnica, o especial dever de fundamentação que assiste à Administração quando aplica conceitos indeterminados, mas antes de afirmar tal como acontece com as normas que contêm estes, relativamente às normas que conferem aquela é necessário “apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.”.

Dito de outro modo, a norma que confere poderes discricionários à Administração carece ela própria de interpretação, desde logo no sentido de determinar quais os concretos poderes que são conferidos — no fundo, qual a tarefa que o legislador pretende que seja confiada à discricionariedade da Administração, sendo que tal operação hermenêutica, como não pode deixar de ser, é jurisdicionalmente sindicável.

Assim, desde logo, e no caso, afigura-se que a interpretação que a AT fez das normas jurídicas em questão, acima indicadas, não é a correcta, tendo a AT determinado, erradamente, qual a tarefa que nos termos daquela, lhe cabia.

Com efeito, a AT, conforme resulta do relatório de inspecção acima transcrito, limita-se a indicar um valor, como o número de anos que entende razoável para a amortização dos equipamentos em causa.

Ora, salvo melhor opinião, não é esse o sentido das normas aplicadas.

Efectivamente, quer uma quer outra das normas, referem-se a situações em que, para um determinado elemento, não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, dispondo que, nesse caso, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis.

Ora, a utilização do plural não pode deixar de ser significativa, e o significado não deverá deixar de ser o de que à AT não cumpre fixar uma taxa de depreciação única como-sendo a razoável mas, antes, a de fixar um intervalo de taxas que sejam consideradas razoáveis.

Efectivamente, no labor hermenêutico a operar, não se pode deixar de notar que as normas em questão não prescrevem que a AT se substitua ao legislador na indicação de uma percentagem, análoga às fixadas na tabela que é omissa relativamente ao elemento a amortizar, mas na indicação das taxas de depreciação ou amortização que sejam razoáveis.

Ora, as taxas de depreciação ou amortização aceitáveis, no sistema vigente, estão compreendidas dentro de um intervalo decorrente entre o período mínimo e máximo de vida útil de um bem, tal como definido no artigo 3.º/2 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro.

Daí que, estando em causa o suprimento de omissões da tabela anexa ao referido DR., deverá a AT proceder nos mesmos termos, fixando, não uma taxa de amortização ou depreciação fixa, em função de um conceito de “vida útil esperada”, preenchido por um juízo de “valor médio de utilidade esperada”, mas tal como decorre do regime daquele mesmo D.R. e tabela anexa, um intervalo de taxas de depreciação ou amortização razoáveis, compreendido entre um período de vida mínima razoável e um período de vida máxima razoável (tendencialmente equivalente ao dobro do período de vida mínima) tal como, para os elementos constantes da referida tabela, ocorre, sendo, precisamente, esse, o sentido da utilização do plural da palavra “taxa’ e respectivas concordâncias, nas normas dos artigos 31º/2 do CIRC e 5º/3 da Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro.

De outro modo, ou seja, ao entender-se que a AT poderia, em cada caso concreto onde fosse chamada a pronunciar-se, fixar para um mesmo tipo de elemento do activo, uma a taxa de amortização concreta, e, consequentemente, um período de vida útil único, em função do que, nesse caso concreto, se lhe afigurasse razoável, cair-se-ia numa inaceitável falta de generalidade nas decisões da Administração, remetendo-se para um “casuísmo” que é precisamente o contrário daquilo que o sistema jurídico impõe que aconteça no preenchimento de lacunas legais através do exercício de poder discricionário.

Os valores da segurança e da justiça reclamam que, quando à Administração é legalmente cometido o poder discricionário de preencher lacunas da própria lei a Administração deva agir no mesmo plano de abstracção e generalidade que presidem idealmente à fixação dos critérios legais, quando estes existem.

No caso das normas em apreço, quando a lei alude ao “são aceites” não pode, pois, deixar de referir-se à admissibilidade de um intervalo de taxas, que passam a vigorar para um universo de equipamentos omissos, tenham eles sido já, ou não, objecto de amortização ou depreciação, de liquidação de imposto ou de litígio com a própria Administração.

A Administração tem despertada ou não pela iniciativa declarativa de algum contribuinte, que tentar apurar, com imparcialidade, com generalidade, abstracção e congruência, as taxas que passam a ser as “aceites” para aquele caso e para todos os outros.

A não ser assim, as próprias garantias que, para os contribuintes, resultam da imparcialidade e da generalidade seriam colocadas em xeque: um contribuinte veria a sua taxa de 5% ser ou não aceite — conseguiria ver “aceite” uma taxa de 7 ou 8%?

Por outro lado, apenas a fixação de um conjunto de taxas razoáveis, correspondentes ao intervalo de vida útil mínima e máxima de um elemento do activo omisso, fixado de um ponto de vista da generalidade e da abstracção, permite evitar que um contribuinte com equipamento análogo a outro a que a AT tivesse fixado uma determinada taxa precisa de depreciação ou amortização, mas que o utilizasse em circunstâncias diversas, influentes do respectivo período de vida útil, não fique irremediavelmente prejudicado, pelas circunstâncias valoradas pela Ar, próprias do primeiro caso que apreciasse.

Deste modo, o entendimento ora sustentado, não só, julga-se, não vai contra os princípios da segurança, da igualdade e da generalidade jurídicas, nem contra o dever genérico de imparcialidade que impende sobre a Administração, como, pelo contrário, será imposto por eles.

Assim, apenas “aceites” taxas de depreciação correspondentes a um período de vida útil mínimo e máximo, pela AT, e passando as mesmas a vigorar para todos os casos similares, nos termos expressos do regime legal, fica preenchida a lacuna e a taxa em vigor deixa de ser a taxa “da AT” para ser a taxa da própria Lei. Só dessa forma, julga-se, se dá execução ao comando legal de fixar “taxas” (no plural) de amortização ou depreciação, não se concebendo como é que a fixação de uma taxa de depreciação única poderá corresponder à intenção legislativa, quando, justamente, não é esse o modus operandi do legislador ao tratar a mesma matéria, por um lado, e o comando legislativo é claro ao prescrever a aceitação de “taxas” razoáveis, por outro.

De resto, esta interpretação sempre seria imposta pelo princípio da igualdade, na medida em que justificação material alguma existe para que os contribuintes possam utilizar taxas de depreciação compreendidas entre o período mínimo e máximo de vida útil dos bens, no caso de os mesmos constarem da tabela anexa ao Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, e de apenas poderem utilizar uma taxa única (precisamente a considerada razoável pela AT), no caso de não constarem.

E, note-se, tal como no caso dos elementos integrantes da tabela anexa ao Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, não há qualquer dificuldade com o intervalo de taxas de amortização ou depreciação resultante da conjugação da tabela com o regime de tal decreto, nos casos omissos, de fixação pela AT do intervalo de taxas razoáveis admissíveis, não haverá. Efectivamente, o procedimento subsequentemente será precisamente o mesmo, ou seja, dentro do intervalo fixado, seja pela conjugação do regime do DR e respectiva tabela anexa, seja pela AT, o contribuinte escolherá a taxa mais adequada à sua situação concreta, sem que haja, numa como noutra situação, quaisquer melindres, casuísmo ou arbítrio, ou, para quem assim não entenda, havendo os mesmos em ambas as situações.

Daí que, ao indicar, nos termos dos artigos 31º/2 do CIRC e 5.º/3 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, uma única taxa de amortização, correspondente a um período de vida útil fixo, a AT incorreu em errada aplicação daqueles normativos e, consequentemente, a um errado exercício do poder de discricionariedade técnica que eles lhe deferem.

Estando-se aqui a sindicar uma ilegalidade prévia ao exercício do poder discricionário que as normas em questão deferem à AT, naturalmente que não se está a entrar na matéria da substância do exercício de tal poder, não se discutindo, portanto, o acerto técnico da solução a que chegou, na medida em que o que se conclui é que a solução a que chegou não era aquela que os comandos normativos que lhe conferem o poder discricionário prescreviam que produzisse.”

M. No mesmo sentido, prossegue o já referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Junho de 1999 (Acórdão Fundamento nº 1J, que decidiu o seguinte:

“O carácter técnico das questões a resolver não é obstáculo à apreciação jurisdicional da correcção da fixação do valor patrimonial, podendo o tribunal realizar as diligências probatórias que se afigurarem necessárias, inclusivamente recorrer ao concurso de técnicos e proceder a actos de avaliação”.

(…)

No domínio específico do contencioso tributário existem, actualmente, indicações inequívocas de que o controlo da aplicação dos critérios técnicos nos actos de quantificação da matéria colectável é generalizadamente admitido.

(…)

Por isso, é manifesto que, à face do artigo 135.º do Código de Processo Tributário, não há qualquer obstáculo a que seja apreciada a correcção do acto de avaliação impugnado nem a que seja efectuada pelo Tribunal a nova avaliação, requerida pelo Recorrente.

N. Precisamente o que aqui está em causa é o recurso, pelo legislador, a conceitos indeterminados — noções de “vida útil esperada” e de “razoabilidade”, sendo que o conceito de razoabilidade confere à Administração Tributária uma lata margem de apreciação, embora limitada pela ponderação exigida pelas circunstâncias do caso e princípios jurídicos fundamentais.

