Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0170/23.0BCLSB
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ILÍCITO DISCIPLINAR
REINCIDÊNCIA
AMNISTIA
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P32124
Nº do Documento:SA1202404110170/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. «AA» vem, invocando os artigos 150º do CPTA, 6º e 81º da LTAD - Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, nº74/2013, de 06.09 - interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - datado de 08.02.2024 - que negou provimento à sua apelação e manteve, assim, o acórdão do TAD - de 25.10.2023 - que decidiu, por maioria, manter a decisão do Conselho de Disciplina da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL que o havia condenado - no âmbito do PD nº... - em quarenta e cinco dias de suspensão, e, agora a título acessório, na sanção de multa no valor de 7.650,00€.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL contra-alegou defendendo, além do mais, a não admissão do recurso de revista por falta de verificação dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Ambas as instâncias - a «arbitral» e «judicial» - entenderam que a decisão do «Conselho de Disciplina da FPF» - que condenou AA com sanção disciplinar de 45 dias de suspensão e, acessoriamente, com multa de 7.650.00€ por, alegadamente, como «Director de Comunicação da ... SAD», ter proferido declarações, no programa de televisão «...», integradoras da infracção disciplinar prevista e punida pelos artigos 136º, nºs 1 e 4, por referência aos 112º, nº1, e 4º, nº1 alínea a), todos do RDLPFP - deveria ser confirmada, nomeadamente por não estar abrangida pela Lei da Amnistia - Lei 38-A/2023, de 02.08 - dado tratar-se de comportamento «reincidente» - artigos 6º e 7º, nº1 alínea j), da dita Lei da Amnistia.

O acórdão do tribunal de apelação - TCAS - manteve, pois, a condenação do arguido - AA - pela prática de uma infracção disciplinar prevista e punida pelo artigo 136º, nºs 1 e 4, por referência aos artigos 112º, nº1, e 4º, nº1 alínea a), todos do RDLPFP, na «sanção de 45 dias de suspensão, e, a título acessório, na sanção de multa de 7.650,00€». No seu afã, o tribunal de apelação entendeu não ter aplicação ao caso a amnistia prevista na Lei nº38-A/2023, de 02.08, uma vez que o arguido era reincidente - artigos 6º e 7º, nº1 alínea j), da Lei da Amnistia - e julgou improcedentes os demais erros de julgamento que eram apontados pelo apelante ao acórdão do TAD - erro de julgamento de direito na integração dos factos nas referidas normas jurídicas, e desproporcionalidade da pena disciplinar aplicada.

O TCAS manteve assim - por unanimidade - e com fundamentação coincidente, a decisão do TAD de não aplicar, ao presente caso, o disposto no «artigo 6º da Lei nº38-A/2023, de 02.08», por entender que se verificava a excepção prevista na «alínea j) do nº1 do artigo 7º dessa mesma lei», ou seja, atento o facto de o arguido «ser reincidente».

O demandado - AA - vem discordar do acórdão do TCAS apontando-lhe «nulidade» por omissão de pronúncia - artigos 95º, nº1, CPTA, e 615º, nº1 alínea d), CPC - e erros de julgamento de direito no que respeita à não aplicação - ao seu caso - da «Lei da Amnistia», e à subsunção das concretas declarações, por ele proferidas, no âmbito do artigo 112º do RDLPFP. Explica, respectivamente, que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a integração da factualidade no respectivo âmbito normativo, nem sobre a exclusão da ilicitude, e procedeu a uma aplicação do artigo 112º, nº1, do RDLPF que alega ser manifestamente inconstitucional por violar o «direito fundamental à liberdade de expressão» - artigos 37º e 18º da CRP. No tocante à não aplicação - ao seu caso - da «Lei da Amnistia», entende, fundamentalmente, que a estatuição da referida alínea j) «não se aplica à amnistia dos ilícitos disciplinares», a qual, a seu ver, tem carácter puramente objectivo [artigo 6º da Lei da Amnistia] «não lhe sendo estabelecida qualquer delimitação do âmbito subjectivo». E alega que a interpretação adoptada no acórdão recorrido é errada, pois que a «locução reincidentes» - constante da alínea j) do nº1 do artigo 7º da Lei da Amnistia - apenas pretendeu excluir das medidas de graça «ilícitos penais».

Mas a verdade é que no âmbito da «apreciação preliminar sumária» que cumpre a esta Formação fazer, torna-se bastante claro que a presente revista não deve ser admitida. Associada às decisões unânimes das instâncias - arbitral e judicial - está a circunstância de as «alegações» apresentadas pelo ora recorrente não se mostrarem convincentes, de modo a abalar consistentemente a decisão recorrida, apresentando-a como claramente carente de uma melhor aplicação do direito. Essa decisão mostra-se, efectivamente, fundamentada numa juridicamente viável, e até aparentemente correcta, interpretação e aplicação das pertinentes normas legais chamadas a intervir. Ademais, não obstante o acórdão recorrido ser lacónico na apreciação dos erros de julgamento de direito que o aí apelante suscitou, quer a respeito da subsunção da factualidade à norma punitiva, quer da eventual exclusão da ilicitude, verdade é que remeteu substancialmente para o anteriormente decidido, confirmando-o, o que afasta a nulidade por omissão absoluta de pronúncia. A inconstitucionalidade alegada pelo ora recorrente também não é, por si só, justificativa da admissão da pretensão de revista, pois que se trata de «questão» que pode ser suscitada directamente ao Tribunal Constitucional, não requerendo prévia pronúncia do tribunal de revista.

Ressuma, ainda, que as questões vertidas nas conclusões da revista, e já sucintamente identificadas, revelam dúvidas comuns neste âmbito do direito, reiteradamente por ele tratadas, não justificando atribuir-se-lhes «importância fundamental» quer em termos de relevância jurídica quer social.

Tudo aponta, pois, para que a pretensão de revista de AA não deva ser admitida.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 11 de Abril de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.