Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0270/11.9BEMDL |
Data do Acordão: | 03/10/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REVISTA APRECIAÇÃO PRELIMINAR CPPT |
Sumário: | I – O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. II – Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar a factualidade necessária para integrar a verificação dos referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis). III - Por expressa disposição legal, «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» (cf. art. 285.º, n.º 4, do CPPT). |
Nº Convencional: | JSTA000P27296 |
Nº do Documento: | SA2202103100270/11 |
Data de Entrada: | 02/03/2021 |
Recorrente: | A............, LDA |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 270/11.9BEMDL Recorrente: “A…………, Lda.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada (adiante Recorrente), inconformada com o acórdão de 22 de Outubro de 2020 do Tribunal Central Administrativo Norte (Disponível em «1.ª O douto acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, revogando a sentença recorrida, proferida em primeira instância, e mantendo em consequência as liquidações de IRS impugnadas. 2.ª Salvo o muito devido respeito, a impugnante, ora recorrente, não se conforma com tal decisão, considerando que a factualidade dada como provada no douto acórdão deveria ter reconduzido à improcedência do recurso, tendo sido indevidamente interpretados e aplicados os arts. 74.º e 75.º da Lei Geral Tributária (LGT), e ainda, subsidiariamente, o art. 100.º, do CPPT. 3.ª Invocando o disposto nos arts. 74.º e 75.º, da Lei Geral Tributária e art. 17.º, n.º 3, do CIRC, o douto acórdão concluiu a fls. 20 que (sublinhado nosso): 4.ª Ocorre que, da matéria dada como provada nos pontos 8, 9 (já com a correcção/aditamento à matéria de facto, introduzida a fls. 8), 10, 15, 16, e 19, e ainda do expresso no douto acórdão a fls. 15, resulta expresso e inequívoco que: 5.ª Embora considerasse que não se depreendia quem é que procedeu aos “empréstimos”, o douto acórdão reconheceu que os depósitos constantes nos nove talões de depósito relativos aos anos de 1998 e 1999 (que são os documentos n.ºs 4 a 12 juntos com a petição inicial) foram efectivamente efectuados na conta da sociedade “B…………, Lda.” (cfr. fls. 15, do douto acórdão). 6.ª Conforme documentos juntos na PI sob os n.ºs 13, 14, 15, as notas de lançamento, não numeradas, mas datadas de, 31-12-1997 no montante de 2.000.000$00; de 28-02-1999, no montante de 20.057.000$00 e de 31-12-2003 no valor de 48.417,45 €, aludem expressamente à conta “2551” / “Empréstimos de sócios” (cfr., em particular, nota de 31 de Dezembro de 1997), e encontravam-se efectivamente integradas na contabilidade da impugnante (cfr. facto provado n.º 8). 7.ª Conforme resulta do documento n.º 16 com a PI, o saldo de suprimentos no valor de 258.486,98 € constava efectivamente do balancete geral analítico relativo a Junho de 2005 da B…………, Lda. (facto provado n.º 9). 8.ª Como também resulta do facto dados como provado sob o n.º 10, tal saldo de suprimentos constava na proporção igualitária de 129.243,48 € para cada um deles, por via da presunção do art. 1403.º, n.º 1, Código Civil, decorrente da falta de individualização do direito de cada um deles. 9.ª Do documento n.º 21 junto com a PI resulta que, em 8 de Maio de 2006 a B…………, Lda. procedeu à entrega ao sócio C………… do valor de 50.000,00 €, a título de reembolso de suprimentos por si titulados (facto provado n.º 21). 10.ª Conforme documento n.º 22, que constitui o Balancete Geral Analítico da B…………, Lda. relativo a Novembro de 2006, aquele valor de 258.486,98 € titulado em suprimentos por parte dos dois sócios, cada um com 129.243,48 €, passou a ser de 208.486,98 €, sendo o valor de 79.243.48 € titulado pelo sócio C………… (129.243,48 € - 50.000,00 €) e 129.243,48 € pelo sócio D………… (facto provado n.º 16). 11.ª Conforme documentos n.ºs 23, 24 e 25 juntos com a PI, por força da fusão operada, em Dezembro de 2006 a sociedade incorporante A…………, Lda. contabilizou a crédito aquele valor de suprimentos dos sócios C………… e D…………, passando a titular o valor global de 265.339,51 €, resultante da soma do valor de 56.852.53 € (transportado pela A…………, Lda., pertencente aos antigos únicos sócios, E………… e mulher, F…………), e de 208.486.98 €, transportados da B…………, Lda. pelos sócios C…………e D………… (facto provado n.º 19). 12.