O. Acontece que, no caso concreto, este conceito depara-se, ainda, com as limitações que hão-de resultar da densificação do conceito de período de vida útil esperada, cujo preenchimento decorre, no caso, não só dos ensinamentos das ciências físicas, como também da interpretação de normas jurídico-fiscais e contabilísticas, não beneficiando, pois, a Administração Tributária, da possibilidade de decidir de acordo com critérios próprios (por si fixados) e subtraídos ao controlo do Tribunal, sob pena de violação da tutela jurisdicional efectiva, por se perder a efectividade subjacente a tal princípio constitucional.

P. No caso, atenta a fundamentação invocada pela Administração Tributária e acolhida pelo Tribunal Arbitral, verifica-se, como vimos, que esta, não só incorre em défice de ponderação em relação às circunstâncias fácticas do caso², como optou por uma noção indevida do período de vida útil esperada, desligando-o das normas jurídico fiscais e contabilísticas em causa e recusando-se ilegitimamente a conhecer de uma matéria levada à sua apreciação e que estava obrigado a conhecer.

Q. Mesmo que se entendesse ainda hoje, em dissonância com a Constituição, que as questões de carácter técnico só pudessem ser apreciadas pelos Tribunais nos casos de erro manifesto, teria de se concluir pela ilegalidade do acto impugnado, contrariamente ao que fez a Decisão Arbitral Impugnada, uma vez que o Tribunal Arbitral deveria ter conhecido do “período de vida útil esperada” dos aerogeradores do Parque Eólico de ................

²Como o são as características dos aerogeradores; as condições meteorológicas, atmosféricas e geográficas do parque, que foram claramente explicitadas pela testemunha B…………, contrariamente ao que resulta dos factos não provados da decisão arbitral; a existência de intervenções nos componentes dos aerogeradores, ainda que abrangidos pelas garantias, o que foi erradamente considerado nos factos não provados, talvez por défice de percepção; período de cobertura dos contratos de seguro celebrados; e, bem assim, as alterações legislativas entradas em vigor no ano de 2015, que têm na sua base estudos científicos e técnicos que não poderiam ser ignorados pelo Tribunal Arbitral.

R. Na verdade, sendo hoje seguro, em face do próprio juízo legislativo plasmado no artigo 23.° da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro (diploma especificamente vocacionado para regular matérias atinentes às energias renováveis e, decerto, precedido de estudos adequados sobre a matéria regulada) que, em situações de normalidade, é adequado o período de vida útil esperado de 12,5 anos para aerogeradores do tipo dos da Recorrente, é manifesto que o período de 20 anos (60% superior àquele) não podia ser considerado adequado já em 2012 relativamente a aerogeradores sujeitos a utilização especialmente intensa, como se demonstrou suceder no caso em apreço, o que configuraria um elemento importante para considerar o período de vida útil de um aerogerador.

S. Caso assim não se entenda, e sempre sem prescindir, se verificaria, também, a Oposição de Acórdãos com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-11- 2013, proferido no processo nº 01159/09, no qual se decidiu o seguinte relativamente à aplicação de conceitos indeterminados:

“Desse modo, deparando-se com conceitos indeterminados, cabe ao órgão decisor, desde logo, apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.”

T. Nessa medida, e como bem observa ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA (in “Conceitos Indeterminados no Direito Administrativo”, Almedina, 1994, p. 18 e 60.), os “conceitos jurídicos indeterminados” possuem peculiaridades no âmbito do Direito Administrativo, já que aí o juiz tem a função de fiscalizar se a administração deu a correta interpretação e aplicação a esses conceitos. A interpretação e aplicação de conceitos jurídicos indeterminados pela administração constitui, portanto, uma actividade estritamente vinculada à lei. Admitir qualquer margem de apreciação a favor da Administração «significaria alargar a campo da discricionariedade ao Tatbestand legal e com isso se estaria a aplicar um grave golpe nas garantias do cidadão que o Estado de Direito não admite».

U. Dito de outra forma, a norma que confere os poderes de discricionariedade técnica à Administração Tributária, não deixa de ser uma norma jurídica, carente de, antes da aplicação (onde a discricionariedade é exercida), interpretação, interpretação esta que é, naturalmente, jurisdicionalmente sindicável; isto é, não se trata aqui, assim, transpor para o domínio da discricionariedade técnica, o especial dever de fundamentação que assiste à Administração quando aplica conceitos indeterminados, mas antes de afirmar tal como acontece com as normas que contêm estes, relativamente às normas que conferem aquela é necessário apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação, operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.

V. Ou seja, a norma que confere poderes discricionários à Administração Tributária carece ela própria de interpretação, desde logo no sentido de determinar quais os concretos poderes que são conferidos — no fundo, qual a tarefa que o legislador pretende que seja confiada à discricionariedade da Administração, sendo que tal operação hermenêutica, como não pode deixar de ser, é jurisdicionalmente sindicável.

W. Ora, a utilização do plural na letra da lei não pode deixar de ser significativa, e o significado não deverá deixar de ser o de que à AT não cumpre fixar uma taxa de depreciação única como sendo a razoável, mas, antes, a de fixar um intervalo de taxas que sejam consideradas razoáveis, estando as taxas de depreciação ou amortização aceitáveis, compreendidas dentro de um intervalo decorrente entre o período mínimo e máximo de vida útil de um bem, tal como definido no artigo 3.º/2 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro.

X. Efectivamente, no labor hermenêutico a operar, não se pode deixar de notar que as normas em questão não prescrevem que a AT se substitua ao legislador na indicação de uma percentagem, análoga às fixadas na tabela que é omissa relativamente ao elemento a amortizar, mas na indicação das taxas de depreciação ou amortização que sejam razoáveis.

Y. Daí que, estando em causa o suprimento de omissões da tabela anexa ao referido Decreto-Regulamentar, deverá a Administração Tributária proceder nos mesmos termos, fixando, não uma taxa de amortização ou depreciação fixa, em função de um conceito de “vida útil esperada”, preenchido por um juízo de “valor médio de utilidade esperada”, mas, tal como decorre do regime daquele mesmo Decreto-Regulamentar e tabela anexa, um intervalo de taxas de depreciação ou amortização razoáveis, compreendido entre um período de vida mínima razoável e um período de vida máxima razoável (tendencialmente equivalente ao dobro do período de vida mínima), tal como, para os elementos constantes da referida tabela, ocorre, sendo, precisamente, esse, o sentido da utilização do plural da palavra “taxa”, e respectivas concordâncias, nas normas dos artigos 31.°, n.° 2 do CIRC e 5.°, n.º 3 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro.

Z. Os valores da segurança e da justiça reclamam que, quando à Administração é legalmente cometido o poder discricionário de preencher lacunas da própria lei, a Administração deva agir no mesmo plano de abstracção e generalidade que presidem idealmente à fixação dos critérios legais, quando estes existem.

AA. A Administração tem, despertada ou não pela iniciativa declarativa de algum contribuinte, que tentar apurar, com imparcialidade, com generalidade, abstracção e congruência, as taxas que passam a ser as “aceites” para aquele caso e para todos os outros; deste modo, o entendimento ora sustentado, não só, julga-se, não vai contra os princípios da segurança, da igualdade e da generalidade jurídicas, nem contra o dever genérico de imparcialidade que impende sobre a Administração Tributária, como, pelo contrário, será imposto por eles.

BB. Só dessa forma se dá execução ao comando legal de fixar “taxas” de amortização ou depreciação, não se concebendo como é que a fixação de uma taxa de depreciação única poderá corresponder à intenção legislativa, quando, justamente, não é esse o modus operandi do legislador ao tratar a mesma matéria, por um lado, e o comando legislativo é claro ao prescrever a aceitação de “taxas” razoáveis, por outro.

CC. Daí que, ao indicar, nos termos dos artigos 31º, n.º 2 do CIRC e 5º, n.º 3 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, uma única taxa de amortização, correspondente a um período de vida útil fixo, a Administração Tributária incorreu em errada aplicação daqueles normativos e, consequentemente, a um errado exercício do poder de discricionariedade técnica que eles lhe deferem.

DD. Existe uma ilegalidade prévia ao exercício do poder discricionário que as normas em questão deferem à Administração Tributária, na medida em que a Administração Tributária, à imagem do sucedido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-11-2013, proferido no processo n.º 01159/09, uma vez que os tribunais não podem recusar ao interessado a possibilidade de obter o controlo efectivo da aplicação, pela Administração Tributária, de normas jurídicas que contém conceitos indeterminados, ilegalidade que deverá ser conhecida por via do presente.

EE. Por fim, a Decisão Arbitral recorrida decide sobre a mesma questão fundamental de direito, embora num enquadramento factual diversos, em sentido manifestamente oposto ao propugnado nos Acórdãos fundamento.

FF. Sendo que, no caso vertente, e conforme resulta acima amplamente demonstrado, quer na Decisão Arbitral, quer nos Acórdãos fundamento, está em discussão exactamente a mesma questão: isto é, a sindicabilidade pelos tribunais de uma matéria contida na discricionariedade administrativa, pois que se o Tribunal Arbitral tivesse logrado conhecer da questão essencial de facto em todas as suas vertentes, a decisão teria sido seguramente distinta da que consta da Decisão Arbitral Recorrida.

GG. É, pois, irrelevante saber se a questão de facto é idêntica ou não, na medida em que a questão essencial de direito é idêntica, quanto à sindicabilidade de actuações administrativas ao abrigo de discricionariedade administrativa, sendo que os Acórdãos fundamento espelham a dominante jurisprudência dos tribunais portugueses quanto à questão de direito dos presentes autos, estando respeitadas as normas processuais aplicáveis — cfr. artigo 25º do RJAT e 152.º do CPTA.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DO DIREITO QUE V.S EX.ªAS MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO E, EM CONFORMIDADE COM O SUPRA EXPOSTO, DEVERÁ SER JULGADA VERIFICADA A OPOSIÇÃO ENTRE A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA E OS ACÓRDÃOS FUNDAMENTO E ASSIM DETERMINADO O PROSSEGUIMENTO DO PRESENTE RECURSO E, BEM ASSIM, SER REVOGADA A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA, CONHECENDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, DO PERÍODO DE VIDA ÚTIL DOS AEROGERADORES EÓLICOS, ASSIM COMO DEVERÃO SER ANULADOS OS ACTOS TRIBUTÁRIOS DE IRC (2016 8500034042, 20168500034060, 20168500034072), NA PARTE EM QUE PROCEDEM A UMA REDUÇÃO DO PREJUÍZO FISCAL DECLARADO NOS ANOS DE 2012, 2013 E 2014, NO MONTANTE GLOBAL DE € 515.694,63, E RESPECTIVOS JUROS COMPENSATÓRIOS, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS,

Assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA».

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para, querendo, contra-alegar, veio fazê-lo, defendendo antes de mais a não admissibilidade do recurso e, assim se não entendendo, a manutenção da sentença recorrida quanto ao mérito, em síntese, com os seguintes argumentos:

«A) Em causa no presente Recurso está a decisão arbitral proferida no processo n.°573/2016-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), de acordo com o disposto no Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo DL n° 10/2011, de 20 de Janeiro.

B) Processo no qual o Tribunal Arbitral apreciou a legalidade das liquidações adicionais n.°2016 8500034042, 2016 8500034060 e 2016 8500034072, que correspondem, respectivamente, aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, relativas ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC).

C) Não se conformando com a decisão arbitral proferida, que julgou totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, deduziu a Recorrente o presente Recurso alegando que o Acórdão arbitral recorrido entra em contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de junho de 1999, proferido no recurso n.° 020839, assim como com o Acórdão igualmente proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no recurso n.° 25.580, de 29 de novembro de 2000.

D) Contudo, considera-se que não se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 152.° do CPTA, pelo que não deve esse douto STA tomar conhecimento do mérito do recurso.

E) O Tribunal Arbitral definiu as seguintes questões a decidir (cf. decisão arbitral, ponto II):

“O presente Tribunal apreciará e decidirá do mérito da causa, que consiste em apreciar se o período de vida útil de 20 anos definido pela Requerida no âmbito das correções aritméticas na base das liquidações de IRC n°s 2016 8500034042, 2016 8500034060 e 2016 8500034072 para os aerogeradores eólicos do Parque Eólico de ............... se considera como razoável, tendo em consideração a regulação aplicável, nos termos do que resultava, à data relevante dos factos, n.° 2 do artigo 31.° (exercícios de 2012 e 2013) e do n.° 3 do artigo 31.° (exercício de 2014) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e do n.° 3 do artigo 5.° do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de setembro.

11. Neste objeto, cabe resolver as questões suscitadas pela Requerente quanto ao erro dos pressupostos de facto e de direito das correções aritméticas determinativas das liquidações impugnadas no que concerne à consideração do período de vida útil esperado dos aerogeradores do Parque Eólico de ............... de 20 anos, correspondente a uma taxa de depreciação de 5%, em vez do período de 16 anos adotado pela Requerente, correspondente a uma taxa de depreciação de 6,25%, bem como quanto à violação dos princípios constitucionais da igualdade e da tributação do lucro real.”

F) Na douta decisão arbitral foram considerados como não provados os seguintes factos (cf. ponto 13 da decisão arbitral): «13. Ainda com relevo para a decisão da causa, o Tribunal julga como não provados os seguintes factos: i) O esforço e desgaste a que os aerogeradores do Parque Eólico do ............... estão sujeitos, por força da sua localização na região montanhosa da ………, dado o relevo do terreno, constituído por uma série de encostas íngremes, e as condições climatéricas adversas, com ventos muito fortes, determina um tempo de vida útil dos componentes dos aerogeradores não superior a 16 anos (alegações constantes dos n.°s 133.° e 134.° da PI). ii) Existe um histórico de reparações e manutenções já efetuados no Parque Eólico do ............... que patenteia a deterioração dos equipamentos, com problemas de funcionamento antes mesmo de completarem dez anos (alegações constantes dos n.ºs 137.º e 138.º da PI). iii) O período de utilidade esperada dos aerogeradores do Parque Eólico do ..............., nas particulares condições climatéricas e de relevo do terreno do local onde estão instalados, é inferior a 20 anos (alegação constante dos n°s 140.° e 141.° da PI).”.

G). Especifica a decisão arbitral, no ponto 14, que: “A convicção do Tribunal sobre os facos dados como provados resultou do exame dos documentos anexados aos autos, do reconhecimento de factos efetuado pela Requerente, dos depoimentos das testemunhas indicadas, que revelaram conhecimento direto da matéria reportada no ponto n.° II do probatório, tudo conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.” (sublinhado nosso).

H) Discorda-se Veementemente do alegado pela aqui Recorrente quando afirma que “(...) a Decisão Arbitral não conhece do período de vida útil com fundamento na “discricionariedade administrativa”, o que, em si mesmo, não é fundamento para decidir não decidir acerca do período de vida útil dos aerogeradores eólicos do Parque Eólico de ................” (cf. artigo 20.° da alegações de recurso)

I) A convicção explanada na decisão recorrida formou-se com base na prova documental e testemunhal carreada para os autos, que, por seu turno, conduziu à conclusão que o critério utilizado pela entidade Recorrida se revelava razoável, dentro dos critérios definidos no n.° 2, do artigo 31.° do CIRC.

J) Ora, entendeu o Tribunal recorrido que “(…)parece que o legislador veio dar o espaço necessário à Requerida para definir, dentro de um critério de razoabilidade, o período de vida útil dos bens para os quais não se encontram fixadas as taxas de depreciação. 43. Em face do exposto, aos olhos do Tribunal terá que se apreciar a questão decidenda, tendo por base essa premissa. (cf. pontos 42 e 43 da decisão arbitral).

K) Atendendo ao facto de estar legalmente determinado que, perante a contingência de não se encontrar fixada a taxa de depreciação aplicável às torres eólicas, compete à Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo em consideração o período de vida útil esperada do bem, aplicar o critério que for mais razoável.

L) Foi proferida a decisão arbitral com a seguinte fundamentação (cf. decisão arbitral):” 48.

Pois bem, no que concerne a este período de utilidade ou de vida útil esperada, a prova produzida, nos termos acima indicados em sede de decisão sobre a matéria de facto (n.°s 13 e 14), não permite concluir pela comprovação de circunstâncias concretas determinativas de um período de vida útil esperado inferior a 20 anos em relação aos específicos equipamentos aerogeradores em causa nos autos, de modo a reputar desrazoável a fixação administrativa da utilidade esperada de 20 anos. 49. Ora, fica claro para o Tribunal que a Lei confere à Requerida a discricionariedade técnica necessária para que esta, dentro dos limites da razoabilidade, fixe um período de vida útil esperada para os elementos para os quais não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização. 50. E, tendo a Requerida o poder (conferido por Lei) para fazê-lo, deverá ser a Requerente, não concordando com a correção da Requerida, a demonstrar que a aludida razoabilidade não foi cumprida, nos termos do n.° 1 do artigo 74.° da Lei Geral Tributária (“LGT”). 51. Com efeito, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. 62. Não se tendo comprovado que o período de vida útil esperado dos aerogeradores do Parque Eólico ............... é inferior a 20 anos não se pode considerar verificado erro nos pressupostos de facto e de direito das correções aritméticas que estão na base das liquidações impugnadas.

M) Concluiu a douta decisão no seguinte sentido: “65. A Requerida, nos limites da discricionariedade técnica que lhe é conferida, definiu, com base num critério de razoabilidade um período de vida útil esperado para os aerogeradores da Requerente, o qual provocou uma correção ao resultado fiscal apurado pela última. 66. A Requerente, não satisfeita com essa correção, decidiu impugnar a mesma, cabendo-lhe, assim, o ónus de provar porque é que o critério da Requerida não era razoável, nos termos do artigo 74.° da LGT. 67. A Requerente, apesar de ter recorrido a uma taxa de amortização aplicável a um grupo de ativos que em nada se assemelha aos aerogeradores (Grupo 3 Máquinas, Aparelhos, Ferramentas), não demonstrou que a fixação da vida útil esperada dos aerogeradores do Parque Eólico de ............... em 20 anos é desrazoável 68. Não tendo a Requerente demonstrado que o critério utilizado pela Requerida não era razoável, não deverá ser procedente o seu pedido de declaração de ilegalidade das liquidações previamente mencionadas.”

N) Ao contrário do alegado pela aqui Recorrente, o douto Tribunal Arbitral não se eximiu de decidir, escudando-se, alegadamente, na discricionariedade reservada à entidade Recorrida.