ª Em face de tal factualidade dada como provada no douto acórdão considera-se que, efectivamente e ao contrário do ali expresso, a contabilidade da impugnante encontrava-se organizada nos moldes legais, permitindo à AT conferir quem e em que momentos efectuou suprimentos, como os efectuou, e de que modo é que os mesmos tiveram reflexo na contabilidade da impugnante. 13.ª De tal factualidade resulta que a impugnante cumpriu o seu ónus da prova a que alude o art. 74.º, n.º 1, da LGT, tendo trazido aos autos a prova da existência dos suprimentos e de que os pagamentos feitos constituíam reembolsos desses suprimentos, e aproveitando-lhe, por isso, a presunção da veracidade e da boa-fé das suas declarações, dos seus dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade, nos termos do art. 350.º, n.º 1, do Código Civil. 14.ª Tal presunção não é afastada pelo n.º 2, al. a), da LGT, exactamente porque dos factos provados resulta que as suas declarações, contabilidade ou escrita não revelaram omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectiam ou impediam o conhecimento da sua matéria tributável real. 15.ª Na evidência de que os suprimentos e respectivos reembolsos foram tratados fiscalmente, tanto pela impugnante como pelos sócios, competia à entidade impugnada demonstrar que tal presunção de veracidade e de boa-fé não ocorria, e/ou que aqueles suprimentos não tinham sido realizados, o que, em face da factualidade dada como provada, não logrou fazer. 16.ª A factualidade dada como provada impunha a improcedência do recurso e a manutenção da decisão que julgou procedente a impugnação da liquidação efectuada a título de retenção na fonte de IRS relativo ao ano de 2007. 17.ª Por assim o imporem, também, os princípios da justiça material, da legalidade, da colaboração recíproca e da boa-fé, consagrados nos arts. 5.º, n.º 2, 8.º, 55.º, 59.º, da LGT. Sem prescindir, acresce que: 18.ª Mesmo que, por mera hipótese, dos factos dados como provados resultasse alguma dúvida sobre a existência dos suprimentos e de que os pagamentos feitos constituíam reembolsos desses mesmos suprimentos, mesmo assim, realça-se, deveria ter sido sempre mantida a douta decisão da primeira instância que anulou a liquidação, e a decorrente improcedência do recurso. 19.ª Decisão que se impunha por força da aplicação do art. 100.º, n.º 1, do CPPT, quando estabelece que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”. Salvo o devido respeito, foram violados os preceitos legais sucessivamente invocados nestas conclusões. Nestes termos e nos demais de direito doutamente supríveis por Vs. Exas, deve o presente recurso ser admitido, e, por via disso, ser revogado o douto acórdão recorrido, tudo com as legais e devidas consequências, por assim ser de devida e costumada JUSTIÇA». 1.2 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, verificando a legitimidade do Recorrente e a tempestividade do recurso, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal e dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no qual, após enunciar os termos do recurso e os requisitos da admissibilidade do recurso de revista, considerou que estes se não verificam, com a seguinte fundamentação: «[…] a questão em controvérsia nos autos, não nos parece preencher tais requisitos. 1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do n.º 6 do art. 285.º do CPPT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido. 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2 DE DIREITO 2.2.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT e do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2.2.2 No caso, lidas as alegações de recurso nelas não encontramos qualquer alusão, por mínima que seja, aos requisitos de admissibilidade da revista. Na verdade, a Recorrente não demonstra, nem sequer alega, que estamos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou que a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2.2.3 Mas existe também um outro motivo por que a revista nunca poderia ser admitida. 2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar a factualidade necessária para integrar a verificação dos referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis). III - Por expressa disposição legal, «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» (cf. art. 285.º, n.º 4, do CPPT). * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso. Custas pelo Recorrente. * |