O) Pelo contrário, competia à Recorrente provar o motivo pelo qual o critério utilizado pela Recorrida não Seria razoável, não o tendo logrado fazer, não podia a decisão arbitral, perante os factos provados e a base legal a aplicar, ter sido noutro sentido que não no sentido da improcedência do pedido arbitral.

P) Posto isto, Considera-se que não existe nenhuma Contradição entre a decisão arbitral e os Acórdãos fundamento, precisamente porque são questões totalmente diferentes, sem identidade quer quanto à questão de facto quer quanto à questão fundamental de direito.

Q) O recurso para uniformização de jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.° do CPTA tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o Supremo Tribunal Administrativo proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida (ou pelo Ministério Público).

R) Face ao disposto no n.° 2 do artigo 25.° do RJAT (a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto á mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo”.

S) De acordo com os n.°s 3 e 4 do citado artigo “[a]o recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização jurisprudência regulado no artigo 152° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral”.

T) Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta da posição reiterada pela jurisprudência desse douto STA que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário:

Que as situações de facto sejam substancialmente idênticas;

• Que haja identidade na questão fundamental de direito;

• Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,

• Que a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

U) Requisitos que, manifestamente, não se encontram reunidos no caso vertente, para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos, como a própria Recorrente admite, quando afirma que “A Decisão Arbitral recorrida decide sobre a mesma questão fundamental de direito, embora num enquadramento factual diversos, em sentido manifestamente oposto ao propugnado nos Acórdãos fundamento.” (cf. artigo 95.° das alegações de recurso).”

V) No que concerne ao Acórdão fundamento proferido a 16 de junho de 1999, pelo Supremo Tribunal Administrativo, em termos sumários, a matéria de facto está delimitada em torno da seguinte ocorrência: “1— Em Setembro de 1984 o recorrente pagou Sisa de Esc. 100.000$00 com referência à aquisição onerosa de um lote de terreno para construção, omisso na matriz, pelo preço declarado de Esc. 1.000.000$00, sendo em consequência instaurado o processo de avaliação nos termos do art. 109° do C.S.LS.S.D. (…)”

W) No que respeita ao Acórdão fundamento, proferido, pelo Supremo Tribunal Administrativo, no recurso n.° 25.580, de 29 de novembro de 2000, mais uma vez, em termos sumários, o Tribunal Central Administrativo fixou a seguinte matéria de facto: “A ora recorrente dirigiu em 25/06/1996 ao Senhor Ministro das Finanças o requerimento que consta do processo instrutor no qual considera estar de harmonia com o disposto no n.° 1 do art. 9.° do CIRC e requer que lhe seja reconhecida a isenção de IRC.”

X) Ora, passa-se a transcrever, em síntese, a matéria factual dada como provada na decisão arbitral aqui sindicada, não contrariada pela Recorrente (cf. decisão arbitral) “l. A Requerente, A………….., é uma representação permanente da sociedade comercial de direito alemão A………….., com sede em …………., …, …………, Alemanha, que tem como objeto social a participação em sociedades de parques eólicos destinadas a gerir e a administrar instalações de energia eólica (conforme cópia da certidão permanente junta como doc. n.° 4 à PI), encontrando-se enquadrada no regime geral de tributação em IRC desde 1.1.2007 (cfr. facto reconhecido no n.° 16 da PI e consignado no RIT, p. 8). II. A Requerente é proprietária do Parque Eólico do ……….., no concelho de Castro Daire, distrito de Viseu, que se encontra em funcionamento desde 2009, constituído por quatro aerogeradores eólicos, com uma altura de 80 m, de 2MW fabricados pela Senvion, e um edifício de apoio, onde funcionam uma subestação de saída de energia elétrica e os sistemas de controlo e comando automatizados, edificados ao longo de uma das cumeadas da Serra de………, próxima do sítio do ............... (depoimentos testemunhais de B………… e C…………… e RIT, p. 8).

III. A Requerente escolheu para o Parque Eólico do ............... um tipo de aerogerador de Classe 1 — Classe de aerogeradores que garante níveis mais elevados de robustez e segurança (facto reconhecido no n.° 135.° da PI). IV. O Estudo Prévio do “Parque Eólico do ...............”, anexo à Declaração de Impacte Ambiental Projeto “Parque Eólico do ...............”, reporta-se no ponto n.° 46 ao «horizonte de tempo de vida útil do parque eólico, de 20 a 25 anos” (cfr. o referido Estudo a fls. 61 a 74 do PA, bem como no doc. n.° 13 junto à PI). V A Requerente atribuiu aos referidos aerogeradores eólicos (compostos por turbinas e fundações) um período de vida útil esperado de 16 anos, correspondente a uma taxa de depreciação de 6,25%, definindo-os como Máquinas Não Especificadas e enquadradas no Código 2295 da Tabela II — Taxas Genéricas do Decreto- Regulamentar n.° 2/90 (cfr. facto reconhecido no n.° 27 da PI). (...)VIll. Para sustentar essas correções, consignou-se no RIT o seguinte, que releva destacar aqui (pp. 12 a 15) (...) Face ao exposto, relativamente às depreciações dos parques eólicos (ativos fixos tangíveis como um todo), afigura-se-nos que a taxa máxima de depreciação a aceitar para efeitos fiscais será de 5%, nos períodos de tributação que se tenham iniciado antes de 1 de janeiro de 2015, ao abrigo do nº 3 do art. 5.º do Dec. Reg. N.° 25/2009, de 14 de setembro”. Referindo-se o então n.° 2 do art.° 31.º do CIRC e os n°s 3 dos art.° 5º do DR 2/90 e DR 25/09 ao período de utilidade esperada como critério definidor da razoabilidade das taxas a utilizar, e conforme referido parecer da DSIRC acima mencionado, os serviços efetuaram diversos contactos, de forma informal, a vários fornecedores de equipamentos por forma a concluir qual seria o período de utilidade esperada dos mesmos. Na sequência dos referidos contactos, verificou-se que os fornecedores produzem equipamentos, concebidos para situações de funcionamento e manutenção standard, que apesar das perdas de eficiência decorrentes do desgaste sofrido ao longo do tempo, garantem rentabilidade económica por períodos de pelo menos 20 anos, sendo que a partir daí os custos de manutenção tenderão a ser mais elevados, devido à necessidade de substituição de componentes mais dispendiosos (...),”

Y) Quando comparados os Acórdãos fundamento com a decisão arbitral, confirma-se que não há qualquer identidade nas situações de facto apreciadas.

Z) E no que respeita à questão fundamental de direito julga-se, igualmente, não existir identidade entre os Acórdãos utilizados para fundamentar o presente recurso e a decisão arbitral que se pretende colocar em causa.

AA) Considera-se que em causa no Acórdão fundamento proferido a 16 de junho 1999 está plasmada a situação em que os Tribunais não levavam a cabo o controlo efetivo da legalidade do ato tributário, quando este emanava de uma atuação administrativa que refletia a aplicação de conhecimentos técnicos próprios e específicos.

BB) Com o devido respeito por opinião contrária, não se vislumbra em que medida o relatado neste Acórdão fundamento é semelhante à decisão arbitral recorrida, na medida em que esta reflete o controlo de legalidade dos atos de tributários de liquidação, tanto assim é que, a douta decisão explícita (...) os factos dados como provados resultou do exame dos documentos anexados aos autos, do reconhecimento de factos efetuado pela Requerente, dos depoimentos das testemunhas indicadas, que revelaram conhecimento direto da matéria reportada no ponto n.° II do probatório, tudo conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.”

CC) Ou seja, a legalidade da atuação da aqui Recorrida, que ditou as correções levadas a cabo pelos serviços de inspeção tributária, refletidas nas liquidações adicionais de IRC, foi aferida pelo Tribunal Arbitral, com base na prova documental e testemunhal carreada para os autos.

DD) O que significa que, ao contrário do que pretende fazer crer a Recorrente, o douto Tribunal Arbitral efetuou o controlo de legalidade da atuação da Recorrida, na medida em que apurou se os critérios de determinação da taxa de depreciação, aplicada às torres eólicas, tendo em consideração o período de vida útil estimado das mesmas, respeitavam a razoabilidade legalmente imposta.

EE) À semelhança do Acórdão fundamento datado de 16 de junho de 1999, o Acórdão de 29 de novembro de 2000 não pode servir de fundamento ao presente recurso, uma vez que é incontornável o facto de não existir qualquer tipo de identidade quer com a matéria de facto quer com a matéria de direito quando comparado com a decisão arbitral recorrida, o que facilmente se depreende através da leitura de ambas as decisões.

FF) Resulta, assim, demonstrado que não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 152.° do CPTA, porquanto o Acórdão recorrido e os Acórdãos fundamento não adotaram, sobre a mesma questão de direito, soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.

GG) No entanto, por mera hipótese e sem conceder, caso entenda esse douto STA conhecer do mérito da decisão, cumpre salientar que a AT mantém o entendimento propugnado na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral no sentido da improcedência do pedido de anulação dos atos de liquidação, nos termos melhor explicitados na decisão arbitral ora impugnada, a cujo teor se adere na totalidade, a qual deve mante- se na ordem jurídica.

Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso ser rejeitado ou ser julgado improcedente, mantendo-se a Decisão Arbitral na ordem jurídica, assim se fazendo Justiça».

1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de não admissão do recurso por não existir oposição entre as decisões invocadas, destacando-se, desse parecer, no essencial, o seguinte:

«(…) Entende a Recorrente que a decisão arbitral recorrida está em oposição com os acórdãos do STA de 16/06/1999 e de 29/11/2000, recursos n° 20.839 e n°25.580, respetivamente.

Considera a Recorrente que a questão que se coloca é a da «sindicabilidade pelos tribunais de uma matéria contida na discricionariedade administrativa, pois que se o tribunal arbitral tivesse logrado conhecer da questão essencial de facto em todas as suas vertentes, a decisão teria sido seguramente distinta da que consta da decisão arbitral recorrida».

Considera a Recorrente que «no entendimento veiculado, quanto à questão de fundo, pelo tribunal arbitral, é indiferente o período de vida útil dos aerogeradores ou o período mais razoável, uma vez que se está no âmbito de um poder discricionário da Administração Tributária, que veda qualquer possibilidade de apreciação judicial, o que consubstancia uma ilegalidade e, mais do que isso, está em contradição com a jurisprudência dos tribunais superiores».

Entende, assim, a Recorrente que «a decisão arbitral incorre em erro, em oposição à posição defendida nos acórdãos fundamento, quando decide não conhecer do período de vida útil dos aerogeradores, como estava obrigada, impondo-se a anulação da decisão arbitral recorrida e a sua substituição por uma outra que conheça do período de vida útil dos aerogeradores eólicos do parque Eólico de ...............».

1. Resulta da matéria assente na decisão arbitral que as alterações ao lucro tributável por parte da AT assentaram na consideração de que «o contribuinte considerou indevidamente a dedutibilidade para efeitos fiscais de gastos que não preenchem os requisitos legais previstos no artigo 34º do CIRC, consubstanciada na prática de taxas de amortização superiores as permitidas legalmente». Entendendo a AT que no caso das “torres eólicas” (turbinas e fundações), em vez da taxa de depreciação praticada de 6,25%, devia considerar-se a taxa de 5%, uma vez que em face dos estudos a que teve acesso era atribuído a esses equipamentos um período de vida útil de pelo menos 20 anos.

O Tribunal Arbitral enunciou a questão decidenda nos seguintes termos: «consiste em apreciar se o período de vida útil de 20 anos definido pela Requerida no âmbito das correções aritméticas na base das liquidações de IRC n.°s 2016..., 2016 ... e 2016... para os aerogeradores eólicos do Parque Eólico de ... se considera como razoável, tendo em consideração a regulação aplicável, nos termos do que resultava, a data relevante dos factos, do n.° 2 do artigo 31.º (exercícios de 2012 e 2013) e do n.° 3 do artigo 31.º (exercício de 2014) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e do n.° 3 do artigo 5.° do Decreto Regulamentar n.° 25/2009, de 14 de setembro».

E para se decidir pela improcedência da ação e atendendo ao disposto no artigo 5º, n°3, do Decreto Regulamentar n°25/2009, de 14 de Setembro, segundo o qual «relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n° 1, taxas de depreciação e amortização, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada», considerou-se na decisão arbitral que a AT ao definir uma taxa de amortização de 5% com base na fixação de um período de 20 anos de vida útil dos aerogeradores, atuou nos limites da discricionariedade técnica que lhe e conferida e com base num critério de razoabilidade, recaindo sobre a impugnante o ónus da prova da falta de razoabilidade do critério utilizado, o que não logrou demonstrar.

(…)

Importa, assim, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e os acórdãos deste STA invocados como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após - caso seja de reconhecer a existência de tal oposição -, se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.° 3 do artigo 152.° do CPTA (aplicável por remissão do nº 3 do artigo 25º do RJAT).

Afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que tal não ocorre, como passaremos a demonstrar.

Na verdade, a Recorrente parte de um pressuposto que dá como adquirido, mas que não resulta da decisão arbitral, pelo menos da forma como a Recorrente o exprime. Considera a Recorrente que «no entendimento veiculado, quanto à questão de fundo, pelo tribunal arbitral, é indiferente o período de vida útil dos aerogeradores ou o período mais razoável, uma vez que se está no âmbito de um poder discricionário da Administração Tributária, que veda qualquer possibilidade de apreciação judicial,» - sublinhados nossos.

Ora, a decisão do tribunal arbitral não tem como fundamento tal asserção, nem na mesma se considera que a questão da definição do período útil dos aerogeradores não é sindicável pelo tribunal. O que o tribunal considerou é que a decisão da AT ao definir a taxa de depreciação do equipamento de 5% se mostra razoável face aos elementos constantes de documentos e estudos que cita e que estimam um período de vida útil dos aerogeradores de pelo menos 20 anos.

Já no que respeita à taxa de 6,5% definida pela Recorrente e que tem subjacente um período de 16 anos de vida útil, considerou o tribunal que não ficaram demonstrados os elementos de facto e técnicos invocados pela Recorrente e que a suportavam (cfr. a relação de factos dados como não provados e que visavam sustentar esse entendimento).

Ou seja, o que o tribunal arbitral (CAAD) conclui é que a Recorrente não logrou demonstrar a falta de razoabilidade da taxa definida pela AT ao abrigo do disposto no artigo 5º, n°3, do Decreto Regulamentar n°25/2009, de 14 de Setembro.

É o que resulta das considerações 48, 49 e 50 da decisão arbitral do CAAD: «48. Pois bem, no que concerne a este período de utilidade ou de vida útil esperada, a prova produzida, nos termos acima indicados em sede de decisão sobre a matéria de facto (n.°s 13 e 14), não permite concluir pela comprovação de circunstâncias concretas determinativas de um período de vida útil esperado inferior a 20 anos em relação aos específicos equipamentos aerogeradores em causa nos autos, de modo a reputar desrazoável a fixação administrativa da utilidade esperada de 20 anos.

49. Ora, fica claro para o Tribunal que a Lei confere à Requerida a discricionariedade técnica necessária para que esta, dentro dos limites da razoabilidade, fixe um período de vida útil esperada para os elementos para os quais não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização.

50. E, tendo a Requerida o poder (conferido por Lei) para fazê-lo, deverá ser a Requerente, não concordando com a correção da Requerida, a demonstrar que a aludida razoabilidade não foi cumprida, nos termos do n.° 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária (“LGT”)».

A decisão arbitral não põe, pois, em causa os seus poderes de sindicabilidade da opção da AT por outra taxa de depreciação dos equipamentos. É certo que o tribunal arbitral em abono da sua tese faz referência a um voto de vencido exarado numa outra decisão arbitral — proc. n° 593/2015 — no sentido de que o tribunal não pode proceder à reponderação dos juízos efetuados pela Administração, com o seguinte teor: “(...) na discricionariedade técnica «stricto sensu» cabe, sim, o juízo de valoração assente em conhecimentos e regras próprias da ciência ou da técnica não jurídicas que estejam em causa, sendo certo que não cabe ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extrajurídicas para tanto necessária. (...) Mais especificamente, se a lei confere à Administração o poder de especificar uma valoração não previamente fixada pela própria lei, não pode um Tribunal proceder à reponderação dos juízos efetuados pela Administração nesse âmbito, a não ser que esteja demonstrada a existência de erro grosseiro ou manifesto, nomeadamente a falta de apoio em informações e estudos técnico profissionais corroborados por especialistas e reclamados pela densificação dos conceitos extrajurídicos. (...) Pode este Tribunal, ou qualquer outro, achar que é mais razoável o prazo proposto pela Requerente, ou pode ao invés achar que é mais razoável o proposto pela AT — mas essa avaliação é, e tem que ser, irrelevante no caso, porque, insiste-se, o estabelecimento por lei de um poder discricionário, como o que foi exercido, veda qualquer possibilidade de razoabilidades entre períodos de depreciação, como veda qualquer outro juízo de mérito”- sublinhados nossos.

Todavia a referida citação, feita a título de reforço da argumentação da decisão arbitral, não é por si conclusiva sobre a adopção do entendimento atribuído pela Recorrente à decisão arbitral. Pois uma coisa é o controlo por parte do tribunal dos critérios técnicos utilizados pela AT, outra é a sua substituição na ponderação desses mesmos juízos técnicos.

Já nas situações configuradas nos acórdãos fundamento estava em causa a questão de saber se as matérias em que a Administração possui alguma discricionariedade técnica ficavam foram do âmbito dos poderes de cognição dos tribunais, tendo a resposta sido negativa, ou seja, tal facto não impedia o controlo do tribunal sobre o exercício de tal poder.

Entendemos, assim, que não se verificam os pressupostos de admissão do recurso de uniformização de jurisprudência uma vez que embora as questões jurídicas tratadas nos arestos tenham por objeto o âmbito da utilização de critérios técnicos por parte da Administração Tributária, as decisões em confronto não se revelam antagónicas.

Afigura-se-nos, assim, que se impõe o não conhecimento do recurso».

1.5. Por despacho proferido neste Supremo Tribunal, a 20 de Dezembro de 2017, foi declarada suspensa a instância até trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida na Impugnação Judicial instaurada pela Recorrente no Tribunal Central Administrativo Sul.

1.6. Por requerimento de 17 de Fevereiro de 2020, a Recorrente deu conhecimento da prolação e trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Central Administrativo que julgou improcedente a referida Impugnação Judicial.

1.7. Cumpre, agora, apreciar e decidir, o que se faz em conferência do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Pretende o Recorrente com a interposição do presente recurso que se uniformize jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito que em seu entender foi decidida em sentido oposto na decisão arbitral recorrido e nos identificados Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo que nas alegações do recurso vem traduzida como sendo a de saber se o Tribunal Arbitral pode ou não «controlar a aplicação de critérios técnicos pela Administração Tributária na aferição do período de vida útil dos aerogeradores»

2.2. Atento o exposto, são duas as questões que temos que decidir.

A primeira prende-se com a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, cujos pressupostos, quer a Recorrida quer o Exmo. Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo entendem não estar preenchidos.

A segunda com o fundo da questão enunciada no ponto 2.1., que apenas será objecto de apreciação se àquela primeira questão for dada resposta afirmativa, uma vez que, estando o pedido de uniformização de jurisprudência dependente da verificação dos pressupostos substantivos da admissibilidade deste recurso, este Supremo Tribunal só decidirá sobre a resposta uniformizadora da questão fundamental de direito se previamente confirmar que os pressupostos substantivos de admissibilidade estão preenchidos.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

3.1.1. Na decisão arbitral recorrida ficaram estabelecidos os seguintes factos como provados e não provados:

«I. A Requerente, A…………., é uma representação permanente da sociedade comercial de direito alemão A…………, com sede em …………, … …………., Alemanha, que tem como objeto social a participação em sociedades de parques eólicos destinadas a gerir e a administrar instalações de energia eólica (conforme cópia da certidão permanente junta como doc. n.º 4 à PI), encontrando-se enquadrada no regime geral de tributação em IRC desde 1.1.2007 (cfr. facto reconhecido no n.º 16 da PI e consignado no RIT, p. 8).

II. A Requerente é proprietária do Parque Eólico do ..............., no concelho de Castro Daire, distrito de Viseu, que se encontra em funcionamento desde 2009, constituído por quatro aerogeradores eólicos, com uma altura de 80 m, de 2MW, fabricados pela Senvion, e um edifício de apoio, onde funcionam uma subestação de saída de energia elétrica e os sistemas de controlo e comando automatizados, edificados ao longo de uma das cumeadas da Serra de Montemuro, próxima do sítio do ............... (depoimentos testemunhais de B…………… e C………….. e RIT, p. 8).

III. A Requerente escolheu para o Parque Eólico do ............... um tipo de aerogerador de Classe 1 — Classe de aerogeradores que garante níveis mais elevados de robustez e segurança (facto reconhecido no nº 135º da PI).

IV. O Estudo Prévio do “Parque Eólico do ...............”, anexo à Declaração de Impacte Ambiental Projeto “Parque Eólico do ...............”, reporta-se no ponto nº 46 ao “horizonte de tempo de vida útil do parque eólico, de 20 a 25 anos” (cfr. o referido Estudo a fls. 61 a 74 do PA, bem como no doc. n.º 13 junto à PI).

V. A Requerente atribuiu aos referidos aerogeradores eólicos (compostos por turbinas e fundações) um período de vida útil esperado de 16 anos, correspondente a uma taxa de depreciação de 6,25%, definindo-os como Máquinas Não Especificadas e enquadradas no Código 2295 da Tabela II — Taxas Genéricas do Decreto-Regulamentar nº 2/90 (cfr. facto reconhecido no n.º 27 da PI).

VI. A Requerente foi objeto, ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI201504699, OI201601520 e OI201601521, de uma inspeção tributária interna, de âmbito parcial, que incidiu sobre IRC, por respeito aos períodos de tributação de 2012, 2013 e 2014, da qual resultou o Relatório de Inspeção Tributária constante a fls. 3 e seguintes do PA e igualmente junto como doc. n.º 9 à PI.

VII. Nos termos do referido RIT, foram concretizadas correções de natureza meramente aritméticas em sede de IRC, com base em que “o contribuinte considerou indevidamente a dedutibilidade para efeitos fiscais de gastos que não preenchem os requisitos legais previstos no artigo 34.° do CIRC, consubstanciada na prática de taxas de amortização superiores às permitidas legalmente. Da incorreção praticada resultou um acréscimo ao lucro tributável no montante de 171.898,21€ em cada um dos anos” (fls. 4 do PA), correções essas que se resumem no seguinte quadro (cfr. RIT, pp. 7 e 15):

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

VIII. Para sustentar estas correções, consignou-se no RIT o seguinte, que releva destacar aqui (pp. 12 a 15):

- “verificou-se que o sujeito passivo está a depreciar parte das torres eólicas (turbinas e fundações) á taxa de 6,25%”;

- “as tabelas anexas a estes Decretos Regulamentares [n.º 2/90, de 12.1 (em vigor até ao período de tributação de 2009) e n.º 25/2009, de 14.9 (em vigor para os períodos de tributação que se iniciem em ou após 1.1.2010)] serão sempre omissas, relativamente a determinados bens, como era o caso para as torres eólicas, no que aos períodos de tributação em análise diz respeito (2012, 2013 e 2014).

Para suprir esta lacuna, determinava o n.° 2 do artº 31.º do CIRC, no que respeita aos exercícios de 2012 e 2013, que “relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Direção-Geral dos impostos sejam considerados razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada”, bem como o n.° 3 do art. 31.° do CIRC determinava, para o exercício de 2014, que “relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Autoridade Tributária e Aduaneira sejam considerados razoáveis, tendo em conta o período de vida útil esperada daqueles elementos.

O DR 25/09 refere, no n.° 3 do seu art.º 5º que “relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n° 1, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada”.

Na sequência desta omissão, a Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC) emitiu parecer, em julho de 2016, relativamente aos parques eólicos (...), no qual é referido que:

(...) Aos sujeitos passivos detentores de parques eólicos que solicitaram autorização à AT(...) para aplicação de uma taxa de depreciação anual de 5%, com base numa vida útil estimada mínima de 20 anos, foi-lhes autorizado por despacho superior

…Esta Direção de Serviços solicitou aos requerentes que enviassem os estudos técnicos que lhes permitiram concluir que a vida útil estimada dos “Parques Eólicos” era de 20 anos. Foi-nos enviado entre outros, o parecer, do qual se transcreve o seguinte excerto: “... A tecnologia eólica conheceu um avanço notável em menos de duas décadas. Assim, passou-se de uma situação de perfeita incipiência tecnológica para a existência de turbinas com 6 MW, com rotores de mais de 120 m de diâmetro que conseguem apresentar níveis de fiabilidade mecânica acima de 95%...

Ora toda a indústria refere como tempo de vida útil de projeto o valor de 120 000 horas de funcionamento, o que com fatores da carga standard significa aproximadamente 20 anos. Para confirmação deste valor basta consultar na Web algumas instituições de referência desta indústria, independentes e autónomas dos fabricantes:.

“Defina-se pois uma vida útil efetiva das centrais eólicas de PRE, em Portugal de 20 anos”

Assim, até à alteração introduzida pelo art.° 23º da Lei nº 82-D/2014, de 31 de dezembro, no Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro, ao código 2250 da tabela II anexa àquele diploma, foi a taxa máxima de 5% a autorizada pela AT, aos sujeitos passivos que apresentaram o respetivo requerimento, com base nos estudos/pareceres enviados por aqueles e ao abrigo do n.° 3 do art.º 5º do D.R. 25/2009, de 14 de Setembro.

O n.° 2 do art 55º da Lei n ° 82-D/2014, de 31 de dezembro, determina que esta Lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em, ou após 1 de janeiro de 2015.

Face ao exposto, relativamente às depreciações dos parques eólicos (ativos fixos tangíveis como um todo), afigura-se-nos que a taxa máxima de depreciação a aceitar para efeitos fiscais será de 5%, nos períodos de tributação que se tenham iniciado antes de 1 de janeiro de 2015, ao abrigo do nº 3 do art. 5.° do Dec. Reg. N.° 25/2009, de 14 de setembro”.

Referindo-se o então n.° 2 do art° 31.º do CIRC e os n. ºs 3 dos art.° 5º do DR 2/90 e DR 25/09 ao período de utilidade esperada como critério definidor da razoabilidade das taxas a utilizar, e conforme referido no parecer da DSIRC acima mencionado, os serviços efetuaram diversos contactos, de forma informal, a vários fornecedores de equipamentos por forma a concluir qual seria o período de utilidade esperada dos mesmos.

Na sequência dos referidos contactos, verificou-se que os fornecedores produzem equipamentos, concebidos para situações de funcionamento e manutenção standard, que apesar das perdas de eficiência decorrentes do desgaste sofrido ao longo do tempo, garantem rentabilidade económica por períodos de pelo menos 20 anos, sendo que a partir daí os custos de manutenção tenderão a ser mais elevados, devido à necessidade de substituição de componentes mais dispendiosos (...).

Relativamente à viabilidade económica de projetos eólicos, foi ainda consultado o estudo técnico, realizado pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), relativo ao “período de vida útil esperada de equipamentos de conversão de energia eólica” elaborado no âmbito de uma prestação de serviços acordada entre o LNEG e a APREN - Associação Portuguesa de Produtores de Energias Renováveis (...).

O estudo em causa baseou-se em dois aspetos fundamentais: a identificação da redução da produção energética ao longo do tempo através da determinação da tendência do fator capacidade; e o decréscimo da rentabilidade económica de um parque eólico.

Relativamente a este último aspeto em particular, conclui o estudo que, face à degradação do fator de capacidade de uma turbina (que varia até 20%, ao longo de um período de 35-40 anos de operação), o período de rentabilidade máxima de um parque eólico situa-se entre os 20 e 25 anos, isto considerando a não viabilidade comercial de um projeto atingida quando a Taxa Interna de Rentabilidade é inferior a 8% (correspondente a uma redução da energia produzida superior a 11%).

Sobre o período de utilidade esperada de um parque eólico, veja-se ainda, por exemplo o “Guide de l’étude d’impact sur l’environnement des parcs éoliens” elaborado pelo Ministére de l’Ecologie et du Développement Durable francês, disponível na Web, o qual aponta, na sua página 52, para um período de vida estimada dos aerogeradores, de 20 a 30 anos, ou o “Renewable Energy Fact Sheet: Wind Turbines” elaborado pela United States Environmental Protection Agency, também disponível na Web, o qual menciona, na sua página 2, uma vida útil típica de 20 anos.

Conforme também mencionado no parecer da DSIRC, consultados vários estudos de impacto ambiental elaborados para diversos parques eólicos, constata-se que a vida útil estimada considerada nos mesmos é de 20 anos.

Todos os elementos mencionados anteriormente apontam assim no sentido de um período de utilidade esperada dos projetos de parques eólicos de 20 anos, período de rentabilidade máxima dos mesmos, sendo que a partir desse momento a referida rentabilidade diminui, isto não obstando a que os aerogeradores possam ter um período de duração superior (com a manutenção apropriada) como referido, por exemplo, no estudo do LNEG, onde é considerado o estudo do fator de capacidade destes últimos até aos 40 anos”.

- “No caso em concreto do Parque Eólico do ..............., os elementos recolhidos permitem também apontar para um período de utilidade esperada do respetivo parque eólico de 20 anos, senão vejamos:

* No anexo à Declaração de Impacte Ambiental relativa ao Estúdio Prévio do Parque Eólico do ..............., lê-se, na sua página 10 - ponto 46, que o horizonte de tempo de vida útil do parque eólico é de 20 a 25 anos(…)

* Da análise ao mapa de depreciações e amortizações verifica-se que a “linha de alta tensão”

(«ramais» de ligação à rede pública), classificada como ativo intangível e componente importante do parque eólico, está a ser amortizada à taxa de 5%, de acordo com o previsto na al. b) do n° 2 do art. 16.° do DR 25/09, e determinada em função do período de tempo em que tiver lugar a utilização exclusiva (código 2475 da Divisão Il da Tabela II - Taxas genéricas - anexa ao DR 25/09). Assim, o sujeito passivo está a considerar implicitamente um período de utilização de 20 anos.

Logo, tudo apontando, nos elementos relativos ao sujeito passivo, para um período de funcionamento dos respetivos parques eólicos de pelo menos 20 anos, poderá concluir-se por um período de utilidade esperada dos mesmos de igual duração, em consonância com as considerações gerais anteriormente mencionadas, nomeadamente, com o referido no parecer da DSIRC.

A ser assim entendido, as depreciações aceites, para efeitos fiscais, conforme disposto no então nº 2 do art.º 31. ° do CIRC e nos n.ºs 3 dos artigos 5.º do DR 2/90 e DR 25/09, deverão considerar um período de utilidade esperada, com caráter de razoabilidade, de 20 anos, a que corresponderá uma taxa de depreciação de 5%.

As diferenças entre os montantes das depreciações contabilizadas pelo sujeito passivo e os montantes das depreciações aceites fiscalmente são iguais nos períodos de 2012, 2013 e 2014, sendo em cada exercício as seguintes:

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

IX. Na sequência das correções resultantes da indicada ação inspetiva, a Requerente foi objeto das liquidações de IRC n.ºs 2016 8500034042, 2016 8500034060 e 2016 8500034072, respeitantes, respetivamente, aos anos de 2012, 2013 e 2014, que corrigiram o prejuízo fiscal declarado naqueles anos em €171.898,21 cada, no total de €515.694,63 (conforme docs. n.ºs 1, 2 e 3 juntos à PI e RIT, p. 16).

13. Ainda com relevo para a decisão da causa, o Tribunal julga como não provados os seguintes factos:

i) O esforço e desgaste a que os aerogeradores do Parque Eólico do ............... estão sujeitos, por força da sua localização na região montanhosa da Serra de…….., dado o relevo do terreno, constituído por uma série de encostas íngremes, e as condições climatéricas adversas, com ventos muito fortes, determina um tempo de vida útil dos componentes dos aerogeradores não superior a 16 anos (alegações constantes dos n.ºs 133.º e 134.º da PI).

ii) Existe um histórico de reparações e manutenções já efetuados no Parque Eólico do ............... que patenteia a deterioração dos equipamentos, com problemas de funcionamento antes mesmo de completarem dez anos (alegações constantes dos n.ºs 137.º e 138.º da PI).

iii) O período de utilidade esperada dos aerogeradores do Parque Eólico do ..............., nas particulares condições climatéricas e de relevo do terreno do local onde estão instalados, é inferior a 20 anos (alegação constante dos n.ºs 140.º e 141.º da PI).

14. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou do exame dos documentos anexados aos autos, do reconhecimento de factos efetuado pela Requerente, dos depoimentos das testemunhas indicadas, que revelaram conhecimento direto da matéria reportada no ponto n.º II do probatório, tudo conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

15. Quanto aos factos dados como não provados, os documentos juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente, B…………, trabalhador da Requerente há 17 anos com funções na parte técnica do funcionamento de parques eólicos, e que desde 2009 se deslocou por sete ou oito vezes ao Parque Eólico do ..............., e C………….., engenheiro eletrotécnico, sócio gerente de empresa prestadora de serviços na área da manutenção elétrica para a Requerente, apenas permitiram concluir pela não demonstração dos factos a que se reportam as alegações acima indicadas no n.º 13, como se passa a explicitar.

16. A testemunha B…………… deu indicação de alguns hiatos temporais que, na sua opinião, poderiam servir de base à definição de uma vida útil esperada para os aerogeradores, nomeadamente o período do financiamento contraído para a aquisição dos aerogeradores (18 anos), o período durante o qual a Requerente irá beneficiar de uma tarifa especial para produção de energia a partir de fontes renováveis (15 anos), ou ainda, o período de cobertura de garantia conferido pelos fabricantes de aerogeradores à Requerente (15 anos).

Ora, não se pode deixar de salientar que nenhum dos períodos indicativos corresponde à vida útil utilizada pela Requerente.

Por outro lado, esta testemunha declarou que os aerogeradores do ............... eram do mesmo tipo dos existentes no Norte da Alemanha, mas a localização era completamente diferente, estes situados em região plana a nível do mar, com ventos horizontais, ao passo que no ............... estão situados nas montanhas, com ventos que vêm de baixo, com maior humidade e mais fortes. Nesta sequência, declarou que o período estimado de vida útil dos aerogeradores na Alemanha era de 20 anos, que é o homologado, enquanto previa para o ..............., em razão do valor de produção ser mais elevado e devido à maior carga sobre as turbinas causada pela turbulência, um período de vida útil menor em cerca de 20%.

Porém, questionado sobre se a indicação desse período temporal para o ............... constituiria um valor absoluto, de tal modo que os aerogeradores não funcionariam após esse período, reconheceu ser difícil afirmar isso, mas que havia o risco elevado de proximidade do fim de vida útil, em atenção ao maior esforço exigido no ..............., muito embora admitisse ser possível substituir componentes, mas que o seu custo poderia ser significativo.

Depois, interrogada sobre as razões pelas quais a avaliação do projeto, até por uma questão de rigor e alinhamento de expetativas. não foi reduzida de 20 para 16 anos, a testemunha B………… referiu que a diferença entre os 20 anos de exploração do parque (previstos na avaliação do projeto) e a vida útil indicada para os aerogeradores (16 anos) era um risco do negócio que a Requerente decidiu assumir.

Justamente, o Tribunal não pode deixar de atribuir relevância ao facto, acima dado como provado no n.º IV, de o Estudo Prévio do “Parque Eólico do ...............”, anexo à Declaração de Impacte Ambiental, considerar um “horizonte de tempo de vida útil do parque eólico, de 20 a 25 anos”, sendo sabido que tal espécie de estudos tem em consideração as características ambientais e morfológicas da região em que se localiza o parque eólico.

Acresce que, conforme se deu como provado (n.º III), foi escolhido para o Parque Eólico do ............... um tipo de aerogerador de Classe 1, que constitui uma classe de aerogeradores que garante níveis mais elevados de robustez e segurança. Note-se, aliás, que no próprio documento nº 5 junto à PI faz-se referência ao facto de os modelos de turbinas MM da Senvion GMbH poderem ser ajustados para se adaptarem a todas as classes de vento e condições de localização, assegurando “total flexibilidade e eficiência económica em todas as velocidades de vento e condições de localização”.

Nesta base, o Tribunal não considerou as declarações neste âmbito prestadas pela testemunha B…………. suficientemente concludentes para se poder julgar comprovado que, pelas suas concretas características e pelas condições climatéricas e de terreno do local onde estão instalados, os aerogeradores do Parque Eólico do ............... possuem um período de vida útil esperado inferior a 20 anos.

No que concerne a problemas de manutenção, a testemunha B………. fez referência à “previsão” de 12 anos de serviço para se verificar a necessidade de substituição de componentes principais dos aerogeradores, mas concretamente quanto a intervenções específicas ocorridas aludiu apenas a já terem sido substituídos “alguns rolamentos em algumas turbinas” e que se deteta já alguma deterioração ou desgaste. Como tal, o Tribunal considera que não foi feita prova cabal da ocorrência de um “histórico de reparações e manutenções já efetuados no Parque Eólico do ...............”.

Quanto à testemunha C……………., o respetivo depoimento revelou-se manifestamente insuficiente em relação à factualidade em causa nos autos, atinente ao Parque Eólico do ................ Com efeito, tal testemunha, que afirmou acompanhar na parte elétrica o Parque Eólico do ..............., bem como o Parque Eólico de …………, contíguo àquele, questionado sobre a substituição das componentes principais dos parques eólicos e sobre a respetiva duração pelo período de 16 anos, depois de assinalar não ser engenheiro mecânico e “não conhece[r] os relatórios de manutenção” do Parque Eólico do ............... (“não sei o que tem acontecido”), dado a sua “responsabilidade não chegar a isso”, não se pronunciou especificamente sobre a situação no ………, mas antes sobre parque eólico no …………, sobre o qual tinha experiência, e que declarou ser um “pouco similar em termos de ventos”.

Por estes motivos, o Tribunal não julgou provadas as alegações acima indicadas no n.º 13».

3.1.2. Ao abrigo do preceituado no artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigo 280.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, dão-se aqui por reproduzidos os julgamentos de facto realizados nos acórdãos fundamento. (Ambos publicados em Diário da República – o acórdão proferido no processo n.º 20839, foi publicado no apêndice de 16/6/2002, páginas 2388 e seguintes; o acórdão proferido no processo n.º 25580, no apêndice de 31/1/2003, página 4456 e seguintes.)

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. O presente recurso vem interposto da decisão arbitral do CAAD proferida no processo n° 573/2016-T, que julgou improcedente a acção intentada contra ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), no valor de €515.694,63, decorrente de correcções à matéria tributável efetuadas pela Administração Tributária, e confirmou a legalidade do ato tributário.

Segundo a Recorrente, a questão a uniformizar é a de saber se os tribunais podem ou não sindicar os actos proferidos pela Administração no âmbito da designada discricionariedade técnica, afirmando que a manutenção da liquidação impugnada na ordem jurídica se fundou na resposta negativa que o Tribunal Arbitral deu a essa questão. Adianta ainda que, se o Tribunal Arbitral tivesse conhecido da questão essencial de facto, a decisão teria sido seguramente distinta da que consta da decisão arbitral recorrida.

Mais alega que «no entendimento veiculado, quanto à questão de fundo, pelo tribunal arbitral, é indiferente o período de vida útil dos aerogeradores ou o período mais razoável, uma vez que se está no âmbito de um poder discricionário da Administração Tributária, que veda qualquer possibilidade de apreciação judicial, o que consubstancia uma ilegalidade e, mais do que isso, está em contradição com a jurisprudência dos tribunais superiores».

É, pois, nuclearmente, com base nestes argumentos que a Recorrente vem a concluir que «a decisão arbitral incorre em erro, em oposição à posição defendida nos acórdãos fundamento, quando decide não conhecer do período de vida útil dos aerogeradores, como estava obrigada, impondo-se a anulação da decisão arbitral recorrida e a sua substituição por uma outra que conheça do período de vida útil dos aerogeradores eólicos do parque Eólico de ...............».

3.2.2. Exposta em traços abrangentes a pretensão que nos vem colocada e os seus fundamentos, passamos, agora, a decidir as questões identificadas no objecto do recurso, começando, pelas razões também já apontadas, pela primeiramente enunciada: estão verificados nos autos os pressupostos substantivos de admissibilidade do presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência?

3.2.3. Estando há muito identificados os requisitos de que depende a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência procederemos à sua enunciação de forma esquemática, reafirmando que constituem pressupostos cumulativos dessa admissibilidade que: (i) a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2 do RJAT); (ii) esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma); (iii) a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 152.º, n.º 3, do CPTA, aplicável ex vi artigo 25.º, n.º 3 do RJAT); (iv) o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA e 281.º do CPPT).

3.2.4. Entende-se que é a mesma a questão fundamental de direito quando as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, o que ocorrerá se forem passiveis de ser subsumidas às mesmas normas legais, e o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfiram, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida. E que só há oposição quando forem expressas e em sentido oposto as decisões (sentenças ou acórdãos) proferidas (e não os seus fundamentos).

3.2.5. No caso concreto, é manifesto que não estão verificados os pressupostos substantivos para admissão do recurso que nos vem dirigido. Quer porque o quadro fáctico em confronto não tem a mínima semelhança - muito menos identidade substancial, não sendo por acaso que a própria Recorrente, na alínea GG) das suas conclusões, defende que é “irrelevante saber se a questão de facto é idêntica ou não. Quer porque a questão colocada para decisão ao Tribunal Arbitral e nos acórdãos fundamentos é totalmente distinta. Quer, por fim, porque a decisão que o acórdão recorrido professa expressamente quanto à única questão fundamental de direito aí colocada está conforme a jurisprudência que mais recentemente foi uniformizada por esta Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo.

3.2.6. Assim, e porque os requisitos enunciados são, como dissemos já, de verificação cumulativa, sublinhamos apenas que a única questão colocada ao Tribunal Arbitral foi a da ilegalidade da liquidação impugnada suportada pela Administração Tributária no entendimento de que «o contribuinte considerou indevidamente a dedutibilidade para efeitos fiscais de gastos que não preenchem os requisitos legais previstos no artigo 34º do CIRC, consubstanciada na pratica de taxas de amortização superiores as permitidas legalmente» e que a taxa de depreciação no caso das “torres eólicas” (turbinas e fundações), não é a de 6,25%, praticada pela Recorrente, mas a taxa de 5%, por, segundo os estudos a que acedeu, o período de vida útil desses equipamentos ser, pelo menos, de 20 anos.

3.2.7. Tendo por referência a delimitação exposta, o Tribunal Arbitral, como resulta do acórdão recorrido, enunciou como questão a decidir a de saber «se o período de vida útil de 20 anos definido pela Requerida no âmbito das correções aritméticas na base das liquidações de IRC n.°s 2016..., 2016 ... e 2016... para os aerogeradores eólicos do Parque Eólico de ... se considera como razoável, tendo em consideração a regulação aplicável, nos termos do que resultava, a data relevante dos factos, do n.° 2 do artigo 31.º (exercícios de 2012 e 2013) e do n.° 3 do artigo 31.º (exercício de 2014) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e do n.° 3 do artigo 5.° do Decreto Regulamentar n.° 25/2009, de 14 de setembro».

3.2.8. Decidindo, após, pela improcedência da acção, atendendo, fulcralmente, ao disposto nos artigos 31.º, n.ºs 2 e 3 do CIRC e 5º, n°3, do Decreto Regulamentar n°25/2009, de 14 de Setembro, salientando que deste último resulta que «relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n° 1, taxas de depreciação e amortização, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada», concluindo que a Administração Tributária «ao definir uma taxa de amortização de 5% com base na fixação de um período de 20 anos de vida útil dos aerogeradores, atuou nos limites da discricionariedade técnica que lhe é conferida e com base num critério de razoabilidade, recaindo sobre a impugnante o ónus da prova da falta de razoabilidade do critério utilizado, o que não logrou demonstrar.

3.2.9. Ora, sobre a questão controvertida no acórdão arbitral recorrido - determinação da taxa de depreciação dos aerogeradores num parque eólico, na vigência da mesma regulamentação jurídica – pronunciou-se muito recentemente esta mesma Secção do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 9 de Dezembro de 2020, proferido no processo n.º 40/20.3BALSB, uniformizando jurisprudência no sentido de que «até 01/01/2015, na ausência de estipulação pelo legislador de uma taxa expressa de depreciação e amortização para os aerogeradores, deve admitir-se que a Administração Tributária, ex vi do disposto nas disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 31.º do CIRC e do n.º 3 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar 25/2009, fixasse como razoável o prazo de 20 anos, a que correspondia uma taxa de depreciação de 5%, atento o facto de esse ser o período de vida útil estimado de um aerogerador, segundo os seus fabricantes”. (Acórdão integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt)

3.2.10. Donde, não estando verificado, no caso, um dos pressupostos de admissibilidade do Recurso para Uniformização de Jurisprudência imposto pelo artigo 152.º, n.º 3 do CPTA - que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo – há que concluir pela sua não admissão.

3.2.11. As custas serão suportadas pela Recorrente, vencida, dispensando-se ambas as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça nesta instância, por a decisão da causa não ter revestido especial complexidade e o comportamento das partes, tal como revelado pela tramitação do processo e teor dos articulados, não se afigurar merecedor de censura [tudo, conforme artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º. n.º 1 e 2 e 530, nºs 1 e 7 do CPC (aplicável ex vi artigo 280º do CPPT) e 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP)].

4. Decisão

Termos em que, acordam em conferência os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, não tomar conhecimento do mérito do presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência.

Custas pela Recorrida, dispensando-se ambas as partes, de pagamento de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Registe, notifique e, após trânsito, comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 26 de Maio de 2021.

Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora, que consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, que têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros integrantes da formação de julgamento - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira de Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro).